Pureblood

Vinte — Pelo riso de uma criança.


Na mesma noite, Natsu estava deitado sobre a cama com um saquinho de balas de menta ao lado, deixando-as dissolver na língua enquanto olhava para a parede. Não fora para a faculdade, ficando em seu quarto o dia todo fazendo absolutamente nada.

Tsc, tsc. — Mira pôs as mãos na cintura ao adentrar o cômodo, fingindo-se de brava. — Eu já não lhe disse milhares de vezes que não pode comer doce antes do jantar?

O rapaz deu um sorrisinho fraco.

— Desculpa.

A albina sorriu de volta e suspirou, sentando-se ao seu lado na cama. Olhando-o com carinho, acariciou seus cabelos róseos.

— Tem alguma coisa que você queira me contar?

— Nada de importante. — mentiu ele, dando de ombros. Continuou encarando o teto.

— Hum... então olhe aqui e dê uma risadinha.

Natsu olhou para ela, fitando seus olhos azuis, fez a pior atuação de riso da história das atuações. Era tão difícil fingir qualquer coisa enquanto a olhava diretamente... depois disso, ele a viu fechar a cara.

— Não gostei dessa risadinha. — e inflou as bochechas fazendo bico de criança; aquela expressão sempre o fazia rir de verdade. Ao ouvi-lo rir, Mira começou a rir junto. — Assim está melhor.

O rapaz ficou em silêncio, fechando os olhos para sentir o cafuné que ela fazia. Perguntou, quase num sussurro:

Você já teve um sonho que te fez perder o dia todo pensando nele?

— Hum?

— N-Nada. — respondeu, e ambos ficaram quietos enquanto Mirajane fazia-lhe cafuné. A moça tomou palavra.

— Você parece diferente hoje. — disse ela com as bochechas levemente quentes. — E isso me deixou preocupada. Pode ser que você não queira me contar algo que aconteceu, mas... U-Ugh.

Mira colocou as mãos abaixo da barriga, sentindo uma pontada dolorida na região. Não era a primeira vez que acontecia naquele dia. Felizmente, a dor desapareceu tão rápido quanto aparecera. Natsu olhou para ela, preocupado.

— O que foi? — perguntou, sentando-se na cama.

— A-Ah, não é nada. — respondeu ela. — É só uma dorzinha chata, aquela que só as mulheres têm.

Ele murmurou algo e, com os cabelos escondendo a maior parte de seus olhos, Natsu sorriu com certa malícia e inesperadamente pôs as mãos em cima da região que antes Mirajane tocara. Ela corou.

— Aplicar calor alivia a dor, né? — disse ele em um tom de voz que normalmente não usava, assim como o pouco que podia ser visto de seus olhos estava diferente do usual. Natsu ficava daquela maneira quando... tinha segundas intenções.

— Não está doendo mais, Natsu. — respondeu Mira, sem conseguir se afastar quando ele aproximou o rosto de si e deixou-a inalar o cheiro do hálito perfumado de menta. A albina riu, nervosa, e continuou em parte brincando, e em outra falando sério: — E pare de tentar me seduzir.

Era impressionante como aquele garoto conseguia ser sensual quando queria. Mesmo ela, que sentia-se mais como uma mãe para ele, deixava-se levar por um momento por seu tom de voz carinhoso, seu cheiro agradável, suas carícias. Mas não permitiria nada hoje.

Desistindo estranhamente e facilmente, o rapaz suspirou e voltou a deitar com um suspiro. Também não estava disposto a tentar mais alguma coisa.

— Isso pode soar idiota, mas... — começou ele. — Você acha que sonhos podem trazer alguma mensagem importante esse negócio vinda do além, se é que esse negócio existe?

— Hum. — Mira pensou um pouco antes de responder. — Se você acreditar que o que você chama de além existe, então pode-se dizer que sim, às vezes sonhos são mensagens. Não todos, mas alguns sim. Mas se você não acredita em nada, então isso simplesmente é pura besteira. Pense sobre o que você acredita, e essa será a sua resposta.

Sem ser vista, Olívia espiava tudo pela fresta da porta. Estava ali desde que a cozinheira entrara no quarto e, particularmente, havia gostado das cenas que vira. Natsu e Mirajane eram realmente um casal esquisito, mas seu filho já era maior de idade e poderia ficar com a mulher da idade que quisesse. Que engraçado, não? Jamais imaginara que Natsu poderia querer algo com a mulher que cuidava dele desde que era um bebê. Mas por uma determinada razão, lhe agradava ele não demonstrar que gostava de outra pessoa...

Finalmente era sexta-feira e Lucy tomava um banho rápido enquanto ouvia — do banheiro do próprio quarto — os barulhos altos de coisas caindo no chão, portas de armário batendo, Erza falando algum palavrão vez ou outra. Nervosamente, desligou o chuveiro e começou a secar o corpo com a toalha antes de aplicar um hidratante corporal sobre a pele, perfumando-a com aquele cheirinho doce.

Vestiu os pijamas pois antes de vestir — e saber qual era — sua roupa, Scarlet seria a responsável por maquiá-la e arrumar seu cabelo, apesar de que a loira não pensava que tudo aquilo era preciso. Afinal, não era um encontro, certo? Talvez fosse, mas pensar dessa forma não a deixava tão amedrontada; ao menos era o que achava.

Foi até o quarto de sua amiga e encontrou roupas amontoadas num canto, armários abertos e todo o tipo de maquiagem que pode-se imaginar. Lucy arregalou os olhos diante de tudo o que via e obedientemente, sentou-se na cama de Erza para que ela começasse sua “maior obra de arte”, segundo a mesma. Se a ruiva era tão boa com pincéis em telas, com certeza seria boa em aplicar pincéis em seu rosto. A garota rezava para que estivesse certa!

Pouca base, pó, blush cor-de-rosa, lápis preto, rímel e hidratante labial que deixava seus lábios naturalmente avermelhados ainda mais parecidos com cerejas maduras. Depois de feita a produção facial, Lucy colocou um vestido rosa com estampa de pequenas flores nos babados. Um casaco branco não muito frio para mantê-la aquecida e meia-calça branca com adoráveis sapatinhos pretos. A loira sentiu-se particularmente... estranha com aquelas roupas. Não possuía o costume de vestir coisas tão bonitas como eram e estava curiosa para se olhar no espelho; Erza disse que isso só seria possível assim que ela estivesse totalmente pronta.

— Não se preocupe. — disse a ruiva ao ver que Lucy tremia. — Você está linda. Só precisamos fazer algo no seu cabelo... ah, já sei. Eu já volto.

Apanhou um elástico de silicone de dentro de uma caixinha no banheiro e penteou os cabelos louros para o lado, prendendo-os em um rabo-de-cavalo lateral não muito alto. Com um brilho nos olhos, Erza admirou sua obra e finalmente permitiu que Lucy se visse no espelho. A loira foi até o banheiro com a amiga e ao viu uma garota tão linda ao lado de Scarlet que ficou de queixo caído. Era estranho como de certa forma parecia-se com ela, mas de maneira alguma possuía o direito de comparar a si mesma com tamanha beleza.

— S-Sou eu! — exclamou com espanto, apontando para o próprio reflexo.

— Sim, é você. — respondeu Erza colocando as mãos sobre seus ombros. — Viu como eu te deixei ainda mais linda?

Lucy encarava a si mesma diante do espelho sem mover um músculo. Nunca pensara em si mesma como a mais horrorosa das criaturas, e na realidade nunca havia parado muito tempo para refletir sobre sua aparência. Mas, honestamente, ela não conseguia acreditar que podia se sentir tão linda.

— Obrigada, Erza... — disse ela, corando ao continuar se olhando. — Eu fiquei realmente... bonita.

A ruiva beijou o topo de sua cabeça, com muito cuidado para não desarrumar nem um centímetro do penteado.

— Ah, eu quase ia esquecendo! — ela abriu a gaveta e retirou duas lata grande de spray. — Feche os olhos e prenda a respiração.

Lucy obedeceu e assim, seu rosto estava com bastante fixador de maquiagem e seu penteado provavelmente não desarrumaria durante o encontro todo. Também recebeu da amiga algumas balinhas de menta, corando quando Erza falou que era claro que eles poderiam se beijar. Ainda não seria cedo demais para isso?

Deixou a bala dissolver na língua e sentada no sofá, aguardou ansiosamente alguma ligação da portaria. Suas pernas tremiam, e a ruiva mal podia ajudar, já que estava tão entusiasmada quanto ela por mais que o encontro não fosse seu.

As duas quase sofreram de uma parada cardíaca quando o interfone tocou. Num salto, ambas se levantaram e Scarlet correu para atender.

— Alô!

Srta. Erza, tem um cidadão chamado Sting dizendo que veio buscar a srta. Lucy. — disse Karen do outro lado da linha, quase cantarolando. A loira, que estava ao lado ouvindo, corou de imediato. — O deixo subir?

— Ela já tá indo! — berrou Erza, colocando o telefone de volta no lugar e então, puxou Lucy pela mão até a porta. — Chegou a hora, Lucy! Chegou a hora!

As duas desceram pelo elevador e assim que as portas abriram-se no térreo, viram Sting conversando timidamente com a recepcionista. A loira sentiu as pernas fracas ao vê-lo vestido com uma camisa azul já de longe parecendo ser de tecido macio, jeans limpos e sapatos marrom-escuros que reluziam, bem engraxados. Estava extremamente enrusbecedor, — não que nos dias em que sujava as roupas desbotadas de terra não fosse bonito —, mas estar arrumado salientava ainda mais sua beleza; até o cabelo estava um tanto mais alinhado.

Sting a avistou e a princípio, não conseguiu fechar a boca de tamanha surpresa. Lucy engoliu em seco, pensando que talvez estivesse produzida demais para uma simples ida ao cinema e sentiu vontade de voltar para se trocar, mas no fim, não o fez.

— B-Boa noite. — disse ele, fazendo-lhe uma pequena reverência. A loira retribuiu o cumprimento e enquanto o casal parecia uma dupla de pimentões, Erza casualmente pôs as mãos no ombro do rapaz, dócil como uma... florzinha.

— Então esse é o Sting, que alegria conhecê-lo! — falou com um tom de voz que definitivamente não lhe pertencia, suave como Lucy jamais ouvira; viu Scarlet inclinar-se para sussurrar algo no ouvido do loiro que ela não conseguiu escutar. Boa coisa não era, já que Sting mudou de postura drasticamente.

— Entendeu? — disse a ruiva quase num miado, na fofura extrema.

— S-S-Sim senhora! — respondeu, completamente corado e então olhou para Lucy. Corou mais um pouco. — B-Bom, p-podemos ir?

— Sim... — Lucy ficou a seu lado e após se despedirem de Erza e Karen, a garota adentrou um carro não muito grande e de uma linha bastante antiga. O banco não era lá muito confortável. Mas não havia nada para se preocupar, no fim das contas; sentia que ele era um bom rapaz, então o que seria aguentar um pouquinho sentar em um banco duro? As poltronas do cinema certamente seriam confortáveis... esperava que realmente fossem.

— Você está linda hoje. — disse Sting, sem tirar os olhos do volante de vergonha. Ao perceber como a frase soara, tratou de se corrigir. — D-Digo, você está linda s-sempre... mas é... essa roupa fica boa em você!

Idiota, idiota, pensou ele.

Lucy riu por estar nervosa e colocou uma mecha do cabelo para trás.

—O-Obrigada, Sting. Você também está muito bonito...

O loiro sorriu timidamente, fazendo sua mente trabalhar para encontrar algum assunto suficientemente bom para conversarem. Aquele silêncio no carro estava deixando-o um tanto desconfortável... e como ele fizera o convite, deveria também puxar conversa.

— Então, você mora com a sua amiga? — perguntou, sentindo-se um tremendo idiota; de tantas coisas para falar, ele escolhera justo sobre a amiga dela. Parecia que ele gostaria de saber sobre a ruiva demoníaca — pelo o que escutara sussurrado em seu ouvido, demoníaca era um adjetivo perfeito — mais do que sobre Lucy. E não era essa a impressão que queria passar.

— Ah, sim. — respondeu a garota. — Ela é uma boa amiga, apesar de ter algumas loucuras, mas não posso culpá-la por isso. Eu me sinto muito grata por ter ela na minha vida... e por me oferecer um quarto naquele apartamento. É o tipo de apartamento que não conseguiria pagar mesmo se trabalhasse a vida toda e acho que se não fosse por Erza, eu não estaria tão confortável como agora.

— Entendo. É ótimo que ela seja boa para você. — resolveu falar de algo que a envolvesse mais... — Você disse que está estudando para o teste de uma universidade, c-certo?

Sting falava um tanto rápido demais, envergonhado, evitando olhá-la a todo momento.

— É, para a Fairy Tail University. — Lucy esfregou as mãos uma na outra. — Estou estudando para conseguir uma bolsa de Medicina... quero muito ser uma médica pediatra, pois gosto de crianças. Elas não me deixam... tímida como normalmente sou.

— Que legal. — disse o loiro. — Eu não tenho jeito com crianças. Não acho que teria capacidade para cuidar de uma.

Ela riu.

— Por quê não?

— Sei lá. Eu tento ser legal, mas elas não gostam de mim. — respondeu ele, lamentando-se. — Acho que se eu tivesse um irmão mais novo desde sempre, saberia lidar melhor com elas.

— Ah, mas eu nunca tive irmãos mais novos. — disse a loira, sem entender o que aquele desde sempre significava. — É só ter um jeitinho... bom, um dia posso te ensinar como fazer as crianças gostarem de você. Não há muito segredo, na verdade...

Os dois riram.

— Aulas da Lucy–sensei? — brincou ele e os dois continuaram rindo com as bochechas vermelhas.

— Bom, de qualquer forma... eu preciso passar no teste; se eu não conseguir, voltarei para a minha cidadezinha. Sei que, morando de graça, eu poderia esperar até o ano que vem. Mas não quero abusar de Erza e logo que eu conseguir pagar por um lugarzinho, agradecerei a ela e passarei a viver em qualquer lugar que ofereça ao menos uma cama; e também, não suporto ficar longe de minha mãe. Então, minha chance é agora. — falava ela, baixinho. — Só queria arrumar algum dia do qual pudesse estudar ao invés de trabalhar, mas a sra. Dragneel não me disse nada sobre dias de folga. E mesmo assim, aceitei o emprego...

Sting franziu a testa.

— A sra. Olívia não te disse nada sobre os dias de folga? Mas como assim?

— N-Nós temos direito a esses dias? — perguntou Lucy, inocentemente.

— Mas é claro que temos! — respondeu ele, achando tudo aquilo muito estranho. — Contanto que deixemos tudo bem arrumado na sexta-feira, não precisamos ir sábado e domingo. Eu vou quase todos os dias porque apesar de querer descansar, sinto que as plantas são como parte de mim. Por isso, sempre que posso estou lá para cuidar delas. E Mira não utiliza a folga quando não precisa porque... bem... ela está com os Dragneel desde que o filho deles nasceu. Acho que ela gosta muito deles, da casa e tal. Mas a sra. Olívia sempre fala para nós dois que podemos ficar em casa no fim de semana.

A garota procurou alguma lembrança de Olívia dizendo-lhe sobre os tais dias de folga, mas nada encontrou.

— Pode ser que ela já tenha me dito e eu me esqueci... — falou Lucy. — Mas, hum... acho que será necessário eu utilizar o sábado e o domingo para estudar. É complicado demais estudar logo depois de chegar do trabalho, sabe? Fico cansada e isso torna difícil fixar as matérias.

— É, acho que isso vai ser bom para você.

A loira assentiu com a cabeça, morrendo de vergonha do que perguntaria a seguir.

— Ahn... o shopping é muito grande?

— É o maior da cidade. — respondeu o loiro, vendo-a arregalar os olhos por um momento.

— Entendi... é que eu não estou acostumada a ir em lugares muito grandes. — disse ela, fitando as mãos sobre o colo mais uma vez. — P-Posso parecer uma tola, mas tenho medo de me perder. Por isso... por favor, não fique longe de mim enquanto estivermos lá.

Ambos ficaram vermelhos como pimentão e Lucy definitivamente sentiu vontade de enterrar a própria cabeça em algum lugar. Que tipo de pedido havia sido aquele, por Deus? Ah, precisava ficar quieta!

— Eu não pretendia ficar longe de você mesmo...

Um silêncio de constrangimento pairou dentro do carro; um se saía pior que o outro...

— Eu tenho certeza de que esse filme vai ser uma merda. — disse Natsu andando com as mãos no bolso, rodando o shopping com Gray para esperar a sessão de Mad Max começar. Estava mal humorado, pensando que deveria ter ficado jogando no conforto de seu quarto ao invés de ter vindo assistir a pré-estreia daquele filme que ele nem tinha visto ainda, mas possuía o pressentimento de que seria horrível. Na realidade, tudo para ele era terrível antes mesmo de ver. A famosa negatividade.

— Você nem assistiu ainda! — retrucou Gray, com um brilho no olhar. Adorava Max Rockatansky e sua história de fúria e vingança, consequência da adoração aos filmes por seu pai. Desde pequeno, Gray assistia aos filmes com legenda em japonês que Silver Fullbuster fazia especialmente para ele. — A propósito, você sabe alguma coisa da história?

— Se eu soubesse muito provavelmente não viria. — Natsu bufou, amaldiçoando o mundo por não ter nenhuma festa interessante programada para aquele final de semana e também, nenhuma garota disponível. Podia muito bem passar o sábado e o domingo na cama de Flare, mas não sentia nenhum interesse nisso; honestamente, ela já o estava deixando cansado...

A única alternativa era ir ao cinema com Gray assistir um filme do qual era certo que seria um verdadeiro lixo.

— Pois então eu vou te contar.

— Não quero ouvir! — respondeu Natsu, revirando os olhos para o amigo que continuava falando sobre a história do tal Max Furioso como o rosado chamava, mesmo ele dizendo que não estava a fim de escutar. Ah, o Inferno. O que não se fazia por alguém que considerava um amigo...

— ...aí os caras da gangue matam a família toda, e ele fica revoltado e... — o fã do Max Furioso parou de falar e emitiu um grunhido como se tivesse sido socado no estômago. O rosto de Gray estava pálido e sem pensar, Natsu olhou na direção que seus olhos estavam.

Era Sting. No shopping. Caminhando de mãos dadas com uma garota tão bonita que por um instante, ele ficou com a expressão tão abobada quanto a do amigo. Que diabos Sting fazia ali com uma menina tão linda? E essa menina era... Lucy?!?!

De branco, o rosto de Gray foi para o puro vermelho assim que no meio de toda aquela gente, seu olhar conseguiu se encontrar com o dela. Que podia fazer? Fingir que não a vira? Sair correndo dali? Ir até ela para cumprimentá-la? Ele não fazia a mínima ideia do que fazer, muito menos do que fazer. A garota pela qual, mesmo em tão pouco tempo a conhecendo, se apaixonara... estava andando de mãos dadas com alguém que via sempre que ia à casa de Natsu? Qual o significado daquilo?

Sting o avistou também e corou de imediato, claramente hesitando por um momento em continuar segurando a mão de Lucy ou soltá-la. O casal não sabia se dava um passo para frente ou para trás, assim como Gray. Natsu não se mexeu até que viu o amigo começar a caminhar na direção deles e mal pensando, foi junto. Lucy e Sting também iam em sua direção; seria falta de educação fingir que não estavam vendo um ao outro.

— Sr. Natsu e sr. Gray... — a loira curvou-se em reverência com a mesma formalidade do trabalho. O fato é que as roupas que usava não eram de empregada, seu cabelo não estava como o usual e além de tudo, seus lábios pareciam um tanto mais brilhantes e avermelhados; isso tornava o cumprimento tão esquisito... — Boa noite. Que coincidência nos encontrarmos aqui...

— É... e aí? — falou o loiro, sem jeito.

— A-Ah, oi. — disse Gray, tentando soar totalmente casual. — Coincidência mesmo, loucura...

O olhar de Natsu encontrou-se com o de Lucy, que lançou-lhe um sorrisinho envergonhado. Ele manteve a expressão dura como uma pedra, aparentemente indiferente com a cena de ver o casalzinho andando de mãozinhas.

— Lucy, acho melhor já irmos andando. — disse Sting, olhando o horário no relógio do celular ultrapassado. — Já está quase na hora da sessão começar...

— V-Vocês vieram assistir Mad Max também? — perguntou Gray, com um brilho nos olhos por um instante ao falar do filme. Em seguida, ficou sério novamente; de nada adiantava Lucy estar indo assistir Mad Max se não estivesse a seu lado... e por mais que fossem na mesma sessão, seria rude interromper qualquer coisa que ela fizesse com Sting, por mais que seu lado perverso adorasse a ideia. Porque certamente aquilo era um encontro.

— Oh, sim... — respondeu Lucy e logo após sentir um leve puxão a manga do casaquinho, olhou para baixo e encontrou um garotinho de aparentemente três anos de idade com os olhos azuis em lágrimas.

— Mana... — chamou ele, fungando. — M-Me ajuda, por favor...

— O que há? — perguntou Lucy, agachando-se para ficar mais próxima da criança. Os três rapazes apenas olhavam e viam a expressão que a loira tinha enquanto conversava com o garotinho, que explicava que havia se perdido de sua mãe e não encontrava ninguém para ajudá-lo. Com um olhar carinhoso e sorriso acolhedor, ela segurou o pequeno — que após perguntar seu nome, descobriu que chamava-se Daniel — nos braços e olhou ao redor, procurando por algum segurança que pudesse chamar pela mãe dele nos autofalantes. No meio de tantas pessoas indo e vindo, era difícil...

— Puxa, não tem nenhum segurança por aqui. — lamentou-se ela, olhando para os garotos e em seguida para Daniel. — Mas não se preocupe, vamos encontrar a mamãe juntos!

O sorriso de Lucy já era suficiente para que o menininho parasse de chorar aos poucos.

— A sessão vai começar... — murmurou Gray, desesperado ao verificar que horas eram. — D-Digo, vamos até o balcão lá de baixo. As crianças que se perdem são levadas até lá até que as mães as encontram.

— Mas já não está na hora do filme? — disse a loira. — Vocês podem ir na frente que não demoro a alcançá-los.

— E você por acaso sabe aonde fica pelo menos um dos três balcões desse shopping? — disse Natsu com um tom de voz indefinido.

— B-Bom, não... mas não deve ser difícil de achar. — respondeu Lucy, amedrontada com a ideia de caminhar por aquele lugar imenso carregando uma criança; logo, os dois ficariam perdidos e sem qualquer segurança à vista!

— Maninhos, vocês querem me ajudar a encontrar a mamãe também? — perguntou Daniel com a doçura comum de uma criança, tornando quase impossível dizer um não. Natsu nem pôde responder com alguma grosseria, dando de ombros.

— Se você quer perder o seu Max Furioso, o problema é seu. — disse ele para Gray. Todos ficaram em silêncio, até que Sting tomou palavra.

— Bom, não acho que tenha problema se for para ajudar alguém. — e o loiro olhou para o menininho tentando parecer um cara super legal, mas tudo o que Daniel fez foi encolher-se no colo de Lucy. Certo, lidar com crianças não era mesmo seu ponto forte.

Acabaram indo os quatro todos juntos para o balcão que ficava no andar abaixo do que estavam, o mais próximo. Sting e Gray inconscientemente guerreavam entre si para conseguir atrair a atenção da loira, que conversava com o garotinho loiro como se realmente fosse uma irmã mais velha, meiga e maternal; Natsu ia com as mãos no bolso logo atrás, perguntando-se se talvez devesse ter topado em ir na festa daquele babaca do Matsura, ou ficar na casa de Flare de sexta-feira de noite até a manhã de domingo. Lixo, qualquer opção lhe parecia lixo.

— O maninho me dá medo... — disse Daniel para Lucy, referindo-se a Sting. Este sentiu-se levemente ofendido, tentando não se aborrecer. Era apenas uma criança.

— Mas por que? — perguntou Heartfilia, corando um pouco e falando baixinho para que somente o menino ouvisse. — O nome desse maninho é Sting. E ele não é assustador. Ele é super legal! Se conversar com ele, verá como Sting é gentil.

— Mesmo?

— Uhum.

— Maninho Sting. — disse Daniel em um volume de voz audível. — A maninha Lucy disse que você é legal. Isso é verdade?

Eucliffe e ela ficaram tão vermelhos quanto tomates maduros, enquanto Fullbuster fingia que não ouvia nada e Dragneel continuava com a mesma cara de paisagem. Parecia completamente alheio aos acontecimentos que se sucediam. Mas na realidade, estava prestando bastante atenção.

— S-Sting, não é verdade? — falou Lucy, envergonhada. Sorriu para ele como se lhe dissesse: essa é a sua chance de conseguir fazer amizade com uma criança.

— Ahn... — o loiro estufou o peito, tentando soar confiante. — Mas é claro que sim! Todo mundo me acha legal demais, e eu também sou muito engraçado.

— Sério? — falou Daniel, com um brilho nos olhos. — Já que o maninho é engraçado, pode me contar uma piadinha de pontinho?

— Piada de pontinho?

— Aquela de “o que é um pontinho azul...”, você conhece?

Aonde eu fui me meter?, pensou Sting.

— Óbvio que conheço piada de pontinho. Eu sou profissional nisso, já ganhei vários certificados pela...

— Vai logo! — cortou a criança, já um tanto impaciente. Por que aquele maninho falava tanto?

— Hum... vejamos... — o loiro vasculhou em todas as gavetas mentais que possuía dentro do cérebro alguma piada sobre pontinhos. Vamos lá, vamos lá...

Natsu desejou poder ficar surdo naquele momento. Infelizmente, esquecera de trazer os malditos fones.

— O que é um pontinho verde no meio da rua? Resposta: um VolksVagem. — disse Sting, ouvindo uma gargalhada de Gray logo em seguida. Este corou por rir de um modo tão escandaloso na frente de Lucy e tratou de calar a boca. O rosado, logo atrás, revirou tanto os olhos que possivelmente enxergava o próprio cérebro; Daniel não rira nem um pouco.

— Não gostei.

Eucliffe realmente não ia se importar com aquilo, mas se fizesse o garotinho emitir algum riso, certamente Heartfilia pensaria coisas boas a seu respeito. Pensou um pouco mais antes de falar.

— Sabe o que é um pontinho vermelho no topo do castelo? É uma pimenta do reino!

As charadas foram até o momento em que o quarteto chegou ao balcão e nenhuma pôde fazer o garotinho rir. O rapaz estava fazendo um verdadeiro papel de palhaço, no sentido ruim.

— Você não tem graça nenhuma, maninho Sting. — Daniel inflou as bochechas e estava prestes a chorar quando uma mulher com os cabelos no mesmo tom do pequeno se aproximou; parecia um tanto desnorteada.

— Daniel! — gritou ela, logo olhando para Natsu, Gray, Sting e Lucy que ainda estava com o menino no colo. — Ah, graças a Deus... vocês o trouxeram até aqui? Muito obrigada...

— Mamãe... — agora nos braços de sua mãe, algumas lágrimas escorreram por seu rosto. Por um momento, pensou que não a veria mais... mas agora sabia que iria embora para casa e talvez não se encontrasse com a maninha Lucy de novo. Esta sorria, feliz por ter levado-o até ali; e tão triste quanto ele por saber que não teria sua companhia naquela noite. Era um garotinho tão fofo!

— Meus agradecimentos, meninos. — a mãe de Daniel se curvou em reverência, sorridente. — Se eu não tivesse o encontrado em nenhum dos balcões, teria ficado louca.

— N-Não há de quê! — respondeu a loira, sorrindo de volta. Gray também sorriu, assim como Sting. Por outro lado, Natsu...

— Ah, mamãe... — disse o menino, como se finalmente tivesse se lembrado de alguma coisa muito importante. — Acho que eu perdi meu Muf...

— É mesmo, querido. Amanhã vamos voltar para ver se ele está aqui nos achados e perdidos, ok? Porque agora você deve estar com soninho... e a mamãe também.

— Tudo bem... — respondeu Daniel, finalmente percebendo o quão sonolento se sentia. Bocejou e acomodou-se nos braços da mãe, despedindo-se especialmente de Lucy.

Como num segundo, tudo fez sentido na cabeça de Sting; ele lhe pedira uma piada sobre um pontinho azul. E agora havia dito que perdera seu Muf; lembrou-se de quando conheceu o afilhado de Minerva que possuía um Smurf de pelúcia e por ser muito pequeno, falava Muf ao invés de Smurf. Smurfs eram azuis. O que é um pontinho azul...?

— Ei, Daniel! — chamou o loiro. — O que é um pontinho azul no meio da praia?

O garotinho o olhou atentamente, esperando pela resposta.

— Um Smurf tomando Sol!

Daniel explodiu numa gargalhada, mostrando seu sorriso belo de uma criança pequena. A mãe da criança riu e disse:

— Daniel pediu a você para contar a piada do pontinho azul, não foi?

— F-Foi sim. Eu só descobri que era essa que ele queria agora... — disse Sting, sem saber aonde enfiar a cara enquanto via o pequeno se contorcer de tanto rir. Como toda risada infantil é contagiante, não demorou para ele mesmo rir também como Lucy e Gray. Natsu comprimiu os lábios para reprimir o riso. Até a moça que estava no balcão teve de rir.

E assim, uma missão estava cumprida.

Eucliffe, tão feliz que mal vergonha podia sentir, pegou na mão de Heartfilia e não tardou em começar a correr pelo shopping com a desculpa de que estavam atrasados para o filme, deixando o filho de seu patrão e o amigo dele a comer poeira.

— E-Ei, esperem! — gritou Gray, correndo logo atrás deles.

Certamente não era adequado agir daquele jeito em um lugar como aquele; mas de vez em quando, é bom agirmos como crianças.