24 meses antes

A vida de Asahi mudou de forma quase drástica. Um dia ele estava cuidando de suas plantas e no instante seguinte uma fada estava em sua estufa.

Sim, uma fada.

Nada daquilo foi um sonho.

Claro que, Asahi também não contou a ninguém.

O ser – que até então era apenas uma lenda para Asahi – se chamava Nishinoya Yuu. Ele vivia em sua casa, sumia de tempos em tempos, mas voltava cheio de novidades. Obviamente Asahi levou um tempo para se acostumar com isso, mas ele sempre acreditou que fosse um tanto estranho. Agora ele falava com fadas, tudo bem, não é? Provavelmente.

Com o passar dos meses ele aprendeu muitas coisas. Fadas são reais, vampiros e lobisomens não. Isso é bom, cá entre nós. Gnomos e duendes também não. Mas é possível encontrar seres que são chamados de elfos, Noya explicou isso a ele. Yuu também retirou a ideia de que fadas eram como nos filmes infantis. Eram seres de manifestação pura da natureza, criados a partir da necessidade da Terra por manutenção. Era uma sociedade dividida categoricamente por funções, sendo a de Nishinoya, a flora.

Asahi agora se considerava um cara sortudo. Depois de aceitar que nada daquilo era um delírio de sua mente, ele entendeu que ver um ser como aquele – que estava atualmente sentado à sua frente se deliciando de um picolé – era um privilégio que humano algum tinha.

— Você sabe, Asahi-san. Nós não podemos falar com humanos, no geral sua espécie não sabe lidar bem com diferenças — comentou.

— E ainda sim você se mostrou para mim… — Yuu assentiu ainda fitando a suculenta no vaso roxo que estava sendo adubada — Você pode se encrencar por isso?

— Talvez! Na verdade, é quase uma certeza, mas não estou tão preocupado! — confessou — Afinal foi você quem me chamou.

— Que eu me lembre, você simplesmente apareceu na minha casa. E ainda me chamou pelo nome, como se me conhecesse! Tem ideia do susto que eu levei?

— E você achava comum conversar com uma borboleta? — riu — Seu amor pela natureza me chamou, Asahi-san. Além do mais, eu te conhecia, te observei por muito tempo. Era você que estava por fora das coisas.

— Asahi-san?

— Sim, Nishinoya? — respondeu ainda focado no esboço de uma nova peça que criara.

— Vou embora durante a noite. Tenho um trabalho a fazer um pouco mais longe dessa vez.

Asahi suspirou. Ele estava habituado à presença do outro. A fada tinha uma energia contagiante que tomava um espaço cada vez maior em sua vida.

— Você vai voltar?

— Eu sempre volto para você, achei que já soubesse! — apontou — Vou lhe trazer uma muda de samambaia, o que acha??

— Eu adoraria! — sorriu, feliz — Para onde vai dessa vez?

— Brasil! Já deve ter ouvido falar da Floresta Amazônica, certo? — vendo o outro acenar em concordância, continuou — Ela vem sofrendo há anos com o severo desmatamento e queimadas. Preciso ir até lá para ver o quão grande é o estrago… — suspirou — os seres humanos são tão destruidores!

— O que seria do mundo sem as fadas, Nishinoya? — Asahi questionou finalmente o olhando.

— Vocês já teriam morrido!! Mas nem mesmo a Terra pode se regenerar ao ritmo acelerado que vem sendo agredida. Isso é preocupante, sabia?

— Sim, eu sei. — murmurou — Diga algo que os humanos fazem que não seja estragarem tudo que tocam? — falou de forma retórica.

— Vocês… tem essa coisa...

— Hm? — indagou curioso.

Yuu abriu e fechou as asas e, era algo que Asahi nunca se cansava de olhar. Elas eram deslumbrantes. Com os feixes de sol lhe tocando a pele alva, desnuda da cintura para cima, davam um toque mágico a Noya, embora ele desdenhava deste termo. Yuu dizia que não era mágico, era natural.

— Vocês têm algo primitivo. É o que chamam de amor.

— O amor é primitivo?

— A natureza o criou para vocês. Nós, fadas, não precisamos disso… mas isso sempre me chamou a atenção.

— Como assim o criou para nós?

— Você imagina o mundo humano sem amor, Asahi-san?

— Não…

— Porém, assim como os recursos naturais, o amor também pode acabar. — contou — O amor foi desenvolvido junto com a evolução das espécies. Os animais possuem afeição, mas não é como o de vocês.

— Então as fadas não amam?

— Não sei se o que temos pode ser chamado assim… — ficou pensativo — Mas podemos criar laços uns com os outros. Não é como o de vocês que tem a necessidade de pertencer, é mais como…

— Como pintar? — Asahi desviou o olhar de Yuu para os livros na estante no outro cômodo — Só lançar as cores em um plano e deixar que se encaixem.

— Talvez. Eu nunca senti, então não sei. — deu de ombros. — Mas, do amor vem a compaixão, gentileza e tudo mais.

— Você é gentil, Nishinoya. — sorriu.

— Não tanto como você, Asahi-san.