Cena 1.

A aurora ainda tardava e madrugada insistia em contemplar o cenário bélico que se formava em Navisko Town. Os céus sopravam um hálito gélido, quase um uivo de dor, carregando junto à areia do deserto o terror daqueles que foram impedidos de morrer ou de viver, aqueles que não mais tinham alma. Seus murmúrios longínquos eram assombrosos, capazes de provocar rachaduras em corações desesperados. A aurora fugia no horizonte, amedrontada pelo ar horripilante que se aproximava das altas muralhas de Navisko, a cidade abandonada. Não naquele momento, não naquele final de madrugada. Navisko, especialmente era a mais protegida das cidades de Priston naquela ocasião, a nascente da coragem nos corações guerreiros. As nuvens se iam, como se as próprias temessem a chegada de um mau maior. Como se a vida não pudesse vingar em um lugar como aquele, como se as sombras jamais repousassem em seu invólucro maldito tal qual era o infernal submundo. O pai de todas as monstruosas criaturas submissas às trevas, o pai do ódio que sobrevivia nas chamas escarlates, aquele era Fury. E o breu perpétuo se aproximava a passos largos, a uivos furiosos.

No alto da muralha principal de Navisko, sobre o alto portão a manter bandeiras vermelhas que não seriam derrubadas, estavam eles, firmes em seus pedestais. Os protetores de Priston, os guardiães da vida, a suprema elite. Como estátuas esculpidas pelo tempo paralisado, imperiais em seus braços e pernas invencíveis, eles aguardavam a chegada do mau. Prontos para ceder suas vidas pelo patrimônio dos que um dia lhes venerariam, prontos para proteger um povo que não vingaria em qualquer outro lugar, eles aguardavam. Aquela era a sua casa, o seu lar. Eles, os eternos guerreiros. E quando os milênios passassem tão rápidos como o vento do norte, eles seriam lembrados por sua coragem e força, por seus punhos de aço e corações como tal. Eles, os que nunca seriam esquecidos.

O vento frívolo esvoaçava os curtos e descompostos cabelos azulados de Mystic à extrema direita da formação sobre a muralha, a manter um posto que por sua vontade jamais seria tombado. A aparente montanha indestrutível, a interna manteiga adocicada que derretia debaixo do calor que era seu coração, banhando aqueles orbes tempestuosos com o sabor agridoce de sua essência mais profunda. A bela e escarlate Salamander Armor lhe cobria o corpo, perfeitamente encaixada em curvas e pele. Os braços soltos revelavam um peito corajoso, posto à frente de todo o resto daquela pequena, mas rígida, estrutura. Um peito que para sempre permaneceria daquela maneira, estufado e irredutível, brandindo um coração escarlate em todos os seus sentidos. Os olhos azuis vasculhavam o horizonte arenoso e ainda na penumbra, firmes como rochas, profundos como o céu. Nas costas, reluzindo a breve claridade difusa que transpassava as nuvens negras, seu grandioso - e a partir daquele dia, lendário - Immotal Bow. Aquele que derrotaria o pior dos inimigos, que seria a adoração de outras jovens Archer quando os anos se passassem e a história fosse contada. Mystic, a insaciável.

Abrigando as mãos nos bolsos da calça de sua Phoenix Armor de um vermelho muito escuro, quase negro, ele demonstrava o quanto queria proteger aquilo que lhe era precioso, o que lhe era amável. Seth, com seus cabelos de um azul muito claro, mirava seu profundo e interminável olhar até onde o mesmo era capaz de alcançar, na esperança de que o inimigo não tardasse, e ele pudesse retornar à sua bendita vida. O cavaleiro divino, era o que ele era. O guerreiro a receber a bênção dos deuses, a mais poderosa ira celeste para que os desvirtuados fossem condenados por suas próprias mãos. Um discípulo de Deus, um seguidor das ordens supremas, um justiceiro abençoado. Com a santificada Extreme Sword nas costas, ele estava pronto para punir os pecadores, para levar almas sombrias ao seu lugar de direito. Em sua mente, imperava a divina vontade dos deuses. Em seu coração, comandava o sentimento puro e terno da mulher que o amava. Em seus punhos, a força necessária para cumprir o destino. Seth, o justiceiro.

Naqueles olhos precisos como os de uma águia, os de uma Fênix dourada, revelava-se a adoração pelo combate. O cruel sentimento pela guerra justa, pela emoção da carnificina bem sucedida. Uma predadora, era o que Lady Die era. Mesmo que em seu peito vivesse um coração macio e mortal, capaz de amar e de sofrer, sua casca era tão sordidamente resistente quanto a de uma rocha metálica. Carregando o peso da magnífica e azulada Frenesi Armor que apenas ela podia suportar, ela ostentava ser a mais forte Atalanta da história de Priston. Voraz como uma águia, agressiva como a mesma, Lady tinha tudo para ser uma grande líder, se não fosse por seu incontrolável sendo agressivo e impaciente. Talvez, o único que poderia mesmo conviver com ela fosse Murdoc. Agachada a mostrar joelhos fortes e lascivos, ela aguardava ansiosamente pela chegada do inimigo a empunhar a poderosa e dourada Herege Javelin. Os cabelos verdejantes a dançar com o vento enquanto seu olhar permanecia cerrado na direção do deserto. Lady Die, a impiedosa.

Ele imperava no centro da formação, no topo do portão de Navisko entre duas altas bandeiras vermelhas que eram violentamente açoitadas pelo vento cruel. O mais poderoso dos Magos, o prodigioso de sua classe, o temível feiticeiro. Ao contrário da jovial infância, agora Mizu sentia que realmente não seria vencido. Seu rosto parecia inexpressivo enquanto seu olhar profundo da cor de anil permanecia fixo no horizonte muito próximo, mas seu coração palpitava em êxtase com o conhecimento de que enfim poderia revelar todo o seu poder e ser clamado como um bondoso protetor. Talvez as palavras mais importantes em suas recordações, fossem as que ele prometera jamais abandonar seu destino de proteger Priston, de livrar o seu mundo das trevas. Seria com a força de seu coração incorrompível que ele extinguiria aquela ameaça mortal. Seria ao baixar na direção da Terra seu Celestial Staff (Cajado Celestial) que a calamidade seria eliminada. O longo robe mesclado de púrpuro, azul e amarelo lhe descia pelo corpo, tão majestoso quanto a expressão em seu rosto. Os finos cabelos azulados permaneciam presos frouxamente por uma fita, como de costume Mizu usava. Ali, ele parecia o centro das forças de Priston. Rígido, sério e responsável, era o tipo de homem que ele era, o tipo de Mago. Sem ele, a estrutura caía. Sem a sua base, nada poderia estar completo. Mizu, o soberano.

Como uma bondosa e frágil mulher, ela permanecia ao lado de seu marido. Frágil apenas por ser pequena, por ser doce, por ser extremamente amável e sorridente. Frágil, por ser simplesmente a delicada Sacerdotisa que colocaria sempre seu coração diante de sua mente. Hakuna, com suas suaves ondas de cabelo rosado a cair sobre os tênues ombros, sustentados por clavículas tão frágeis que pareciam querer quebrar-se a qualquer momento. No entanto, a imagem frágil era apenas uma ilusão, uma utopia que apenas poucos podiam identificar. Seu nobre coração era sólido e forte, resistente à lágrimas e ruínas, totalmente compatível à sorrisos e fascínios. Hakuna era a portadora da bondade e do amor, da caixa de sentimentos bonitos que os deuses lhe haviam presenteado na noite de seu nascimento. Impossível tocar os olhos naquela figura rosada e não se sentir leve, amado, acolhido. O delicado Ruah Robe lhe caía perfeitamente sobre o corpo, incorporando à sua imagem pálida tons avermelhados que docemente se misturavam ao rosa de seus cabelos e olhos. Mesmo que uma cena de luta e violência fosse impossível de ser assimilada à doce Hakuna, ela tinha em uma das pequenas mãos a Oracle Wand (Varinha Oráculo), sua auxiliar arma. Hakuna, a bondosa.

Trajando uma viva Wyvern Armor e empunhando entre os elegantes dedos sua Claw Of Justice (Garra da Justiça), reluzindo em contraste à tênue claridade da então aurora nascente o metal dourado dos dentes afiados, ele parecia o mais paciente dos guerreiros. Se a situação fosse outra, certamente surgiria de seus finos lábios um sorriso gracioso, capaz de ofuscar até mesmo a luz do sol da manhã. Seus cabelos verdejantes como esmeraldas esvoaçavam para trás dos ombros, presos por uma fita no alto da cabeça, sobre o capacete de metal. Tinha a mão livre apoiada na cintura enquanto a outra cintilava em frente ao rosto carregando a voraz garra metálica. Seus olhos estavam profundos no horizonte, mas sua mente vagava pelo interior do Battle Castle, lembrando do rosto delicado de sua amável Shellby. Seu coração batia acelerado, comovido pela grandeza do momento. Era a primeira guerra desde que sua geração fora escolhida como elite, e então ele poderia defender Priston com suas próprias mãos. Decidiu seguir o conselho do sábio Conselheiro e controlar a ansiedade, permanecendo calmo à espera de seu alvo. Alec, o nobre.

Seu corpo inteiro parecia agitado para a batalha, trêmulo de ansiedade pelo momento em que cortaria o ar com sua foice, arrastando corpos mutilados por efeito de sua cruel lâmina. Ele, o mais irresponsável, mas também o mais animado. Coberto por sua sombria Hell Armor e carregando nas costas a gigantesca Sickle Of Death, ele parecia mesmo ser o mais poderoso Pike que Priston já teve, embora toda a sua irreverência o tornassem um homem não muito sério. Aquilo para ele não importava, afinal proteger o continente e a vida das pessoas que amava era a sua missão, o seu destino. E se para isso precisasse sacrificar uma parte de si, ele o faria. Dentre todos os guerreiros homens da elite, ele era o de maior coração, o de maior sentimentalismo. Não tinha vergonha de mostrar o que sentia, de entregar seu coração em prol de um bem maior. Mesmo que séculos se passassem, a impressão era de que ele seria sempre um garoto de vinte e poucos anos a rir de besteiras. Electro, o jovial.

Finalmente, na extrema esquerda da formação, o mais forte dos guerreiros. Nenhuma força naquele mundo poderia lhe superar, nenhum outro punho poderia derrotar o seu, nenhuma arma seria capaz de vencer a sua. Em termos de força, Murdoc imperava absolutamente. Ele não perderia, seja para quem fosse. Recusava-se à abandonar um posto que com muito esforço alcançou, e se o fizesse, certamente Lady Die ficaria agressiva quando eles pudessem desfrutar de um outro momento reservado. Aquilo parecia um pensamento inoportuno, mas Murdoc não se importava. Ele nada temia, e por nada vacilaria. Seu coração era tão forte quanto seu corpo, e sua mente tão obstinada e teimosa quanto seu ego. Sua capa escura dançava suavemente, presa em seus ombros enquanto o vento insistia em arrancá-la e levá-la para longe naquele deserto. Sobre o corpo, a Phoenix Armor servia apenas como uma mera armadura, afinal nada poderia ser mais resistente do que seus próprios músculos. Sobre o ombro, tinha apoiado seu pesado e poderoso Axe Of Zecram, enquanto o braço flexionado o segurava com o punho forte. Seus olhos de um castanho profundo revelavam o quanto sua sede por um duelo era cruel, tal qual a de Lady Die. Murdoc, o invencível.

A formação estava pronta, a cada segundo mais ansiosa pela chegada do inimigo. Podiam sentir que ele estava ainda mais próximo, ainda mais forte, mais furioso. Surgiria com seu completo ódio, almejando a destruição de Priston. Poderia ser uma criatura até mais forte do que Babel, que em tempos remotos destruiu quase todo o continente. Poderia ser tão cruel quanto o monstro de outrora que roubou a vida dos velhos guerreiros em troca de sua derrota. A história não se repetiria, não daquela vez, não enquanto os guerreiros tivessem a certeza de que aquela era a vida que queriam, que zelavam, que iriam proteger.

Assombrosamente, os tão esperados inimigos surgiram no topo de uma colina de areia no horizonte, aproximando-se com o raiar tênue do dia. Um exército jamais visto na história de Priston, tão grandioso capaz de destruir qualquer cidade, impiedosamente. Os monstros avançavam em passos largos, ruminando a treva em seus olhos desfigurados, em seus corpos forjados nas sombras de cavernas escuras. Aquela era a realidade, a cruel realidade. Acima do exército de criaturas assombrosas, planando no ar sobre um grande pássaro, o inimigo mortal. Fury. O homem capaz de suportar e dominar aquela terrível aura, aquele ódio imenso e insano, aquele derradeiro tom soturno. Trajando uma armadura tão negra quanto seus olhos, ele mantinha-se sobre a criatura alada, de braços cruzados a encarar maliciosamente os guerreiros de Navisko. Era como se zombasse da elite, como se zombasse de Priston. Fury era exatamente o que Verkan havia dito, a imagem do mau.

- São muitos. - comentou Mizu, firme no centro da formação - Muito além do que eu havia imaginado. - completou, atônito

- Quem se importa? Vamos derrotá-los num lance de minha foice. - disse Electro, empolgado e ansioso

- Fique calmo, Electro. Você será morto se não planejar suas ações. - avisou Alec, pensativo

- Bom, vamos nos dividir. - propôs Seth, sereno

- Não é uma boa idéia. - contrariou Mizu, tão sério quanto antes - Não podemos perder o foco. - afirmou responsável

- Então vamos esperar que eles cheguem até aqui e pisem nas nossas cabeças? - perguntou Mystic com escárnio, impaciente

- Seth, Mizu e Lady Die devem cuidar do Fury. O resto de nós cuidará do exército, já que temos técnicas de área. - arquitetou Alec

- Não quero ficar com aquele bando de panacas, me dou melhor com o Fury. Afinal, vocês precisam de alguém rápido. - protestou Electro, piscando convencido no final de sua proposta

- Não, Electro. Você é muito agitado, não seria uma boa idéia. - negou Mizu, fechando os olhos por um instante

- Hum. - assentiu Seth, tirando a grandiosa espada das costas - Vamos começar. - anunciou com escárnio

- Não podemos esperar. Se estamos prontos, que comece a batalha. - disse Murdoc, insanamente sedento pela guerra

- Ainda não. - uma inusitada voz impediu que os guerreiros avançassem, deixando-os por um segundos perplexos

O grupo olhou para trás, e naquele momento houve uma unânime surpresa. Ariel e Shellby se encontravam lado a lado, inadequadamente sorridentes para a ocasião. E como se não bastasse que surgissem diante da guerra quando deveriam estar longe dali por ordem de seus amados, Shellby estavam seu o grande e misterioso chapéu. Exceto Alec, aquela foi a primeira vez que os guerreiros viram o verdadeiro rosto da feiticeira do Battle Castle. As duas mulheres tinham em sua faces pálidas expressões corajosas e decididas, o que evidenciava que não recuariam, uma vez estando no campo de batalha.

- ARIEL/SHELLBY! - desesperados, Alec e Seth vociferaram no mesmo instante, com a mesma irritação, com o mesmo medo

- O que está fazendo aqui?! Eu disse para que ficasse no BC! - gritou Alec do alto da muralha, visivelmente chocado

- Ei, esqueça, meu caro. - murmurou Seth derrotado ao pousar a mão no ombro do Mech - Quando Ariel decide uma coisa, não há maneira de fazê-la desistir. E se Shellby está com ela... - suspirou o Knight irônico e tedioso - Não há o que fazer. - assentiu risonho

- Mas... - Alec ia protestar, quando uma nova e corajosa Shellby o interrompeu

- Vocês, vão logo. Não se preocupem com o exército, eu e Ariel usaremos nossa magia para encantá-los e fazê-los lutar um contra o outro até a morte. Isso dará a vocês a oportunidade perfeita para derrotar o Fury, então... - ela sorriu segura - Não falhem.

- Oh... - murmurou Electro, pasmo - Isso é bom. - disse ele, entusiasmado com a novidade

- Certo. Todos sabem o que fazer. - disse Mizu, sério - Vamos! - anunciou ele, e naquele instante todos se lançaram na direção do deserto

Logo, as duas jovens saltaram para cima da muralha de Navisko, ocupando o lugar recém deixado pelos guerreiros da elite. Shellby ia começar o ritual da magia juntamente com os poderes de guardiã de Ariel, quando uma mão repentinamente tocou seu ombro. Espantada, ela olhou para o lado, verificando uma presença inesperada. O Conselheiro Verkan lhe sorriu, caminhando para o meio das duas mulheres. Ariel empolgou-se, certa de que com a ajuda do sábio conselheiro, a magia se completaria com exato sucesso. Ergueram os três a mão direita em frente ao corpo, permanecendo com o braço erguido e o dedo indicador a apontar para o exército de criaturas monstruosas que avançavam rapidamente.

- Virtuous. - disse Shellby, desenhando no ar um símbolo com o dedo; ao terminar, o símbolo brilhou, emanando energia

- Circle. - disse Verkan, executando a mesma ação, porém desenhando um diferente símbolo, que copiosamente brilhou no ar

- Mental. - completou Ariel, terminando de traçar no ar o último símbolo da magia

Emanando uma forte energia branca, os três estranhos símbolos uniram-se, formando um só. Naquele momento, uma invisível explosão de energia nasceu do chão arenoso na forma de uma bolha, no centro do exército, e então se expandiu cobrindo toda a área ocupada pelas criaturas. Como se ficassem presas dentro daquela barreira circular, os monstros começaram a agir estranhamente, lutando confusos entre si. A magia se completara, surtindo um efeito impecável. A Virtuous Circle Mental era uma técnica de confusão mental que apenas sábios guardiães e feiticeiros podiam conjurar. A energia precisa para manter a magia era alta, o que significava que Shellby, Verkan e Ariel precisavam concentrar o máximo de suas forças e não desviá-las para pensamento algum.

Enquanto permanecia de olhos fechados no alto da muralha, Shellby cautelosamente desejou que Alec estivesse bem.

\"- Alec, dessa vez eu pude ajudar. Então por favor, fique bem.\"