Problem

Capítulo 04


FELICITY SMOAK

Desci do carro hesitante.

Eu havia abusado da boa vontade de Diggle, eu poderia ter ficado com a pequena vitória que era sair sozinha desde que eu dissesse antes para onde eu ia, e caso ele aprovasse. Por hora eu deveria ter me contentado com isso, mas não. Eu tive que sair sem avisa-lo logo após saber que meus pais estariam chegando.

Eu não queria deixar Diggle em uma situação ruim, mas saber que meus pais estavam na cidade me trouxe a familiar sensação sufocante de se estar presa. Eu precisava sair. Eu precisava me afastar, mesmo que por poucos minutos. Eu precisava desse tempo. Eu sabia o que encontraria mesmo antes de entrar na sala. Eu me pergunto como eu poderia saber de algo e ainda me surpreender quando acontecesse.

Encarar minha mãe sentada no sofá enquanto meu pai estava em pé atrás dela era algo que me fazia querer dar meia volta de imediato.

— Oh aí está ela. – Meu pai murmurou com desdém. – A filha problemática.

— Oh aí está ele. – Murmurei imitando seu tom. – O pai devotado... – Murmurei olhando em volta. –... Espere! Não há eleitores por perto, você pode descansar um pouco, imagino, deve ser cansativo manter uma imagem tão oposta ao que você realmente é. – Observei admirada sua mandíbula mover-se mostrando que trincava os dentes em irritação.

— Felicity... – Minha mãe murmurou em tom que implorava. – Não comece, sim? Podemos agir como uma família?

— Onde está Connor? – Perguntei me jogando no sofá com fingida calma. – Se você quer começar a apelar para o meu lado emocional, deveria ter trazido meu irmãozinho consigo.

— Ele...

— Connor não veio. – Meu pai a interrompeu colocando uma mão em seu ombro. Franzi o cenho diante seu gesto. Não gostava da imediata reação submissa dela ao abaixar sua cabeça, deixando-o ditar cada movimento seus, ainda que pequeno, deixando que ele a calasse. Quantas vezes eu não vi isso? Quantas vezes eu me dei conta que isso realmente me incomodava? Bem menos quanto deveria. – Diante suas novas atitudes decidimos que não seria bom para ele ficar perto de você agora. – Minhas sobrancelhas ergueram-se de imediato ao escutar o que havia dito.

— Minhas atitudes. – Repeti descrente não podendo conter uma risada irônica. – De que atitudes você está falando? Você sabe, eu realmente não sei mais identificar o que deixa ou não de te agradar, o que você classifica ou não como certo. Claro, sempre que você não esteja envolvido, por que nesse caso, você sempre está certo, é claro. – Meneei minha cabeça e encontrei seu olhar. – Então, papai. O que a garotinha levada fez dessa vez? Por que não seria bom para Connor?

— Eu deveria ter dito velhas? – Murmurou se afastando de minha mãe e vindo até mim, ficando em minha frente. – Não há nada de novo em você se drogando não é mesmo? – Recuei diante seu tom acusatório.

— Se seus cachorrinhos de estimação tivessem feito o trabalho direito saberiam que eu não me droguei. – Murmurei entredentes. – Mas eles nunca fazem não é mesmo?

— Então a ida ao hospital é apenas mais um de seus passeios diários? – Perguntou com um sorriso frio.

— Cooper e seus amigos fizeram isso. – Falei em um gesto impulsivo. Talvez desesperado, eu queria que ele se importasse, que ele ficasse do meu lado, ao menos uma vez. Queria que ele realmente se importasse comigo. Sem público. Eu queria que ele fosse meu pai. Que ele agisse como tal. – Eles me enganaram. Drogaram-me e depois tentaram... Ele tentou... – Hesitei. Ele me analisou esperando que eu continuasse. Suas mãos nos bolsos da calça.

— O que ele tentou? – Perguntou após notar meu silêncio. Seus passos levando-lhe até mim.

— Ele tentou me estuprar. – Murmurei por fim. Escutei um ofego vindo de minha mãe. Não a encarei, não poderia encara-la no momento. Optei por me concentrar em meu pai, em sua reação. Ele inclinou sua cabeça, seus olhos me avaliando. Sua mão se ergueu e alcançou meu rosto, o polegar acariciando a pele em um gesto terno. Um gesto que aqueceu meu coração.

— Querida. – Murmurou em tom suave. – Ele não pode abusar de algo que já é dele. – Respirei fundo, o ar sendo sugando para meus pulmões com fúria, enquanto minha mão por vontade própria afastou a sua com um tapa. Senti o frio substituir o calor que seu carinho havia trazido, me senti tão gélida quanto ele mesmo se mostrava e por um pequeno momento me esqueci que era.

— Cooper é estúpido. Um covarde. – Falei com fúria. – A única maneira que consegue agir é quando se sente mais forte que os outros, e quando não são ele os manipula até que sejam. Foi o que ele fez comigo, ele se aproveitou de um momento em que eu estava fraca, apenas a atitude de um estranho o afastou de mim, um estranho foi capaz de me proteger quando você sequer se importa, um estranho se importa mais com sua filha do que você. Eu não sou nada de Cooper, por que ele não passa de uma imitação barata de você.

Ele não se intimidou com meu gesto, sequer piscou com minhas palavras, sua mão agora se moveu para apertar minha mandíbula, a fúria dominando seus olhos quando aproximou o rosto do meu.

— Cooper é filho de um dos empresários mais ricos do país. Cooper, assim como você, é uma peça a ser usada. E apenas quando eu quiser e assim julgar, facilmente descartável. – Murmurou entredentes. – Cooper é vantagem. E essa vantagem por algum motivo imbecil, orgulho ferido talvez, insiste em querer você, então sim, enquanto assim eu decidir, você é dele. Lembre-se querida, você é família, você está ligada a mim por conta de sua mãe e seu irmão, assim como ela, você tem suas obrigações, eu permito que você tenha seus momentos de rebeldia por que isso me deixa bem diante as pessoas. O drama do pai que tenta compreender e apoiar a filha apesar de suas péssimas escolhas? Uma verdadeira novela. Eu deixo você se isolar e ter esse momento “Eu quero uma vida normal, quero casa, marido e filhos para completar minha felicidade.” Por que eu fico bem assim. Não esqueça como são as coisas, e o quanto você depende de ter uma boa relação com Cooper. – Completou antes de me soltar com violência.

— Não estamos na idade média. – Falei meneando minha cabeça com descrença. – Você não pode me dar a alguém. – Ele riu, ele encarou-me com diversão.

— Minha querida, repasse os últimos anos. – Falou sem se abalar. – Você se lembrará que já o fiz.

— Eu terminei com ele. – Falei teimosamente. Houve um dia em que eu fui tola ao ponto de achar que Cooper era meu príncipe encantado, eu era estúpida demais. Ingênua. Foi Cooper que me apresentou as drogas, e eu entrei na dele, por que estava ansiosa para obter sua aprovação, eu parei, ele não. Eu percebi quão doente ele era, quão doente eu ficaria se não me afastasse dele.

— Mesmo? – Perguntou enquanto fazia um gesto vago para que minha mãe fosse até ele. – Eu não recebi o memorando. – Observei mais uma vez ela ir até com obediência cega. - Estamos indo para um hotel, não gostei desse cubículo que você insiste em chamar de casa. Esteja pronta amanhã as 20:00. Cooper virá te buscar.

— Como é que é?

— A não ser que você tenha voltado surda do hospital, eu acho que não preciso repetir. – Murmurou despreocupado.

— Explicar, talvez. – Murmurei entredentes.

— Haverá um evento beneficente. As pessoas estão notando sua ausência. – Explicou. – Você indo a esse será algo bom, você indo com Cooper melhor ainda. – Murmurou. – Nós dois estaremos lá. Esperando por vocês, então é melhor que Cooper não chegue sozinho. - Completou em tom ameaçador.

— Eu não vou a esse evento. – Falei decidida. – Não com Cooper, nem com ninguém.

— Você que sabe. – Deu de ombros. – Eu acho que você não está tão apegada a essa casa afinal, talvez você esteja sentindo saudades de morar com os pais novamente.

— Felicity. – Virei meu rosto encarando minha mãe que murmurou meu nome quase em uma prece. – Vá. – Pediu. – Serão apenas algumas horas. Logo você poderá voltar para casa. – Prometeu. - Sozinha. – Completou em tom baixo mais ainda assim forte. – Diggle os levará. – Ela encarou meu pai com um sorriso humilde. – Não é mesmo querido?

— Por que não? – Murmurou com um sorriso. – Quero toda proteção possível para minha filha. – Os observei segurando uma resposta ácida em minha língua, observei o rosto sereno da minha mãe, seus olhos, entretanto, me diziam algo mais. “Aceite. Pegue isso.” Assenti ainda que forçadamente.

— Está bem. Eu vou. – Cedi.

— Você deveria aprender um pouco com sua mãe. – Ele voltou a falar, sua mão novamente alcançando meu rosto. – Você perceberá que ela é bem mais feliz assim. Nos vemos amanhã querida. – Murmurou antes de se aproximar beijar minha cabeça, como um pai faz antes de colocar a filha para dormir. – Não se esqueça de levar seu anel. Uma noiva não é nada sem seu anel.

— Felicity... – Escutei a voz hesitante da minha mãe soar pelo hall.

— Vá. – Falei duramente. – Vá com ele até seu pretencioso hotel, por favor, vá e se possível não voltem mais, nenhum dos dois. – Falei a encarando com decepção. Então dirigi meu olhar até o dele. – Sempre que “sentir minha falta”, que tiver a necessidade de me lembrar qual o meu papel no seu jogo de tabuleiro, ligue, mande e-mail, faça a porra de uma vídeo conferência. Qualquer coisa que me permita apenas apertar o botão de ignorar. – Murmurei antes de lhe dar as costas e subir as escadas sem me preocupar em lhe dar um segundo olhar, sem me importar em ver se eles realmente tinham ido. Eu queria me afastar, ir o mais longe possível daqueles que eu ainda chamava de pais, mas por hora trancar-me em meu quarto era o mais longe que eu poderia ir. O fato em si era tão frustrante que me dava vontade de gritar.

Eu não poderia ser assim, não poderia deixa-lo me transformar na criança mimada, a imagem que ele passava para os outros.

— Tudo bem? – Diggle perguntou quando passei por ele no corredor, sua mão segurando meu braço e impedindo-me de me afastar. – Felicity, eu sei que não deve ter sido fácil a conversa lá embaixo, eu queria ficar, mas...

— Tudo bem. – Meneei a cabeça tentando tranquiliza-lo. – Quero dizer, nada está bem quando ele está por perto, mas eu estou acostumada.

— Eles vão ficar? – Perguntou endireitando-se. – Preciso conversar com seu pai sobre...

— Já foram. – O interrompi, eu sabia que Diggle provavelmente queria falar ainda que com uma abordagem discreta, sobre Cooper, e qualquer aproximação dele comigo, mas eu sabia que era em vão. – Preferem ficar em um hotel.

— Bom. – Diggle murmurou assentindo. Sorri com isso, Diggle sequer disfarçava o desagrado em relação a meu pai. Ele desaprova a forma que ele agia comigo.

OLIVER QUEEN

Chequei meu relógio pela o que parecia ser a centésima vez naquela noite. Sentindo uma onda de irritação mesclada a tédio afrouxei minha gravata borboleta e encarei o salão a minha frente. Soltei um suspiro de aborrecimento segundos antes de sentir um breve e leve tapa em minhas costas.

— Você poderia parecer mais entediado? – Tommy murmurou ficando ao meu lado. Seu olhar avaliador percorrendo o grande salão. Segurei uma resposta ácida e me limitei a encara-lo com raiva. – O quê?

— Por que suspeito que é culpa sua eu estar aqui hoje a noite? –Murmurei sem esconder minha raiva apenas diante a ideia.

— Por que você tem prazer em me culpar por qualquer coisa que dê errado para você. –Resmungou. – “Uma formiga me mordeu? Certamente Tommy Merlyn está por trás disso”.

— Então não foi você que transferiu minha cirurgia para amanhã? – Perguntei irritadiço. – Apenas para eu comparecer a esse...

— Cuidado Ollie. – Murmurou sorrindo de forma simpática para um homem que nos encarou ao passar por nós dois. – Não esqueça que estamos aqui pelo hospital.

— O hospital vai muito bem. – Reclamei.

— Sim. – Concordou. – Por que sempre tivemos médicos conquistando possíveis investidores, doações, em eventos como esse. Você tem o rosto amigável, responsável, alguém que uma pessoa pode confiar à vida do seu filho. É claro que eu disse que você adoraria estar aqui. – Apertei meus lábios ao notar que ele havia confirmado que era o responsável por eu estar aqui.

— E você? – Perguntei erguendo uma sobrancelha. – Está aqui por que também tem um rosto confiável?

— Oh não. – Meneou a cabeça rapidamente. – Eu sou ridicularmente bonito. Nenhuma lady é capaz de dizer não para mim. – Sorriu amplamente.

— Eu fico imaginando como esse rosto ficaria sem os dentes. – Murmurei sem alterar meu tom de voz. Ele soltou uma risada até novamente me dar leves batidas no meu ombro.

— Cala a boca, e circule. – Exigiu. Forcei uma risada amigável quando outra pessoa nos cumprimentou.

— Eu vou me vingar. – O alertei.

— Sério? – Perguntou divertido.

— Sim. Vou te atormentar. Possivelmente roube Caitlin de você. – Provoquei.

— Você pode tentar. – Deu de ombros. – Mas alerta de spoiler: Aquela mulher é tão louca por mim quanto sou por ela.

— Vamos ver até onde isso vai depois que eu disser que você está exibindo esse rosto ridicularmente bonito para as ladys. – O alertei.

— Por que você não conta isso para ela agora? – Perguntou com um sorriso irritante. – Ela está bem ali. – Apontou com o queixo. – Conquistando aqueles cavalheiros com seu vestido ridicularmente sexy. – Piscou.

— Dois prostitutos. – Meneei minha cabeça observando Caitlin forçar uma risada em resposta a algum comentário feito por um dos seus admiradores. – Vocês se merecem.

— Isso eu não posso discordar. – Assentiu.

— Por que eu tenho que estar aqui então? – Perguntei voltando a encara-lo. – “Bonnie e Clyde” não eram o suficiente?

— Somos o trio de ouro de St. Anna. – Deu de ombros. – Você sabe disso. Agora, por favor, vá encher o ouvido de outra pessoa. Se enturme. Você conhece muito dos rostos que estão aqui.

— Mas eu não quero conversar com nenhum. – Argumentei. Ele respirou fundo pronto para me dar um sermão, mas algo chamou sua atenção. – Oh, isso pode ser interessante. – Murmurou sorrindo como uma criança travessa. Franzi o cenho com sua reação e vire-me procurando o que ou quem havia chamado sua atenção, foi minha vez de respirar fundo ao encontrar no alto das escadas a figura feminina.

Felicity Smoak.

Vestida em um vestido justo que aderia suas curvas e em um tom vermelho que destacava sua pele, ela era tão, ou melhor, ainda mais irresistível do que quando vestida em sua camisa folgada e shorts curtos de caminhada. Em suas roupas de caminhada eu desejava puxa-la para mim e amaçar minhas mãos em suas curvas por cima das roupas. O vestido me fazia querer descarta-lo imediatamente. Seu cabelo estava arrumado por cima de um ombro, seus lábios tentadoramente rosados. Seu queixo estava erguido, ombros tensos, fazendo-me acreditar que algo a aborrecia. Fazendo-me perguntar o quê. Fazendo-me questionar por que ela estava aqui.

— Não tão avesso assim à ideia de conversar com alguém. – Tommy murmurou ao meu lado. – Não é mesmo?

— Tommy... – Murmurei ainda sem encara-lo.

— Que pena. – Murmurou ao mesmo tempo em que eu a observava encarar por sobre o ombro. – Parece que ela está acompanhada. – Completou no momento em que o homem parou ao seu lado, parecia próximo a sua idade, se não tiver a mesma. Tomou sua mão tão logo a alcançou, um sorriso charmoso em seus lábios. Trinquei meus dentes ao observa-lo entrelaçar os dedos dela aos seus.

— Eu vou procurar aqueles possíveis investidores. – Murmurei dando as costas para o jovem casal.

— Eu imaginei que sim. – Murmurou. Quando passei por ele segurou meu antebraço fazendo com que eu o encarasse confuso. – É estranho não acha? – Perguntou em tom baixo. – Que apesar de usar um anel, eu não me lembre de nenhum noivo preocupado todo o tempo em que ela esteve no hospital.

— Anel? – Perguntei perdido.

— Oh Ollie. – Meneou a cabeça com um sorriso enorme. – Eu não acredito que todo o tempo que a encarou com saliva escorrendo, você não tenha visto o enorme anel de noivado.

— Eu estou indo. – Falei sem paciência para lidar com suas brincadeiras.

— Verde combina com você meu amigo. – Ainda pude ouvi-lo comentar enquanto eu me afastava.

Por quase uma hora consegui fazer como havia pedido, escutando conversas bobas e sem sentido. Falei sobre o hospital, os emocionei com uma ou duas história, os fiz rir com outras, e fiz elogios quanto à equipe e qualquer outra coisa que envolvesse o tema. Todo o momento me mantive sorridente, simpático e sempre ignorando propositalmente a direção em que eu sabia Felicity estava. Por que apesar de toda a conversa, todas as risadas forçadas, todo o flerte, eu sempre sabia onde ela estava. Eu me convenci que era curiosidade, que outra coisa seria? No dia anterior essa garota, essa desconhecida que adorava me provocar, havia me beijado. Na noite anterior havíamos ficado deitados, em silêncio, encarando as estrelas.

Em um silêncio que nenhum se atreveu a romper.

Quando ela se ergueu ela me dirigiu seu sorriso habitual, me lançou uma piscada e disse que havia sido um prazer. “Precisamos repetir isso Dr. Delícia.” Ela insistiu em usar o apelido, provavelmente apenas para me aborrecer, eu a acompanhei até seu carro, por que sabia que por mais que ela me irritasse eu ainda estava preocupado com sua segurança. Com o fato de que apesar de todo o humor, ela parecia carregar algo nas costas. Ela não disse mais nada, afinal já havia se despedido, do seu jeito. Sempre que ela se afastava ela me confundia, me deixava com mais perguntas do que respostas.

Ela era um irritante quebra cabeça cuja última peça se negava a se encaixar.

Era apenas curiosidade.

Repeti mentalmente quando meu olhar pegou o seu, ela não parecia surpresa. Apenas um sinal de que ela já havia me notado, e tal como eu, tentava ignorar isso. Desloquei meu olhar para seu acompanhante e notei que ele a ignorava completamente, estava ocupado em conversar com o homem mais velho ao seu lado, mas que sua mão não soltava a dela, franzi meu cenho ao notar que o aperto parecia ir além do comum, do usual encaixar de mão de dois enamorados. Voltei a encara-la. Ela já não mais me encarava, seus lábios estavam apertados, mostrando irritação, seu perfil voltado para o rosto de seu acompanhante.

— Vá. – Tommy murmurou ao meu lado.

— Essa é uma mania irritante a sua. – O critiquei. – Aparecer ao meu lado do nada.

— Você estava concentrado demais. – Protestou. – Não é minha culpa.

— Vá?- Murmurei questionando o que havia dito.

— Você tem a desculpa perfeita para se aproximar. – Continuou. – Vocês dois já se conhecem, e não é nada mais do que natural cumprimentar uma ex paciente.

— Que deu entrada por ter consumido drogas. – O lembrei. – Não é um bom assunto para falar com seu noivo, e com seu pai. – Murmurei apontando discretamente para o homem com quem seu noivo falava. – Damien Dark.

— Aquela é sua mãe. – Assentiu. – Eu já conversei com eles.

— O quê?!

— Relaxe. Não falei sobre sua filha consumindo drogas, ou seduzindo um dos nossos médicos. – Sorriu.

— Aquela é Felicity? – Caitlin murmurou se aproximando. Tommy rapidamente enlaçou sua cintura a aproximando ainda mais de si. – Sua Felicity?

— Por que você chama sua paciente pelo primeiro nome? – Perguntei com irritação. – E Por que tem o “sua” na frente?

— Tommy falou que ela o beijou, é verdade? – Perguntou me ignorando. Lancei um olhar azedo para ele. Ele deu de ombros.

— Conversa de travesseiro. – Murmurou em tom de desculpa.

— Oh, lindo. Vocês conversam sobre mim após o sexo. – Os provoquei.

— Isso e sobre a comida da cantina. – Caitlin assentiu sem se intimidar. – Se ela te beijou, por que ela está noiva de outro?

— Está vendo? – Tommy murmurou me encarando com desafio. – Só você não viu o anel.

— É meio que difícil não ver uma pedra daquele tamanho. – Caitlin murmurou franzindo o cenho.

— Ele não estava olhando para sua mão. – Tommy se apressou em explicar.

— Eu desejo toda a infelicidade do mundo para vocês. – Me apressei a falar.

— Esse será o seu brinde no meu casamento? – Caitlin perguntou franzindo o cenho.

— Algo menos floreado. – Assenti. Ela me respondeu com um sorriso divertido. Então sua atenção não estava mais em mim, e seu sorriso se desvaneceu, seu rosto mostrando-se confuso. – Humm... Acho que perdemos sua garota.

— Ela não é minha garota. – Murmurei automaticamente enquanto voltava meu rosto para buscar por Felicity, ela realmente não estava mais lá. Seu noivo sim, junto com seus pais. Mas nenhum sinal dela. - Se vocês me dão licença... – Falei enquanto aos meus próprios ouvidos o meu tom saia formal demais até mesmo falso. – Eu preciso ir ao banheiro.

— Claro que precisa. – Tommy murmurou com tom risonho que eu rapidamente me fixei em ignorar, sem dizer mais nada me afastei andando por entre as pessoas. Encarei o corredor que me levaria para os banheiros, mas parei soltando um suspiro aborrecido.

O que eu estava fazendo?

Eu não podia perseguir uma ex paciente do hospital, ainda que não tenha sido minha. Eu não devia estar fixando minha atenção em uma garota que deveria ter a idade da minha irmã, que entrava em mais problemas do que a Thea, e Deus sabe o quanto de problemas tive que aturar de Thea. Perseguir uma garota... Esta garota, não fazia parte de mim. Meneando a cabeça deixei a ideia de lado e decidi deixar Felicity Smoak para lá. Sem querer voltar para o salão abafado caminhei de esgueira para uma das varandas e rezei para que esta estivesse vazia, não com algum casal aproveitando a fraca iluminação, soltei um suspiro de alívio quando não notei ninguém por perto e espalmei minhas mãos na grade fria.

— Droga. – Sussurrei ao notar que minha mente não havia deixado de lado o tema Felicity Smoak. Por mais que eu tentasse.

— Noite difícil? – Respirei fundo ao identificar a voz feminina, eu não precisaria me virar para ter certeza que aquela voz pertencia a Felicity, mas ainda assim o fiz, notei-a praticamente colada a lateral, suas costas descansando na parede.

— Você está se escondendo? – Perguntei notando que ela estava recuando demais.

— De jeito algum. – Deu de ombros. – Se esconder soa muito dramático aos meus ouvidos. Eu estou me ocultando momentaneamente de alguns olhares, especificamente de alguém, apenas ligeiramente. – Terminou com um gesto vago.

— Você está se escondendo. – Murmurei segurando minha diversão.

— Basicamente. – Assentiu.

— Esse alguém seria seu noivo? – Sondei. Ela apertou os lábios com irritação e encarou seu anel. Tommy tinha razão, a maldita coisa era enorme.

— Não é assim. – Limitou-se a dizer.

— Não é assim? – Repeti. – Como é então? Suponho que vocês estão em um relacionamento aberto então, que permita você beijar seus médicos.

— Você nunca foi meu médico. – Apressou-se a dizer. – E ele e eu... Não há um relacionamento. – Trinquei meus dentes diante de sua explicação vaga, e me irritei comigo mesmo por querer uma, por me importar. Abri a boca embora não soubesse o que iria lhe dizer e dei um passo em sua direção, mas parei em seco ao notar a figura masculina que se aproximava da varanda, voltei meu corpo para ele, agindo como se estivesse sozinho, Felicity pareceu notar pela minha postura que esse não era o momento para tomar palavra por que se encolheu ainda mais ao peitoril, um pouco mais e ela se jogaria apenas para evitar seu suposto noivo.

— Pois não? – Murmurei soando aborrecido. Encarei o rapaz que havia chegado com Felicity. Ele não havia feito menção de avançar mais, mas me mantive tenso.

— Desculpe, cara. – Falou com um sorriso camarada. – Eu estou procurando minha garota.

— Sua garota? – Repeti fingindo-me refletir.

— Você deve tê-la visto. – Murmurou deixando escapar um sorriso cúmplice e arrogante, 30 segundos com ele e eu já sabia que era um perfeito idiota. – Loira, vestindo vermelho, quente como o inferno e com um traseiro... – Fez um gesto de “ok” com a mão. Segurei minha vontade encarar Felicity e analisar seu rosto enquanto ele falava assim sobre ela com um completo desconhecido. Fechei minhas mãos em punhos e as enfiei dentro dos bolsos da minha calça para fingir uma calma que eu não possuía. – Confie em mim, você não esqueceria aquela bunda.

— Desculpe, “cara”. – Dei de ombros. – Sem traseiros inesquecíveis por aqui.

— A maldita fugiu. – Murmurou em tom baixo. Franzi o cenho com o que disse. Ele percebeu minha reação, pois minimizou com outro de seus sorrisos. – Forma de dizer, deve estar trancada em alguma biblioteca descansando os pés daqueles saltos. – Acenou em despedida murmurando um obrigado apressado e me deu as costas, observei-o se afastar e finalmente dirigi meu olhar para Felicity que me encarava como se tivesse crescido um novo membro em mim e eu precisasse ser estudado.

— Você escolheu esse a dedo. – Falei por fim. Ela não parecia animada para sair de onde estava, então meu corpo por vontade própria foi até ela.

— Eu não posso ser acusada por esse. – Respondeu me encarando séria. – Não mais pelo menos.

— Porque você está carregando um anel então? – Perguntei parando em sua frente, apenas um pequeno passo de distância, não foi minha intenção estar tão próximo, não realmente, mas não era minha intenção também mudar isso.

— Essa é uma longa história. – Falou rapidamente.

— Encurte. – Exigi.

— Não é de sua conta. – Retrucou.

— Você me beijou. – A lembrei.

— Eu sei. – Assentiu. – Eu estava lá.

— Então.

— Então? – Repetiu transformando em uma pergunta. – Eu sinto muito dizer isso doutor, mas eu não saio contando tudo sobre minha vida a cada homem que beijo.

— São muitos, é claro. – Zombei.

— E mais uma vez, não é de sua conta. – Murmurou dessa vez soando inclusive irritada. Voltei a trincar meus dentes com irritação. Ela estava certa, claro que estava. Mas por que eu sentia que ela me devia algo? Que me devia essa informação. Por que eu precisava saber sobre essa estranha relação dos dois?

— Está bem. – Assenti. – Eu prefiro ir para casa, do que ficar aqui brincando de esconde-esconde. – Falei me afastando.

— Espere. – Chamou-me segurando meu pulso e me impedindo de me afastar. – Eu sei que vai soar errado agora, principalmente agora, mas você tem como me dar uma carona?

— Você... Seu acompanhante...

— Você está falando do motivo pelo qual eu estou me escondendo? – Ergueu uma sobrancelha. – Eu preciso fugir dessa festa.

— Seu pai está aqui. – Falei ainda incerto se era uma boa ideia. – Você também tem um segurança se não me engano.

— Diggle foi dispensado no momento em que entrei aqui. – Falou com amargura. – Escute, eu não estou pedindo nada além de uma carona.

— Está bem. – Assenti já me arrependendo de concordar com a maldita ideia.

— Vá na frente. – Murmurou soltando meu pulso.

— O quê? – Perguntei confuso.

— Verifique se nenhum dos dois está por perto. – Pediu.

— Seu pai?- Perguntei confusão me enchendo ao mesmo tempo em que percebia o fato de que Cooper não era o único de quem ela se escondia. – Você está fugindo dele também. Por quê?

— Geralmente em uma carona tudo o que perguntam é “para onde?” e acrescentam: “Dia bonito heim?” – Resmungou. – Pare de me fazer perguntas.

— Por quê? – Perguntei pelo simples prazer de irrita-la.

— Eu estou a um passo de enfiar minhas mãos em você e procurar as malditas chaves. – Alertou-me. – Possivelmente roube seu carro.

— Obrigado pelo aviso. – Sorri.

— Oliver!

— Felicity. – Retruquei percebendo que era a primeira vez que a escutava dizer meu nome.

— Esqueça. – Falou saindo e andando na minha frente. – Já devem achar que eu fugi mesmo.

— Sabia que quando você fica zangada fica dar cor desse vestido? – Perguntei apenas para escutar o bufo de resposta. - Na verdade é...

— Não se atreva a dizer que eu fico linda zangada. – Cortou-me sem se virar, segurando um sorriso não demorei a alcança-la e ficar lado a lado com ela.

— Eu ia dizer que realmente é um traseiro inesquecível. – Ela parou abruptamente e me encarou, seus olhos, tudo em seu rosto expressava sua confusão. Ela inclinou o rosto me analisando.

— Você está bêbado? – Perguntou por fim.

— O quê? – Murmurei dessa vez sendo eu a ficar confuso. - Não.

— Não há chances do homem que não parou de me recriminar por chama-lo de Dr. Delícia... Do Sr. certinho estar falando da minha bunda de um jeito tão despretensioso. E tosco. – Acrescentou.

— Meu carro está por ali. – Apontei com a cabeça. Minha serenidade indo embora, ela estava certa, o que deu em mim? Não era sequer seu amigo, nada que explicasse a liberdade com que falei com ela.

— Deus, eu só estava estranhando. – Murmurou me acompanhado. – Se eu soubesse que você voltaria a se esconder na fachada “Ela é só uma menina irritante” eu teria ficado calada.

— Você é só uma menina irritante. – Falei abrindo a porta do carro para ela. Ela olhou para a porta e me encarou.

— É claro que você abriria a porta para mim. – Falou com desdém. Fechei a porta com exagerada força e rodei o carro.

— Eu tenho modos. – Retruquei. - Talvez você não reconheça isso, por que seu noivo também parece desconhecer o significado disso.

— Eu não vou discutir isso. – Murmurou colocando o cinto.

— Ah é. – Murmurei dando a ré. – Esqueci que há um roteiro a ser seguido quando se dar uma carona, suponho agora que minha próxima fala seria: Para onde?

— Sua casa. – Respondeu fazendo com que eu voltasse meu rosto rapidamente para ela.

— O quê?

— Olhe para frente. – Exigiu. Voltei minha atenção para as ruas.

— Felicity? – A chamei. – Eu não vou leva-la para minha casa.

— E isso seria por quê...

— Por todas as malditas razões que você possa imaginar. – Falei. – Não quero joguinhos. Diga-me qual é o seu maldito endereço. Para essa maldita carona acabar logo.

— Eu não posso voltar para casa agora. – Falou. – Eles vão estar lá. Eu posso imagina-los esperando por minha volta.

— Arranje um maldito hotel. – Resmunguei.

— Estamos com o vocabulário limitado hoje? – Perguntou com ironia.

— Estou tentando não usar outra palavra. – Respondi.

— Eu só preciso ficar lá um tempo. – Argumentou. – Depois eu vou embora. – Prometeu.

— Nem pensar. – Cortei.

— Oliver, eu não vou tirar sua virgindade. – Brincou.

— Não comece. – Alertei.

— Pelo amor de Deus, por que tanto receio? – Questionou-me exasperada. – Será apenas o quê? Uma hora no máximo.

— É preciso apenas alguns poucos minutos até eu abrir a porta e leva-la contra a parede. – Murmurei a surpreendendo. Lancei um olhar de esguelha ao perceber que eu havia conseguido deixa-la sem palavras. – Eu não vou fingir que não me sinto atraído por você, estou acima desses jogos infantis, mas também não irei fingir que isso não é errado. Você e eu? Sexo? Não pode acontecer. Tudo se tornará complicado, e eu sou um fã de coisas simples, então não. Eu não vou ignorar o meu bom senso para ter uma transa, que é tudo o que poderíamos ter.

— Nossa. – Falou por fim. – Eu suponho que eu deva agradecer pela sinceridade.

— E então?

— E então? – Repetiu.

— O seu endereço Felicity. – Repeti com acidez.

— Pela próxima hora, será o mesmo que o seu. – Rebateu sem se abalar. A encarei sem humor. – O quê? Você se sente atraído por mim? Supere. Eu acho você atraente, eu também estou acima desse tipo de joguinho de negação. Eu beijei você, deveria achar pelo menos bonito. Eu não vou te atacar Dr. Arrogante. Acredite no quiser, mas eu consigo ficar em frente a um homem sem arrancar minhas roupas.

A encarei livremente ao parar em um semáforo. Ela me encarava com ar de puro desafio, retornei o olhar com irritação. Ela estava decidida a não voltar para casa agora, eu poderia muito bem deixa-la bem aqui, mas não o fiz, desviando meus olhos dos seus eu avancei quando a luz verde iluminou, reconheci o caminho pelo qual seguia, e percebi que apesar dos meus protestos, dos meus argumentos, e minhas reservas, apesar de tenta-la convencê-la do contrário, e talvez também a mim mesmo, eu já havia tomado o caminho para casa.

— Foda-se.

— Eu sabia que conseguiria algo melhor do que “maldição”.