Proesiando
Tinta
Sempre odiei dias ensolarados, foi em um desses que minha mãe me disse que, quando a gente sentia uma dor em um canto, devia descontar em outro. Desviar nossa mente para uma que fosse mais suportável.
Ela falava de um braço engessado e eu beliscava minha perna, focando toda a dor no osso na consequência do beliscão. Não fazia parar doer, mas pelo menos enganava a minha cabeça, parecia uma ilusão de ótica. Era o suficiente por hora.
Aos quinze, aprendi o quanto isso era tão mais amplo. Toda vez que algo me machucava, eu transformava aquele aperto — no peito, na alma — em um beliscão. Em pouco tempo, só os dedos não bastavam. Usei as unhas.
A palavra veio como o meio de fazer tudo aquilo sangrar. Sempre odiei lâminas, o papel parecia uma saída mais agradável. Alguns me acham louca, mas estes desconhecem o significado delas.
Hoje faz sol e fui tudo o quiseram que eu fosse: vagabunda, inerte, preguiçosa. Saco de pancadas para qualquer um. Ao argumentar, fui chamada de dramática, vitimista, grossa.
Eles não sabem o quanto dói.
Os pensamentos lúgubres me corroem de novo.
Vejo-me diante da folha, cortando-me com papel, transformando o sangue em tinta.
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