Pureblood

Um — A procura.


Através da janela do ônibus, Lucy Heartfilia observava sua cidade ficando cada vez mais para trás conforme o veículo avançava. Com a manga da blusa, enxugava as lágrimas que insistiam em, incessantemente, rolar por sua límpida face.

Sentia-se mais triste do que imaginava que ficaria ao saber que seu dia-a-dia não seria mais o mesmo. Não acordaria mais todas as manhãs em seu pequeno quarto; sua mãe, Layla, não lhe daria um abraço de bom dia assim que descesse as escadas para tomar café da manhã. Seus amigos continuariam com as aventuras noturnas consideravelmente divertidas na cidadezinha monótona e insignificante que era Rosemary, sem sua presença. Tudo estaria prestes a mudar daqui a algumas horas.

A jovem de dezenove anos possuía o sonho de se tornar uma grande médica especializada na área de pediatria. Mas para a realização do mesmo, não poderia continuar vivendo em um fim de mundo como aquele em que se encontrava. Desejava conquistar uma bolsa de estudos na Fairy Tail University, a famosa e caríssima universidade de Magnolia, a segunda cidade mais populosa do país.

Por ser de origem extremamente humilde, Heartfilia não tinha meios de pagar um lugar para ficar. Foi então que o bondoso Deus iluminou-lhe o caminho; Assim que ficou sabendo que a amiga não possuía condições para morar em lugar algum, Erza Scarlet a ofereceu um quarto de hóspedes em seu apartamento. Sem nenhum custo.

Mesmo hesitante, acabou aceitando. Não era sua intenção se aproveitar da boa pessoa que Erza era; assim que conseguisse um emprego, usaria todo o salário para pagar o local mais barato que encontrasse. E esperava começar a trabalhar logo. Talvez em alguma loja ou como criada, já que sabia muito bem como cozinhar, passar, lavar, costurar e prestar primeiros socorros. Não havia procurado nada ainda, mas faria isso assim que chegasse no apartamento de sua amiga. Quanto mais cedo fosse contratada, melhor.

A garota dormira a maior parte da viagem devido ao remédio que havia tomado para enjôo, sem perceber as longas horas que passavam dentro do ônibus. Quando percebeu, estava tarde da noite e ela finalmente havia chegado na Estação Rodoviária de Magnolia.

Parecia ser cinco vezes maior do que a Estação Rodoviária de Rosemary, ou até dez. Talvez cem vezes na cabeça de uma jovem do interior, acostumada com espaços pequenos. Boquiaberta, desembarcou com uma grande mochila preta nas costas, sua única bagagem.

Descendo na plataforma, Lucy olhava para todos os lados, buscando enxergar uma única pessoa de cabelos longos e que fosse ruiva. Não deveria ser tão difícil!

Mas antes que se desse conta, havia um vulto vermelho correndo pela rodoviária em sua direção.

— Lucy! — Erza lhe deu um abraço de urso, apertando-a tanto que a garota mal conseguia respirar. — Ah, que saudades, que saudades!

— Eu… também… estava com… saudades. — disse ela, com os pulmões desesperados por ar. — Erza, p-por favor… Não respiro…

A ruiva riu e parou de apertar seu pescoço, um pouco envergonhada. Por mais que se esforçasse, às vezes não conseguia controlar sua animação e força exepcionais.

— Tudo bem? Você quer que eu leve a mochila para você?

— Obrigada, mas não precisa. Posso carregá-la. — respondeu Lucy, agradecida por tamanha gentileza.

— Então vamos logo para o carro! — a ruiva agarrou seu pulso e a arrastou da estação rodoviária, não se sentindo envergonhada com os olhares das pessoas ao redor. — Eu estou louca para te mostrar o meu apartamento! Vamos, entre, entre!

Enquanto dirigia o Idea preto, Scarlet fazia Heartfilia sentir-se tonta por falar demais. E além de tudo, Lucy também estava nervosa. A amiga claramente não estava prestando atenção ao volante; continuava pisando com força no acelerador mesmo em locais que haviam radares, passara em dois sinais vermelhos e por pura sorte, não batera em um Porsche amarelo.

Lucy não costumava ser acanhada, mas diante de toda aquela hiperatividade, não pôde evitar ficar olhando para os próprios pés enquanto dava respostas monossilábicas para as intermináveis perguntas de Erza. Internamente, pedia a Deus para que por favor, ambas pudessem chegar ao prédio dela em segurança.

— Chegamos! — anunciou a ruiva, finalmente reduzindo a velocidade para entrar no estacionamento de um luxuoso edifício azul-marinho com branco. De tamanha empolgação, Erza não notou que estacionara o carro de maneira totalmente errada, ocupando grande parte da vaga vizinha.

Juntas, desceram do Idea e caminharam até o elevador. A ruiva pulava e apertava os botões sem parar como uma criança pequena. Aparentemente, alguém havia se esquecido de tomar seus calmantes diários.

— Essa merda está apenas no segundo andar! — pressionava os botões com mais força, parecendo pensar que resolveria algo. — Quem caralhos fez uma porra tão lenta como essa?

— Erza! — repreendeu Heartfilia, segurando seus ombros. — Por favor, controle-se!

— Desculpe. — Scarlet suspirou, recordando da promessa que fizera em uma conversa com a amiga por telefone: usar linguagem obscena com menos frequência. E tomar seus remédios regularmente também, mas não estava cumprindo coisa alguma. Depois de três segundos de controle, voltou a pular sem sair do lugar.

Felizmente, o elevador chegou pouco tempo depois. Após chegarem ao décimo segundo andar, a ruiva gritava no corredor que faria uma reclamação por escrito daquela porcaria tão lenta para chegar no andar em que era chamada. Os vizinhos se irritavam tanto com os escândalos da garota naquele horário que logo, eles seriam os que fariam uma reclamação por escrito.

Erza girou a chave na fechadura e abriu a porta, sorridente. Estava animada para mostrar o quarto que havia redecorado para sua melhor amiga com tanto carinho.

— Bem-vinda. E não repare na bagunça!

O apartamento era grande e totalmente bagunçado. Na sala, havia quatro cavaletes com telas e o sofá estava manchado de tinta. Pincéis de todos os tipos estavam espalhados pelo chão e potes de tinta se encontravam em todo o lugar. Na cozinha, panelas, pratos e talheres completamente fora de ordem. A desorganização de Scarlet a assustava, mas sabia que não podia culpar a ruiva por ser assim.

Abrindo a porta do quarto de hóspedes, era difícil acreditar que você estava no mesmo lugar descrito anteriormente. Um leve perfume doce pairava, formando uma perfeita combinação com as paredes brancas com adesivos de lindas flores. Havia uma cama com lençóis cor-de-rosa, um criado-mudo, uma escrivaninha, um armário e um banheiro. Não era grande como os demais cômodos, o que o deixava mais confortável para Lucy. Gostava de lugares pequenos e aconchegantes.

— Eu o reformei inteirinho. — disse Erza. — Queria que ficasse a sua cara. Você gostou?

— Se eu gostei?! — Lucy dava um largo sorriso, encantada. — Santo Deus, não há palavras que expressem meu agradecimento. Erza, não precisava...

— Você merece. — a ruiva colocou as mãos em seus ombros. — E não chore. Vou tentar fazer a experiência de morar comigo minimamente alegre. — disse ela, brincalhona.

As amigas se abraçaram longamente, contentes. Depois de conversarem um pouco, Erza a deixou à vontade em seu novo quarto. Após esvaziar a mochila, tomou uma ducha e vestiu seu pijama. Ao fechar os olhos, adormeceu quase instantaneamente.

Na manhã seguinte, Lucy comia deliciosas panquecas enquanto bebia suco de laranja juntamente com Erza enquanto conversavam.

— Sabe, eu estou procurando por um emprego. — disse Heartfilia, colocando uma mecha do cabelo loiro para trás. — Você sabe de alguém que esteja precisando de uma atendente, criada ou algo do tipo?

— Hum. — a ruiva pensou um pouco, mas devido a sua agitação excessiva, raramente memorizava as coisas. Alguém que conhecia poderia ter dito "precisamos de uma criada" ou "você conhece alguém que possa trabalhar na loja?", mas ela não se lembraria disso. — Não, não faço ideia. Mas eu conheço um site feito especialmente para ofertas de emprego em Magnolia. Pode dar uma olhada no meu notebook, se quiser.

— Sim, verei mais tarde. — disse a loira, tomando mais um gole do suco. — Obrigada.

Sentindo o estômago cheio depois da refeição matinal, ligou o computador que ficava em cima de uma mesa no quarto de Erza. Sentada na cadeira giratória, aguardou a inicialização do Windows 7.

Abriu o navegador e digitou o endereço do site que a ruiva havia lhe indicado. Carregando o site por completo, haviam muitas ofertas em lojas de roupas, alimentos e equipamentos eletrônicos. Prestes a clicar em um anúncio de um restaurante, Erza escancarou a porta, esbaforida.

— Lucy! Lucy! — gritava ela, colocando seu iPhone para o alto. — Eu sabia! Sabia que alguém tinha me dito sobre estarem procurando uma empregada! Olhe aqui, olhe!

— Erza, assim eu não consigo ver. — agora o smartphone estava grudado em seu rosto, de modo que a tela era um simples borrão. — O que é isso?

— Eu tenho uma amiga chamada Levy que tem um tio rico pra porra! — começou Erza, andando de um lado para o outro, inquieta. — Ela ficou sabendo que estão precisando contratar uma pessoa de confiança para trabalhar na mansão como criada. Então, Levy me perguntou esses dias se eu conhecia alguém, mas eu disse que não na hora. Agora que ela me mandou uma mensagem, eu lembrei. Daí agora perguntei se já tinham achado alguém e ela respondeu que não! Acho que você deveria tentar.

A ruiva não parou de falar para respirar por nem um segundo sequer, então a loira demorou um momento para digerir o que havia sido dito. E chegou à conclusão de que não seria uma má ideia ao menos tentar.

— Quer que eu fale que conheço alguém disponível? — perguntou Erza, com os dedos prontos para digitar no teclado touchscreen.

Lucy assentiu com a cabeça, animada.

Na tarde seguinte, a loira estava dentro do Idea 2014 preto de Scarlet novamente. Vestindo uma camisa social branca, jeans escuros e sapatilhas, mordia o lábio inferior o tempo todo. Nervosa, tentava manter o pensamento positivo. Tudo daria certo, tudo daria certo. E se não desse, ainda havia muitas oportunidades de emprego em Magnolia. Certamente alguém a contrataria, cedo ou tarde.

Ao ser deixada na frente da Mansão Dragneel, sentia-se uma garotinha perdida que queria voltar correndo para o colo da mamãe. E por um momento, sentiu falta do tempo em que ainda podia fazer isso. Mas agora, era uma adulta e não tinha mais para onde correr.

Respirando fundo, reuniu coragem para apertar o botão do interfone. Não levou muito tempo até que a suave voz de uma mulher atendesse.

— Alô?

— Boa tarde, sra. Dragneel. — disse a garota, formalmente. — Sou eu, Lucy.

Lucy sabia com quem estava falando pois no dia anterior havia conversado com a sra. Dragneel ao telefone, pois seria pouco educado de sua parte aparecer na hora que julgasse melhor. A mulher, chamada Olívia, lhe parecia ser uma pessoa muito gentil. Sua voz era como um calmante natural, capaz de fazer seus batimentos cardíacos desacelerarem com uma só palavra. Exatamente como a de sua mãe.

—Ah, sim. — disse Olívia. — Estou abrindo o portão para você, querida. Me dê apenas um segundo para eu achar o controle...

Heartfilia deparava-se com uma grande mansão de paredes brancas com lâmpadas alaranjadas, um bonito jardim e uma imensa piscina. A piscina ocupava grande parte do terreno e era limpa por um garoto que sorriu para ela. Sem jeito, a loira sorriu de volta e caminhou nervosamente em direção à porta.

Saiu de dentro da casa uma mulher de beleza estonteante e elegância inegável. Os olhos esmeraldas a encararam por alguns momentos completamente petrificados, como se houvesse tomado um susto. Lucy inconscientemente mexeu nos cabelos imaginando que tinha algo de desajeitado em sua aparência.

Finalmente, Olívia piscou e exibiu os dentes perfeitamente brancos.

— Como vai? — cumprimentou, dando-lhe um abraço um tanto inesperado. — Vamos entrar? Igneel está animado para conhecê-la.

— Com licença. — disse Lucy, acanhada.

A casa era linda, tanto por fora quanto por dentro. A decoração possuía total harmonia em suas cores e todos os móveis reluziam, parecendo fáceis de quebrar apenas com um simples toque. Sem notar, caminhava encolhida apavorada com a ideia de que pudesse danificar algo. Jamais poderia pagar o conserto de algo daquela casa, nem que trabalhasse pelo resto da vida.

Olívia a conduziu até a sala principal que possuía um aparelho de televisão semelhante à uma tela de cinema, um sofá de couro e uma poltrona vermelha; na poltrona, encontrava-se um homem de terno com ar minimamente sombrio.

Mantendo a seriedade, Igneel estendeu a mão.

— Olá. Você é Lucy, estou correto? — falou em tom formal.

— Sim, senhor! — respondeu ela, sentindo sua mão tornar-se um grão de areia ao cumprimentá-lo. — É um prazer conhecê-lo.

— O prazer é todo meu. — disse ele, sorrindo de canto. Olívia notou e semicerrou os olhos, esperando que o esposo sentisse seu olhar atrás de si.

— Sente-se, querida. — a sra. Dragneel sentou no sofá de couro e deu um tapinha sobre o lugar desocupado. — Vamos conversar.

Heartfilia tentava manter a postura o mais ereta possível, um esforço desnecessário de sua parte; apesar de nunca ter tido aula de boas maneiras, sabia como portar-se como uma verdadeira princesa. Sentindo as pernas tremerem, vez ou outra olhava para os próprios pés. Estava muito insegura, no fim das contas.

— Pois bem, Lucy, diga-me mais sobre você. — começou o sr. Dragneel.

— Me chamo Lucy Heartfilia, senhor. — disse ela, tentando sustentar o olhar. — Tenho dezenove anos e vim da cidade de Rosemary, do interior do sul.

— Você é realmente muito jovem. O que sabe fazer como doméstica?

— Sei lavar, passar roupas, cozinhar, costurar e também tenho noções de primeiros socorros, senhor. Já fiz alguns destes trabalhos em minha cidade natal, por isso tenho experiência.

— Estou curioso para saber o porquê de você ter vindo de tão longe.

— Bem, creio que aqui terei melhores oportunidades para meu futuro. Tentarei conseguir uma bolsa de estudos na universidade para o ano que vem e também quero um emprego... firmar uma vida aqui, se possível.

— Entendo, você parece ser uma garota...

A fala de Igneel foi interrompida por uma música que Lucy logo reconheceu pertencer ao gênero Heavy Metal, que envolvia muita gritaria e guitarras pesadas. Tudo o que ela detestava! Aquilo era desconfortável, mas não deixou transparecer.

— Fale para ele abaixar essa porcaria. — disse o sr. Dragneel, dirigindo-se à esposa.

Erza havia lhe contado que os Dragneel possuíam um filho chamado Natsu, então imaginou que fosse ele quem tinha aumentado o volume da canção. Sabia que não podia julgar as pessoas pelo tipo de música que ouviam, mas ela ficou apavorada com a ideia de trabalhar naquela casa ao pensar que talvez o rapaz pudesse ser... mau, de certa forma. Ok, sem julgamentos!

Olívia desapareceu após subir a escada e Lucy ficou a sós com Igneel, calada. Pouco depois, a música aparentemente havia cessado.

— Desculpe por essa interrupção, meu filho parece esquecer de que estamos recebendo pessoas. — falou o milionário após um suspiro. — De qualquer forma, você diz que sabe fazer muitas coisas e parece determinada a alcançar seus sonhos.

A loira assentiu com a cabeça, contente por ter passado uma impressão positiva. Depois de mais algumas perguntas comuns sobre horários e dias disponíveis, a garota despediu-se com um aperto de mão do casal (assim que Olívia desceu novamente) e antes de ir embora, lhes fez uma reverência educada.

— Por favor, peço que pensem bem. Eu estou realmente precisando de um emprego e seria uma honra servi-los.

— Que gracinha. — comentou Olívia com os braços ao redor dos ombros de Igneel. — Fique tranquila, a ligaremos assim que tomarmos nossa decisão.

— Obrigada, senhores. Até outro dia!

A sra. Dragneel lhe acenou e o sr. Dragneel murmurou algo em resposta. E... bem, antes de ir embora, o mesmo rapaz que limpava a piscina sorriu mais uma vez. Ela sorriu de volta, enrusbecida por completo.

Cinco dias depois (não muito surpreendente, considerando que claramente não fora a única a se oferecer como criada), seu celular tocou e algumas lágrimas escorreram de seu rosto: estava contratada, graças a Deus! Comemorou com Scarlet após desligar o telefone, esta tendo de segurar-se para não gritar ao ouvir a voz de Olívia dizendo que o emprego era da amiga, cada qual com a orelha grudada em um lado do aparelho.

A vida estava começando a dar certo!