Preguiça, Gula e Vaidade

Capitulo 9 -Tempo de espera


Mike saltou da cama quando a porta abriu vagarosamente, seu traseiro aterrissou no chão de pedra.

— Não queria assustá-lo, por deus! — disse um dos jovens que habitavam o mosteiro. Esquelético demais e com o topo de sua cabeça raspado, típico de um monge.

A visão do garoto no chão rapidamente entrou em foco, ainda não era dia e o cheiro da madrugada invadiu suas narinas. Ele levantou olhando para os lados, soltou uma tosse desconcertada.

— O que foi? — ele imaginou se havia feito alguma coisa de errado, e se algum tipo de teste começara e não se dera conta.

O homem balançou a cabeça negativamente e ergueu a mão para que ele se acalmasse. Mike desejou que ele falasse alguma coisa, mas percebeu que isso não iria acontecer. Saíram do pequeno quarto em completo silencio e desceram algumas escadas, todos que passaram por ele estavam em igual silencio.

Finalmente chegaram até uma sala com cheiro forte onde havia um altar religioso com uma enorme cruz. O monge ajoelhou e fechou os olhos, assim como tantos outros que estavam ali. Mike olhou para os lados, tentando não parecer mal educado ele fez o mesmo. Foram trinta minutos, não sabia ao certo, de total silencio.

Em seguida, em uma calmaria extrema, os monges levantaram-se e se retiraram do local.

— Amanhã no mesmo horário, você não pode deixar de vir — disse o monge que o acordou.

Mike concordou, continuando a seguir o rapaz magricela para fora do mosteiro. Era a parte de trás, onde não era possível ver a estrada de onde viera. Haviam as ruínas de pedra de antes e muitos monges espalhados, cada um parecia ter uma tarefa diferente a fazer. Reparou que alguns carregavam carrinhos com sacos e outros levavam barris para outros lugares. Um grupo cuidava na construção de algo, haviam estacas de madeira indicando isso, e muitos estavam no chão em um gigantesca plantação.

O dia era azul forte. Uma coisa que lhe chamou atenção foi a quantidade de pássaros e outros animais pequeninos típicos do campo, que ali corriam sem se preocupar com nada. Alguns olhares o seguiram enquanto caminhava até a plantação.

— Me chamo Apple — falou o monge que o conduzia.

— Mike — respondeu, imediatamente ele notara que não havia comido absolutamente nada.

— Muito prazer em conhecê-lo Mike. Eu não fui instruído de nada á seu respeito, mas tomei a iniciativa de te explicar como são as tarefas do Mosteiro e coisas do tipo. Espero que não tenha problema..

— Nenhum! — respondeu Mike sem jeito — Ficaria meio perdido se não o fizesse...

O monge sorriu satisfeito e apontou a plantação.

— Não estou lhe dizendo que essa será sua tarefa especifica, mas se quiser, sugiro começar dando uma ajuda na plantação.

Mike olhou para os outros jovens agarrados a terra, as mãos completamente sujas. Acenaram com um sorriso sincero.

— Não se preocupe, em poucos minutos você receberá algo para comer. Normalmente todos se reúnem para tomar café, mas nosso numero cresceu consideravelmente e há muito que se fazer aqui...

— Não tem problema nenhum para mim — mentiu Mike. Desejava que sua resposta fosse sincera, mas ele adorava um bom café da manhã.

Em minutos a comida realmente veio. Um homem velho esquelético coberto por uma pesada veste marrom típica dos monges, chegou até eles com um carrinho de mão. Enrolado em um papel grosso estava um pão enorme. Mike ficou surpreso ao ver que o pão seria divido entre todos que estavam ali.

Já havia começado a ajudar na plantação, estava imundo. Porém, os monges que ali estavam não pareciam se importar nem um pouco com a sujeira, e trataram de apanhar seu pedaço e abocanha-lo.

— Me chamo Melon — disse o jovem ao seu lado. Não era tão magro como os outros, tinha um rosto cheio e engraçado.

Mike sorriu, mas não sabia o que dizer além de seu nome.

— Mike — disse. E silencio.

Depois de um tempo Melon voltou a puxar um assunto.

— Em treinamento? — perguntou enfiando a mão na terra e puxando algum tipo de vegetal.

— Não tenho certeza — respondeu sincero.

— Nenhum de nós tem — respondeu outro jovem, esse tinha orelhas enormes e um nariz de batata — Me chamo Radish, muito prazer.

Mike olhou para sua volta, havia mais um jovem que não havia se apresentado.

— E você como se chama?

O pequeno magricela se assustou.

— Kyle.

Mike sorriu.

— Kyle? Pensei que fosse outro nome de fruta ou vegetal — disse ele olhando para os outros, obviamente não se tratava de seus nomes verdadeiros.

— Depois de um tempo você os abandona, sabe? Os nomes... — disse Apple.

— Há quanto tempo estão aqui? — perguntou Mike desconfiado.

— A vida toda — respondeu Melon — A maioria chega aqui bem pequeno. O mosteiro costuma acolher órfãos de vilarejos próximos.

— Mas alguns poucos são como você, mais velhos. Esses são os que tem mais dificuldade para se adaptar — disse Radish.

Mike deu de ombros.

— Se você se refere às tarefas acho que não terei problemas. Atualmente vivo em uma casa que exige um cuidado sobre-humano.

Muriel nunca ficava satisfeita com o jardim e colocava a culpa em Mike.

— Se não forem às tarefas será a rotina provavelmente. Esse lugar é bem tedioso meu caro — riu Melon.

Mike não queria passar a impressão de desejar se distrair ou algo do tipo, afinal estava naquele lugar para treinar. Mas pensando na vida que aqueles jovens levavam, ele ficou curioso.

— E o que fazem para se distraírem?

— As tarefas já nos distraem o bastante... Mas só nossos corpos — disse Apple com um sorriso largo — Nossos espíritos tem outro tipo de distração.

Ele levantou e pediu para que Mike o seguisse, os outros trocaram risadinhas. O jovem atravessou o campo por alguns metros, até onde havia um pequeno arvoredo que ocultava o que havia do outro lado. Apple abriu um bocado de arbustos para que fosse possível ver.

— Legal! — exclamou Mike surpreso.

Era um campo enorme de futebol. Perfeitamente cuidado com uma grama verdinha e as devidas demarcações. Havia arquibancadas espalhadas por toda parte e alguns monges cuidando da vegetação em volta.

— Bem legal, não?

— É demais! — para Mike pareciam décadas desde á ultima vez que jogara. David sempre insistia em levá-lo aos jogos, mas já não havia mais animo para isso.

— É tipo um segredo de vocês? — perguntou Mike.

— Por deus, não! — riu Apple — Todos tem conhecimento do campo, é um passatempo saudável, mas preferimos deixá-lo fora da vista dos mais antigos...

Mike continuou olhando.

— Você joga?

— Costumava jogar — respondeu ele, pensando imediatamente que iria gostar daquele lugar.

As horas passaram vagarosamente de acordo com as atividades no sol. Ninguém naquele lugar parecia se importar com a monotonia das tarefas destinadas a cada um. Para Mike parecia que sues corpos funcionavam em algum modo automático maluco, como se suas mentes estivessem adormecidas e as outras partes do corpo tomassem conta de tudo, por isso era engraçado quando um pedaço enorme de madeira despencava ao chão provocando um barulho enorme e assustando a todos, obrigados a acordar de seus respectivos transes.

— Você não deve deixar que a comida do almoço lhe deixe muito abatido, pois ainda temos um longo dia pela frente! — disse um de seus novos amigos frades.

Não era exagero algum Mike constatou. Era uma gororoba tão esquisita que bolhas enorme ficavam ali paradas na tigela arcaica, prontas para estourarem algum tipo de conteúdo viscoso e escuro.

— Talvez eu possa ajudar com a comida, eu entendo um pouco de culinária... — falou o rapaz ainda não acreditando no que estava na sua frente.

Vários monges conversavam alegremente no salão iluminado repleto de mesas enormes de madeira velha. Era um gigantesco refeitório.

— Quem sabe... — disse Apple — Quem sabe não te usam como ingrediente.

Haviam um velho senhor gripado com um enorme caldeirão, puxava o conteúdo de dentro em um movimento e despejava na tigela dos inconformados monges. Mike olhou brevemente para sua comida antes de arriscar come-la, imaginando coisas engraçadas como “Eu vou deixar de me alistar no exercito por isso?”.

— Ei Mike! — chamou Melon.

— O que? — respondeu sem levantar o olhar, era difícil se concentrar me mastigar aquela porcaria.

— Você já esteve... — o rapaz de cara inchada olhou para os outros completamente desconcertado — Já esteve com uma....

Mike mostrou interesse.

— Com uma o que?

Melon olhou para os lado, os outros também encolheram interessados, e sussurrou.

— Você sabe... — ele falou bem baixo — Com uma garota!

O rapaz engasgou, contendo a risada ao máximo.

— Com uma garota? — observou os olhares curiosos dos outros monges da mesa — Quando você fala “já esteve com uma”...

— Sim, me refiro a estar envolvido...

— Coito! — todos na mesa se assustaram com a palavra solta por Apple, fazendo um sinal de silencio em coral.

Mike ficou sem palavras por um instante, imaginando se em até um mosteiro existiam divisões de grupos como na escola, e ele estaria sentando na mesa dos “monges nerds”. Ele apertou os lábios para não cair na gargalhada com a vermelhidão de Melon.

Radish o orelhudo falou em voz baixa:

— Queria nos desculpas Mike, é que muito de nós não conhece muito bem o mundo lá fora.

Não dava para escolher bem as palavras, e o adequado, pensou Mike, seria ser sincero com aquelas pessoas. Era estranho notar como aqueles monges tinha uma simplicidade tão única e verdadeira.

— Eu queria dizer coisas do tipo “Não estão perdendo uma coisa”, mas estaria mentindo... — falou ele torcendo os lábios e soltando um suspiro.

Os outros murcharam.

— Nós sabemos — disse Melon — Mas essa é nossa vida, não é que estamos reclamando. É que...

— Gostaríamos de saber como é lá fora! — falou Apple.

— Sim! — disse Radish.

Um velho monge alegre se aproximou de todos tocando um sino enferrujado, que Mike não precisou de explicação para entender que o horário do almoço se fora.

— Eu conto tudo que quiserem saber durante as tarefas, o que acham? — falou Mike.

Estufaram os peitos de alegria entreolhando-se animados demais.

— Vai ser bem divertido! — falou Melon.

E de fato foi. O restante do dia passou mais rápido que a manhã, graças aos divertidos comentários dos monges sobre as experiências de Mike, que nem se quer tocara no assunto sexo.

— Não acredito que você já foi o campeão da sua escola! — disse Radish, referindo-se a historia que Mike contara de quando morava em Baltimore nos Estados Unidos.

— E como é a America? — perguntou Apple.

— Quente — admitiu Mike rindo, e assim as horas passaram.

Convenceu a todos que precisava guardar um pouco de suas historias para o restante da semana, e foi guiado por Apple ao seu quarto, que ele não conseguia ainda localizar onde ficava. Seu corpo completamente exausto do dia, e destruído pelas escadas que pareciam não ter fim. Nem se despediu do mais novo amigo, despencou na cama e adormeceu sem se questionar até quando teria que ficar naquele lugar a espera do verdadeiro treinamento.