Pureblood

Trinta e um — Estado de nervos.


Lágrimas brilhavam no rosto de Lucy enquanto esta corria pelos corredores do hospital, olhando para todos os lados em busca de algum conhecido. Erza estava logo a seu lado, sentindo que não deveria falar para ela não correr. Quando aquele que amava fora hospitalizado às pressas, a ruiva gritava, chorava e correra pelos corredores; era inútil pedir para que se acalmasse e sabia que com Lucy era o mesmo.

— P-Perdão! — falou a loira com rapidez ao esbarrar num rapaz que por um momento segurou-a com firmeza. Sem pensar, ergueu o olhar para encará-lo e sua expressão estava tão surpresa quanto a de Gray. Ambos falaram o nome um do outro ao mesmo tempo e então, ele corou. Mesmo em uma situação preocupante como aquelas, era impossível para si não se sentir tímido com a presença dela.

— Que bom que o encontrei, senhor… — Heartfilia enxugou o rosto banhado pelas lágrimas, fungando. A voz tremia. — E-Eu… eu… soube que… a-ah, meu Deus…

Scarlet pôs os braços ao redor da amiga encarando Gray com indiferença. Lucy sentia as pernas prestes a adormecer, soluçando aos prantos. Ela tentava continuar, porém o nervosismo a impedia de terminar uma frase com nexo.

— D-Desculpe… — dizia baixinho, esperando que ele não se irritasse por sua falta de dicção. — E-Eu… estou nervosa…

— Em qual andar ele está? — perguntou a ruiva com um tom de voz formal; como sempre, sentia vontade de esganá-lo por ainda guardar um incrível rancor por tudo o que acontecera no passado. Mas aquele momento não era apropriado para ser mal educada.

— S-Sétimo. — o rapaz piscava um tanto desnorteado, sem saber o que fazer diante da imagem de sua amada chorando. Tentava confortá-la com palavras, talvez lhe dar um abraço como ela havia feito numa outra vez? Ou talvez não devesse fazer nada? — Quarto 128.

Lucy sentiu-se mal por sequer conseguir agradecer. Pensava em apenas Natsu, repassava em sua mente os momentos nos quais fora uma tola por pensar que com apenas remédios a febre desaparecia totalmente. Não, era claro que ele ia piorar; a polícia ainda não havia encontrado Mirajane, ele continuava se deprimindo dia após dia e o pior: guardava os próprios sentimentos para si. E agora estava em uma cama de hospital ardendo em uma febre incontrolável, sem conseguir se alimentar. Idiota, ela era uma idiota.

— É… É tudo c-culpa minha… — pensou alto, cobrindo o rosto com as mãos. — E-Eu…

Erza alisou seus ombros.

Shh, vamos lá. — em seguida, olhou para Gray novamente com a mesma postura rígida. — Obrigada.

— O-O s-senhor… está indo embora? — perguntou a loira, sequer tendo consciência do que dizia. — Sr. Gray…

O rapaz sentiu o rosto esquentar.

— Não, eu… eu só estava caminhando um pouco.

Então continue caminhando até chegar ao outro lado do globo terrestre, respondeu Scarlet em pensamento.

V-Venha conosco… — Lucy fungava, sem saber o real motivo de querer que ele estivesse junto; de alguma forma, a presença dele era confortável… porém imediatamente sentiu arrependimento por pensar que era doloroso para Erza tê-lo por perto. Se existisse um prêmio para a garota mais imbecil do planeta, com certeza seria a ganhadora. Que droga!

A ruiva prendeu a respiração sem perceber, contraindo os músculos. Engolindo em seco, quis revirar os olhos quando ele parecia um cachorrinho encantado com algum brinquedo. Como um bobo, passou a andar do lado dela provavelmente tentando tocá-la como forma de consolo, mas Erza não a soltou nem por um minuto durante o caminho ao elevador até finalmente chegarem no sétimo andar.

Assim que Igneel a viu, sua expressão era de surpresa… e por dentro, seu coração doía por vê-la no meio das próprias lágrimas e desespero evidente.


Abrigada debaixo do teto de madeira de um estabelecimento abandonado prestes a desabar, Mirajane observava o céu colorido de tons negros e roxo, destacando as faíscas brilhantes que vez ou outra apareciam juntamente com um estrondo. Uma tempestade que acompanhava o vento agitador das ondas e que erguia a areia do chão; balançava os cabelos de Mira que sequer pensava em como sentia frio com um short e a parte de cima de um biquíni, distraída alisando uma prancha de surf.

Completamente irresponsável, pôs-se debaixo da chuva e caminhou até a beira do mar desafiando o frio, a tempestade, a correnteza. Desafiava a própria vida e tinha noção de que o que queria fazer era loucura, que talvez não conseguisse retornar da água se algo desse errado e blá blá blá. Mas por que deveria se importar? Por que não fazer loucuras de vez em quando? Durante sua vida inteira, teve de ver todos podendo perder a cabeça. No entanto, ela estava sempre lá, controlando-se ao máximo. Tinha tudo para ser rebelde, mas preferia ficar quieta por ligar demais para os outros; o medo de magoar alguém a impedia de qualquer coisa. Porém agora era sua vez.

Não dormia há dias, mal comia e sequer tentava se proteger do frio. No momento, ardia em febre e sabia que estava doente. De vez em quando, tudo ao redor ficava desfocado. Poderia desmaiar a qualquer momento enquanto surfava durante uma tremenda tempestade e o melhor de tudo, completamente só. Havia aventura mais excitante?

Estremeceu ao pisar na água gélida e ainda trêmula durante todo o processo, equilibrou-se em cima da prancha e começou a brincar com as ondas agressivas, rindo do quão livre se sentia, do quão independente se sentia. A solidão e preocupação rasgavam seu coração, mas não dava a mínima. Um dia superariam sua falta, se é que fazia alguma.

Riu nervosamente ao se dar conta de que enxergava pequenos pontos negros no cenário; o barulho ambiente parecia ficar distante conforme os segundos passavam e principalmente estava com dificuldades para manter-se em cima da prancha. A sensação antes de um desmaio certamente era desesperadora, porém ela não sabia muito o que sentir. Não sabia se queria lutar para voltar, não sabia se simplesmente desejava ter o corpo levado pelo mar após uma morte indolor.

Mirajane!

Uma voz familiar cortou seus pensamentos e Mirajane perdeu a consciência antes de verificar quem de era. Assim que caiu nas águas azul-marinhas, um grito da mesma pessoa acompanhou o som de outro raio.

Lucy corria cegamente pela areia, com Erza logo atrás. Enquanto forçava suas pernas já doloridas a se movimentarem mais rápido, a loira largou as sapatilhas em qualquer lugar e em prantos, atirou-se no mar congelante em busca dela. Gritava o nome da mais velha com desespero com um aperto no estômago cada vez maior conforme avançava por lembrar que não sabia nadar. Diabos, como podia não saber nadar? Deveria voltar atrás? Mas se não fosse ela, quem salvaria Mira? Erza não entraria na água por mais que possuísse noções básicas; poderia facilmente salvá-la, mas não queria obrigar sua amiga a nada. Não tinha nada a ver com aquilo.

O medo foi acalentado ao pensar em como Natsu estava doente em cima daquela cama de hospital com uma febre incontrolável e não suportando comer ou beber qualquer coisa. Lembrou de ouvi-lo falar em seu ouvido que queria Mirajane de volta, lembrou-se da promessa que tinha feito. Raiva, tristeza, temor, uma mistura de múltiplos sentimentos do qual não eram nem um pouco aliviados pelas lágrimas que saltavam de seus olhos; seu coração estaria em paz apenas quando Natsu estivesse bem de novo.

Lucy, não vá! — berrava Erza, chorando por não ser capaz de mover o corpo além da beira do mar. Sentia medo, medo demais; jurava nunca mais ir na praia e agora ali estava, sentindo-se completamente inútil por não conseguir ajudar. Lucy não sabia nadar, aquilo tudo daria errado e ela apenas assistiria tudo? Por que as coisas tinham de ser assim? — Não vá!

A loira despareceu por entre as ondas e Scarlet perdeu as forças para ficar de pé. No chão, gritava e chorava pedindo aos céus que se existia um Deus, que ele por favor protegesse Lucy. Que ela, por um milagre, pudesse voltar com a mulher da qual haviam vindo resgatar.

— P-Por favor… — sussurrava ela, unindo as mãos para rezar com uma sinceridade que jamais tivera ao orar. Pensava que Deus era uma completa perda de tempo, mas agora… precisava Dele, se é que Ele estava em algum lugar. — Por favor, demonstre que está me ouvindo! E-Eu… eu a amo… não me castigue desse jeito…

A ventania gélida lhe chicoteava, causando dores e arrepios dos quais eram insuportáveis… mas não eram piores do que a sensação de não poder fazer algo para salvar Lucy. Uma amiga que amava, uma pessoa que não podia ter seu fim ali. Possuía uma família, muitos amigos, pretendentes e acima de tudo objetivos. Erza não pensava em ter um futuro promissor e por isso, imaginava que ela deveria estar naquele mar sem saber nadar. E talvez, morrer ali mesmo. Que diferença fazia naquele mundo, passando os dias pintando no apartamento ou incomodando a ou b?

Tentou adentrar a água mais uma vez, mas o pavor a vencera. Derrotada, atirou-se de vez na areia e chorou enquanto as gotas de chuva deixavam suas roupas encharcadas. Completamente só, chorava, compreendendo que um milagre não iria acontecer. E se culparia pelo resto da vida por saber que não havia feito algo para evitar o pior.

Segundos, minutos, horas… perdera a noção de tempo. E ergueu a cabeça somente quando sentiu uma presença bem em sua frente. Não uma simples presença, era algo que… nem todos os adjetivos de adoração seriam capazes de descrever. A chuva não diminuíra como pensava; aquela presença apenas fazia com que o que acontecia ao redor não tivesse importância alguma.

Erza assustou-se ao ver o brilho nos olhos… cor violeta de Lucy. Além daqueles olhos, havia algo mais que evidenciava que não era realmente ela. Assim que piscou, os olhos voltaram ao normal e a ruiva tentava voltar a respirar, incrédula. Aquela era Lucy, mas… como podia ser? Como conseguira lutar contra a maré?

— L-Lucy?

Ofegante, a loira delicadamente deitou o corpo de Mirajane e afastou os cabelos molhados do rosto. Franzia a testa e verificava o pulso da mais velha, ágil. Tentava respirar com calma.

— C-Como você… como você conseguiu…

— Eu explico depois! — respondeu antes de inspirar o máximo de ar que pôde para dentro do pulmões.

Endiretou-a e transmitiu-lhe oxigênio assim que encaixou seus lábios nos dela. Intercalava entre a respiração boca a boca e pressão sobre o peito que até agora, não apresentava resultado. Ondas de nervosismo fizeram Lucy executar as ações mais rapidamente.

— Vamos, Mirajane… — falava, pressionando seu peito mais uma vez. — Respire.

Erza estava emocionada demais para fazer algo que não fosse encarar a amiga. Felicidade, preocupação e… medo por perceber que ela não era uma pessoa comum.

Uma confusão desordenava sua mente, tendo em consideração de que costumava ser uma total descrente: Deus, espíritos, magia, nada daquilo existia. O mundo era o que era; surgiu de uma explosão e as pessoas nasciam e tudo acabava no momento da morte. Era assim que pensava… até agora.

— Ah… graças a Deus. — disse Lucy enquanto a albina finalmente tossia uma grande quantidade de água, contorcendo-se. A garota pôs a mão em seu rosto e assim que ela terminou de tossir, seus olhos azuis a encararam com espanto.

— Lucy? — a voz falhava. — O-O que está fazendo aqui? Como…

A loira permitiu que lágrimas escorressem por seu rosto enquanto falava, a testa franzida de raiva.

— Nunca mais suma desse jeito, droga! — gritou, apertando seus ombros. — Nunca mais! Você deixou todos preocupados, você sabe disso? E… Natsu a-agora está… ele está muito doente por sentir sua falta. E surfar no meio de uma tempestade? Você é louca?!

Mira não conseguiu perguntar sobre Natsu; sua cabeça girava e ela não pensava ser capaz de se levantar sozinha. Batia os dentes de frio, prestes a chorar também. Lucy pôs a mão em sua testa e nuca. Ela ardia.

— Você também está doente. — igualmente estremecendo pelas roupas molhadas, a fez apoiar-se em seu ombro e em seguida, olhou para Erza que permanecia imóvel. — Erza, por favor… precisamos levá-la ao hospital logo.

— Claro. — a ruiva respondeu quase roboticamente e ajudou Lucy a carregar a albina até o carro. Enquanto a amiga conversava com Mirajane no banco de trás cobrindo-lhe com um casaco que Scarlet havia esquecido há alguns dias ali, dirigia igualmente sem raciocinar.

O escuro fundo do mar estava tão sereno que Lucy mal acreditava que realmente ocorria uma grande tempestade na superfície. Porém, o mais incrível de tudo era que conseguia manter os olhos completamente abertos e respirar com naturalidade, fazendo-lhe sequer sentir pavor por estar afundando cada vez mais. Antes que se desse conta, suas pernas movimentavam-se com perfeição debaixo d’água. Nadava tão eficientemente quanto um peixe ou Cana.

Cana sempre fora uma excelente nadadora e quando entrava no mar, parecia ser parte dele. Não tinha medo de mergulhar lá no fundo, de desafiar uma forte correnteza ou inventar novos tipos de nado. Em toda a sua vida, Lucy possuía certeza de que por mais que se esforçasse, jamais seria como ela. E agora, quando acreditava não ter a mínima noção de como nadar, também sentia-se parte da água.

Avistou Mirajane e tratou de agarrar seu pulso, posteriormente puxando-a para perto de si por completo. Podia estar conseguindo respirar como quando na superfície, mas Mira não. Bateu as pernas para subir novamente e de certa forma, sabia que Cana estava dentro de si. E enquanto nadava até a superfície, sentiu-se extremamente grata por sua irmã ter lhe emprestado suas habilidades para salvar Mirajane.

— M-Me desculpe… — a albina sussurrou, cobrindo parcialmente o rosto com as mãos. O que estava fazendo até agora? — Desculpe, Lucy…

— Está tudo bem. — Lucy beijou-lhe o topo da cabeça, estremecendo após ouvir o barulho de um trovão. — Não se desculpe comigo.

Relativamente tarde da noite, Natsu dormia profundamente sobre a cama do hospital enquanto recebia soro fisiológico diretamente na veia. O soro era a única maneira de mantê-lo hidratado e alimentado já que por mais que se esforçasse para comer, tudo acabava voltando quase de imediato. A febre estava um pouco mais baixa, mas ainda não era o suficiente para deixar o pai menos alerta.

Igneel estava a sós com o rapaz no quarto ouvindo o barulho da chuva forte. Olívia havia saído há pouco tempo para ver Mirajane, que estava também hospitalizada com provavelmente pneumonia. O empresário fazia carinho nos cabelos ruivos de Natsu, assim como os seus. Um ruivo tão claro que poderia ser facilmente confundido com cor-de-rosa. Céus, era tão difícil com que as pessoas acreditassem nisso…

O filho sorria enquanto dormia, sabendo que recebia carinho. O que ele não sabia é que estava recebendo-o do próprio pai; com certeza entraria em colapso se soubesse que Igneel tocava em seus cabelos, o beijava na testa e o havia abraçado. O pai sabia que jamais poderia fazer tais coisas com ele, então se aproveitava do fato de que ele estava tão sonolento por estar fraco e medicado. Não queria ter que vê-lo internado para poder ser carinhoso… amava Natsu com o coração que ele pensava que Igneel não possuía.

Doía saber que o próprio filho o odiava. Era horrível ter que fingir não estar nem aí para não se sentir um idiota incorrespondido. E, droga, não sabia o que fazer para mudar a situação. Mas afinal, já tinha se acostumado.

— Eu amo você, você sabe disso?

— Hum.

O empresário deu um pulo para trás, apavorado por pensar que ele estivesse acordado. Felizmente, fora só mais um de seus resmungos durante o sono. Relaxando os músculos novamente, Igneel continuou brincando com os fios ruivos e observando como seu filho se parecia com ele. Não queria parecer sentimental, mas saber disso o deixava um tanto… emocionado. Gostava do fato de que Natsu possuía praticamente todos os seus traços.

Mira. — sussurrava o rapaz, franzindo a testa num provável pesadelo. Começou a tremer em estado de nervos. — Espera… espera…

— Natsu, acorde. — disse Igneel, colocando-se em postura rígida na poltrona. Falava em tom autoritário, segurando seus ombros com força. — Natsu!

O filho piscou, demorando a situar-se. Respirava com rapidez e ao perceber que estava sonhando, deitou novamente; ficar sentado pelo susto o havia deixado tonto. Estava apavorado, porém como seu pai era o único ali, forçou a si mesmo a parecer completamente tranquilo.

— Mirajane foi encontrada. — falou Igneel, secamente. Como era de se esperar, Natsu ficou agitado e ao tentar se levantar, foi impedido tanto por ele quanto pela tontura. Ainda não estava bem. — Mas você não vai ver ela agora.

Natsu franziu a testa.

— Eu vou sim! — rosnou, tentando levantar mais uma vez em vão. — Aonde ela está? Fala logo, seu…

— Calado. — devolveu Igneel em tom severo. — Você não vai sair daqui até ter melhorado, entendeu? Não vai.

— Ou o quê? Vai me descer a porrada aqui mesmo?

— Não tente me desafiar. — o empresário cerrou os punhos, controlando-se para realmente não desferir um tapa em seu rosto. — Desde sempre, a única coisa que você sabe fazer é me dar incômodo. Se não é problema na delegacia, me faz ter que te trazer nesse hospital de merda porque você não é capaz de continuar vivendo sem uma mulher que simplesmente faz sua comida e é um outro incômodo que eu posso demitir se eu quiser! Aí eu quero ver como você vai ficar, seu inútil!

O rapaz virou o rosto para o lado oposto e imediatamente Igneel desejou ter falado menos. Sabia que o tinha magoado e sentia-se mal por isso, mal por estar sempre perdendo a cabeça com ele. Mas não ia pedir desculpas. Nunca pedia.

Lucy batia os dentes de frio em constraste com Erza que mal parecia estar encharcada da cabeça aos pés; era muito acostumada ao frio do que Lucy. A loira esfregava os braços um no outro, tentando desesperadamente se aquecer. O hospital possuía ar-condicionado que mantinha o ambiente em uma temperatura agradável, mas não bastava: precisava de um banho, roupas secas e quentes e honestamente de um longo período de sono. Mas ainda havia Natsu… queria vê-lo antes de ir, porém Gray – que aparentemente tinha caído no sono durante várias horas na sala de espera – disse que as duas ficariam doentes se continuassem daquele jeito.

A ruiva duvidou do tom de preocupação dele quando se referiu às duas. Era óbvio que ele só estava alarmado por causa de Lucy. E claro, ele também estava louco para oferecer sua jaqueta como modo de mantê-la mais aquecida.

— Vamos voltar e colocar outras roupas. — falou a ruiva, ignorando ao máximo a presença do ex-namorado. — Depois voltamos.

— Erza… eu não quero causar mais incômodo. Vou me trocar em casa, mas depois volto aqui de táxi. Você precisa descansar. — respondeu a garota timidamente. — Por favor.

— Se quiser posso te trazer de volta. — sugeriu Gray de prontidão, corando de imediato ao perceber no quão rápido falara. A loira corou também, em dúvida se aceitava a gentileza ou não. Primeiramente, pensava ser um grande incômodo e segundamente, pensava que talvez Erza fosse ficar… chateada de alguma forma.

— Sr. Gray, e-eu agradeço, mas…

Scarlet lançou-lhe uma piscadela discreta, já dando as costas para os dois.

— Nos encontramos em casa, Lucy. — e acenou brevemente antes de desaparecer no corredor. Heartfilia engoliu em seco, querendo chorar por ser tão estúpida e magoar a amiga.

Virou-se para Gray com vergonha e em seguida fitou o chão que vez ou outra parecia girar levemente. Céus, estava tão cansada… aquela semana havia a esgotado por completo e o pior de tudo era que segunda-feira faria o teste da universidade. Era sexta e por mais que tivesse estudado desde antes de chegar em Magnolia, uma pontada de pessimismo invadiu seus pensamentos. Pensamentos que foram interrompidos por uma tontura momentânea que a fez quase perder o equilíbrio.

— Você está se sentindo bem? — perguntou Fullbuster ao segurá-la pela cintura com firmeza. Prendeu a respiração sem notar, nervoso.

— S-Sim, eu… eu estou um pouco cansada. Obrigada.

Como Scarlet previra, ele a cobriu com sua jaqueta e caminhou pelo hospital ainda segurando-a com medo de que ficasse tonta de novo. Lucy se sentia constrangida pelas pessoas lhe olharem com curiosidade, já que estava realmente molhada da cabeça aos pés; mas principalmente, sentia o olhar do rapaz que queria perguntar como ela encontrara Mirajane antes da polícia.

Por mais que um dia explicasse, com certeza todos pensariam que era louca. Afinal, quem acreditaria numa garota que diz que recebe ajuda do espírito de uma amiga morta, e inclusive lhe dá informações sobre a localização de pessoas desaparecidas? Era melhor inventar uma mentira convincente logo, por mais que odiasse mentiras.

Envergonhado e ao mesmo tempo realizado, Gray envolveu-a cuidadosamente em seus braços quando finalmente se aproximavam da porta de saída. Ambos caminhavam vermelhos como pimentão, silenciosos. Cada qual mais sem-graça do que o outro, mas sinceramente… gostavam de como estavam. O rapaz estava mais feliz do que nunca por ter uma boa desculpa para abraçá-la e ela se sentia muito acolhida por aqueles braços gentis. Sequer sabia como agradecer tamanha bondade dele por tentar fazê-la se sentir melhor e tudo o mais…

Enfrentou o vento gélido da noite debaixo do guarda-chuva compartilhado, de repente cessando o passo para tentar absorver uma estranha dor no peito que foi embora tão rápido quanto chegou. Isso ocorreu após alguém passar pelos dois correndo como louco mas ela não ergueu o olhar para ver quem era como qualquer pessoa faria em circunstâncias normais. Estava desnorteada demais para olhar para desconhecidos.

— Lucy…

— Está tudo bem, sr. Gray. — a loira obrigou-se a dar uma risadinha para descontrair a situação tensa. — Por favor, vamos continuar andando.

E fungou logo em seguida. Era justo que ficasse resfriada, mas que por favor, não tivesse febre nos últimos dois dias antes do teste da universidade. Precisava ir bem naquela prova, não somente por si mesma. Por Natsu, por Erza, por todos que havia conhecido em Magnolia. Também havia sua mãe, sua tia e seus antigos amigos, mas… só podia pensar em ir embora daquela cidade assim que Cana lhe dissesse que a missão estava cumprida.

Adentrou o carro e Fullbuster entregou-lhe uma coberta quentinha que encontrara no porta-malas. A loira agradeceu timidamente e os dois ficaram lado a lado nos bancos da frente.

Incapaz de se conter, Lucy caiu no choro mais uma vez e Gray ficou sem saber o que fazer.

— Perdão… p-por favor… — murmurava em meio às lágrimas que surgiam com cada vez mais velocidade, fazendo-a começar a hiperventilar. — Eu… estou tão c-cansada…

Ele queria lhe abraçar novamente, mas não poderia o fazer agora; precisava dirigir o mais rápido possível até seu prédio. Cada minuto que permanecia molhada era um minuto mais próximo de ficar doente. E não queria que ela ficasse doente de forma alguma.

Tentava acalmar Lucy com palavras calorosas enquanto pisava fundo no acelerador, mas ela apenas parou de chorar quando foi vencida pelo sono. Dormiu por boa parte do trajeto e felizmente não teve de pegar mais frio na frente do prédio; assim que Karen viu a placa do carro pelo computador na recepção, abriu o portão para que Gray entrasse por lá.

O estacionamento felizmente era aquecido.

Após quase desmaiar duas vezes, claro que tanto Scarlet quanto Fullbuster não a deixariam voltar para o hospital. O ideal era que ela descansasse bastante e com as energias recarregadas, visitaria Natsu e Mirajane.

— Sei que agora que ele sabe que ela está por perto, vai ficar mais tranquilo. — falou Gray sem muita certeza disso, considerando que Mira estava provavelmente com pneumonia, mas não era nada que exigisse pânico. Sendo bem medicada, em poucos dias estaria saudável novamente. Mas apesar disso, Natsu ficaria louco se soubesse que ela estava internada a poucos andares de alcance. Esperava honestamente que Igneel o segurasse enquanto ainda não estivesse cem por cento.

Lucy fungou, os olhos inchados depois de tantos acessos de choro. Com pijamas quentinhos e o cabelo louro solto e bem seco, ela piscava a todo momento claramente esforçando-se para manter os olhos abertos.

— Obrigada, Gray. — falou Erza sem demonstrar qualquer emoção, abraçando a amiga com os braços ao redor de seus ombros. — Nos veremos amanhã, provavelmente. Até.

Cai logo fora da minha casa, seu lixo, ela quis dizer.

— Sim… até. — respondeu ele, mais para Lucy do que para a ruiva. Com as bochechas vermelhas, ele tocou delicadamente em seu rosto por um momento breve; isso fez a garota erguer o olhar e ficar igualmente tímida.

— Até amanhã, sr. Gray. — falou ela, fitando os próprios pés novamente. — Muito… obrigada por tudo.

O rapaz sorriu sem jeito e saiu sem que ninguém o conduzisse até a porta; enquanto ele ia embora, Erza estava colocando Lucy na cama. Trancaria a porta depois que a fizesse dormir. Isto é, se conseguisse se lembrar de que precisava trancá-la…

A loira ameaçou apanhar o celular sobre o criado-mudo, mas Erza o retirou de seu alcance.

— E-Eu… eu estava apenas querendo enviar uma mensagem para a sra. Dragneel… — tentou argumentar ela, pateticamente enrolando a língua para falar pela sonolência. Balançava as mãos no ar tentando pegar o celular de volta. — A-Ah…

— Você já falou com ela hoje, agora chega. — respondeu Scarlet com certa agressividade. Não queria ser grosseira, mas era o único jeito de fazê-la realmente dormir. — Você vai descansar bastante pra amanhã não voltar lá com essa cara de mula.

Já de olhos fechados dando-se por vencida, a loira murmurou algo em resposta e imediatamente dormiu. Não era lá muito surpreendente ao se parar para pensar no quão emocionalmente alterada ela estivera durante aquele dia todo. Mesmo Erza, acostumada com agitação, estava esgotada. Porém, era óbvio que não iria dormir. Beijou Lucy no rosto, a amiga mais mágica que já tivera em infinitos sentidos e por fim, bloqueou todos os pensamentos confusos da mente enquanto pintava qualquer coisa.

Debaixo da camada de cobertores, Levy McGarden rolava de um lado para o outro na cama king size tentando buscar o mínimo de sonolência dentro de si, e o fato de já terem se passado horas e horas de tentativas deixava-lhe completamente frustrada. Deveria estar cansada de tanto tempo de estudo como sua mãe a obrigava a realizar, porém havia uma preocupação em mente: Natsu.

Natsu estava hospitalizado e sua tia Olívia parecia realmente em pânico ao telefone; queria ter ido lá para abraçá-la e aguardar por algum sinal de melhora na sala de espera. Mas como sempre, sua mãe priorizava seus estudos. A porra da casa poderia estar pegando fogo e ainda assim, Umi diria que ela não deveria fazer algo que não fosse estudar.

Estudar, estudar, estudar. Não aguentava mais olhar para um livro didático, não aguentava mais ler qualquer letra impressa. Tudo o que desejava era que o final de semana passasse depressa para realizar o teste de admissão da universidade e graças ao Senhor estaria em paz para voltar a ter uma vida.

Enfim, sentia-se chateada demais consigo mesma para dormir. Por que diabos não arrumara um jeito de sair de casa antes que a mãe reparasse ao invés de simplesmente obedecer à uma mulher que sequer se importava com o sofrimento de uma amiga e o do próprio sobrinho? Insensível, insensível por completo! Às vezes, Levy pensava com seriedade se era mesmo possível ter sido parida por um monstro como Umi. A ideia lhe doía o estômago.

— Mana…

— Wendy! — McGarden ergueu a voz por um momento, tomada pelo susto de repentinamente ter uma coisinha pequena fazendo-lhe cócegas na barriga por se esfregar como um gatinho. — Ah, você me assustou…

— Desculpa. — respondeu a mais nova com uma risadinha, abraçando a gata branca de pelúcia enquanto endireitava-se para ficar bem aconchegada perto da irmã. Assim, as duas ficariam bem aquecidas naquela noite fria… e protegeriam uma a outra dos trovões que Papai do Céu acendia pelos céus porque deveria estar furioso. Wendy apenas desejava que não fossem castigadas por o que quer que tivesse acontecido…

— E isso são horas de criança estar acordada? — sussurrou Levy fazendo-lhe um carinho nos cabelos compridos e negros como os seus haviam sido um dia. — Por que é que você e Charl ainda não estão dormindo?

Charl era a gata de pelúcia que a pequena tratava como uma amiguinha de verdade. Coisas de criança.

— Charl estava com medo dos raios. — explicou Wendy, nunca admitindo que sentia medo de chuva. — Ela me pediu para vir dormir com a mana… ela está com muito medo! E você também é criança!

A mais velha riu novamente e beijou-lhe o topo da cabeça.

— Não sou, não. Já sou adulta.

— O papai falou que você só vai ser adulta quando tiver dezoito anos. Até lá, você é criança que nem eu.

McGarden sorriu consigo mesma e envolveu Wendy em seus braços, contendo algumas lágrimas assim que ela falou do pai. Assim como Igneel, ele era um homem que estava sempre viajando por conta dos negócios. Trabalhava feito um louco e por mais que se esforçasse, não conseguia ser um pai presente… e isso era doloroso. Levy sentia sua falta. Seu pai era uma pessoa tão boa que ela sempre se questionava a razão pela qual havia se casado com Umi. Amor? Quem amaria alguém como aquela mulher?

— Mas… você também está com medo da trovoada, mana? — perguntou a pequenina, curiosa. Levy balançou a cabeça em negação e falou mais baixo do que antes:

— Não. Eu estava… pensando no primo. — disse com sinceridade, jamais conseguindo omitir seus sentimentos para a irmãzinha. Ela era, depois de Erza, a única pessoa com a qual conseguia ser realmente honesta. — Ele está tão doente…

Wendy com delicadeza tocou seu rosto lentamente banhado por lágrimas de raiva, tristeza, uma mistura de sentimentos dos quais faziam seu coração apertar.

— Agora que você está chorando, sei que ele vai ficar bem. — disse ela com um sorriso ingênuo. — Porque sempre que eu fico dodói, você chora e eu melhoro. Acho que suas lágrimas têm poder. M-Mas… agora eu fiquei com vontade de c-chorar também… será que assim o priminho vai melhorar mais rápido?

— Eu amo você… — a mais velha encostou a cabeça em seu ombro, trêmula. Wendy era tão pequena para sua idade, tão afetada por qualquer simples doença que fosse e mesmo estando a maior parte do tempo no hospital, ainda era feliz e ingênua nas próprias fantasias como qualquer outra criança. — Eu amo você, minha pequenininha.

As duas choraram silenciosamente ao som dos pingos de chuva espatifando-se contra o asfalto lá fora até finalmente adormecerem; a mais nova dormiu em completa paz pois acreditava que depois de tantas lágrimas derramadas, Natsu ficaria bom logo. E isso a deixava muito feliz.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.