Ao acordar numa cama de hospital a primeira coisa que lembra-se é que estava a caminho do jantar de neurocientistas para fazer um discurso, tinha convidado Christine e Tony para irem com ele, porém nenhum dos dois aceitou por diferentes motivos. No meio do caminho o seu carro se despistou e assim nunca chegou ao jantar.

A segunda coisa que passa pela sua cabeça são as suas mãos. Ao olhar para elas o medo o consome: estavam cheias de pinos de aço e fixadores monstruosos.

— Olá. — É a voz de Christine. A sua cabeça doía, mas ele olha para ela na mesma e esta tenta parecer calma, mas Strange conhece-a e consegue ver o brilho de lágrimas por derramar em seus olhos. — Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. — Fala num sussurro, parece até confiante, porém aos ouvidos de Stephen ela está a tentar convencer mais a si mesma do que a ele.

Lentamente, Stephen desvia o olhar dela e volta observar as suas mãos que outrora eram perfeitas e agora estavam destruídas. O pânico começava a crescer de uma forma descontrolada dentro de si.

— O que foi que fizeram? — questiona e a sua voz sai da sua boca de uma forma tão sofrida que uma parte de si nem acredita que foi ele quem falou.

— Trouxeram-te de helicóptero. Mas demoraram para encontrar-te. Esse tempo no carro foi crítico para causar lesões nos nervos.

— O que foi que fizeram? — O pânico dominou a sua voz.

Christine engole o seco olhando entre ele e as suas mãos, parecia que iria chorar, mas conteve-se.

— 11 pinos de aço nos ossos. Múltiplas roturas de ligamentos. Lesões severas nos nervos das duas mãos. Operaram-te durante 11 horas. — Calmamente ela explica-lhe, porém a sua mente estava fixa na imagem das suas mãos e com isso a voz da Palmer afogava-se cada vez mais em seus pensamentos profundos.

— Olha para estes fixadores… — Divaga aflito.

— Ninguém fazia melhor. — Tenta confortar.

Após ouvir a afirmação de Palmer ele fita-a com a raiva que manteve-se escondida por detrás do pânico.

— Eu fazia melhor.

Christine morde o lábio sabendo que provavelmente aquela era a verdade que ela não queria admitir, os seus olhos vão em direção à porta e depois para o homem destruído. Hesitantemente afasta-se de Strange.

— O Sr. Stark está lá fora. — Conta com suavidade, como se ele fosse uma criança ingênua. — Queres que o chame?

— Não. — Christine arregala os olhos.

— Mas, Stephen…

— Achas que eu quero que ele me veja assim, Palmer? — Pergunta retoricamente com cinismo correndo nas veias.

A sua cabeça cai com tristeza. — Compreendo. — Em passos lentos ela sai da sala.

Stephen Strange ficou sozinho naquele momento.

E o resto do tempo.

Tony não entrou.

Um alívio egoísta encheu o seu peito.


Tony nunca mais apareceu, Stephen também não procurou-o, a sua vida partir daquele dia resumiu-se a tentar curar as suas mãos para poder ter a sua vida de volta. Com isso, as suas mãos passaram por 7 cirurgias e cegamente ele manteve esperança.

Nenhuma delas obteve o resultado desejado.

E a cada dia que passava o pavor consumia-o, porque ele não estava a recuperar, o seu dinheiro estava a terminar e existiam poucos cirurgiões que não se preocupavam em manchar o seu registo em processos experimentais.

Até o seu suposto amigo em França recusou ajudá-lo, tirando-lhe o tapete debaixo dos pés, desligando abruptamente a vídeo-chamada. Os seus olhos caem sobre as folhas ao seu lado onde ele praticava escrever o seu próprio nome e a amargura cresce no seu peito pois nem isso ele conseguia fazer mais!

Frustrado, passa as mãos trêmulas pela face, assim lembrando-o que a sua barba estava longa, mas que ele não podia fazê-la sem ajuda.

Num movimento rápido fecha o computador e atira tudo o que tinha na mesa ao chão, se levantando da cadeira sobressaltado, irritado e agitado sem saber o que fazer. O click da porta do seu apartamento ecoa e Christine entra em perfeitas condições dentro de sua casa, ele só consegue sentir inveja, uma voz dentro da sua cabeça o questiona maldosamente “Por que tinha que ser eu?”.

— Olá. — Cumprimenta com um saco de compras nas mãos. Ela olha para ele e logo sabe. — Ele não o vai fazer?

Nega com a cabeça olhando o computador no chão, relembrando sobre o seu estúpido e medricas “amigo” francês. — Ele é um covarde. — Cheio aborrecimento Stephen pega no que atirou ao chão e volta a colocar na mesa sentando-se de volta na cadeira. — Há um novo procedimento em Tóquio. Eles cultivam células tronco de doadores e recolhem-nas e fazem cópias numa impressora 3D… Se conseguir um empréstimo…

— Stephen…

— Pequeno, 200 mil…

— Stephen… — Ele olha para ela. — Sempre gastaste o que gostavas, mas agora gastas o que não tens. Talvez esteja na altura de pensares em parar.

Mero pensamento de parar faz as suas mãos se contraírem fazendo o computador entre elas colidir estrondosamente com a mesa. Por que as pessoas não conseguiam compreendê-lo?

— Agora é exatamente a altura de não parar! — Strange levanta-se agitado, movendo as mãos que tremem sem parar, enquanto olha para elas com desgosto. — Porque não estou a melhorar! — grita virando costas a Christine não aguentando mais a sua presença.

— Isso já não é medicina. É obsessão. — Ela parece à beira das lágrimas. Quantas vezes ele fez a sua amiga chorar desde o acidente? — Algumas coisas não podem ser reparadas.

— A vida sem o meu trabalho…

— Ainda é vida.

Isso fez Strange engolir em seco, ele sabe que ela tem razão, ele pode viver, mas nunca chamaria de viver aquilo que viria sem as suas mãos… Ele iria sobreviver. Como poderia olhar-se ao espelho todos os dias e saber que ele iria sobreviver só mais um dia até que o seu coração parasse de bater?

— Isto não é o fim. — Afirma confiante. — Há outras coisas que podem dar sentido à tua vida. — A sua voz vem com carinho e isso faz um nó crescer na sua garganta.

— Como o quê? Tu?

— Não estava a falar de mim…

A sua face desvia-se na direção da janela ignorando-a e suas palavras.

Tony não tinha aparecido desde aquele dia no hospital.

Tudo por causa das suas mãos.

— É hora de tu saíres.

— Está bem! Já não posso te ver a fazer isto a ti mesmo! — Caminha rapidamente até a porta com tristeza na voz ao dizer aquelas palavras.

— É difícil para ti? — Strange vira-se para ela olhando com ironia e sarcasmo.

— Sim, é! — Volta a aproximar-se dele com passos firmes. — E parte-me o coração ver-te assim… — A suas palavras estão cheias de pena e isso só deixa-o mais frustrado, frustração que ele transforma em raiva.

— Não sintas pena de mim! — Aponta acusadoramente.

— Não estou com pena de ti.

Strange caminha até Christine desleixadamente, sentindo o seu corpo ser consumido pela fúria que ele detesta sentir. Muitos dizem que ele é uma bomba relógio, calmo no princípio, mas rebenta explosivamente no final, porém também dizem que a sua raiva é gelada com a sua atitude fria.

— Gostas muito de uma história triste, não é? É isso o que eu sou para ti?! — Os seus pés o levam a perambular pelo apartamento enquanto gesticula com os seus braços com sarcasmo e irritação. — “Pobre Stephen Strange, um caso de caridade. Finalmente precisa de mim! Outro lixo da humanidade para ajudar. Conserta-o e manda-o de volta ao mundo com o coração feliz.” — Strange gela o seu olhar no dela. — Porque importas-te tanto! Não importas?!

Após o grito o apartamento fica em silêncio.

Christine chora em silêncio.

Ela olha-o como tivesse esperando por algo, porém vendo que nada viria ela nega com a cabeça como se estivesse desapontada.

— Adeus Stephen.

E assim, Christine também vai embora.

Lentamente as pessoas que eram importantes para Stephen partiram.


Stephen encontrou a solução para as suas mãos finalmente, existia um lugar que tinha curado Jonathan Pangborn, um paraplégico sem solução alguma, este disse-lhe que a sua salvação tinha o nome de Kamar-Taj em Kathmandu. Se eles curaram um paraplégico também poderiam curá-lo.

No entanto ele já não tinha dinheiro para comprar a viagem para tal país, como solução, ele vendeu tudo o que tinha e conseguiu um bilhete de ida.

Um bilhete só de ida.

Se algo acontecesse com ele, não poderia voltar.

Mas também, por que ele voltaria se não teria uma vida para onde retornar?

— A porta do teu apartamento está aberta. — Uma voz, que ele conhece muito bem, invade os seus ouvidos. — Eu perguntaria se querias ser roubado, mas não tem nada aqui.

— Vai embora. — Fica, por favor.

— E deitar este vinho fora? — questionou olhando para a garrafa com um sorriso de canto. — Sauternes, vindo diretamente de Bordeaux, da França. — Tony tira a rolha da garrafa já aberta. — Um vinho assim tão bom é um crime o beber sozinho.

Strange fica calado, olha para ele por um momento. Os olhos de Tony eram iguais ao que ele se lembrava, grandes de cor Whisky, que observam-no como sempre faziam, como se ele não tivesse vestido com farrapos, barba por fazer à semanas e com as mãos destruídas.

— Eu não tenho copos…

Isso faz o sorriso de Stark aumentar e o mesmo se aproximar dele com a garrafa na mão, ele se senta ao seu lado no chão no meio do apartamento vazio e sombrio. Ele aproxima-se lentamente como se tivesse tentando alcançar um animal ferido. Ao ver que Stephen não afasta-se, ele encosta-se nele até os seus braços estarem colados e os joelhos de ambos ficar apoiados um no outro.

— Quem precisa de copos? — pergunta bebendo da garrafa oferecendo a Stephen de seguida.

Ele pega-a e dá um longo gole no vinho, tinha um sabor doce e requintado, era bom; por um tempo ele não pôde apreciar coisas como aquela, caras, com os gastos que fez nas cirurgias ele mal teve tempo ou dinheiro para comer ou beber algo assim.

— É bom… — comenta entregando a garrafa a Tony. — O que vieste fazer aqui Tony? — Pergunta enquanto olha focadamente para a parede. — Eu não necessito da tua pena.

— Ainda bem, porque eu não trago nenhuma. — Dando um gole demorado no vinho vira-se para Strange. — Eu trago boas notícias. — Stephen arqueia a sobrancelha. — Olha, eu sei que fui um idiota em não aparecer antes, mas eu estou literalmente com 2 horas de sono no meu sistema desde à 72 horas atrás. — Suspira. — Eu estou a criar uma solução Stephen. Não é uma solução médica, mas eu posso criar algo para ajudar. Estou a desenvolver nanotecnologia capaz de ajudar as tuas mãos a parar de tremer.

Stephen olha com indiferença para Stark, mas Tony não parece surpreso com isso, afinal Strange era uma pessoa inteligente. — E quanto isso vai demorar? Dias? Meses? Anos? Eu não posso esperar tanto tempo, estou sem dinheiro e com as mãos assim nunca conseguirei um emprego.

— Tu podes vir viver comigo. — O tom carinhoso de Tony apanha Stephen de surpresa. A mão de Tony vaga pelo braço de Strange carinhosamente até chegar à mão carregada de sofrimento, ele para ali, as cicatrizes eram recentes demais para serem tocadas de forma tão trivial.

— Tony… — Ele detesta aquele sentimento, o sentimento de sentir-se inútil.

Anthony levanta-se com tanta calma e suavidade senta-se frente a Stephen entre as suas pernas, enquanto as duas próprias passam pelos lados deste. A face de Stephen contrai-se, a proximidade entre ambos é grande demais para este se manter indiferente em relação à sua aparência, foi puro instinto mas o seu rosto roda para o lado.

E então ele sente as mãos hesitantes de Tony aconchegarem-se em cada lado da sua face e com delicadeza faz Stephen o olhar nos seus olhos.

O seu interior estremece com aqueles olhos.

— Imagina: Eu sairei do complexo dos Avengers e vamos arranjar um lugar para só nós dois, uma casa ou apartamento em Nova Iorque, FRIDAY estará sempre lá para ajudar quando precisares e eu-

— Oh, cala-te Stark. — O seu olhar gelado é direcionado a Tony, no entanto este parece imune a ele. — Eu não vou ser uma estúpida sanguessuga e viver às suas custas.

O gênio, mesmo depois das suas palavras duras, continua ali… Ele deveria se afastar naquele momento para colocar um ponto final naquela dança estranha que ambos andavam a fazer um em volta do outro há anos.

Porém, ele teria coragem para o fazer?

Claro que não.

— Eu não importo-me. — Os polegares de Tony acariciam as suas maçãs do rosto com delicadeza.

Por que este homem importa-se tanto?

— Mas eu importo-me. — Tony olha-o com um sentimento que ele não consegue identificar. — Existe um local no Nepal que curou uma pessoa com uma lesão completa na coluna espinhal C7 e C8. — Stephen conta atraindo a atenção de Tony. — Ele disse-me onde era e como chegar lá, Tony. Eles podem curar as minhas mãos.

Anthony vislumbra os seus olhos demoradamente, até que de forma atrapalhada puxa Stephen para um abraço onde este descansa a cabeça no seu ombro. A princípio Strange não se move nem por um centímetro, até que o seu corpo decide que não consegue suportar mais dor sozinho, os seus braços envolvem Tony, as suas mãos fracas apertam as suas roupas, e a sua testa se afunda calorosamente em seu ombro.

Se Stark sente as suas roupas úmidas não diz nada.

— Nós temos que fazer essa barba antes de ires, Gandalf. — Sussurra ao seu ouvido rindo ligeiramente da sua própria piada.

— É Strange, Tony. — responde como de costume, porém falta-lhe a força que outrora Stephen Vincent Strange tinha.

— Não, é Doctor Strange. — Os cabelos negros e agora longos de Stephen são afagados pelos dedos do génio.


Kathmandu, a capital e maior cidade do Nepal, tinha sido uma experiência de outro mundo, quando ele encontrou Kamar-Taj foi que literalmente tornou-se uma experiência de outro mundo. Um lugar que ignora tudo o que ele aprendeu e injetou na sua cabeça todo o conhecimento que pensou ser impossível de existir.

Apesar disso, com o tempo ele aprendeu a respeitar Kamar-Taj, mesmo nunca esquecendo que a ciência fez dele a pessoa que é hoje. Em algum lugar dentro dele ele sabia que a magia é a ciência que eles ainda não compreendem.

Durante sua estadia Stephen conheceu Ancient One, o seu principal tutor, Mordo, aquele que o acolheu e Wong, o bibliotecário sem sentido de humor.

Ele tinha ido a Kamar-Taj para curar as suas mãos e poder voltar para a sua antiga vida, porém tudo o que encontrou foi magia e a sua vida a ser colocada em perigo por um olho e um mágico maluco chamado Kaecillius. por essas razões é que naquele momento ele estava ferido e teve que abrir um portal para o hospital onde se encontrava a única pessoa que confiaria a sua saúde física.

Saindo de uma sala do Staff ele grita no corredor o nome da tal pessoa.

— Christine! — Aparece uma mulher que tenta o ajudar, mas ele ignora-a continuando a procurar pela Palmer. — Christine!

— Stephen! — grita ao ouvi-lo no corredor. Largando imediatamente os papéis que carregava ela aproxima-se dele. — Oh meu Deus…

— Leva-me para a sala de operações. Só tu.

— O que… — Parece hesitar, sabendo que não era tempo para isso, que ele estava a morrer.

— Agora! Não tenho tempo.

Ambos entram rapidamente dentro de uma sala de operações, Stephen apoiado em Christine, enquanto tapa a ferida no peito com a sua mão; ele inclina-se na mesa de operações e deita-se nela sem esperar mais.

— O que aconteceu? — questiona aflita.

— Esfaqueado. Tamponamento cardíaco.

— O que estás a vestir? — perguntou retoricamente enquanto abria a parte de cima da sua roupa. — O tórax está limpo.

— Não. O sangue está no saco pericárdio. — Essas foram as suas últimas palavras antes de desmaiar.

Bem, a partir daí as coisas começam a ficar estranhas.

Pelo menos para Christine.

Stephen entra na sua projeção astral e começa a explicar o que Palmer deveria fazer, apesar de esta parecer totalmente confusa com tudo o que estava a acontecer. Então ele recorda de algo, o portal que ele tinha aberto anteriormente… Ele não o tinha fechado.

Como havia imaginado, em consequência o seu inimigo entrou por esse portal também na projeção astral e os dois começaram uma batalha digna de um filme. No final ele venceu, porém ele espera que não fosse ao custo de uma vida, mesmo que está fosse um inimigo seu. O gosto amargo da vitória enche a sua boca e ele o odeia.

Ele odeia aquele sentimento e odeia ainda mais que não exista tempo para refletir nos seus atos.

Quando ele volta ao seu corpo o único gosto agradável é a face assustada de Christine pelo seu acordar espontâneo.

— Meu Deus. — A sua respiração está ofegante como se tivesse sido ela a lutar em vez dele. — Estás bem?

— Sim.

— Ok. — Ela olha em volta como se não acreditasse no que acabara de acontecer, sendo assim o seu corpo parece agir por forma automática pegando os materiais para coser a sua ferida. — Depois desse tempo todo, apareces aqui assim. A saíres do teu corpo.

— Eu sei. — Suspira cansado dando um sorriso de canto, ignorando a dor dos pontos. — Também tenho saudades tuas.

— Não mandaste e-mails.

— Porque eu enviaria? — questiona olhando para o teto da sala de operações. — Não achei que fosses falar comigo.

— Fiquei muito chateada. — afirma Palmer tentando não olhar para a face do seu amigo. — Provavelmente eu não responderia, mas… — Ela olha para ele finalmente. — O Sr. Stark, sim. — Continua a fazer o seu trabalho atenta. — Mas o que aconteceu? Por onde andas?

— Bom, depois da medicina Ocidental ter falhado comigo, fui para o Oriente e acabei em Kathmandu.

— Kathmandu?!

— Sim.

— A música de Bob Seger?

— Beautiful Loser, 1975. — responde fazendo Christine revirar os olhos. — Fui a um lugar chamado Kamar-Taj e falei com alguém chamado “Ancient One”.

— Oh, então entraste num culto?

— Não. Não exatamente... — A hesitação faz a Palmer rir ligeiramente. — Ensinaram-me a ceder a poderes que nem sabia que existiam.

— Parece com um culto.

— Não é um culto.

— Bem, é o que os cultistas dizem.

— Para com isso. — Ri Stephen se levantando da maca.

Christine olha-o sem entender como ele pode estar tão bem no meio daquela loucura toda, Stephen levanta-se e, diante do olhar da Palmer, explica-lhe que tem que voltar. Ela não parece totalmente conformada com a resposta, no entanto deixa-o ir e, no final, fica ainda mais indignada quando conta-lhe em mais detalhes onde ele está e o que vai fazer enquanto caminhavam em direção ao local de onde Stephen saiu; pelo visto ela pensou que ele estava a ser irônico.

No final ela só acredita nele quando ele mostra-lhe o portal aberto na sala do Staff que deixa-a de boca aberta. Strange despede-se com um simples aceno de mão pronto para partir, acabar com os problemas em Kamar-Taj e ainda os compreender melhor.

— Stephen! — chama Christine. — Não achas melhor falares com o Sr. Stark antes? — Morde o lábio parecendo nervosa com as suas próprias palavras.

Strange vira-se na direção oposta a ela, caminhando para o portal que fecha-se lentamente, assim a Palmer pode ouvir as suas últimas palavras — Talvez quando eu voltar.


“Tudo está bem quando acaba bem.”

Era o que ele gostaria de acreditar, mas ele estaria a mentir se pensasse que era verdade.

Dormammu, um ser místico governa a dimensão negra, matou-o vezes e vezes sem conta, enquanto eles estavam presos num loop temporal. Ele lembra-se de cada vez que o seu corpo foi rasgado ao meio, esfaqueado, esmagado, de todas as vezes que ele tentou se defender em vão, das vezes que gritou e de quando quase implorou ou parou o loop para a sua dor simplesmente parar.

Mas no final, ele não o fez e sofreu e sofreu e sofreu, até que Dormammu atendeu ao seu acordo depois de inúmeras mortes, foram tantas que ele tinha perdido a conta após a centésima… deixou de contar depois de que percebeu que isso só fazia doer mais.

Kaecillius é derrotado, mas Mordo vai embora.

No final ele não gosta de chamar aquilo de vitória.

Wong leva consigo o Olho de Agamotto e o seu universo está sem o seu Supreme Sorcerer para os proteger dos seres dos outros universos deste vasto multiverso. Stephen ficou como o novo mestre do templo de Nova Iorque e Wong voltou para Kamar-Taj para cuidar dele junto com os outros mestres.

Estando no templo, com o seu manto enrolado nos seus ombros, o universo fica em silêncio depois de um longo tempo e Strange não sabe o que fazer com isso. Existe um computador naquele lugar, ele ficou longos minutos a olhá-lo fixamente perguntando-se se deveria usá-lo ou não… Se Tony ainda lembra-se dele…

Mas e se lembrasse? Faria diferença? Ele fugiu da sua ajuda para procurar uma cura milagrosa sem certezas e então voltou com as suas mãos ainda a tremer. Apesar de ele agora ter o poder para as curar ele simplesmente não quer fazer isso em si mesmo, pois recentemente aprendeu umas das lições mais importantes de toda a sua vida: Não é sobre ele. A magia que ele tem não é para seu uso próprio e sim para ajudar os outros. Ele nunca poderia considerar-se o mestre do Templo de Nova Iorque se curasse as suas mãos.

Mas no final de tudo Dormammu ainda habita nos seus pesadelos. Durante a noite a sua mente não descansa com medo de morrer da próxima vez que Dormammu atinge-o, no entanto esses pesadelos lembram-o do porquê de ele ter feito o que fez.

Foi pelas pessoas que não faziam ideia do que estava a acontecer.

Foi por Happy, Pepper e Rhodey por serem seus amigos.

Foi por Peter por ser apenas um miúdo com um grande futuro pela frente.

Foi por Christine por ter ficado ao seu lado.

E foi por Tony…

Porque ele amava-o.

E ele teve que morrer milhares de vezes para perceber que o sentimento que tinha pelo maldito Anthony Edward Stark era amor.

Era quase poético e isso dava-lhe vômitos metafóricos.

Uma noite ele acorda de um pesadelo, o mesmo de sempre e ele não sabe mais o que fazer, passaram-se semanas, já estávamos em 2017, o silêncio consumia as paredes do templo e o seu manto o envolvia como se ele fosse uma criança a cada noite. Não existia para quem ele correr e, mesmo que existisse, só uma pessoa passa pela sua cabeça.

A única pessoa que estaria acordada àquela hora da noite.

Sem pensar muito, ele fez um portal pensando nele e, dando um passo dentro, pode vê-o ali distraído à volta da sua mesa. A sala está cheia de peças de metal espalhadas por todos os cantos, computadores super avançados, folhas de papel mal organizadas e algumas chávenas de café por lavar colocadas sobre as mesas da sala.

Quando Tony ouve os seus passos e vira-se, não existe nada que o impeça de vê-lo em suas roupas chamativas, o seu manto, as suas luvas e os seus ferimentos no rosto quase curados.

— Mas que merda? — É a primeira coisa que sai da boca de Tony quando o vê e Stephen sorri por ser tão igual à voz que ele lembra-se desde a última vez que falaram.

— Stark.

— Oh, não, não, não. — Nega com o dedo da mão de aproximando dele em passos apressados. — Não venhas-me com “Stark”, seu neurocirurgião idiota que acabou de entrar na minha sala por um portal. — Tony arregala os olhos com as palavras que saíram da sua boca. — Como entraste por um portal?!

— Magia...? — Ele fez “mãos de jazz” ironicamente, porém lentamente na dúvida se era cedo demais para uma piada.

— Não me faças “mãos de jazz”! — Sobressaltado ele passa as mãos pelos seus cabelos como se quisesse os arrancar. — Christine telefonou-me perguntando se tu tinhas vindo falar comigo. Eu perguntei porquê e ela acabou por contar-me tudo! E sério? Kamar-Taj? Estamos, no quê, num livro barato da loja de lembranças?! — Gesticula com as mãos. — Ela disse que tu estavas ferido Stephen. Eu procurei por ti em todos os lugares com os meus satélites e não encontrei-te em lado nenhum! Nenhum hospital em Kathmandu ouviu falar do nome Stephen Vincent Strange e eu sei porque perguntei a todos eles! Eu estou tão-

— Desculpa. — Tony para olhando para ele sobressaltado sem acreditar. — Por tudo. Tu poderias ter-me ajudado, mas eu fui um completo idiota e tratei-te mal. — Respira fundo sentindo que as suas mãos tremem mais que o costume. — Mereces melhor.

— Estás a delirar. — Tony tinha a boca aberta e se o ambiente não fosse tão tenso ele acharia cômico. — A magia comeu o teu cérebro, Stephen?

O Doutor sorri tensamente lembrando-se de uma das suas mortes feitas por Dormammu. — Acho que não.

Anthony estranhando a expressão de Strange aproxima-se dele e lentamente alcança as suas mãos, tal como dá última vez, porém agora Strange agarra firmemente aquelas mãos como se fossem a sua tábua da salvação; o génio parece espantado com sua atitude por breves momentos antes de entrelaçar os dedos com os de Stephen.

— As tuas mãos…

Strange sente uma pontada no coração dividido entre dizer que é para um bem maior ou cair na derrota de que nunca mais será capaz de realizar as mais simples tarefas sem magia.

Ele deixa a sua cabeça pender no ombro de Tony, que fica rígido, e segue encaixavando o seu corpo no do outro como se fosse a sua peça perdida à muito tempo. Stephen, enfim, aconchega-se na curva do pescoço de Tony inclinando a cabeça para mais próximo dele desejando por mais contato, por mais conforto, por algo que lhe desse segurança.

Depois de um tempo surpreso com a atitude do maior, Stark finalmente deixa-se aninhar em Strange com uma saudade que Stephen consegue identificar em si e logo ele não sabe mais o que deve sentir, o que deve dizer, o que deve fazer… e o seu coração se afunda cada vez mais na sua dor.

— Dormammu estava a atacar a terra. — Strange consegue sentir em como Tony torna a ficar rígido com aquelas palavras. — Não existia como nós vencermos. Cheguei à conclusão que poderíamos perder eternamente. — O seu corpo treme involuntariamente, ele quase sente vergonha de estar de mãos dadas com Tony dada a forma de como elas vibram com o seu medo. — Eu me prendi num loop com ele… E eu perdi uma e outra vez, vezes e vezes sem conta. — Ele enterra-se ainda mais em Tony procurando conforto no homem em silêncio. — Eu morri em cada vez e eu lembro-me de todas… — Ele estremece e com isso Tony acaricia em pequenos círculos as suas mãos com os seus polegares. — … Todos aqueles pesadelos horríveis por causa da minha estúpida memória fotográfica. — Por momentos Stephen permanece em silêncio, porém sussurra quatro palavras ao ouvido de Tony esperando sinceramente que ele não as ouvisse — Mas valeu a pena…

Tony abraça-o fortemente saindo do seu estado de choque, prendendo o seu corpo no de Strange tão próximo quanto possível, Stephen rapidamente o abraça de volta, tendo medo que este afaste-se dele depois de saber o que aconteceu.

— Nunca digas que vale a pena morrer. — Tony sussurra para ele com medo na sua voz.

Strange não parece ser afetado com essas palavras. — Nunca parei o loop. — A sua voz falha lembrando de quantas vezes ele quis. — Por causa de todos, de Happy, Pepper, Rhodey, Peter, Christine… — Ele afasta-se lentamente para olhar no rosto de Stark. O rosto que ele sentiu tanta falta. — Por tua causa.

A sua voz saiu com todo o carinho que ele tentou reprimir por tanto tempo. Talvez por ele ter enfrentado a morte tantas vezes era simples dizer os seus sentimentos a Tony, pois o medo de morrer amanhã sem Anthony Edward Stark saber o quanto importante ele era para Stephen Vincent Strange era a coisa mais assustadora que existia.

— Não morras por minha causa, idiota. — A sua voz tinha um óbvio desagrado nela, porém também existia outro sentimento presente nela, um sentimento que ele conseguia ouvir também na sua voz.

— Doctor Strange.

— Eu sei, Doctor “beija-me agora”.

Foi como se naquele momento o cérebro de Stephen tivesse levado um choque, pois não existiu nenhuma reação para além da aceitação da presença dos lábios de Tony. As mãos de Anthony se enrolam na parte de trás do pescoço de Strange puxando-o mais para baixo, enquanto ele equilibra-se na ponta dos seus pés, estas enterram-se nos cabelos negros do médico desfrutando dos arrepios que lhe causava. As mãos de Strange o envolvem docemente caindo acima da sua cintura o puxando para si, elas tremem terrivelmente, mas Tony não consegue lhes dar um segundo pensamento para além de que ele gosta delas. O contato entre os lábios era vigoroso, cheio de saudade e da fome contida durante anos, porém era doce além de necessitado, fazendo a mente de ambos esquecer o que os envolvia.

Ambos separam-se ofegantes olhando nos olhos um do outro com carinho, nos braços um do outro depois de tanto tempo.Então um calor extra os envolve levando o cérebro de Tony a entrar em curto-circuito.

— A tua capa moveu-se!

— Estragaste o momento. — Depois de um momento de silêncio com Tony a olhar com ele com uma sobrancelha arqueada Stephen não resiste às palavras. — E é um manto.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.