—Então... Você e o Darcy?

Eu bufei. Devia saber que Emma não ia deixar passar fácil assim. Ela era curiosa ao extremo e eu tinha caído na besteira de abrir a boca na frente dela. Agora tinha que aguentar.

—Sabe, nós não temos mais quinze anos. –eu falei ao ve-la entrar de pijama no quarto onde eu ia passar a noite e se jogar na cama sem cerimônias –Isso não é uma festinha de pijama, pra gente ficar fofocando a noite toda.

—Mas eu trouxe esmalte! –ela falou, balançando o vidrinho roxo.

Eu reverei nos olhos, mas no fim das contas também sentei na cama e ofereci minhas mãos de forma obediente.

—Vai, Lizzie. Desembucha. –ela falou depois de ter começado os primeiros dedos.

Eu considerei seriamente não dizer nada. Ficar quieta, ver se Emma se tocava, mas a verdade era que eu precisava de uma perspectiva nova. Alguem que não estivesse tão diretamente envolvido com a bagunça inteira.

Então no fim eu contei tudo para ela. Desde o primeiro dia que nós nos vimos, até a última mensagem. Quando eu finalmente terminei Emma ja tinha terminado minhas unhas e eu ja estava quase acabando as dela.

Ela ficou em silêncio um pouquinho, como se estivesse pensando antes de falar.

—Você o beijou primeiro. –ela indicou.

—Ei, não foi provado quem beijou quem. –eu prostestei, mas era fraco.

—Sim, mas quem beijou primeiro não importa, a frase saiu errada. O que eu quis dizer é que antes de ele se declarar, antes de você saber como ele se sentia, vocês ja tinham se beijado.

—Você sempre disse que beijos não contam depois da meia-noite. –eu resmunguei.

Emma suspirou e pareceu pensativa, como sempre parecia quando alguem repetia essa frase dela. Eu sempre quis saber de onde ela vinha, mas Emma nunca explicou exatamente.

—Não, eles não contam. –ela falou por fim –Não quer dizer que eles não aconteceram.

—O que você está querendo dizer com isso? –eu falei por fim.

—Eu não quero que você me diga nada. –ela falou –Não estou esperando uma resposta, nem nada, mas, Lizzie... Você não acha que, se você o beijou, alguma coisa tinha ali? Atração? Uma pontinha de vontade, de curiosidade? Será que a razão pela qual essa história não saí da sua cabeça é porque, no fim das contas, você não era tão indiferente quanto acha?

Eu abri a boca, mas Emma levantou a mão para que eu não falasse.

—Você não tem que falar nada para mim. –ela reforçou –Eu só quero que você considere. Talvez você não o odiasse tanto quanto achava. E... –começou com cuidado –Talvez você não esteja tão brava quanto gostaria.

Eu fiquei olhando em choque para Emma. Claro que eu estou brava! E com razão!

—Só pensa com cuidado. –ela pediu mais uma vez, levantando-se –Boa noite, Lizzie.

Eu nem falei nada. Claro que eu estou brava!

E Darcy merece que eu esteja brava com ele. Ele foi um idiota. Qual o problema daquela pessoa? Ele podia ter feito tudo tão mais fácil se ele tivesse dito que...

—Olha, Lizzie, eu sei que você acha que o Darcy é chato, metido e tal... E eu sei que ele passa essa impressão, mas ele é super gente boa.

—Eu não sou bom em conversar com pessoas que eu não conheço.

—Eu tenho dificuldades em me expressar na maior parte do tempo.

As conversas apareceram na minha cabeça sem pedir permissão.

Droga.

Droga.

Eu te odeio, Emma Woodhouse.

XxX

Como prometido, Emma não tocou mais no assunto “Darcy”. Eu mesma tinha passado a noite em claro depois que ela deixara meu quarto. Sim, eu tinha minhas conclusões, mas elas não significam nada. Ponto final. Não quero mais falar sobre isso.

Sério, não quero, porque... Sinceramente, o que adianta? Ele e Charlie tinham ido embora, eu não ia mais ver nenhum deles; nem Fitz ou Caroline. Não adiantava ficar remoendo coisas que não iam levar a nada.

Então eu e Emma fomos passar o dia na cidade, vendo as feiras e almoçamos em um restaurante super fofo. Nós estávamos voltando para a casa dela quando Harriet, a amiga, começou a enviar mensagens desesperadamente.

Emma finalmente cansou-se dos textos sem sentido e ligou para ela.

—Harriet, acalme-se. Eu não estou entendendo nada. –Emma falou com paciência exagerada –Harriet, respire, por favor. Se você desmaiar por falta de ar, nós teremos um problema a mais.

Eu tive que segurar um sorriso. Não era a toa que Emma praticamente comandava a firma do pai. Ela era uma ótima pessoa para se ter do lado numa crise.

—Ele o que? –ela gritou no celular, fazendo várias pessoas ao redor nos olharem com caras estranhas.

—O que foi? –perguntei curiosa.

Emma fez um gesto para eu esperar.

—Hoje? Como assim hoje? –ela gritou mais uma vez, então respirou fundo e tentou acalmar-se –Harriet, você tem certeza? Eu não recebi... –o telefone dela vibrou, indicando uma mensagem –Espera ai. Ja te ligo de volta.

Eu vi, com grande interesse, Emma respirar fundo antes de desligar o aparelho –ignorando os gritos desesperados de Harriet do outro lado. Ela abriu a mensagem e soltou um palavrão que eu nunca ouvira vindo dela antes.

—O que foi? –eu praticamente exigi, me corroendo de curiosidade.

—Aquele filho de uma porca do Elton! –ela esbravejou –Ele vai fazer um “jantar íntimo”... –falou com desprezo, fazendo uma voz afetada -...para apresentar a futura esposa dele para a sociedade e mandou convite para a Harriet! E pra mim! –eu achei que ela fosse arremessar o celular no chão –Babaca! Imaturo! Cretino!

—Hoje? –eu perguntei, porque era fácil deduzir.

—Sim! Hoje!

—E você vai?

—Eu... –ela parou e respirou fundo –Eu tenho que ir. Vai pegar mal se eu não for. Lizzie...

—Nem vem. –eu falei na hora –Eu to vazando. Além do mais, sua amiga vai precisar de um apoio.

—Eu sinto muito. –ela falou sinceramente arrependida.

—Deixa disso, Woodhouse. –falei sincera –Vai la e acaba com a raça desse idiota.

Emma assentiu decidida. Se Elton não fosse um animal eu até ficaria com dó.

Mentira. Ficaria nada.

XxX

Com Emma compromissada pela noite, resolvi ir embora. Mas ja que estava com a tarde livre e Londres ficava perto, resolvi fazer um pequeno desvio e passar em Windsor. Fazia muito tempo que eu não via o Castelo e sempre foi um dos meus lugares preferidos.

Além disso há uma confeitaria la que faz um bolo esponja que eu e as meninas amamos. Eu podia pegar um e levar para casa.

Despedi-me de Emma e do pai dela (deixando beijos para o George) e fui.

Eu passei algumas horas la. Minha parte preferida do verão por aqui é como os dias são longos. Quando eu finalmente peguei o bolo na confeitaria e resolvi voltar ja eram sete horas da noite, mas o sol ainda estava brilhando com força total. Ou o que a gente considera força total por aqui.

E foi aí que meu karma resolveu que eu ja tinha tido dias calmos o bastante e estava na hora de me torrar de novo.

Eu gosto de pegar um estrada secundária que sai de Windsor antes de cair na rodovia principal que leva a Londres. O cenário é lindo, calmo, meio isolado. Sabe, o lugar perfeito para o seu pneu furar.

Eu juro por tudo que é mais sagrado que alguém la em cima me odeia muito. Eu colei taxinha na cruz. Só pode.

Eu respirei fundo e consegui parar o carro no acostamento. Tudo bem, eu gosto de carros, lembra? Eu sei trocar pneus!

Assim decidida e super calma, desci do carro, abri o porta-mala e dei de cara com o estepe mais murcho que ja vi na minha vida. Queria chorar de frustração. Eu tinha checado tudo antes de viajar: gasoline, pneus, óleo... Mas eu esqueci do maldito do estepe! E obviamente nenhuma das outras meninas teria lembrado.

Eu queria chorar de frustração, mas respirei fundo mais uma vez. Dei uma olhadinha no pneu e havia um prego gigantesco enfiado nele. Eu nem tenho ideia de onde isso saiu porque eu não passei em cima de nada suspeito.

Pensei em ligar para o guincho, mas os números que eu tinha só atendiam a região de Londres e a de onde meus pais moravam, não Windsor. Chequei e o sinal da internet era inexistente ali, então resolvi ligar para uma das meninas e ver se elas podiam checar para mim e então retornar.

E adivinha o que? Eu devo ter parado na única estrada no mundo onde não tinha sinal de telefone. Por que, Senhor? Por que? Foi porque eu mentia que estava doente para não ir a missa? Foi porque eu troquei o remédio da Irmã Grace por laxante? Foi só uma vez!

Ta, chega de sentir pena de mim mesma. Passou, superei.

Eu considerei minhas opções. Haviam algumas casas e até um B&B por aqui. O duro é que a maioria das casas eram dos ricos e poderosos e eu duvido que algum deles ia querer me ajudar, então eu teria que andar até o B&B. Nem era tão longe assim, eu só esperava chegar até la antes que escurecesse, e o sol ja estava começando a abaixar. O fim de agosto ja era a época que o dia não durava mais tanto e as nove horas estaria completamente escuro.

Era melhor começar a andar.

Eu tinha acabado de me decidir quando vi um carro vindo na minha direção. Um Mercedes SLS prata. Ótimo, pessoa rica. (Mas sério!!! Esse carro tem porta de asa de gaivota e é pura perfeição! Não que eu fosse saber por experiência própria, porque eu nunca entrei em um).

Bom, não custava nada tentar, então eu balancei os braços.

Miraculosamente o carro foi diminuindo de velocidade até parar perto de mim. A janela do motorista abaixou e uma menina olhou para mim. Ela tinha olhos verdes enormes e o cabelo estava preso numa trança embutida. Ela parecia nova demais para estar dirigindo sozinha e também parecia vagamente familiar.

—Está tudo bem? –ela me perguntou preocupada.

—Meu pneu furou e meu celular não funciona. Eu teria trocado pelo estepe, mas ele está murcho. –eu falei, incrivelmente aliviada por ela ter parado e por ser uma garota.

—Desculpa, mas... –ela parecia estar me analisando –Eu te conheço de algum lugar.

—Eu estou com a mesma sensação. –admiti. Só que eu sou meio ruim com rostos, embora seja pior com nomes.

—Do bar! –ela falou de repente –The Regent! Você me ajudou a ir embora.

Verdade!

—A menina dos martinis com azeitona. –sorri.

—Sim. –ela olhou em volta –Quer vir comigo? Eu estou ficando aqui perto e tenho quase certeza que meu irmão tem uma daquelas bombas que enchem as coisas de ar e dá pra carregar pra la e pra ca. –ela falou incerta.

Gente, que gracinha de menina. Vontade de apertar essas bochechas.

—Por favor. –eu falei sentindo-me ridiculamente aliviada –Aliás, meu nome é Lizzie.

—Eu sou Gina. –ela sorriu para mim –Entra ai.

Eu corri para meu carro e peguei minha bolsa e tranquei tudo. Quase morri quando aquela porta levantou e quase derreti naquele banco de couro.

Por um minuto me lembrei de Darcy e daquele carro ridículo dele, mas empurrei o pensamento para longe. Chega de Darcy na minha vida.

Eu sou mesmo uma anta.

XxX

Sabe aquela sensação de que você está se esquecendo de alguma coisa? Pois é. Eu estava com ela.

Eu chequei minha bolsa para ver se estava com meu celular, as chaves do carro, minha carteira... Tudo estava la. Então não que eu tinha esquecido de alguma coisa física. Era como se estivesse deixando passar algum fato importante.

—Eu e meu irmão estamos ficando num chalé aqui perto. –Gina estava me falando –Normalmente nós ficamos em Derbyshire, mas ele quis ficar mais perto de Londres dessa vez.

—Que sorte a minha. –brinquei de leve.

—O Will está em casa. –ela me assegurou –Quando chegarmos la ele pode te ajudar. Só não deixa a cara azeda dele te assustar. O Will é meio tímido e não sabe falar com estranhos.

E, de repente, tudo clicou. Gina, olhos verdes, chalé em Derbyshire, o carro prata...

Não! Não! NÃO NÃO NÃO!

Isso só pode ser piada. Deus do céu, o mundo não pode ser tão cruel assim comigo! Tem que ser tudo uma grande coincidência!

Mas claro que não era. Os fatos começaram a se ligar na minha cabeça: Gina estava no The Regent com o irmão, Gina tinha olhos verdes e cabelo preto e era bem novinha.

CACETE, ESSA ERA A IRMÃ DO DARCY!

E Will? Ele chamava William? Depois de toda aquela frescura do Fitz pra me falar o nome de Darcy ele chamava William? Qual o problema com esse nome? Eu tenho um tio que chama William.

Considerei seriamente pedir para ela parar o carro e sair correndo na direção oposta, mas ja era tarde demais: Gina estava entrando por um caminho e eu ja podia ver a casa.

Obviamente o “chalé” deles não era uma casinha de camponês. A casa era enorme e, embora tivesse um ar meio bucólico, dava para ver de longe que era bem cuidade (e bem paga).

Gina parou o carro e desceu, então tive que segui-la. Ela destrancou a porta da frente e foi entrando, eu não tive escolha a não ser ir atrás.

—Will! –ela chamou –Vem aqui.

—Gina? O que foi?

Era a voz dele! Ai meu Jesus amado!

—Eu preciso de uma ajuda. –ela falou.

—Aconteceu alguma coisa? –ele perguntou, a voz se aproximando.

Gina estava falando alguma coisa, mas eu não conseguia ouvir, porque meu coração estava batendo tão alto que parecia estar soando na casa inteira.

Então Darcy apareceu na sala, a testa franzida em preocupação. Daí ele olhou de Gina para mim e os olhos dele se arregalaram em choque, a boca abrindo-se sem som nenhum sair.

—Lizzie? –ele falou a voz carregada de surpresa.

—Oi, Darcy. –eu tenho quase certeza de que não gaguejei.