A visão do alto da Torre da Noiva era esplendorosa. Claire tinha as mãos pousadas em cima da amurada de pedra rústica, e olhava para baixo com o coração palpitando fortemente. Abaixo dela, tudo parecia pequeno e sem importância. Até mesmo as pessoas, os convidados que a aguardavam, pareciam formigas, pequenas e impotentes.

Mas o inverso também era verdade. Tão alto e tão reclusa, Claire era frágil diante do mundo que a cercava. A torre tinha vários e vários metros de altura, e seu corpo era tão... Humano. Imaginou que se pulasse dali morreria antes de chegar ao solo. O que seus parentes e amigos veriam provavelmente os traumatizaria para sempre. Todo o sangue envolto em tecido branco... Ter esse poder tão próximo de si, tão ao alcance... Aquilo assustava a noiva. Assustava de uma maneira que ela não conseguia explicar ou controlar.

A Torre da Noiva era a torre do sino da catedral onde Claire estava se casando. Ela tinha muitos metros de altura, e uma escadaria que parecia infinita. Era uma construção antiga e feita totalmente de pedra, o que significava que não existia um elevador. A escadaria dava voltas na torre, serpenteando pelo lado de dentro o tubo de pedra. Era tradicional que as noivas terminassem de se aprontar ali, no alto da torre. Era o último momento de indecisão, o último momento dela como indivíduo solitário, antes de ligar-se para sempre com aquele que seria seu marido. Incontáveis noivas desistiram do casamento ali naquela torre, mas Claire não seria uma delas.

Ela nunca esteve tão certa de alguma coisa em toda a sua vida. James era o homem que ela pediria aos céus, com todas as qualidades que ela poderia querer. O que sentia por ele, imaginou que jamais fosse capaz de sentir por ninguém. E isso a assustava. Amava James de uma maneira que daria a vida por ele, se fosse necessário. Não que a sua vida tivesse tanta importância assim, depois de tudo o que acontecera, mas...

Claire se recuperara de uma terrível depressão havia quase seis anos, alguns meses antes de conhecer James. A jornada para a cura foi longa e difícil, mas contou com o apoio de seus pais e da mulher mais maravilhosa que Claire Blanche conhecera.

Constantine Smith era a empregada dos Tachibana, e trabalhava na mansão da família de Claire desde que a mulher nascera. Ela ajudara em sua criação, sendo como uma espécie de avó ou segunda mãe para Claire. Constantine acompanhara os melhores e os piores momentos da vida da oriental, e eles não foram poucos. Mais do que isso: fora Constantine quem salvara a vida de Claire nas duas vezes em que ela tentou suicídio. Ela deve estar me olhando e cuidando de mim lá em cima, a noiva pensou.

Mas pensar em Constantine só lhe traria tristezas, e aquele deveria ser um dia de felicidade. Claire olhou-se rapidamente no enorme espelho preso à parede de pedra e decidiu que estava mais do que pronta. Seus cabelos tingidos de castanho arruivado estavam presos de uma maneira elegante, deixando visível seu expressivo e delicado rosto. Claire tinha os olhos estreitos, com uma íris castanha brilhante. O nariz e a boca tinham tamanhos proporcionais, com dentes grandes e brancos que deixavam seu sorriso encantador. Era uma mulher bela, afinal. Com trinta e um anos de idade, consiga facilmente se passar por uma adolescente de dezessete.

Inclinou-se mais uma vez e olhou para baixo. É agora.

Claire desceu as escadarias com ansiedade e empolgação, cuidando com cada passo. Quando chegou ao fim delas, deu de cara com seu pai esperando-a com um sorriso em seu rosto. O senhor Takuma Tachibana parecia não ser o mesmo homem que vários anos antes proibira a filha de namorar James. Ali, dentro do seu terno desenhado especialmente para ele, parecia somente um pai orgulhoso de sua filha.

Anata wa watashi wa bājinrōdo aruku koto wa dekimasu ka? (Você pode me levar até o altar?) — Ela perguntou, tentando conter as lágrimas.

Mochiron desu! (Claro)

Claire e o pai caminharam até a entrada da catedral de braços dados. Na porta, seus dois irmãos mais novos a esperavam, ambos bastante elegantes em seus ternos de alta costura. Yuki Tachibana tinha dezessete anos, e Kazuhiro Tachibana tinha dezesseis. Os dois cumprimentaram a irmã de maneira solene, inclinando o corpo para frente e juntando as mãos. A noiva retribuiu o gesto e sorriu, sem ter certeza de como deveria reagir. Então os irmãos abriram a enorme porta de madeira da igreja, e a música começou a tocar.

That every long lost dream led me to where you are

Others who broke my heart, they were like northern stars

Pointing me on my way, into your loving arms

This much I know is true

That God blessed the broken road

That led me straight to you

Os olhos da oriental se encheram de lágrimas antes mesmo dela conseguir focalizar o que havia ali. Claire abaixou o rosto e delicadamente limpou os olhos com as costas da mão. Ao fim do corredor onde havia um tapete vermelho estendido, Claire o viu. Com os cabelos curtos da cor de areia, o rosto doce, estranho e meigo, com uma sobrancelha fina e clara, e a barba por fazer pela qual ela era apaixonada. James Ziegler era o noivo mais lindo que a oriental vira em toda a sua vida.

Todos os convidados se levantaram no mesmo instante, virando-se para observar a caminhada de Claire até o altar. Atrás dela, seus irmãos ergueram a cauda de seu vestido e seguiam atrás dela e do pai, que andavam de maneira lenta e solene. O buquê de rosas brancas nas mãos da mulher se fundia com seu vestido e com toda a decoração da igreja. Tudo ali era impecavelmente branco e belo.

Quando Claire e Takuma chegaram ao altar, o pai deu um beijo na testa da filha e então cumprimentou o genro com dois gestos. O primeiro foi em sua própria cultura, inclinando-se com as mãos juntas. James fez o mesmo que o sogro, em seguida estendendo sua mão e apertando a de Takuma. O homem pareceu satisfeito com aquilo, e então tomou seu lugar ao lado da esposa, Kazumi, do lado direito altar. Do lado esquerdo, uma banda ao vivo terminava de tocar a parte instrumental da música de casamento.

James virou-se na direção da noiva e olhou diretamente em seus olhos. Nunca a amou mais. Aquela era a mulher da sua vida, e ele queria, mais do que tudo, ter a oportunidade de passar o resto de sua vida ao lado dela.

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Já era final da tarde quando Andi estacionou o fusca preto em frente à casa de Riley com pouca cautela, derrubando uma lata de lixo no processo. Sem cerimônia seguiu até a porta e apertou a campainha de maneira insistente diversas vezes, até que ouviu o barulho metálico da amiga destrancando a porta com a chave que tinha em mãos.

A ruiva já estava fantasiada, com uma peruca cor de rosa e um vestido balonê amarelo. Havia uma infinidade de pulseiras coloridas em seus braços e um salto plataforma branco em seus pés. Seu rosto, porém, estava limpo, aguardando a maquiagem que a amiga faria.

You stupid hoe! — Ela disse, parafraseando Nicki Minaj.

Andi riu largamente, entrando na casa com a sacola com sua fantasia em mãos. Nela, Riley pôde perceber que não havia qualquer peruca.

— Não me diz que você vai ser preguiçosa o suficiente para se fantasiar de Katy Perry em California Gurls só pra não precisar de uma peruca?

A amiga meneou a cabeça positivamente, gargalhando. Riley deu com os ombros, subindo lentamente as escadas, temendo cair com o salto que tinha nos pés. Mesmo ele sendo reto, a ruiva nunca usava saltos, de modo que acidentes poderiam acontecer. Apesar disso, divertia-se com aquilo.

O colégio deles havia organizado uma festa de Halloween especial para os alunos do último ano, dentro de um iate em alto mar. Todos eles pagaram durante alguns meses uma quantia para conseguir que aquilo fosse possível. O valor não era tão alto, e valia o investimento. A embarcação sairia da cidade às sete e meia da noite, e voltaria só na manhã seguinte, às quatro. Durante toda a noite e madrugada, os alunos se divertiriam, dançando, jogando cartas e realizando outras atividades. Apesar de a bebida alcoólica ser proibida por lei, a própria Riley já sabia de pelo menos cinco colegas que as levariam. Isso significava que mesmo ela que não gostava muito de festas e aglomerações, estava ansiosa por aquela festa de Halloween.

No fim das contas, aquele era o seu último ano como estudante do ensino médio. No ano seguinte, se tudo desse certo, ela seria uma universitária. Sabia que então viria outra fase de festa e farra, mas Andi e Lucas poderiam não estar junto dela. A vida poderia, momentaneamente, separá-los. Por isso Riley queria se divertir com os amigos como se não houvesse o dia seguinte.

Enquanto ela refletia sobre aquelas coisas e observava Felicia dentro do aquário, Andi trocava de roupa. A garota de cabelos azuis estava com um arco de cabelo com um coração do lado esquerdo, e um vestido branco com diversos falsos cupcakes, sorvetes e outros doces colados. Em suas pernas havia uma meia calça rosa, e em seus pés ela usava uma sapatilha violeta. A fantasia era completada por uma varinha em formato de pirulito.

— Tcharam! — Andi disse, saindo do banheiro.

Riley aplaudiu a amiga, rindo.

— Nós estamos ridículas.

— Estamos mesmo. — A outra disse, rindo de volta. — Mas é pra isso que o Halloween serve, certo?

A ruiva concordou com um aceno de cabeça. Ela então seguiu até sua penteadeira e sentou-se, chamando a amiga para ajudá-la a se maquiar. À sua frente havia diversos batons, sombras e lápis de cores que ela nunca usara na vida. Tinha apenas dois batons, um quase da cor de sua pele e um vermelho sangue. Diante dela havia batons rosas, roxos e até mesmo um batom laranja, sem mencionar sombras de todas as cores do arco-íris. Aquele kit fora presente de sweet sixteen de sua mãe, e aquela seria a primeira vez que Riley daria uso a ele. Em seu dia a dia, limitava-se ao lápis de olho preto e um dos dois batons.

Andi trabalhou rápido e de maneira eficiente, deixando Riley o mais parecida possível com Nicki Minaj. A ruiva sorriu ao ver o resultado final, sentindo-se até confortável com a pintura em seu rosto. Agradeceu a amiga e levantou-se, seguindo até o guarda-roupas. Andi então se sentou no lugar dela e começou a fazer a própria maquiagem, utilizando o kit de Riley.

— Onde você aprendeu a se maquiar assim, Andi? — A ruiva perguntou, enquanto vasculhava no meio de suas roupas procurando por sua bolsa.

— Eu não sei. Eu gosto de desenhar e pintar, você sabe. Talvez eu veja a maquiagem dessa forma, como uma pintura em uma tela humana.

A amiga ficou satisfeita com aquela resposta, sorrindo. Andi continuou o trabalho em seu rosto com dedicação e atenção, parecendo animada com a situação. Riley ficou feliz por aquilo, especialmente porque imaginava que a situação da noite anterior, com Lucas e Nina, a tivesse desanimado. Ela sabia da rixa que a amiga e a cheerleader tinham, e sabia o quanto Andi era protetora com Lucas. Temia o que ela poderia fazer com Nina para se vingar, mas ficava feliz que aquilo não estivesse estragando seu humor para a festa.

Andi tinha acabado de terminar sua maquiagem, quando as duas ouviram uma buzina do lado de fora da casa. Riley caminhou até a janela de seu quarto e viu que Lucas estava parado ali, sentado dentro do fusca destrancado de Andi e apertando a buzina dele. Ele estava fantasiado de Hannibal Lecter, com uma camisa de força branca, uma calça laranja e botas pretas nos pés. Eu seu rosto havia a máscara característica do serial killer, mas ela conseguia ver o sorriso dele por trás dela.

— O Lucas chegou, Andi. Já são quinze pras sete. Você está pronta?

A outra concordou com um aceno de cabeça, sorrindo para o espelho. Retirou os óculos de grau de maneira solene e colocou-os em cima da penteadeira. Ela então procurou as lentes em sua sacola e delicadamente colocou uma em cada olho. Naquela noite, só naquela noite, ela se permitiria ser diferente. Mais bonita, mais feminina, mais livre.

Talvez, mesmo que ela não gostasse de admitir, estava se permitindo ser quem verdadeiramente era. Gostava das roupas e das maquiagens que usava, mas também gostava do que tinha agora, com corações, doces, maquiagem clara e nenhuma agressividade. Tinha medo, porém, de isso deixá-la mais próxima de Nina, das garotas populares e de tudo o que ela mais detestava no mundo.

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No cais havia quarenta e dois alunos, se a contagem da professora Emma Lynn Brown estivesse correta. Ao lado dela, o professor Finn Waterson tinha obtido o mesmo número. Apesar de todos os estudantes serem quase adultos, eles ainda eram menores de idade. Isso significava que os dois eram responsáveis por eles naquela noite, e tinham como tarefa supervisionar tudo o que os adolescentes fizessem. A tarefa fora rejeitada por todos os outros professores da escola, mas Emma não se importara em assumi-la. Não receberia um centavo a mais pelo trabalho, mas poderia descobrir um pouco mais sobre o comportamento dos adolescentes em atividades fora do ambiente escolar.

Emma tinha quarenta e seis anos e era professora de Filosofia e coordenadora do colégio. Ela era o braço direito da diretora Hardscrabble, sendo encarregada de boa parte das decisões administrativas da instituição. Casada e mãe de dois filhos, um rapaz de treze anos e uma menina de quatro, julgava que tinha uma vida boa. Tinha uma família bonita e saudável, uma carreira estável e era feliz. Batalhara muito para conseguir tudo o que tinha, e sentia-se satisfeita pelo que conseguira realizar.

Na aparência física, também “não era de se jogar fora”. Próxima dos cinquenta anos, não possuía qualquer marca de expressão em seu rosto, conseguindo aparentar quase dez anos a menos do que tinha. Descendente de indígenas norte-americanos, ela tinha a pele mulata avermelhada e um rosto comum, com maçãs do rosto proeminentes e pequenos olhos castanhos. O cabelo era negro e curto, na altura do pescoço. Fora inclusive seu cabelo e a cor de sua pele que lhe dera a ideia para a sua fantasia.

Enquanto o professor Waterson fantasiava-se de Finn, o protagonista do desenho Adventure Time, Emma estava fantasiada de Dora, “a aventureira”. A roupa incluía uma camiseta cor de rosa e uma bermuda laranja, bem como tênis brancos e uma meia amarela que ia até a metade de sua panturrilha. Sua fantasia fora aprovada por sua filha mais nova, que era fã do desenho e fora quem lhe sugerira aquela ideia. Apesar de se sentir meio ridícula naquele traje, Emma parecia estar se divertindo.

— Falta alguém? — Ela disse, virando-se para o outro professor. Ao longe, o iate se aproximava do cais.

— Só o Kyle Landau. — O outro homem respondeu, olhando na planilha que tinha em mãos.

Emma meneou a cabeça positivamente, concordando. Ela conhecia o tal Kyle. Se perguntasse para os adolescentes ali presentes, porém, nenhum deles diria conhecê-lo. Talvez o conhecessem pelo seu apelido, “Sketch”. Ou talvez simplesmente não o conhecessem, já que o rapaz era extremamente tímido e calado. A professora conversara com ele algumas vezes, e sempre tinha a impressão de que Sketch guardava em si uma dor muito grande, algo que ele não podia compartilhar com mais ninguém. Mas seu comportamento no colégio era exemplar, de modo que Emma não poderia simplesmente forçá-lo a falar. Restava a ela aceitar relutantemente que o garoto tinha uma vida decente.

Sketch chegou segundos após a pergunta da professora, caminhando lentamente na direção do cais. Ele normalmente tinha o cabelo loiro e espetado, mas naquele dia estava com ele bagunçado e pintado com papel crepom preto. Sketch tinha enormes olhos azuis brilhantes, bem como lábios grandes, grossos e avermelhados. Seu nariz e orelha tinham um tamanho comum, mas sua sobrancelha era clara e um pouco pequena demais. Naquele dia ele estava com elas também pintadas de preto, realçadas pela maquiagem quase cadavérica que tinha em seu rosto. Ele está fantasiado de Edward Mãos de Tesoura, Emma percebeu imediatamente.

Há alguns metros dali, Riley também percebeu a chegada de Sketch. Ao contemplar a fantasia dele, com o rosto melancólico e a maquiagem pesada, sentiu borboletas no estômago. Por algum motivo que a garota não sabia explicar, Sketch a atraía. A atração ia além do físico, quase como se ela pudesse entendê-lo por dentro. Os dois haviam trocado poucas palavras desde o começo do ano letivo, quando ele se mudara para a classe deles vindo de outro estado, mas Riley tinha certeza que ele era o único garoto ali com o qual ela teria algum envolvimento. Parecia presunçoso pensar daquela forma, porém, já que Sketch poderia não pensar assim.

— Bom, então estamos todos aqui. — O professor Waterson disse para os alunos, ajustando o capuz branco em sua cabeça. Todos aplaudiram, enquanto a embarcação se aproximava do cais.

Riley assustou-se com o tamanho do iate. Quanto mais próximo ele chegava, maior e mais imponente ele parecia. Ela já tinha feito um cruzeiro com seus pais vários anos antes, mas imaginava que um iate fosse muito menor do que um navio, o que não parecia o caso. Do lado de fora dele, a garota conseguiu ler seu nome: “Atlântida”. Que nome clichê, ela pensou no mesmo instante.

Emma e Finn reuniram todos os alunos em uma fila, para que eles entrassem de maneira ordenada. Os adolescentes pareciam empolgados, conversando de maneira entusiasmada uns com os outros. No fim da fila, Riley, Andi e Lucas conseguiam ver o quarteto formado por Paris, Junior, Nina e Michaela bem à frente, prestes a entrarem no Atlântida. A ruiva percebeu a maneira como os amigos olharam para os quatro, de modo que disse:

— Eu sei que quem arranja confusão são eles, mas vamos tentar evitar qualquer treta, tudo bem? Essa festa é pra ser legal!

— Claro, Riley. Você sabe que é a Nina quem me provoca. — Lucas respondeu de maneira melancólica.

Andi limitou-se a concordar, meneando a cabeça.

Riley estava prestes a entrar no iate quando sentiu um arrepio na nuca. Atrás dela não havia ninguém. Ela era a última. O sol havia acabado de se pôr, e a brisa do oceano era fria, contrastando com o clima quente da cidade. Por algum motivo que não soube explicar, a ruiva pressentiu que algo grandioso e que mudaria a sua vida estava prestes a acontecer.

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— Vamos, princesa, vai ser divertido! — Paris implorou, ajoelhado na frente de Michaela.

O rapaz usava um vestido azul ridículo e uma tiara na cabeça, mas por algum motivo a garota estava achando-o extremamente sexy. Para que a fantasia ficasse ainda mais engraçada, Paris não havia depilado as pernas, e por algum motivo aquilo excitava Michaela.

— Nós podemos ser expulsos se formos pegos, príncipe. — Ela respondeu de maneira calma.

Michaela estava fantasiada de Hera Venenosa, com uma maquiagem verde chamativa e uma roupa da mesma cor. Em seus pés havia botas de vinil verdes e havia uma fenda entre a parte de cima e a parte de baixo da fantasia, deixando a barriga da garota exposta. Paris não se importava nem um pouco com aquilo.

— Mas nós não vamos ser pegos. É só despejar vodca no ponche, Mimi. A festa não vai ser a mesma coisa sem isso.

A garota olhou diretamente nos olhos verdes do namorado e sorriu. Não conseguia negar nada a ele. E de pensar que quando conheceu a ele e ao irmão seu interesse era por Junior...

Na época, ela e Nina tinham interesse nos gêmeos, mas enquanto a loira se interessara por Paris, a amiga se interessara por Junior. Os rapazes, porém, tinham opiniões diferentes. Foi então que Michaela se viu aceitando sair com Paris, enquanto Nina aceitou o convite do outro gêmeo. Naquele mesmo encontro, a morena teve certeza de que estava com o rapaz certo. Nina também gostou de Junior, de maneira que as coisas se ajeitaram perfeitamente daquela forma. Mas era divertido pensar que a primeira impressão das duas havia sido tão diferente do que acabara acontecendo.

A garota sorriu maliciosamente e desencostou-se da amurada do iate. A embarcação era bastante grande na parte de cima, que era aberta, e havia algumas mesas com petiscos e tigelas enormes de ponche. Havia também uma piscina e uma espécie de pista de dança em um andar acima de onde eles estavam, sendo que essa área era acessada subindo-se uma pequena escada de metal.

Ao fundo, tocava uma música:

When my time is over, lying in my grave

Written on my tombstone, I want it to say

This man was a legend, a legend of his time

When he was a party, the party never died

Riley estava encostada na amurada próxima da piscina, com um copo do ponche batizado de Paris em mãos. O iate estava parado em alto mar. A música que tocava voltou a fazer com que a ruiva sentisse o mesmo arrepio que sentira antes de entrar na embarcação. Já passava da meia-noite e a lua brilhava no céu, mas por algum motivo as coisas não pareciam certas.

Lucas e Andi não estavam no campo de visão da garota, de modo que ela imaginava que eles estavam se divertindo. Há alguns metros dela, Junior estava deitado em uma esteira na beira da piscina, com Nina ao seu lado. A garota tinha o cabelo loiro presto em uma trança que caía em cima de seu ombro, e tinha um vestido azul caído ao seu lado, sendo que no momento ela estava somente de biquíni. Ela viera fantasiada da rainha Elsa, do filme “Frozen”. Uma fantasia típica de uma cheerleader arrogante, Riley não pode deixar de pensar.

Ao lado do Atlântida passava uma embarcação pequena, suficiente para uma dúzia de pessoas. Sem algum motivo aparente, porém, ela também parou. O piloto dela gritou algo para o copiloto do iate, que saiu da cabine de comando para conversar com ele. Os dois trocavam informações que a ruiva não compreendia, de modo que resolveu afastar seus pensamentos daquela conversa.

— Oi. — Ela ouviu uma voz baixa e rouca dizer.

Assustou-se com a presença de Sketch ao seu lado, dando um pulinho e instintivamente colocando a mão no coração. O rapaz pareceu verdadeiramente arrependido por tê-la assustado, dizendo:

— Oh, me desculpe, eu não quis te assustar. Eu vou ali pegar uma bebida. — E deu meia volta, mas a garota segurou o braço dele, pedindo que o rapaz voltasse.

— Não foi nada, Sketch. — E então abriu um largo sorriso. — Oi!

O rapaz retribuiu o sorriso no mesmo segundo. Ele tem um sorriso lindo.

E então a música ao fundo mudou. Ao ouvir o que estava tocando, Andi apareceu no mesmo instante, saindo de dentro da cabine principal do iate, embaixo da pista. Lucas veio atrás dela, e os dois subiram a escada de metal no mesmo instante, com a que estava fantasiada de Katy Perry gritando de maneira empolgada.

That was then, this is now,

Here we go starting over!

You decide, change your mind,

Miracles happen every day!

— Bom, isso vai soar meio estranho, mas… Por que a Nicki Minaj? — Ele perguntou de maneira despretensiosa, olhando fixamente nos olhos de Riley.

A garota olhou de volta, diretamente dentro dos olhos azuis de Sketch. Sem desviar, respondeu:

— Porque é pra isso que serve o Halloween. — E diante da expressão de confusão dele, Riley continuou: — Você pega alguém, geralmente uma criatura fantástica ou personagem da cultura pop, que você ao mesmo tempo queira e não queira ser, e se fantasia dele. A Nicki é alguém que eu não gostaria de ser no meu dia a dia, mas é definitivamente alguém que eu gostaria de ser durante uma noite. Entende?

— Uau. — Sketch exclamou. — Isso faz bastante sentido. Inclusive, eu inconscientemente posso ter tido a mesma linha de pensamento que você. Eu não gostaria de ser o Edward durante o meu dia a dia, com as mãos de tesoura que afastam todo mundo e tal. Mas ser ele por uma noite é extremamente divertido. — E diante da expressão de confiança e orgulho dela, repetiu: — Uau...

This is the beginning, the beginning!

This is the beginning of the rest of your life!

This is the beginning, the beginning!

This is the beginning of the rest of your life!

E foi então que Riley ouviu alguém gritando, de cima da pista de dança:

— Puta que pariu, um helicóptero!

Ela e Sketch olharam para cima no mesmo instante, e viram o pássaro de ferro sobrevoando o iate. O aeroplano, porém, estava voando tão baixo que todos os que estavam na pista de dança desceram através da escada de metal, já que a ventania que ele causava tinha se tornado insuportável.

O copiloto do iate falou alguma coisa ininteligível para o piloto do barco que estava ao lado, e este saiu de lá, voltando ao cais. O homem então subiu até a pista de dança, tentando inutilmente conversar com o piloto do helicóptero para saber o que estava acontecendo. Riley conseguiu ver somente que na parte de trás do pássaro de ferro havia duas pessoas, sendo uma delas uma mulher com um vestido de noiva.

Sketch pediu licença à Riley e se afastou alguns metros. Ao lado dele estavam Michaela e Paris, ambos observando o que acontecia em cima da pista de dança. Todos os outros alunos tinham se reunido próximos da piscina, do lado oposto. Emma gritava inutilmente com o trio:

— Pra piscina, agora!

E então aconteceu. As hélices do helicóptero começaram a girar cada vez mais lentamente, até que pararam. O aeroplano então caiu e bateu com força em cima da pista de dança, escorregando e caindo no andar debaixo.

Paris percebeu o aconteceria no mesmo instante, e puxou Michaela para longe dali. O que aconteceu, porém, foi que seu gesto trouxe somente a luva verde que a garota tinha em mãos. Michaela ficara para trás, ao lado de Sketch e olhando de maneira hipnotizada o desastre que estava para acontecer.

O helicóptero esmagou Michaela e Sketch com facilidade, arrebentando o chão de madeira da embarcação. Paris estava próximo, e viu quando a cabeça decapitada do rapaz rolou até próximo do seu pé.

Há alguns metros dali, Nina gritou de maneira ensurdecedora, anunciando a tragédia.

O caos que se instalou no iate foi imediato. Os adolescentes gritavam e corriam para todos os lados, enquanto Finn, Emma e o copiloto tentavam lhes acalmar. Era claro, porém, que o iate tinha sérias chances de afundar, já que o peso do helicóptero era tremendo.

Emma esfregava o rosto de maneira nervosa. O que eu faço?

Ela então olhou na direção do helicóptero. Dentro dele, uma garota tentava se arrastar para fora, com o vestido de noiva completamente ensanguentado. A professora não pensou duas vezes e correu na direção dela, apavorada. No caminho, pisou em uma poça de sangue enorme, que imaginou ser de um dos seus alunos. Emma respirou fundo e tapou a boca, tentando não vomitar.

— Me... Ajuda... — A noiva disse, gemendo de dentro do aeroplano.

A professora se abaixou na altura da mulher e começou a puxar seus braços para fora, tentando tirá-la ali de dentro. Ela percebeu então, o homem morto ao lado dela. O noivo. O rapaz tinha o pescoço caído para a frente de maneira flácida, sinal claro de que ele estava quebrado, provavelmente após a queda do helicóptero. Na parte da frente, o piloto tinha a cabeça atravessada no para-brisa, claramente morto.

A noiva estava quase saindo do helicóptero, com o tecido branco encharcado de vermelho, quando Paris percebeu o líquido escuro escorrendo dele. O rapaz tinha Junior e Nina ao seu lado, e os irmãos tentaram gritar em uníssono:

— Ele vai explodir, professora!

Emma virou-se a tempo de ouvir a frase dos gêmeos, mas não de escapar. O helicóptero explodiu com um estrondo, engolindo as duas mulheres numa bola de fogo. Riley estava encostada na amurada, ao lado de Lucas e Andi, e gritou diante daquela cena.

A explosão fez estilhaços do helicóptero voarem para todos os lados. Nina tapou a boca diante da cena, mas não teve tempo de reagir quando percebeu o que vinha em sua direção. Uma das hélices voou até a garota com rapidez, cortando sua barriga como uma lâmina. Da boca da loira começou a sair algum sangue, enquanto Junior e Paris observavam a cena com horror. E então as duas partes de Nina se separaram, cada uma caindo para um lado. As tripas cheias de sangue da cheerleader foram o suficiente para fazer Junior desmaiar.

O copiloto e o professor Finn tentavam inutilmente fazer os alunos se acalmarem e fazerem uma fila próxima deles, enquanto a embarcação começava a se inclinar, sinal de que afundaria. Ao lado dos homens havia uma sucessão de barcos salva-vidas, capazes de retirar todos do Atlântida em segurança. Mas o pânico diante do desastre era tão grande, que os alunos começaram a se amontoar e a se acotovelar tentando escapar dali.

Andi puxava a mão de Riley, que por sua vez puxava a mão de Lucas. O trio se afastou do aglomerado de pessoas e encontrou um barco salva-vidas do outro lado da embarcação, próximo do fogaréu do helicóptero. A garota de cabelos azuis começou então a desfazer o nó do barco, sendo ajudada por Lucas. Quando ele já estava dentro da água, Andi pulou dentro dele. Ela então estendeu o braço para ajudar Lucas a fazer o mesmo.

Riley era a última, mas uma visão fez com que ela titubeasse. Atrás de si, ela viu Paris olhando para todos os lados, com o corpo desmaiado do irmão nos braços.

— Vamos, Riley! Agora! — Andi gritou, apressando a amiga.

O coração da ruiva batia mais forte. Eu não posso deixá-los assim. O Junior salvou a minha vida.

— Esse barco salva-vidas cabe mais pessoas. Eu vou trazer o Paris e o Junior até aqui, me esperem. — E saiu, antes que pudesse ouvir os protestos de Andi.

A garota correu até onde os gêmeos estavam e segurou Paris pelo braço. O rapaz olhou para ela com surpresa, enquanto a garota o puxava na direção do barco, dizendo:

— Nós vamos escapar. Vem!

Mas então o iate começou a se inclinar com maior rapidez, derrubando diversos adolescentes e coisas dentro da água. Alguns deles tentavam nadar para longe, mas a maioria era atingida por cadeiras, mesas e outros objetos do Atlântida, sendo empurrados para o fundo do mar.

O iate inclinou-se na direção do barco salva-vidas onde estavam Andi e Lucas, esmagando a pequena embarcação como se ela fosse feita de papel. O impacto esmagou primeiro Lucas, que estavam mais próximo, e então Andi, tornando os dois uma massa vermelha no oceano. Riley e os gêmeos observavam a cena com horror. A ruiva gritou inutilmente, sem saber o que fazer.

O impacto do Atlântida afundando acabou por derrubar Paris e Junior por cima da amurada, sendo que ambos caíram no oceano. A água foi suficiente para acordar o gêmeo que estava desmaiado, e ele tentou então nadar para longe dali, puxando o irmão pelo braço para que ele fizesse o mesmo. Mas Paris tinha os olhos abertos e fixos. Ele morreu, Riley percebeu no mesmo instante. E então olhou em seu peito e percebeu uma mancha vermelha. Ao lado do rapaz, boiando, a escada de metal que dava acesso à pista de dança, também estava manchada de sangue. Ao cair do iate, ela perfurara o peito do rapaz.

Riley não pensou duas vezes e pulou voluntariamente na água, em um lugar longe de qualquer objeto que pudesse esmagá-la. Caiu no oceano com um baque surdo, sendo engolida por uma quantidade infinita de água. Tentou nadar para cima, mas não conseguiu, sentindo os braços moles e fracos. Por algum motivo, porém, começou subitamente a emergir, até que a noite quente voltou a aparecer e o ar voltou a invadir seus pulmões.

— A gente precisa pegar aquela boia! — Junior exclamou ao lado dela, enquanto ainda segurando seu braço. Ele salvou minha vida mais uma vez.

A garota olhou para os lados e percebeu o que o rapaz queria dizer, já que há alguns metros deles havia duas boias de cor laranja. Junior foi nadando na frente e Riley o seguiu. O que eles não sabiam, porém, era que o Atlântida ainda era um problema para eles.

Riley já não conseguia ver mais ninguém quando o iate terminou de afundar. Nenhum dos adolescentes estava ali, nem mesmo os seus corpos boiando. Ela não soube explicar o motivo, mas aquilo lhe trouxe uma angústia tremenda, maior ainda que presenciar a morte de Andi e Lucas. Teve vontade de chorar, mas as lágrimas não saíram.

O Atlântida afundou causando uma onda absurdamente grande, que engoliu ela e Junior com força, empurrando-os para o fundo do oceano. O rapaz não estava preparado para aquilo, de modo que engoliu uma infinidade de água, se afogando com a reação desesperada que teve. À frente de Riley, ele tentou inutilmente bater os braços até a superfície, mas então desistiu. Morreu de olhos fechados e desprotegido.

Riley presenciou a cena com horror em seus olhos. Tentou novamente voltar à superfície, mas a tarefa se mostrou inútil. Pior do que isso, porém, era o fato de que daquela vez Junior não poderia salvá-la. A garota então gritou alto, sentindo a água salgada entrando por sua boca e seu nariz e invadindo seus pulmões.

Sua reação não foi de desespero, mas de aceitação. Pensou em sua mãe e em seu pai, e desejou que eles fossem felizes. A escuridão começou a se aproximar pouco a pouco, e a ruiva teve certeza de que aquela era a morte.

Suspirou uma última vez e então morreu.

— Oi. — Ela ouviu uma voz baixa e rouca dizer.

Mas daquela vez a presença de Sketch não a assustou.