Depois do terrível natal que tive, passei um bom tempo mofando na minha cama com o Jim tentando me consolar. Passei literalmente duas semanas deitada, saía quando era necessário e só tive coragem de sair de casa quando o recesso do final de ano acabou e minhas aulas voltaram. Sério, fiquei destruída inteiramente, não tinha coragem nem de abrir os olhos.

E a sensação de ver aquele monstro em todo canto?

Nem me fale.

Fico me imaginando como seria se eu não tivesse um anjo da guarda. Estaria morta, mortinha. E é por isso que sou muito grata por Jimmy estar comigo.

Os meses que se passaram foram relativamente calmos. Deu até tempo de me recuperar – um pouco, de tudo que estava sofrendo ultimamente. E confesso também que o Jimmy teve todo o mérito, pois se por um lado existe um monstro, que é Harry... Existe o meu herói, tanto fisicamente como psicologicamente.

Enquanto andava abobada pelo corredor da minha escola, a senhorita Feck, a adorável diretora baixinha do meu colégio me parou no meio do corredor aberto que dava acesso para o campo, e perguntou:

— Está gostando da nova escola, querida?

Certo, já não é nova escola mais. Entrei em Setembro, já estamos em Fevereiro, ou seja, estudo na Academia Nicolau Glover há cinco meses e a Senhora Feck vem me dizer que é um novo colégio. Ok, ela deve estar ficando maluca.

Olhei para ela e sorri.

Mesmo com a pergunta boba dela, eu estava com um sorriso radiante, é claro. Porque quando meu despertador tocou, Jimmy estava me abraçando dormindo e eu estava com um sorriso mais radiante. E quando o vi atrás dela, fazendo uma brincadeira pelo tamanho dela, sorri mais ainda, de orelha a orelha.

— Estou adorando, Senhora Feck. Adorando! — Olhei para Jimmy e dei meu melhor sorriso pra ele.

Ele sorriu.

— Vem, vamos! — Louise me puxava irritada, ignorando a diretora.

— Bom, tenho que ir, Senhora Feck. Até mais. — Segui Louise pelo corredor, acenando um adeus para a diretora.

Atrás de nós, Jimmy caminhava pelo corredor vagarosamente, com a mão nos bolsos.

Olhei para os lados para me certificar de que Harry não estava ali, e quando percebi sua ausência, me animei, sentando-me ao lado de Louise.

— Harry não está mais aqui. — Louise olhou para mim, séria. — Sei que está procurando ele.

— Como é? — Não tirei os olhos de Jimmy.

— Ele saiu do colégio e parou de estudar. Os pais deles não sabem onde ele está, e estão dizendo por aí que ele fugiu de casa. — Ela mordeu sua maçã, satisfeita.

— Por quê? — Olhei para ela, atenta.

— Ele andava mexendo com coisas erradas... — Ela pausou, pensativa. —Você sabe! Dizem que ele estava ficando pirado.

Já sei que ele é pirado faz tempo.

Fiquei radiante. E quando Louise viu o sorriso que aflorava em meu rosto, perguntou:

— Você odiava ele tanto assim? — Sua expressão era confusa.

— Claro. O cara quase esmagou meus braços. — Respondi, na lata.

Ela sorriu e balançou sua trança bem-feita.

— Então você não vai precisar se preocupar, não é? Ele simplesmente sumiu, Belatriz. — Ela deu outra mordida em sua maçã.

— Falando em preocupações, Lou, como vão as suas preocupações?

— O quê? As garrafas? — Ela deu um sorrisinho.

— Sim.

— Elas sumiram. — Seus olhos brilhavam. — Faz dois meses que elas não aparecem e nada de estranho ocorre lá em casa.

— Não brinca! — Não escondi a felicidade em minha voz.

— Sim. Meus pais desistiram da ideia de ir para uma nova casa. Está tudo como antes agora, é claro, sem Jimmy.

— Isso é... — Pausei. — Ótimo!

Dá pra acreditar? Ele parou! Fazem dois meses que eu pedi para ele parar! Ele parou de beber lá em sua antiga casa porque eu pedi! Sim, ele realizou meu desejo!

— O que foi? — Ela perguntou, quando viu um sorriso gigante abrir em meu rosto.

Lancei um sorriso satisfatório para Jimmy — que nos observava a alguns metros de distância — e depois olhei para Louise.

— Que bom! Que bom mesmo! — Suspirei, ao ver os olhos de Jimmy fixados em mim. — Como isso aconteceu? — Cruzei minhas pernas.

— Não sei, poxa. Elas só sumiram, sabe? Uma hora estavam lá na mesa de centro, me assombrando. E outra hora não estavam.

Arrumei meu cardigã ao corpo, levantando-me.

— Ei, preciso ir ali na biblioteca.

— Não demora! Estarei aqui. Volte logo.

— Tudo bem, tudo bem. Já entendi. — Dei um sorriso para ela.

Quando sumi da vista de Louise, caminhei com Jimmy até o ginásio da escola e ele possuía um tom melancólico.

— Algum problema? —Disse.

Ele sorriu.

Ele se sentou na arquibancada e ele passou um tempo em silêncio. Senti-me extremamente desconfortada imaginando o motivo dele estar daquele jeito. Fiquei olhando para o teto sem entender nada, mas não resisti, cortei o silêncio.

— O que foi? — Perguntei, mas ele demorou a responder, estava olhando fixamente para o jogo de basquete de alguns rapazes que eu não conhecia.

— São meus amigos. — Ele olhou pra mim e arregalou os olhos. — Quer dizer, eram meus amigos.

— Todos eles?

— Sim. Está vendo aquele que corre com a bola? — Ele apontou para um garoto alto, negro, forte e com o suor escorrendo por sua camiseta branca. — É Ben. Era meu melhor amigo.

Olhei para Ben e vi que ele fez uma cesta.

— Sinto muito. — Foi apenas o que eu disse. Não sou boa em consolar pessoas.

— Tudo bem, já estou morto mesmo. — Ele sorriu, cortando a tensão – era um cara incrível e muito inteligente, não me surpreende que tenha conseguido uma bolsa na Universidade.

Sorri, mas não sabia mais o que dizer.

— Ei, adorei o que você fez.

— O que mesmo que eu faço que você não adora?

Tentei não rir.

— É, claro. Mas é sobre as garrafas. Você parou! Obrigado, sério, sua irmã está radiante.

— Pensei no que você disse. Fui dar uma checada de vi que minha casa estava um inferno. Então — ele deu aquele sorriso pra mim.

— Pode me agradecer essa noite? — Propôs.

— Não acredito que você disse isso. — Eu ri, balançando a cabeça negativamente.

— Droga, Bells, nem eu. Foi a primeira coisa que me veio a cabeça.

— Juro que não acredito que você fez isso, Jimmy.

— Que diabos você tem na cabeça, Bells? É verdade, é, eu parei.

— Claro, que sei, mas Louise está tão feliz, parou com...

— Bells.

— Parou de ficar com medo das suas garrafas e de suas visitinhas...

— Belatriz.

— Com essas suas visitinhas noturnas, ela estava...

— Cale a boca, Belatriz! Pare de falar.

Encolhi-me.

— Desculpe.

Ele riu. Sua gargalhada fez meus pulmões arfarem rapidamente.

— Te vejo de noite, então? — Havia malícia em seu sorriso.

— Como?

— Seu pai vem te buscar hoje, não é? Já que Harry não está aqui...

— Tudo bem. — Sorri, tranquila por saber que Harry não estava mais ali no colégio.

Seus lábios tocaram os meus num piscar de olhos e ele desapareceu.

— Te vejo de noite. — Respondi, com um sorriso débil.