Pureblood

Quatro — Rosto corado.


Na noite de sexta-feira, Natsu Dragneel dirigia sua BMW na companhia de Flare Corona, sentada no banco do carona. Ambos riam histericamente enquanto o rapaz pisava fundo no acelerador, perdendo a completa noção dos riscos de dirigir em velocidade excessivamente alta. De bônus, estava completamente bêbado.

Por pura sorte, a polícia não havia sido acionada. Passar de vários sinais vermelhos, dirigir em zigue-zague e quase ocasionar três acidentes de trânsito foram algumas coisas que Dragneel fizera e ainda saíra impune. Isso o fazia se sentir simplesmente incrível! Flare, igualmente bêbada, apenas gargalhava e tragava o último cigarro do maço em sua bolsa.

A garota atirou o cigarro pela janela do carro assim que chegaram no portão dourado da Mansão Dragneel. Natsu franziu a testa e colocou as mãos no bolso, balançando sobre o banco.

— Cadê a porra do controle?

— Você é idiota? — gritou ela grudando um molho de chaves em seu rosto. — Você tinha deixado comigo, trouxão! Cê esqueceu?

— Tsc. — Natsu estacionou a BMW de modo que tornaria impossível dar a ré novamente sem complicações.

Vendo as coisas ao redor girarem, abriu a porta e assim que entrou com Flare, a colocou contra a parede enquanto acariciava a parte interna de sua coxa e a enchia de beijos molhados no pescoço. A garota enlaçou as pernas na cintura do rapaz.

Natsu subiu as escadas com certa dificuldade, apalpando as nádegas dela enquanto esta agarrava-se totalmente nele, mordiscando sua orelha.

Risos, tontura, prazer. A diversão da qual sequer lembrariam no dia seguinte.

Lucy Heartfilia sentia-se um tanto solitária naquela manhã de sábado. Enquanto retirava o pó da estante de livros da sala, percebia como a sra. Dragneel lhe fazia falta. Não conversava muito com ela durante os serviços, mas... podia sentir quando sua presença não estava ali.

Na tarde do dia anterior, Olívia estava de malas prontas para passar três dias em um caríssimo spa da cidade para, segundo ela, relaxar um pouco. Lucy imaginou que estivesse estressada por causa do sr. Dragneel; ele prometera retornar há dois dias atrás, mas um “imprevisto” o obrigara a permanecer na cidade de Tóquio.

Porém a criada não estava só. Sting trabalho só e Natsu Dragneel, bem, estava dormindo em seu quarto e não era exatamente uma pessoa com a qual costumava conversar. Sendo assim, era quase como se não houvesse ninguém! Sua única esperança era Mirajane Strauss, a cozinheira que estivera substituindo nos últimos dias. Estava animada para conhecê-la; quem sabe não seriam amigas?

Engraçado como mesmo sendo tão acanhada, sempre sentia uma pontada de animação ao conhecer novas pessoas; seu coração ingênuo lhe dava esperanças de que poderia fazer um novo amigo e isso a deixava feliz.

Perto das onze horas, a loira limpava o vidro da janela quando avistou o portão dourado sendo aberto; uma garota muito sorridente cumprimentou Sting. Sorridente e de uma beleza... estonteante. Os cabelos compridos esvoaçavam com o breve vento e balançavam conforme ela caminhava, carregando uma bolsa marrom.

Lucy abriu a porta para ela com um tímido sorriso.

— Olá. — quase sussurrou, constatando que vista de perto, Mirajane era ainda mais bela. Esforçou-se para não encarar aqueles incríveis olhos azuis. Torcia para que não estivesse vermelha. — M-M-Mirajane, certo? Muito prazer, eu... eu... sou...

— O prazer é meu, Lucy. — a albina estendeu a mão e a jovem surpreendeu-se em não precisar se apresentar. Ah, claro, provavelmente a sra. Dragneel havia falado a seu respeito.

Mirajane sorriu assim que apertaram as mãos e Lucy a seguiu quase que inconscientemente até a cozinha. Ficou pensando nas diversas coisas que poderia dizer e a frase que saiu foi:

— O que vai cozinhar, Mirajane?

Que idiota!

— Você pode me chamar de Mira. — respondeu ela emitindo uma risadinha. — Vou cozinhar macarrão com molho de tomate, o prato favorito de Natsu.

Heartfilia achou curioso o fato da cozinheira não chamá-lo de senhor. Será que eram... amigos?

— Olívia disse que você cozinha tão bem quanto eu. Gostaria de provar algo feito por você qualquer dia desses... — Mira pensou no quão bonitinha ela era, ainda mais com as bochechas coradas daquele jeito. Lucy lembrava-lhe de certo modo de sua irmã mais nova.

— Certamente! E... eu... eu preciso continuar a tirar o pó da... d-da estante...

— Tudo bem. — Strauss pegou uma panela de um dos armários da cozinha. — Eu lhe aviso assim que ficar pronto... você chamará o Natsu para mim?

A criada assentiu com a cabeça e saiu, procurando o espanador de pó. Então se deu conta de que na realidade, estava limpando o vidro das janelas! Droga, sempre ficava completamente perdida após passar o mínimo de tempo com qualquer pessoa que considerasse muito bonita. A fazia se sentir tão confusa quanto uma criança!

Lucy pensou em Natsu, esperando que ele não estivesse tão mau humorado ao ponto de quase chutá-la como fizera dias atrás ou por pouco não ter lhe estapeado o rosto. Tudo isso enquanto ainda estava em parte dormindo, é claro.

Espalhando o produto de limpeza com um pano no vidro, a jovem criada observava o jardineiro, Sting. Gostava da maneira como ele cuidava das flores; carinhoso e ao mesmo tempo, parecendo fascinado. Lucy realmente desejava saber mais sobre o loiro, pois era um homem gentil e possuía um sorriso bonito. Um sorriso que parecia estar sempre em seu rosto. Isso a fez pensar em como Natsu era tão bonito quanto Sting; e talvez fosse ainda mais belo se tivesse o costume de sorrir como ele sorria.

Quando seus olhares se encontraram, o jardineiro lhe lançou um sorriso e, sem que ela percebesse, também havia dado uma piscadela. Heartfilia sorriu de volta e com as bochechas um tanto vermelhas, tornou a limpar as janelas distraindo-se rapidamente pensando a respeito de sua faculdade. A data do teste para bolsas de estudos na Fairy Tail University não estava distante, e ela sabia que muitas pessoas, assim como ela, estariam dispostas a fazer o possível e o impossível para conseguir uma das pouquíssimas vagas oferecidas.

Será que Deus lhe daria a sabedoria necessária para responder às questões no momento da prova? Seria digna, capaz de estar cursando Medicina em uma universidade de padrão tão alto? Será que seus esforços estavam sendo em vão? Tantas perguntas que ocupavam sua mente; a garota balançou a cabeça, pois prometera à mãe que pararia de pensar em tais coisas. O certo era ter pensamentos felizes.

Uma hora depois, a refeição estava pronta. Mira começava a arrumar a mesa da sala e Lucy ofereceu ajuda para arrumar a mesa. Antes de subir as escadas, ouviu-a dizer:

— Quando ele ouvir a palavra macarrão, irá sair correndo pra cá. Vai ver.

Natsu levantar de sua cama em dois segundos era algo que ela gostaria de presenciar um dia. Entrando no quarto do rapaz, dirigiu-se até as cortinas até então fechadas que deixavam-o completamente escuro.

A jovem criada emitiu um grito involuntário assim que o cômodo se iluminou. Natsu jazia na cama ao lado de uma moça coberta apenas por uma espécie de capa vermelha que na verdade era seu cabelo: surrealmente comprido e de um vermelho fervente como o fogo.

Ah, e havia mais um detalhe. O único local onde o rapaz estava coberto era... bem, em sua região íntima.

Os olhos escuros e borrados em volta pelo lápis preto a encararam ligeiramente confusos. Ao se dar conta do que estava acontecendo ali, a tal moça também gritou e cruzou os braços para cobrir os seios.

— P-Perdão! — disse a loira correndo de olhos fechados como uma tola, envergonhada. Bateu o nariz na parede dolorosamente, mas sequer se importou. Simplesmente continuou correndo e ouviu os berros roucos de Natsu.

— Para de gritar, sua porra!

Esbarrou com Mirajane no corredor, esta esbaforida.

— L-Lucy... — começou ela, pálida. Se é que tal era possível, considerando que era albina — Há algo que eu não...

Lucy pressionava o peito sentindo que o coração poderia saltar dali a qualquer momento. Algumas lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto, tamanha era o constrangimento que sentira!

Mira tocou gentilmente seus ombros quando ela fungou, trêmula; além de tudo, estava com medo de ser despedida mal tendo começado direito. Não tinha como adivinhar que Natsu estaria com alguém no quarto, ainda mais naquelas condições... ah, Deus!

Strauss deu um riso nervoso.

— O que quer que você tenha visto... foi minha culpa. — falou, envergonhada. — Eu esqueci de avisar que provavelmente Natsu traria... hã... aquela menina para cá.

As duas desceram e a menor sentou-se em um banquinho na cozinha bebendo um copo d'água. Estava nervosa demais pelo excesso de emoções causadas por aquela situação constrangedora.

— Bu.

Lucy caiu do banquinho na mesma hora e o copo voou ao chão, felizmente sendo de plástico.

— Sr. Natsu, o senhor me assustou! — exclamou ela ao vê-lo ao lado da garota de antes. Esta lançava-lhe um olhar assustador, ainda mais amedrontador pela maquiagem derretida que a fazia parecer uma personagem de filme de terror.

— Tsc. Não grita. — ele franziu a testa e sua expressão era de dor. E de fato, sentia dor. Em absolutamente todo o corpo, especialmente na cabeça, que parecia prestes a explodir a qualquer momento.

A ressaca é a desdobração do organismo para metabolizar e absorver todo o álcool ingerido, fazendo com que todos os órgãos integrados ao processo sejam sobrecarregados. Os principais sintomas são dores de cabeça e no corpo de modo geral, náuseas, sensibilidade à luz e som, dificuldade de concentração e muita, muita sede.

— Bom dia, Natsu. Eu fiz macarrão especialmente para você e... — Mira ficou boquiaberta por um momento. — Ah, não creio que vocês...

— Pode crer. — respondeu o rapaz, atirando-se no sofá de couro. — E não grita.

— O que eu já lhe disse sobre beber demais, Natsu? — a albina sentou-se no sofá e começou a acariciar as madeixas róseas. — Justo no dia que eu fiz macarronada! Tenho certeza de que você não vai conseguir comer nada desse jeito.

— Desculpa. — choramingou ele, com o rosto enterrado na almofada. — Me perdoa...

Era estranho ouvir sua voz manhosa daquele jeito; a loira jamais imaginara que o rosado poderia ficar tão fofo imitando uma voz de choro.

A garota de cabelos vermelhos piscava repetidamente, como se tentasse se concentrar. Falava com um tom de irritação.

— E quem diabos é você, loirinha?

A criada engoliu em seco.

— Meu nome é Lucy, muito prazer em conhecê-la. — disse, acanhada. — É um prazer conhecê-la, senhorita... ahn...

— Natsu, eu não gostei da loirinha. Ela tem cara de sonsa.

Natsu pressionou o rosto ainda mais contra a almofada.

— Calem a boca!

— Quer um chazinho, bebê? — perguntou Mirajane, acariciando os cabelos do rapaz. — Vai fazer você se sentir melhor.

— Quero...

— Tira as patas do meu namorado, fazendo o favor?! — Flare pôs as mãos na cintura, aborrecida.

Dragneel sentia-se irritado ao ouvir a voz dela, parecendo mais chata do que de costume. Estava pronto para dizer mais uma vez que eles não eram namorados, mas não estava a fim de choramingos. No entanto, não podia ignorar o fato de que ela estava tratando Mira mal.

— Não fale com ela assim. — rosnou, encarando-a com raiva por um momento.

— Eu vou ao mercado e volto em um segundo, ok? — Mira fingiu não ouvir o que a ruiva dizia e continuava a sorrir naturalmente. No entanto, secretamente estava completamente aliviada por poder ficar longe daquela garota ao menos um pouco.

Os três permaneceram na sala principal em silêncio e Flare parecia prestes a pular no pescoço de Lucy, olhando-a com repulsa.

— Deseja alguma coisa, senhorita? — perguntou ela, fazendo uma tímida reverência.

— Que você saia daqui, loirinha. — respondeu ela, deitando-se sobre o rapaz que aparentemente havia adormecido novamente.

Mirajane cortava o gengibre fresco em pequenos pedaços antes de colocá-lo na panela juntamente com a água para ferver, na companhia de Lucy.

— Ressaca deve ser algo terrível. — disse a criada, balançando o corpo de um lado para o outro.

Nunca havia ingerido bebidas alcóolicas, e não tinha vontade alguma de beber. Talvez por um pequeno trauma ao testemunhar como as pessoas se sentiam no dia seguinte de uma bebedeira. Definitivamente, não gostaria de sentir aquelas coisas horríveis na própria pele.

— E é mesmo. Faz você pensar que nunca mais vai querer enxergar uma garrafa de Vodka na sua frente. — riu Mira.

— O gengibre é desintoxicamente, não? — perguntou Lucy.

— Isso mesmo. Vai ajudar Natsu a ficar melhor logo. — a cozinheira suspirou. — E... Flare também.

— Eu não sabia que o sr. Natsu tinha uma namorada. — a jovem se sentia levemente desapontada com o fato, mesmo sem saber exatamente o porquê. — Ela é realmente bonita.

Apesar de parecer assustadora, principalmente com aquela maquiagem endemoniada.

A cozinheira colocou o gengibre picado na panela e assentiu com a cabeça.

— O que tem de beleza, tem de estupidez. E ela morre de ciúmes de Natsu, não suporta ver qualquer outra mulher perto dele mesmo que não sejam oficialmente namorados. Ah, ela é terrível.

Lucy entenderia o que sua nova amiga queria dizer muito em breve, talvez.

Mirajane serviu a bebida em duas xícaras e colocou-as sobre a mesinha da sala, ao lado do sofá.

— Natsu, estou deixando o chá aqui. — avisou ela.

— Hum. — murmurou o rosado, um tanto desacordado. A albina riu e lhe deu um beijo na cabeça à distância para que Flare não fizesse mais melodrama.

Voltando para a cozinha, disse:

— Acho que vamos ter que comer bastante macarrão para não desperdiçar. Você está com fome?

O estômago da loira roncou alto, respondendo por si só. Envergonhada, assentiu com a cabeça.

— Vamos almoçar, então. — Mira lhe lançou um sorriso e tornou a esquentar a massa que havia esfriado. As duas se sentaram na mesa e começaram a comer enquanto conversavam. Mesmo ambas repetindo um prato cheio, sobrara bastante para o jantar e então ela não precisaria ficar.

Lucy queria que ela ficasse para não se sentir tão solitária, mas não disse nada ao ouvir que Mirajane precisava resolver algumas urgências pessoais. Acompanhou sua nova amiga até o portão e se despediram com um abraço. A loira adorara a cozinheira; como havia pensado, ela era uma pessoa muito boa!

— Ei, Lucy! — chamou Sting, engolindo o último pedaço do sanduíche que trouxera embrulhado em papel alumínio. A garota não podia negar que sentia-se um tanto acanhada perto daquele homem tão... másculo?

— Sim? — respondeu, timidamente.

— Eu estava pensando em te fazer um convite. Posso? — disse ele, rindo de nervosismo.

— Oh, mas é claro. — as bochechas da jovem ficaram imediatamente vermelhas e ela não conseguia fitar seus olhos azuis por muito tempo sem desviar o olhar.

— Bom, às vezes eu vou em uma lanchonete aqui perto no horário de almoço e queria saber se... bem, você gostaria de ir comigo amanhã.

Um calor percorreu seu corpo todo. A loira estava tão envergonhada que mal conseguia responder que sim, estaria tudo bem em almoçar com ele amanhã. Seria um ótimo jeito de conhecê-lo melhor, já que não conseguiam conversar muito enquanto trabalhavam.

— Combinado, então. — Sting também desviou o olhar com o rosto levemente vermelho. — Sabe, vou... continuar a... a... fazer o que eu estava fazendo.

— Eu também. Até mais, Sting.

— Até.

Entrando na casa, sentou-se novamente na cadeira da mesa onde havia almoçado. Cobria o rosto com as mãos, sem saber a razão daquele sentimento tão forte de vergonha e ansiedade.

O dia seguinte prometia ser um ótimo dia.