Capítulo 4 – Sakuras

Pov’s Lucy

Gente estranha.

Essas duas palavras descrevem bem as pessoas desse colégio. Se já não bastasse a diretora parecer uma criança, eu também me deparava com cabelos azuis, rosas, roxos, verdes, e todo outro tipo de cores possíveis e imagináveis. Eu sei. Estranhos. Sem contar que poderia ser perigoso vagar pelos corredores. Uma louca pode esbarrar em você, te olhar mortiferamente e sussurrar quase que inaudivelmente em seu ouvido um “rival no amor” – “Será que ela faz isso com todo mundo?” – você pode entrar em uma sala qualquer e encontrar um garoto com uma vassoura – “Não quero nem saber o que ele estava fazendo com aquilo...” – ou você pode quase morrer de susto quando um comedor de pimentas chega correndo em sua direção berrando seu nome.

– LUCYYYYYYYYY!!!!!!

– Oi... é Natsu, certo? – disse numa tentativa de ser simpática

– EU LEMBREI, LUCY. LEMBREI DE TUDO E AGORA A GENTE PODE... – ele parou ao perceber que eu não acompanhava seu raciocínio – Espera... você não se lembra?

Era perceptível o desapontamento em sua voz. Por alguma razão desconhecida meu coração ficou apertado, deu um nó, parou de bater ao ver isso – “Pare com isso, Lucy. Você o conhece a pouco menos de um dia e fica sentindo essas coisas esquisitas. Essa gente Luca já te afetou tanto que já quer ir dar um abraço no garoto?” – mas minha Heartfilia interior falou mais alto e eu me mantive no lugar.

– Lembrei do quê? – esse papo dele era confuso

– DE TUDO. DAS BEBEDEIRAS COM O PESSOAL NA GUILDA, DO MESTRE BRIGANDO COM A GENTE POR TERMOS DESTRUIDO OUTRA VILA, DO HAPPY E SUA OBCESSAO POR PEIXES... Você não se lembra?

– Não, desculpe. Na verdade, não tenho a menor ideia do quê você está falando. Olha, Natsu, eu estou indo pra sala e você deveria fazer o mesmo. Se apresse, se não vai se atrasar – não custava nada ser legal e avisar que a aula já estava prestes a começar, afinal, o rosado parecia perdido em pensamentos e eu duvidava que saísse de lá tão cedo. Enfim, fui andando lentamente em direção à sala de aula. Mas, Lucy, se a aula estava começando, por que está andando lentamente? Simples. Porque é IMPOSSÍVEL PASSAR POR ESSE CORREDOR LOTADO DE GENTE.

Ao chegar na sala, me dirigi à mesma carteira na qual havia me sentado no dia anterior. Logo, estava entretida em meus devaneios. Me perguntava questões como: Por que aquele sorriso em meu sonho mexeu tanto comigo? Por que eu tinha a estranha sensação de estar cometendo um erro sempre que estava com o Deus Gray Grego, digo, Gray (eu tinha até gostado do apelido) e este passava seus braços por meus ombros de forma tão íntima? Por que aquela estampa no cachecol de Natsume trazia um sentimento de segurança? Por que eu tinha DejaVu’s olhando para as pessoas no pátio? Por que borboletas brotavam no meu estômago sempre que chegava ao colégio? E o mais perturbador de tudo, por que eu tinha a sensação de que tudo isso estava conectado?

Ao término da primeira aula, Natsu entra na sala. Ele provavelmente ultrapassara os quinze minutos de tolerância para entrar na sala depois do bater do sinal. Sentou-se, também, na mesma carteira de ontem – duas atrás de mim, à minha direita – e tornou a me encarar, dessa vez com determinação expressa em sua linda face – “Que lindo o que, Lucy? Para com isso, garota!!!”. Saí de meu transe ao perceber um bilhete em papel rosa em cima de meu caderno. Olhei o mesmo com um olhar confuso e ao mesmo tempo estava ansiosa em abri-lo. O impressionante era a cor do papel que, coincidentemente, era a mesma que predominara meus sonhos na noite anterior. Quase que como automaticamente olhei para trás, me deparando com um rosado extremamente corado. Natsu apontou desesperado para Gray, acusando o moreno de ser o remetente do bilhete. O moreno percebeu que eu o fitava e me deu um sorriso galante. Já sem paciência, abri o bilhete e me surpreendi com seu conteúdo.

“Sabe que dia é hoje? Se não, venha descobrir às 3 horas da tarde no portão sul do Parque de Magnólia. Estarei te esperando.

P.s.: As flores ficam ainda mais lindas ao pôr do sol.”

A ansiedade tomou conta de mim. Virei minha cabeça e assenti a um Gray confuso. Pude ouvir um pequeno “Yosh” vindo de um Natsu animado. Fiquei sem reação.

A professora de biologia entrou na sala. Parecia estar de bom humor. Percebi rumores se espalhando pela sala e estes logo chegaram aos meus ouvidos. Aparentemente o professor Elfman tinha algo a ver com toda essa alegria de Evergreen. Decidi nem perguntar a Cana o que era, pois tinha a nítida impressão que se o fizesse ou passaria intermináveis noites em claro ou teria pesadelos terríveis. Perturbador.

A medida que a aula ficava entediante eu passava a prestar cada vez menos atenção às explicações da feliz professora. Antes que percebesse, estava pensando na vida, mais especificamente nos recentes eventos que têm se intrometido em minha vida tão abruptamente. Todos os meus pensamentos automaticamente se voltavam ao sorriso que vira em meu sonho. Aquele sorriso acolhedor, confortante, tão familiar mas tão desconhecido, aquele sorriso que mandava calafrios por todo o meu corpo em questão de segundos e que combinava perfeitamente com o fundo em rosa. O papel de parede do sonho, de alguma forma, conseguia tornar aquela cor tão enjoativa e clichê em uma cor completa e simplesmente linda.

Nem percebi o resto das aulas passar. Estava refletindo mais sobre a vida do que no banho. Logo estava dentro de casa, minha mochila jogada em frente às portas do meu closet e eu sentada em cima de minha cama, penteando minhas madeixas douradas. Mas por que eu estava fazendo isso? Ah, sim. Meu encontro com o Deus Gray Grego. Só não entendo muito bem a intenção dele ao me chamar em plena terça-feira para ir ao parque. E daí? Eu vou passar a tarde ao lado de um moreno gostoso em meio às sakuras. Tem coisa melhor? Seria super romântico. Ele olharia para mim, colocaria suas mãos fortes em cima das minhas pequenas e frágeis, diria palavras bonitas, e somente então, depois de uma aproximação lenta e profunda, partilharíamos de um longo e apaixonado beijo e... e eu estava me sentindo culpada novamente. Não podia pensar em nada em relação ao moreno sem ter a estranha sensação de estar traindo alguém muito importante. Não. Não deixaria preocupações sem fundamento estragarem minha tarde com o gostosão da escola.

Resolvi ir até o parque à pé. Levaria, mais ou menos, meia hora para chegar lá, mas estava quarenta e cinco minutos adiantada e não custava nada andar um pouquinho para ajudar o planeta.

Vesti azul. Gray me dissera uma vez que esta era sua cor favorita e eu, obviamente, queria agradar. Pensei na maluca do corredor. “Rival no amor”. Ela tinha cabelos azuis – “Eles provavelmente nem se conhecem. Isso não tem nexo”. Ignorei meus próprios pensamentos e continuei a caminhada.

Durante o trajeto pude perceber o desenrolar de várias histórias. Vi um homem e uma mulher discutindo, um pai tomando sorvete com seus filhos, um menininho brincando com um dragão de plástico. Dragão. Dragões. Dez mil. Pânico. Desespero. Medo. Morte. Sensações aterrorizadoras tomaram conta de mim. Eu via a mim mesma sem um braço, morta, meu peito havia sido perfurado por uma lança, eu acho, e eu estava sendo banhada pelas lágrimas de... de mim mesma? Como isso era possível? Retornei a realidade ao ser encharcada de água por um carro que passara em alta velocidade por cima de uma poça. Maldito. Como vou ao encontro com o Gray nesse estado? Resolvi voltar para casa e trocar de roupa.

Acho que nem Usain Bolt correria mais rápido que eu estando vinte minutos atrasada para um encontro. Tinha molhado minha melhor blusa azul, então teria de usar minha melhor blusa rosa. Poderia ter escolhido qualquer outra cor mas, inconscientemente, escolhi essa. Não me julgue, foi sem pensar. Cheguei ao portão do parque e não encontrei ninguém lá, além de um policial que fazia patrulha pela região. Fui até ele.

– Com licença – Oh, como sou educada – por acaso esse não seria o portão sul do parque? – perguntei ao oficial

– Não, senhorita. Este é o portão norte – ele respondeu com indiferença e eu voltei a correr

Ele já deveria ter ido embora. Não me esperaria, não por quase meia hora. Ele deve ser ocupado. Eu chegaria no portão e o encontraria deserto. Então eu votaria para casa deprimida, me trancaria em meu quarto, não iria mais à escola e recusaria toda comida que me oferecessem – “NÃO COLOCA MINHA COMIDA NO MEIO DO SEU DRAMA, SENHORITA HEARTFILIA” – as vezes eu tenho muita raiva de minha “eu” interior. Ela é TÃO querida, sabe?

Cheguei ao portão, o certo dessa vez, e como eu havia previsto, não encontrei meu deus grego. Cabisbaixa, me virei para ir embora quando senti uma mão forte agarrando meu pulso. Me virei esperando ver Gray ali só para me deparar com um rosado muito, mas muito corado e com uma mão coçando a parte de trás da nuca, em um gesto deveras constrangido. Mas esse garoto tá me perseguindo hoje, viu? Natsu de pôs a falar.

– Er...o Stripper me pediu pra vir aqui, sabe... é que ele tá meio ...er...ocupado e não queria te deixar aqui te esperando, sabe... é meio perigoso, sabe...então... vamos dar uma volta no pa-parque?

Ótimo. Agora minha tarde romântica havia sido destruída. Ao invés de passar um tempo com um moreno de peitoral definido passaria com um stalker de cabelos rosas. Mas eu tinha cancelado todos os meus compromissos para vir a esse encontro e não teria nada para fazer em casa. O mínimo que eu poderia fazer é aproveitar.

– Tá bom, vamos lá – comecei a andar em direção ao interior do parque, pois ele, ao meu ver, parecia constrangido demais para tomar as rédeas da situação. Achei aquilo encantador. O modo como as maças de seu rosto ficaram rubras era extremamente atraente para mim. Ele não ficou para trás e deu uma leve corridinha para me alcançar.

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>QUEBRA-TEMPO<

Já eram cinco horas e eu tinha visto o tempo voar. Nunca passara pela minha cabeça a ideia de que Natsu Dragneel fosse tão lindo, em todos os sentidos. Ele era engraçado e ao mesmo tempo infantil, bondoso, gentil e cavalheiro, mas também não deixava a desejar nos aspectos físicos. Seu rosto másculo, mãos grandes e fortes, cabelos desgrenhados...imagino como seria por baixo daquela camiseta... aquele abdômen definido, peitoral malhado... – “Hoje você está safada demais para o meu gosto, viu dona Lucy? ” – se eu pudesse jê teria arrancado essa criatura que vive dentro de mim há muito tempo, mas parece que ela nasceu grudada em mim. Deixando a mim mesma de lado, Natsu parecia ter o dom de me irritar e por algum motivo desconhecido, resolvera me chamar de “estranha”. Toda vez que me chamava disso algo se mexia dentro de mim. Era quente, confortável, agradável. Estranho. Além de que eu acho que ele estava drogado,pois durante todo o tempo que passamos juntos ficara falando sobre “guildas” e “gatos azuis que voam”. Depois eu que sou estranha, né...

Estávamos sentados sobre uma toalha numa parte afastada do parque. Logo seria pôr do sol, então Natsu se levanta e estende uma mão para mim, me convidando a acompanha-lo. Eu, hesitantemente, toco sua mão e posso sentir o suor que emana de sua pele de puro nervosismo. Sinto o calor de sua pele, uma coisa, de algum modo, tão comum para mim. Percebi que era o primeiro toque entre nós que sugerisse uma relação de amizade.

O rosado me conduziu a um campo aberto às margens de um rio. Dali dava para ver grandes e bonitas cerejeiras decorando a paisagem.

­– Eu sempre imaginei como seria bonito se árvores de cerejeira flutuassem. Elas vagariam pelas águas tão graciosamente que talvez, se multiplicadas por cem, poderiam se comparar à sua beleza – Natsu disse romanticamente, o que me fez adquirir uma tonalidade parecida com a dos cabelos de Erza

Fiquei sem palavras. Ele deve ter ensaiado isso, pois não acho possível que tenha formulado uma cantada dessas agora.

– Er... obrigada Natsu-kun, posso te chamar assim?

– Você pode me chamar do que quiser – ele estava insistindo em me deixar constrangida. Qual era a dele? Mesmo assim eu gostava disso. O garoto estendeu a toalha novamente e se sentou. Deu pequenos tapinhas no lugar ao seu lado, me convidando a se juntar a ele. Juntos, assistimos ao pôr do sol com as sakuras enfeitando a vista. Acho que era esse o encontro que estava predestinado em minha vida. Estranho.