Verkan POV On.

Muito rapidamente, algo monstruoso e cruel se aproximava das cidades de Priston. Eu podia sentir, com todos os anos de experiência que o tempo me cedera, que as sombras chegavam com o vento tempestuoso do leste. Poderia ser um monstro mais forte que Babel, um guerreiro de força descomunal, um ser imerso em trevas profundas, o que fosse, eu o impediria de devastar aquele continente, pois eu era o conselheiro daquele lugar. Um conselheiro não luta sozinho, não cria estratégias por si mesmo, um conselheiro auxilia em boas escolhas, conduz pelos caminhos certos, juntamente com os guerreiros que dão suas vidas para proteger o futuro de uma espécie. O futuro de Priston.

Aquela noite seria difícil para mim. Pela janela da torre do pequeno castelo de Richarten, onde eu morava desde meu primeiro minuto como conselheiro do continente, eu observava nuvens estranhas pairarem sobre aquela cidade. Aquilo logo se tornaria um cenário bizarro. Fechei a janela, recolhendo-me na penumbra de meu escritório rodeado por estantes de livros empoeirados. Sentado em minha cadeira giratória, meus olhos analisavam um mapa antigo com o auxílio de um óculos caído sobre o alto de meu nariz. Em cada ponto crítico, onde eu imaginava que algo tortuoso poderia estar se armando, marquei um sinal com a caneta de tinta negra que meus dedos aflitos seguravam. Greedy Lake, Eura, Iron e Heart Of Perum: os lugares que mais me preocupavam. A reunião da manhã seguinte seria decisiva, e eu desejei que todos os guerreiros estivessem ali quando os primeiros raios de sol nascessem no horizonte. No entanto, era tarde demais. O relógio não tardaria em marcar duas horas da madrugada, e eu precisava tentar dormir.

Ao aproximar-me da cama, batidas em minha porta terminaram de tirar-me o pouco de sono que eu tentava manter.

Verkan POV Off. Alec POV On.

O pergaminho recém recebido confirmava inteiramente minhas desconfianças sobre a guerra que se aproximava. Aquilo me preocupou tremendamente, embora eu pensasse já estar familiarizado com aquele receio que crescia em minha mente. Eu não poderia esperar até o amanhecer para saber um pouco mais sobre o chamado de Verkan, de maneira que saí apressadamente de minha casa em Pillai do modo como estava: sem armadura alguma, apenas com uma calça e uma camisa de mangas longas. Àquela hora da madrugada, imaginei que ninguém se importaria se me visse daquela maneira a correr pelas ruas de Richarten.

Sem arma alguma, avancei pelo portal da calma e silenciosa cidade, transportando-me imediatamente para a cidade do comércio, tão quieta naquele momento. Apenas alguns comerciantes insistiam em manter suas lojas abertas àquele horário no centro de Richarten, afinal, sempre havia algum guerreiro que alimentava o hábito de lutar durantes as noites e madrugadas, desprovidos do talento do sono noturno.

Rapidamente, cheguei ao sutil castelo de Verkan, e ao subir pequenos lances de escada, cheguei à porta fechada de uma das torres. Minha ansiedade talvez fosse inoportuna, mas o motivo era condizente com a situação. Desferi batidas contra a madeira, sem hesitar diante da porta. Não demorou mais que alguns instantes para que o velho conselheiro me atendesse. Felizmente, ele parecia não estar dormindo. Um imperdigado sem sono, como eu.

- Verkan, precisamos conversar. - disse eufórico, encarando-o com aflição

- Pensei que tivéssemos marcado a reunião para amanhã, Alec. - ele disse paciente, como um bom conselheiro

- Eu sei disso, mas... - eu fora interrompido em meu argumento ansioso

- Mas? - Verkan tirou os óculos calmamente e encarou-me com um suspiro conformado

- Preciso saber o que está acontecendo. - eu disse impaciente, escorando uma das mãos na moldura da porta

- Como sempre, precipitado. - ele sorriu em um lamento - Entre. - assentiu, abrindo espaço na porta para que eu entrasse

- Obrigado. - entrei sem hesitar, e a porta logo foi fechada - Está um pouco escuro aqui, não? - reclamei sutilmente

- Quem estaria com as luzes ligadas à essa hora? - ele disse irônico, conduzindo-me para dentro da torre

- Ah, tudo bem. - suspirei tedioso, revirando os olhos enquanto seguia o conselheiro para um cômodo iluminado por uma vela

- Meu escritório. - Verkan apresentou, sentando-se em uma cadeira atrás de uma mesa - Sente-se. - apontou para outra cadeira

- Hum. - sentei-me sem cerimônias, encarando o conselheiro - Agora me fale sobre a guerra. - pedi impaciente

- O que quer saber? - ele colocou os óculos, acomodando-se em sua cadeira

- Oras, o motivo dessa guerra, é claro! - inclinei-me para frente, ansioso

- Eu não sei. - ele respondeu, com aquele seu olhar sábio - Mas isso é irrelevante. Guerras são sempre inúteis. - completou

- Como você soube? - perguntei curioso

- Quase da mesma maneira que você. O tempo torna-se estranhamente encoberto quando algo está para acontecer. Recebi alguns relatórios de guerreiros que notaram anormalidades em certos lugares. Por exemplo, o aumento descomunal de monstros, o que significa que algo está alimentando isso. - Verkan explicou, parecendo demasiado calmo

- Você acha que ainda temos tempo para planejar algo? - sondei preocupado

- Se formos rápidos, sim. É disso que tratarei na reunião de logo mais. - o conselheiro finalizou com um pigarro

- Isso é péssimo. O continente não pode ser tomado. - murmurei instigado - Verkan, quem está por trás disso? - o encarei

- Possivelmente, Fury. - revelou ele com um suspiro lastimável - Soube recentemente que ele fugiu da prisão nas masmorras nos arredores de Greedy Lake, libertando os outros prisioneiros. Não entendo como ele pôde sair de lá, quebrando a barreira mística que foi feita pelos Deuses de Priston. Certamente, está mais forte que antes. - comentou ele, pesarosamente

- Devíamos ter matado aquele maldito, eu sempre disse isso! - lembrei sutilmente revoltado, cruzando os braços

- Não se esqueça de que eram as energias do Fury que alimentavam os monstros de Greedy Lake, Alec. Se não o tivéssemos mantido vivo no subsolo por todo esse tempo, não haveria nada além de pântano e penhascos naquele lugar. Graças aos monstros que ali vivem, Greedy Lake se tornou um campo de treinamento de alto nível para nossos guerreiros. - lembrou Verkan, sabiamente

- Eu sei disso. Não fale comigo como se eu fosse um iniciante. - protestei pensativo

- Então não seja precipitado. Volte amanhã, e decidiremos o que fazer. - propôs o conselheiro, unindo as mãos sobre a mesa

- Hum, está bem. Não há nada que eu possa fazer por enquanto. - disse nostálgico, levantando-me da cadeira

- Não se preocupe, Alec. Essa não é a primeira vez que entramos em guerra. - Verkan sorriu, como se zombasse de mim

- Já vou indo. Até amanhã. - despedi-me seriamente, afastando-me até a porta

- Durma. Sua cara está horrível. - o conselheiro ironizou

- Olha quem fala. - deixei escapar uma sutil risada, desaparecendo por trás daquela velha porta

Aquela conversa havia expandido meus horizontes, ao menos naquele momento. Enfim, eu poderia pensar um pouco sobre aquilo, e então tentar dormir algumas horas até que o sol surgisse no céu. Algumas horas seriam uma tortura imensa para mim. Verkan estava certo, afinal. Eu era mesmo um precipitado, um ansioso, e às vezes me comportava como um iniciante. Uma bobagem. Eu era um guerreiro de elite, e lembrar que aquela não seria a primeira vez que Priston passaria por uma guerra sangrenta me deixava mais calmo. Eu precisava pensar cautelosamente naquilo tudo, muito cautelosamente.

Sentei-me na mureta de pedra perto do portal de Richarten, disposto a colocar meus pensamentos em ordem antes de retornar para casa. Olhei para o relógio circular no alto de uma das construções medievais daquela cidade, notando nostalgicamente que passavam das duas e meia da madrugada. Até que eu deitasse em minha cama e conseguisse dormir, certamente seriam quatro horas. Às seis, eu seria o primeiro a estar no castelo do Verkan. Refleti sobre o que o conselheiro havia me contado, sobre o Fury. Um homem nascido da fusão de uma feiticeira com um demônio das trevas, que desenvolvera ao máximo sua intenção assassina, e que se transformava em uma fera monstruosa, semelhante a um leão furioso. Eu jamais havia o visto com meus próprios olhos, mas todas as histórias que contavam sobre aquela besta demoníaca eram assombrosas. Curvei o tronco para frente, apoiando os braços na curva de meus joelhos e baixando o rosto com um suspiro cansativo. Imaginei o que aconteceria se aquele monstro invadisse as cidades de Priston, espalhando seu terror pelo continente. Certamente, eu o combateria, mesmo que para isso, minha vida fosse levada. Era para tal propósito que nós, guerreiros de elite, existíamos.

Uma sombra passou lentamente pelo chão, por onde meus olhos vagavam, e nesse momento eu ergui o rosto. Uma figura extremamente familiar caminhava em direção ao portal, arrastando seu longo manto púrpuro pelas pedras do chão de Richarten. Eu conhecia aquele grande gorro, assim como conhecia o que estava por baixo dele.

- Shellby. - chamei, saindo de cima da mureta e parando atrás daquela mulher, que estancara o passo imediatamente ao ouvir minha voz

- Você? - ela sibilou, virando-se lentamente para mim com o rosto coberto pelas sombras do gorro

- Não é muito comum vê-la por aqui. - comentei, abrigando as mãos nos bolsos fundos de minha calça

- Não é muito comum vê-lo nesses trajes, sem a armadura e aquela montanha de metal. - ela brincou com as palavras; mas mal sabia eu que ela estava corada por baixo daquele gorro

- Ah, é verdade. - eu ri sutilmente - Imaginei que ninguém repararia se eu saísse assim em uma hora dessas. - sorri, dando de ombros

- Parece que sempre há alguém nos observando, não é? Que incômodo. - ela murmurou, e imaginei se ela estaria sorrindo ou se aquilo seria uma indireta peculiar sobre mim - Bom, eu quero lhe agradecer pelo que fez aquele dia no Battle Castle. - ela deu uma pausa, então continuou timidamente - Obrigado por ter recolhido meu chapéu, e... - ela pareceu não saber que palavras usar

Subitamente, Shellby pareceu incrivelmente graciosa com as palavras. Talvez ela sempre tenha sido, e eu somente agora me dera conta disso. Não soube se pela influência do horário - afinal, dizem que pela madrugada agimos estranhamente - ou por mero impulso, aproximei-me de Shellby e levei a mão até o gorro sobre os cabelos dela. Ela não se moveu, nem ao menos um milímetro. E então, eu retirei delicadamente aquele grande chapéu de sua cabeça, revelando um belo rosto surpreso quando as sombras a deixaram. Os longos cabelos negros lhe caíram aos ombros, suavemente. Ela apenas me encarava pasma, como se não acreditasse que eu pudesse cometer um absurdo como aquele em Richarten, em plena luz da lua. Obviamente, eu só havia tirado o chapéu de Shellby, por ter certeza que a cidade estava completamente adormecida naquele momento. Oras, ela era incrivelmente bonita na penumbra da noite, mostrando sua face pálida.

- É melhor que me agradeça assim. - eu disse, invadindo seu olhar púrpuro com o meu - É mais sincero. - completei

- Não faça isso! - ela ofegou, tentando tomar o chapéu de minha mão, mas eu o escondi atrás do corpo

- Por que esconde seu rosto? Você é uma bela mulher. - afirmei, encarando-a

- Isso não é da sua conta. Devolva-me isso, Alec! - ela implorou desesperada, avançando um passo na minha direção

- Responda, Shellby. - insisti, fitando-a profundamente nos olhos; ela parecia acuada

- Por que quer saber? Eu sou apenas a vendedora de pergaminhos, não é? Por que lhe interessa? - ela olhou-me melancólica

- \"Por quê? Por que isso me interessa, afinal?\" - pensei surpreso, perdendo-me naquele olhar púrpuro

- Se quer apenas se divertir, desista! Ninguém se importará, afinal. - ela mostrou seu verdadeiro lado solitário

- \"Por quê?\" - não consegui entender meu próprio dilema, mas chocou-me notar que dos olhos de Shellby brotavam lágrimas

- Pare com isso! - se sua voz não estivesse tão fraca, aquilo teria sido um grito sofrido, extremamente doloroso

O que eu estava fazendo com aquela mulher? Que estupidez era aquela que eu estava cometendo? Ela chorava diante de mim, e eu não sabia o que fazer. Eu jamais havia visto uma mulher derramar lágrimas, e aquela cena chocou-me profundamente. Meus olhos injetados buscavam por uma resposta para a pergunta que Shellby havia me feito, com aqueles olhos lacrimejantes, com aquela voz dolorosa, mas eu não conseguia entender o motivo de me importar tanto com aquela misteriosa mulher. Talvez eu fosse mesmo um homem bondoso, talvez eu estivesse interessado naquele rosto bonito, talvez eu estivesse apenas curioso com aquele olhar que chorava. Senti-me um completo idiota.

Shellby passou violentamente um dos punhos pelos olhos, secando as lágrimas reprimidas, e tomou rapidamente o chapéu de minha mão. Não pude reagir àquilo, meu corpo não obedecia meus comandos. Meu coração estava apertado dentro do peito. Ela virou-se e afastou-se correndo de mim, desaparecendo em soluços ao pisar sobre a pedra circular do portal de Richarten. Eu perguntava-me, que dor carregava aquela mulher no coração para revelar-se tão frágil sem aquele chapéu? Pelo que Shellby havia passado? E no final daquilo, eu apenas conseguia me ver como um adolescente estúpido fazendo brincadeiras cretinas com as garotas da escola. Na verdade, eu era um homem que ainda não aprendera muitas coisas.

Busquei pelas minhas respostas, ao saltar sobre o portal e desaparecer na escuridão da noite.