Pureblood

Onze — Relações.


Aquele era um dia de céu cinzento no Outono, deixando a cidade completamente sem cor se não fossem as folhas que caíam das árvores: amarelas, alaranjadas, vermelhas. Formavam um tapete colorido nas ruas que Mirajane Strauss gostava de observar da janela do ônibus verde que pegava todos os dias para trabalhar, exceto nos dias em que era levada de carro por seu namorado. Isto é, quando não estavam separados...

As olheiras em seu rosto refletiam a atual situação de seu relacionamento conturbado com Laxus Dreyar e anteriormente, como estava com sua família. Os problemas familiares finalmente baixavam poeira. Entretanto, sempre que saía de um problema, era levada a outro. Quando a família estava bem, algo tinha de acontecer com seu namoro. Aparentemente, a vida sentia prazer em bater-lhe no rosto, dizendo: “desista, Mirajane, você jamais poderá ser feliz!

Quando pensava em Laxus, a vista começava a embaçar; um aviso de que o choro viria. Segurava as lágrimas, tentando se distrair com a visão das folhas secas sobre a calçada... E também pensando em uma das coisas mais felizes que podia se lembrar: Natsu, seu bebê. Não importava quantos anos tivesse: dezesseis, vinte ou até trinta. Sempre seria seu bebê, seu menino. Mira sentia-se uma mãe chorona por isso, mas era a realidade. O amava incondicionalmente e o amaria até o fim de seus dias.

Seu patrão, Igneel, exigia com razão que a moça cozinhasse desde o café da manhã até o jantar; afinal, a pagava para isso. Olívia era mais sensível, de coração de ouro; permitia que a albina preparasse apenas o almoço e depois poderia voltar para casa. Tudo por causa do drama que envolvia sua querida mãe de sorriso fraco e olhos sem brilho. Antes de adoecer, era o raio de Sol que iluminava os dias da casa dos Strauss. Parecia que seus dias gloriosos durariam para sempre, mas Mira descobriu que definitivamente nada dura para sempre. Ela e seus irmãos.

Sua mãe dava sinais de melhora, mas Strauss lutava contra a gota de esperança que fluía em si: não ter esperanças era o melhor que poderia fazer. Sinais de melhora costumavam aparecer e desapareciam num piscar de olhos.

Como habitual, Olívia estava isolada no melhor spa da cidade, coisa que sempre fazia quando Igneel viajava. Spa ou compras de valores absurdos. Assim lidava com a ausência do marido, métodos certamente preocupantes. Além de patroa e empregada, eram amigas de muito tempo; Mirajane sempre falava, tentava convencê-la de parar de fazer loucuras. Olívia nunca dava ouvidos a ninguém de qualquer forma.

Pois bem, a cozinheira ia trabalhar naquela manhã: faria um café da manhã gostoso para Natsu, com tudo o que possuía direito. Isto incluía seus cupcakes especiais que raramente cozinhava e talvez por isso receberam o nome de cupcakes especiais. Gostava de mimar seu bebê e sabia como ele se sentia quando a mãe ficava por indeterminados dias no spa. Queria vê-lo feliz e estava disposta a ir trabalhar logo pela manhã, apesar da preocupação com a mãe e por mais que, honestamente, não se sentisse tão bem.

Além do cansaço emocional, sentia a reação de seu corpo por não dormir como deveria e também pela má alimentação: o pouco que conseguia comer logo era devolvido pelo estômago através da garganta; Mira evitava comer até que seu emocional voltasse a o que considerava estável. Uma má decisão.

Após descer no ponto de ônibus, fazia mais dez minutos de caminhada até a Mansão. Enquanto andava, piscava com força esperando que a tontura desaparecesse em breve. Sua visão embaçava e em seguida, focava-se novamente até desfocar mais uma vez.

Girou a chave na fechadura e entrou na casa, guardando a bolsa que carregava consigo no cabide fixo na parede. Respirou fundo várias vezes até que enfim se sentisse um pouco melhor e prendeu os cabelos, pondo mãos à obra.

Lucy Heartfilia surpreendeu-se ao entrar na mansão e sentir o doce aroma de bolinhos proveniente da cozinha. Sorriu ao ver que Mira já estava ali de manhã, preparando um café da manhã aparentemente delicioso; havia comido há pouco, entretanto, sentia vontade de morder um daqueles cupcakes dentro do forno.

— Bom dia, Mira! — cumprimentou. — Que cheiro bom...

A albina retribuiu o sorriso e retirou o avental sujo para abraçá-la.

— Bom dia, Lucy. Ah, são os meus cupcakes super-mega-especiais! — disse com seu tom brincalhão. Mira ainda brincava, mas a loira notava que havia algo de diferente com ela. Aparentava estar extremamente cansada e suas olheiras profundas evidenciavam que algo não ia bem. Era exatamente como Lucy estava há não muitos dias atrás e pensou que talvez Mirajane estivesse em pior estado... Que problema estaria enfrentando? — Estou fazendo-os para Natsu, mas talvez eu te deixe comer um pedacinho.

A criada ria do quão brincalhona Mira podia ser e em seguida, sua expressão tornou-se séria.

— Mira, está tudo bem com você?

Strauss riu.

— Por quê não estaria?

— Estou preocupada com você... — disse Lucy. — Está um pouco pálida, Mira.

— Lucy, eu sou pálida! — a albina riu mais uma vez e pôs uma mecha dos cabelos praticamente brancos atrás da orelha. Ria mais do que de hábito, tornando a desconfiança de que mentia ainda maior. — Estou bem. É sério. Só não... estou dormindo muito bem.

— Quer conversar sobre isso? — perguntou a loira, preocupada; sempre sentia a necessidade de conversar e ajudar as pessoas quando tinham algum problema. Não importava quem fosse: amigos, conhecidos há pouco tempo ou há muitos anos. Pessoas que acabara de conhecer...

A albina balançou a cabeça negativamente.

— Nah. É bobagem. — o timer do fogão apitou, indicando que os bolinhos haviam aprontado. Mirajane colocou as luvas para pegar a forma de dentro do forno; com um sorriso orgulhoso, colocou-a sobre o balcão e Lucy sentiu a boca encher-se de saliva; não estava com fome, mas ainda assim, desejava saborear um daqueles cupcakes mega-especiais. A maldita gula!

A cozinheira suspirou longamente e virou-se de costas para o balcão, levando a mão à testa.

— Mira, está tudo bem? — perguntou a loira, arregalando os olhos. Agora ela estava realmente pálida, e não era sua palidez habitual.

Murmurou algo incompreensível e desfaleceu, felizmente não batendo a cabeça no chão graças a ação rápida de Lucy de segurá-la. Sua falta de força física tornava um esforço segurar Mira nos braços, mas a loira se forçava.

Tentando manter a calma, a garota levou-a até o sofá. Deitou Mirajane e colocou algumas almofadas sob suas pernas, de modo a torná-las mais elevadas do que a cabeça; faria a circulação do sangue voltar ao normal. Um princípio básico de primeiros-socorros, coisa que Heartfilia sabia até demais. Desejava ser médica e passava a maior parte do tempo buscando informações relacionadas à Medicina e claro, primeiros-socorros. Respirava fundo, lutando contra o pavor; uma médica mantém a calma. Sempre.

A albina gemia palavras sem conexão, sem sua consciência tendo retornado totalmente. Lucy pensou que seria melhor chamar Natsu para que assim, ele pudesse levá-la a um hospital.

Apressou o passo ao subir as escadas e no corredor, inesperadamente esbarrou no rapaz. Ele abriu a boca para muito provavelmente xingá-la por não ter cuidado pela merda de lugar que andava, mas a garota falou com mais rapidez.

— Desculpe por ter esbarrado no senhor. — disse ela, de rosto ainda sem cor devido ao nervosismo que, por mais que tentasse controlar, sentia-o intensamente devido ao repentino desmaio da amiga. — Por favor, venha comigo. Mira não está bem, senhor.

Natsu engoliu em seco e a seguiu até o andar de baixo, assustando-se ainda mais ao ver a albina desacordada sobre o sofá. Correu para se aproximar e segurou sua mão, também empalidecendo de susto.

— Que é que aconteceu? — perguntou para Lucy, trêmulo. Pela primeira vez, não se dirigia a ela com raiva ou desprezo e mal percebeu isso. No susto, as pessoas agem das formas mais imagináveis.

— Estávamos conversando na cozinha e...

— Eu estou bem... — murmurou Mira, abrindo os olhos devagar. Piscava repetidamente, procurando focalizar sua visão. Apertou a mão gelada do rapaz como uma maneira de tranquilizá-lo, dando um sorriso fraco. Sentia-se particularmente mal por ter sido tão fraca a ponto de desmaiar e preocupar as pessoas de quem gostava. — É sério, eu estou bem.

A loira respirou aliviada ao ver que a amiga recobrara a consciência e conseguia falar normalmente. Provavelmente, o desmaio fora resultado do cansaço excessivo e evidente de Mirajane; qualquer que fosse seu problema, deveria resolvê-lo logo para evitar uma nova síncope ou algo pior.

— Eu já tinha percebido que você... estava cansada. — disse o rosado entre dentes. — Você precisa descansar.

A albina balançou a cabeça negativamente.

— Não, eu já estou melhor. — tentou ficar em pé para comprovar, mas antes mesmo que conseguisse sentar-se, foi impedida pela mão de Lucy.

— É melhor que fique deitada um pouco, Mira. — disse a garota. — Pode desmaiar de novo se levantar assim.

Mirajane suspirou. Detestava que seu desmaio fizesse-os se preocupar, principalmente Natsu. Ele tentava esconder, mas seu corpo tremia de nervosismo. Segurando sua mão banhada de suor frio, a moça riu para acalmá-lo e Heartfilia os deixou a sós a pedido de Mira.

O rapaz encostou a cabeça em seu peito e ela acariciou seus fios róseos.

— Natsu, você está tremendo. — disse a albina.

— Você me deu um susto. — murmurou ele. — Merda, eu sabia que você estava cansada... Eu não devia ter te deixado vir...

Mirajane enchia o topo de sua cabeça de beijos.

— Eu viria para fazer cupcakes para você mesmo se você me dissesse para ficar em casa. Você sabe que não adiantaria de nada. — brincou.

— Quer que eu te leve pro hospital? — perguntou o rosado, afundando-se ainda mais em seu peito. — Pra saber se... tá tudo bem mesmo com você.

— Não precisa. — respondeu Mira. — Eu não estou dormindo direito. E não consigo me alimentar muito bem... Deve ter sido por isso.

Natsu ergueu a cabeça.

— Eu já até imagino o porquê. — rosnou.

— Ah, Natsu... — a moça desviou o olhar. Sabia a raiva que ele sentia de Laxus, seu... namorado? Na atual situação, provavelmente não podia mais chamá-lo de namorado... — É complicado.

— Por que é que você ainda tá com esse cara? — o rosto do rosado ficou vermelho de raiva. — Ele só te faz sofrer, parece que não acerta uma. Olha, eu juro que eu vou encontrar esse cara e quando eu encontrar...

— Natsu, basta. — cortou Mirajane, sentindo os olhos marejarem. Não estava com vontade alguma de iniciar uma discussão sobre Laxus, muito menos naquele momento. — Por favor, eu não quero falar sobre isso.

— Desculpa. — Natsu respirou fundo, desconcertado. — Eu... Eu vou te levar pra casa.

A BMW preta parou em frente à casa de Mira, uma residência simples ao meio de outras pequenas casas e favelas. A residência rosa-clara não era muito grande e, embora começasse a cair aos pedaços, a simpatia do jardim permanecia.

— Chegamos. — murmurou Natsu, olhando para frente. — Eu te levo até a porta?

— Obrigada, mas posso caminhar sozinha. Já me sinto melhor. — respondeu a albina com as bochechas levemente rosadas como habitual. Isso mostrava que estava falando a verdade. Após comer um punhado de balas de goma, parou de sentir tonturas; faltava açúcar em seu sangue. Entretanto, as balas resolveriam seu problema por ora: precisava voltar a se alimentar corretamente para evitar um novo desmaio.

— É. — a resposta monossilábica do rapaz mostrava que estava chateado; sentia-se magoado de saber que, apesar de tudo o que Laxus a fazia passar, ainda podia dizer que o amava. Assim como sua mãe, que sofria por conta de seu maldito pai. As duas mulheres que amava entregavam-se de corpo e alma ao homem que amavam, aparentemente sem se importar com os contras do relacionamento. Masoquismo? — Descanse, ok?

Mirajane segurou seu rosto com as mãos, suavemente virando-o para olhá-lo diretamente. Não havia percebido, mas talvez se aproximara demais. O suficiente para fazer Natsu fitar seus lábios e mais uma vez, sentir aquela desejo esquisito de tomá-los para si. A vontade que ardia, a vontade que não conseguia controlar. Que fazia esquecer-se de tudo, até de seu próprio nome.

O rapaz roçou os lábios nos seus. Abrindo um pouco a boca, prestes a encaixá-los para um beijo, Mira afastou o rosto.

— Desculpe. — beijou sua bochecha e despediu-se ao sair do carro. Ele a viu atravessar o pequeno portão de madeira e desaparecer atrás da porta.

Durante o caminho de volta para casa, pensou em como era um idiota. Um babaca. Um estúpido. Um imbecil. Todas estas palavras possuíam basicamente o mesmo significado e talvez por isso o descrevessem tão bem.

Talvez houvesse perdido a cabeça há algum tempo. Não sabia como podia se deixar levar tanto pela emoção, por seus desejos estranhos e que lhe ardiam pelo corpo todo. Mirajane fora seu primeiro amor, mas não era incomum querer beijá-la após tanto tempo considerando-a uma segunda mãe? E mais: não devia tentar ter algo com ela, especialmente porque Mira já estava com outro cara: Laxus. Odiava aquele homem, embora tendo-o visto poucas vezes. Era um verdadeiro merda, entretanto, a quem a albina entregara seu coração. E aparentemente, o loiro babaca não sabia como tomar conta dele.

Impressionante como pessoas loiras que conhecia podiam ser tapadas, babacas e idiotas. Sting, Laxus e Lucy, respectivamente.

Sim, considerava Lucy uma idiota. Sua ingenuidade parecia não ter limites e aquilo a fazia ser idiota. E um tanto irritante; de qualquer forma, Natsu sempre via todo o mundo por um lado negativo. Todos sempre lhe eram irritantes no fim.

O problema era que a idiota não saía de sua cabeça. Aquela voz absurdamente suave ecoava na mente o dia todo, mas não pelo motivo que você está imaginando.

Houveram batidas na porta e, entretido em certas conversas pelo celular, demorou a perceber que o barulho era realmente na porta de seu quarto. Com a voz rouca e baixa, disse algo como “entra” e, como já imaginava, Lucy abriu a porta e pediu licença para entrar.

— O que você quer? — perguntou ele, sem tirar os olhos da tela touchscreen.

— Bem... — começou ela, quase sussurrando por causa de uma aparente estúpida timidez. — Senhor, acredito que me veja como uma ameaça por eu saber de seu segredo. Mas peço que por favor, não tenha esta visão de mim. Não quero ser uma ameaça, eu... Eu gostaria de ter uma boa relação com o senhor. Se desejar, posso ser sua amiga.

Completamente corada, a loira realmente fizera um esforço para dizer isso sem que travasse no meio de cada frase. Oferecia uma amizade ao filho de seus patrões; podia isto ser considerado estranho?

Acanhadamente, estendeu a mão.

Natsu não a olhou diretamente, como se não considerasse aquilo algo importante.

— Não sei. — respondeu como respondia à todo mundo. — Vou pensar.

Ele nunca realmente desperdiçava tempo pensando em coisas que não lhe eram interessantes, como propostas de amizade. Tentou não dar importância às palavras de Lucy, falhando miseravelmente: não queria, mas pensava e pensava. E aquilo dava-lhe nos nervos.

Heartfilia notou que desde a hora em que havia chego da casa de Mira, Natsu não comera nada no café da manhã. Parecia triste, chateado ou algo do gênero; ao chegar, subiu as escadas com passos pesados e a olhou por um breve momento antes de entrar no quarto e de lá não sair mais. Certamente o desmaio de Mirajane o preocupara tanto quanto ela. Poderia um doce ajudá-lo a se sentir um pouquinho melhor?

Foi até a cozinha e pegou um dos cupcakes da forma sobre o balcão. Ah, como parecia delicioso! Foco, Lucy, pensou consigo. Não são para você.

A loira subiu as escadas e caminhou pelo corredor. Ao chegar na porta do quarto do rapaz, bateu e esperou. Ouviu um murmúrio lá de dentro e abriu a porta, encontrando Natsu deitado na cama de barriga para cima. Seus olhos verde-escuros concentravam-se num ponto fixo do teto.

— Senhor? — chamou.

— Hum.

— Como o senhor não comeu nada eu... ahn... trouxe um bolinho que Mira fez. Parece delicioso e estou certa de que ela ficaria feliz em vê-lo provando de algo que ela preparou. — aproximou-se do criado-mudo ao lado de sua cama e pôs o doce ali. Inesperadamente, sentiu um puxão pelo braço e em um piscar de olhos, estava com o corpo completamente fixo em cima dele. As mãos do rapaz tocavam suas costas com firmeza, fazendo-a se sentir tão embaraçada! Vermelha de vergonha, mal sabia o que dizer, tendo em consideração que seus rostos estavam praticamente colados um ao outro.

Os lábios de Natsu percorreram desde o fim de sua bochecha até a curva de seu pescoço, roçando naquela região sensível que lhe causava tantos arrepios.

— Me diga uma coisa, Lucy. — falou ele com a voz rouca. — Por que é que você quer ser minha amiga?

Talvez aquela pergunta fosse mais facilmente respondida se a loira não se encontrasse em uma situação tão constrangedora para si. Aparentemente, o rapaz não sentia vergonha alguma; apenas queria uma resposta para seu questionamento.

ANTES

Sentindo as pálpebras pesadas, Heartfilia se levantou da cadeira ainda segurando a pedra nas mãos. Em um instante, seu corpo amoleceu completamente e ela acabou por dormir no chão. Não conseguia se mover para se deitar na cama.

Apesar de não estar deitada em um colchão macio, aquela noite de sono seria uma das melhores desde os últimos tempos. Mais do que ela imaginava.

Sempre que adormecemos, nossa alma viaja à muitos lugares fantásticos assim que “sai do corpo”. Um cordão branco une nosso corpo e alma, e este cordão é de imaginável comprimento. Assim, a alma ainda está unida ao corpo físico e pode voltar quando desejar. O problema é que ao acordarmos, nunca nos lembramos de termos feito tais viagens. Mas com Lucy foi diferente.

Lucy Heartfilia ouvia o barulho das ondas quebrando-se lentamente naquele início de crepúsculo. Com os pés descalços, caminhava sobre a areia mais macia que já pisara na vida. Seus cabelos louros dançavam no ar conforme o vento soprava, assim como o vestido branco de tecido leve, a única peça de roupa que cobria seu corpo.

Não fazia a mínima ideia de onde estava ou como havia chegado lá; tampouco o modo com o qual, de uma hora para a outra, a única vestimenta que possuía era um vestido branco. Suas memórias pareciam um tanto embaraçadas, mas podia se lembrar que estava vestindo pijamas há não muito tempo atrás...

A praia estava vazia e deveria se assustar de estar em um lugar desconhecido e por si mesma, entretanto, não sentia exatamente medo. Aquele lugar tinha uma atmosfera familiar... Trazia-lhe tanta paz que apenas caminhava, absorvendo as sensações em silêncio. E era como se, de certa soubesse para aonde ia. Mesmo não se lembrando de já ter pisado naquela areia fofa antes...

Finalmente enxergou algo ao horizonte e seu coração bateu mais rápido ao, se aproximando um pouco mais, perceber que havia uma pessoa ali, em pé de frente para o mar. Apressando o passo, seus detalhes ficavam mais precisos... Conhecia a mulher da qual ficava cada vez mais perto. Ou melhor, uma garota.

Cana Alberona continuava com a mesma aparência de uma garota de dezoito anos, desafiando a passagem de tempo. Os cabelos castanhos caíam-lhe em ondas até os quadris; seus olhos do raro violeta se destacavam no meio daquela pele morena, a mais bonita que Lucy já vira. Seu sorriso espontaneamente sem falhas também permanecia e assim que o viu, a loira sentiu seu rosto banhado com as próprias lágrimas. Não conseguia conter o choro; também não conseguia dizer palavra, tomada pelo choque da emoção.

Suas pernas trêmulas desabaram assim que Cana a abraçou; seu toque era como o que tanto sentia falta. O toque de uma amiga, de sua irmã mais velha por mais que não possuíssem o mesmo sangue. Um abraço que a garota pensava jamais sentir de novo. Lucy não sabia se aquilo era um sonho, mas de qualquer forma, a segurou firme em seus braços como se quando a soltasse, veria Cana desaparecer na frente de seus olhos.

— Você cresceu bastante, pequena. — disse a morena, beijando o topo de sua cabeça.

Heartfilia soluçou, procurando voz para dizer o que sentia que precisava ser dito.

— Desculpe. — durante tantos anos, a loira evitava pensar nela. Era como se fosse uma assassina; a matara de suas memórias, de seu coração, o lugar onde deveria sempre mantê-la viva. Bloqueando lembranças, era assim como Lucy vivia: esquecia totalmente todas as coisas ruins das quais havia passado e continuava a viver, fingindo que jamais tinham acontecido. Não possuía a força suficiente para não esquecê-las, mas sim, seguir em frente lidando com elas; e também via-se completamente fraca quando as memórias retornavam de maneira tão brusca. Era algo que devia mudar, mas não conseguia. — Me desculpe, Cana...

— Você cresceu. — repetiu a mais velha. — Mas ainda há muitas coisas que não aprendeu.

— Eu sei... — a voz de Lucy falhava. — Eu sei...

Em silêncio, tudo o que podia-se ouvir era o som do mar e de seu choro incessante. Ajoelhada naquela areia macia, sentia o calor de Cana trazendo-lhe de volta a paz... A verdadeira, sem um certo peso que carregava nas costas dia após dia que, claro, bloqueava. Mas ainda assim, sabia que estava lá...

A chamada paz verdadeira trazia Heartfilia de volta a uma fase de sua vida da qual fora a menina mais feliz do mundo, além das dificuldades. A infância, que guardava no coração com carinho. Algumas vezes, gostaria de poder voltar a ser criança novamente; outras, apenas queria que as coisas tivessem sido diferentes... Que não lhe dessem o peso nas costas e a sensação de ser uma pessoa suja. Ou indigna de qualquer coisa.

— Ajude-o, Lucy.

A loira fitou o par de olhos cor violeta, ainda que suas lágrimas não tivessem parado. Ajudar... Natsu Dragneel?

A irmã mais nova de Strauss, chamada Lisanna, abriu a porta do quarto que dividia com Mirajane.

— Mira. — disse ela, idêntica à irmã mais velha na forma física, exceto pelo corte de cabelo: Lisanna preferia manter os fios curtíssimos do que compridos como os de Mira. — Laxus está na porta.

— Ah. — murmurou a mais velha, fechando um de seus livros de culinária. Tinha muitos deles e a maioria dos livros que possuía falavam sobre gastronomia. Então, o loiro havia chego para conversarem.

— Quer que eu abra? — perguntou Lisanna, percebendo seu nervosismo.

— Não, Lis. — Mira respondeu docemente, respirando fundo ao levantar da cama. — Acho que quem deve fazer isso... sou eu.

A mais nova assentiu com a cabeça e sorriu.

Boa sorte.

Obrigada, Lis, pensou ela. Realmente vou precisar...

Desceu as escadas de sua casa e nervosamente, girou a chave da porta na fechadura e abriu-a. Laxus estava como sempre: cabelos loiros e desarrumados, roupas aparentemente velhas e uma das camisetas que evidenciavam ainda mais seus músculos muitíssimo bem desenvolvidos. Seus olhos cinzentos e sua grande cicatriz em um deles: apreciava cada detalhe do homem que amava. Podiam brigar dez, vinte ou cinquenta vezes e ficar até semanas sem trocar palavras. Entretanto, absolutamente tudo era esquecido quando se viam mais uma vez.

— Me desculpe. — disseram os dois ao mesmo tempo, sem intenção. Ambos se sentiam culpados pela briga e estavam corretos. Precisavam perdoar e pedir para serem perdoados.

O loiro a puxou pela cintura para o lado de fora da residência para tomar-lhe os lábios em um beijo apaixonadamente sensual. A albina correspondeu e seus braços foram parar ao redor de seu pescoço. Mirajane e Laxus perdoavam um ao outro.

— Eu amo você. — sussurrou a moça em meio àqueles beijos sob o céu estrelado. Seus olhos marejaram. — Eu amo muito, muito, você.

O rapaz sorriu e disse, beijando a curva de seu pescoço:

— Eu também amo você, Mira. E eu prometo que nunca mais...

Shhh. — interrompeu ela. — Vamos vencer tudo isso juntos, certo?

— Certo. — sorriu o loiro mais uma vez.

Sorriram e continuaram a beijar-se, desejando do fundo de seus corações que o momento durasse para todo o sempre. O casal estava decidido a superar os obstáculos que impediam seu relacionamento, mas havia um que merecia atenção especial: o fato de Laxus não ter a capacidade de seguir em frente devido ao falecimento de uma antiga namorada, há muitos anos atrás. Cana Alberona era seu nome.