Adivinhação, sem dúvidas, foi a aula mais mórbida que os terceiranistas já tiveram. Em meio ao barulho de cadeiras arrastadas e livros fechados, a turma desceu escada abaixo como se tivesse saído de um funeral. Jonn teve quase certeza que Sherlock estava ao seu lado quando a caravana de alunos migrava para outra sala, mas ele desaparecera.

Atentou-se então para a conversa de Sally com Henry.

— Cão dos Baskerville? Que história é essa, cara? – A garota perguntava.

— Um cão monstruoso tem rondado a minha propriedade desde que voltei da França. – Henry suava frio e parecia ter dificuldades de respirar – Não era um cão normal. Era muito grande, todo preto. Um de nossos empregados foi gravemente ferido por ele. Agora entendo… Aquele era o sinistro.

— Por favor, não existe sinistro! E nem todo mundo via um cachorro na xícara!

— Você não viu o tamanho do cão, Sally. Você se assustaria.

— Hoje a tarde vamos ter aula de Trato das Criaturas Mágicas, não? – John se mostrava solidário – Depois da aula podemos perguntar ao Hagrid se existe alguma criatura que se pareça com um cão anormalmente grande. Ele conhece todo o tipo de criatura perigosa, especialmente cães. Vai saber responder.

— Pode ser um parente do Canino. – A garota argumentava – E o Canino não é nenhum mensageiro da morte, certo?

— Não pode ser pior que um de três cabeças – John lembrou – que ele chamava de Fofo.

Henry se deu por vencido, concordando em esperar ter todas as informações antes de falar sobre o sinistro novamente.

Depois do almoço, começaria a aula de Hagrid, fora do castelo. John estava tão empolgado com a possibilidade de conhecer mais criaturas do mundo bruxo, e tão feliz por Hagrid, que até perdoou o incidente com as acromântulas. Só desejava que Hagrid não trouxesse nenhuma acromântula para a aula.

Sherlock caminhava ao seu lado pelos prados e parecia mais esgotado que o loiro. Agora o corvino tinha seu próprio exemplar do Livro Monstruoso dos Monstros, e ele estava fechado debaixo do braço, sem precisar de nenhuma fita, cinto ou corda para contê-lo.

— Como conseguiu que o seu ficasse assim? – Perguntou John apontando para o livro – O meu tentou comer o gato da Harry.

Sherlock parou de andar:

— Me passe o seu. – Ele entregou seu próprio livro para John e pegou o dele. Tirou o cinto que enfaixava o livro e, antes que o exemplar pudesse atacá-lo, passou os dedos compridos na lombada. O livro estremeceu, se abriu e permaneceu quieto em sua mão – Pronto.

— Sério isso? Tinha que ser ideia do Hagrid...

Os dois voltaram a andar.

— Melhor você achar a ideia bem engraçada. – Alertou o corvino – Moriarty não vai medir esforços pra estragar essa aula.

— Por que? Outro jogo?

— Espero que não. Mas ele chamou você de “sangue ruim” ano passado, o que mostra que ele é preconceituoso. Quem discrimina um tipo, discrimina outros, então Moriarty deve odiar tudo o que é diferente. Elfos, duendes, anões… Meio-gigantes não seriam a exceção.

— Meio gigante?

— É um híbrido. Filho de um humano com um gigante. Hagrid é claramente um.

— Oh, Deus, isso é possível? – John tentava imaginar o inimaginável e sua mente começou a formular cenas muito bizarras – Ah, não, não quero saber como isso acontece!

— Melhor ficarmos alertas. Hagrid vai precisar de todo apoio que puder.

Hagrid já estava à espera dos alunos à porta da cabana. Vestia o casaco de pele de toupeira, com Canino por perto, preso na coleira.

— Vamos, andem depressa! – Falou quando os alunos se aproximaram. – Tenho uma coisa ótima para vocês hoje! Vai ser uma grande aula! Estão todos aqui? Certo, então me acompanhem!

Sherlock e John se olharam intrigados e acompanharam o professor com o resto dos alunos. Muito atrás deles, caminhando ao lado de Kitty Riley e Sebastian Moran, estava Jim Moriarty e parecia duplamente incomodado com todo aquele cenário. Ora olhava enojado para o meio gigante, ora olhava enojado para o restante dos colegas... Mas quando seu foco parava na nuca de um certo corvino conversando aleatoriamente com um certo grifinório, sua expressão era de profundo ódio.

Hagrid contornou a orla das árvores e, cinco minutos depois, eles estavam diante de uma espécie de picadeiro. Não havia nada ali.

— Todos se agrupem em volta dessa cerca! Isso... Procurem garantir uma boa visibilidade... Agora, a primeira coisa que vão precisar fazer é abrir os livros.

— E como vamos abrir isso? – Perguntou Moriarty num tom maldoso, mostrando seu Livro Monstruoso dos Monstros amarrado com uma corda.

Outros alunos fizeram o mesmo, mostrando seus livros fechados com meias, cordas e enfiados em sacos justos. Hagrid pareceu desapontado.

— Será... Será que ninguém conseguiu abrir o livro? – perguntou.

— Sherlock conseguiu... – John avisou discretamente.

— Conseguiu? Muito bem! E você também, pelo visto, Watson! Pode dizer para o resto da turma como se faz?

John sentiu o rosto corar:

— T-Tem que fazer carinho na lombada. – Sentiu-se muito idiota falando isso em voz alta.

— Perfeito! Dez pontos para a Grifinória. O livro gosta de um bom cafuné! Haha! – Falou o novo professor apanhando o livro de Sally, preso com uma fita. Rasgou a fita adesiva que o prendia e, quando o livro tentou morder, passou seu gigantesco dedo indicador pela lombada.

Logo o exemplar se abriu nas mãos do professor.

— Nooossa! – Caçoou Moriarty – Que engraçaaaado! Que excelente ideia nos dar livros que tentam arrancar nossa mão!

— Cala a boca! – John rebateu em bom som.

— Pra você é fácil falar, Watson! – Kitty veio em socorro do amigo – Seu namorado lhe deu a resposta!

John fez uma careta injuriada e estava prestes a abrir a boca pra responder algo quando foi interrompido.

— Calma, jovens! – Hagrid pedia, já nervoso – É… Vamos nos acalmar, certo? Ah ... Então vocês já têm os livros e... Agora faltam as criaturas mágicas. É. Então vou buscá-las. Esperem um pouco.

Ele se afastou na direção da floresta e desapareceu de vista.

— Nossa, essa escola está indo pro brejo! – Moran resmungou em voz alta. – Esse pateta dando aulas? Meu pai vai ter um acesso quando eu contar.

— É o primeiro dia dele! – Molly encheu-se de coragem para defender o guarda caças – Dá um tempo!

— Se coloque no seu lugar, Hopper. – Moriarty olhou maldosamente pra ela – Não vai querer parar na Câmara Secreta outra vez, vai?

Molly se mantinha firme, mas Sherlock percebeu que o queixo dela tremia.

— Isso é uma ameaça, cara? – Lestrade indagava incrédulo.

De repente Violet deu um grito apontando para o lado oposto do picadeiro, e a atenção de toda a turma se voltou para lá.

Trotavam em direção aos garotos quase uma dezena dos bichos mais esquisitos que John já vira. Tinham os corpos, as pernas traseiras e as caudas de cavalo, mas as pernas dianteiras, as asas e a cabeça eram de uma águia gigantesca. Cada uma das criaturas trazia uma grossa coleira de couro no pescoço engatada em uma longa corrente, cujas pontas estavam presas nas imensas mãos de Hagrid.

— Upa! Upa! Aí! – Bradou ele, sacudindo as correntes e incitando os bichos na direção da cerca onde se agrupavam os alunos.

Todos recuaram instintivamente.

— Hipogrifos! – Hagrid falava alegremente, acenando para eles. – Lindos, não acham?

John olhou com mais atenção. De fato eles eram muito bonitos depois do susto. As penas brilhantes, o bico metálico, a postura imponente e, ao mesmo tempo, elegante... Sem dúvida as criaturas eram magníficas.

— A primeira coisa que vocês precisam saber sobre os hipogrifos – explicou Hagrid – é que são orgulhosos. Se ofendem com facilidade. Nunca insultem um bicho desses porque pode ser a última coisa que vão fazer na vida.

Sherlock notou que Moriarty tinha uma expressão de desprezo.

— Vocês sempre esperam o hipogrifo fazer o primeiro movimento – continuou o guarda caças – É uma questão de cortesia, entendem? Vocês vão até eles, fazem uma reverência e aí esperam. Se o bicho retribuir o cumprimento, vocês podem tocar nele. Se não retribuir, então saiam de perto bem depressa porque essas garras machucam feio. Agora quem quer ser o primeiro?

A maioria dos alunos recuou um passo, e John quase fez a mesma coisa se Sherlock não tivesse habilmente agarrado o seu pulso e erguido seu braço no ar.

— John quer, professor.

— Q-que!? – O Watson empalideceu.

— É assim que se faz! – Gritou Hagrid radiante – Certo, então... Venha, Watson, venha! Vamos ver como você se entende com o Bicuço!

E, dizendo isso, soltou uma das correntes, separou o hipogrifo cinza azulado dos restantes e retirou a coleira de couro enquanto o aluno entrava no picadeiro. A turma do outro lado da cerca parecia estar prendendo a respiração. Moriarty finalmente parecia demonstrar algum interesse na aula. Na verdade ele olhava com um prazer genuíno para a cena.

— Venha aqui, Watson. Isso, isso. Primeiro faça contato visual com o Bicuço. E tente não piscar! Os hipogrifos não confiam na pessoa que pisca demais.

Foi só Hagrid falar isso que os olhos de John começaram a arder, mas nenhuma piscada foi dada.

— Isso, Watson! Agora a reverência!

John teve que se curvar e baixar a cabeça. Fez isso rezando para que Bicuço não se sentisse tentado a bicar a sua nuca e lhe conceder uma passagem só de ida para a enfermaria. No entanto, para a surpresa de todos, o hipogrifo dobrou as patas dianteiras e fez uma clara reverência.

O resto da turma se aproximava cada vez mais da cerca, todos com cautela.

— Certo... Pode tocá-lo! – Hagrid falava animado para John – Acaricie o bico!

“Cristo…” John suplicava mentalmente, muito nervoso, enquanto esticava bem o braço na direção da criatura. Acariciou seu bico várias vezes com a ponta dos dedos e o bicho fechou os olhos demoradamente, como se estivesse gostando.

— Muito bem! – O professor aplaudiu.

A turma prorrompeu em aplausos, à exceção de Kitty e Moran. Os aplausos de Moriarty eram cheios de desdém. John sorriu boba e nervosamente para o hipogrifo e para a turma, mas logo seu sorriso desmanchou quando Hagrid mencionou a próxima etapa da socialização.

— Agora pode montar nele!

— Peraí! Que?

Hagrid carregou o garoto pelo troco como se fosse um mero boneco de trapo, e logo John se viu em cima do hipogrifo, com os pés atrás das asas.

— Voar é sua praia, não? – Dizia o professor – Só tome cuidado para não arrancar nenhuma pena. Ele não vai gostar nem um pouco.

John olhou para o dorso do animal desesperado, sem saber onde se segurar. Todo o corpo era coberto de penas. Hagrid bradou um entusiasmado “pode ir!” e deu uma palmada no lombo de Bicuço, que grasnou alto, abriu as asas e levantou voo de súbito.

Sentindo a sua vida passar diante dos seus olhos, John se agarrou no pescoço de Bicuço e deixou ele decidir por onde queria voar, sem conseguir se livrar da sensação de que seria jogado no ar a qualquer instante. Balançava pra frente e para trás à medida que a criatura galopava no meio do vento, e torcia para o passeio acabar logo, pois seu estômago e sua cabeça rodavam, e o almoço parecia querer voltar pela garganta.

Quando Bicuço embicou para voar até o chão, John podia jurar que escorregaria por cima de sua cabeça e cairia com a cara na lama, mas o animal endireitou a postura e pousou com as quatro patas na terra.

A turma voltou a aplaudir. John escorregou para o lado, desmontando da criatura, visivelmente tonto. Não queria repetir a experiência nunca mais.

— Bom trabalho! – Berrou Hagrid – Vinte pontos para a Grifinória! Muito bem, quem mais quer experimentar?

Encorajados pelo sucesso, os outros alunos subiram, cautelosos, pela cerca do picadeiro. Hagrid soltou os hipogrifos, um a um, e logo os garotos, nervosos, começaram a fazer reverências por toda a área. Em poucos minutos, eles já conseguiam acariciar um hipogrifo.

John se aproximou de Sherlock - que alisava o bico e a cabeça de um hipogrifo castanho - e sentou-se na cerca.

— Traidor. – O grifinório brincava.

— Pode me chamar do que quiser. Eu sei que você tava louco pra voar nele.

— É, mas eu continuo preferindo a vassoura. – Disse, e, sem perceber, estava apreciando a cena – Acho que vocês se parecem um pouco.

— Sério? Achei que tinha se identificado com eles. São orgulhosos e valentes, mas são dóceis se não provocá-los.

John sentiu o rosto esquentar.

De repente um dos alunos gritou. Henry, mais especificamente. Os demais berraram assustados quando viram o garoto caído no chão, com o braço sangrando, e Bicuço acima dele, apoiando-se nas duas patas traseiras e batendo as asas. Foi tudo muito rápido, pois no momento seguinte, Hagrid se colocara entre Bicuço e o rapaz, pelejando para enfiar a coleira no hipogrifo, enquanto o bicho fazia força para continuar seu ataque.

John pulou da cerca e foi rapidamente acolher o amigo caído, junto com Sally.

— Acalmem-se! Acalmem-se! – Hagrid pedia – Alguém me ajude! Preciso tirar ele daqui!

Lestrade correu para abrir o portão enquanto Hagrid carregava Henry. O gramado em volta do grifinório estava manchado do mesmo sangue que escorria do braço do garoto.

— A previsão da professora Trelawney! – Violet apontava para o rapaz ferido – O sinistro está mesmo no caminho dele!

— Calma, Knight, vamos pedir pra Madame Pomfrey resolver isso. – Dizia o professor enquanto o aluno agonizava.

Todos os demais estudantes saíram da cerca e a maioria deles seguiu Hagrid em direção ao castelo. Não foi o que aconteceu com Molly, que caminhou a passos duros em direção a Moriarty, empurrando-o bruscamente.

— Seu maníaco! Qual é o seu problema? – A garota estava com a face encarnada – Eu vi você lançando feitiço naquele hipogrifo!

Quando Sherlock, John, Sally e Lestrade perceberam o que estava acontecendo, Moriarty já tinha empurrado Molly no chão e sacado a varinha.

— Foi engraçado sim, quer ver? Rictusempra! – Ele entoou, e um jato de magia atingiu a lufana.

Molly começou a rir contra a sua vontade e se contorceu, sentindo a barriga doer. Kitty e Moran riam juntos, mas não pelo mesmo motivo. Nesse meio tempo, Sherlock já havia se aproximado furioso, e não era o único.

Finite incantatem! – O corvino apontou para Molly, e logo ela parou de rir, exausta.

— Greg, pera! – Era Sally tentando evitar que Lestrade fizesse algo mais que segurar Moriarty pela camisa.

O lufano deu um soco no sonserino, derrubando-o no chão. Kitty sacou a varinha, mas John foi mais rápido!

Tarantallegra! – O feitiço do grifinório acertou a garota e logo Kitty começou a dançar de um lado para o outro parecendo uma marionete nas mãos de um péssimo titereiro.

Moran apontou a varinha para John, Sally para Sebastian, Sherlock e Moriarty um para o outro.

— Densaugeo!

— Furnunculus!

— Locomotor Mortis!

— Everte Statum!

Um show de luzes encheu o picadeiro. Os feitiços ricochetearam por todos os cantos e logo todos eles estavam com dentes de castor, cheios de furúnculos, com as pernas presas ou caídos no chão. Os alunos que acompanhavam Hagrid viram a briga de longe e começaram a correr de volta para a cerca, querendo saber quem sairia vitorioso. Hagrid estava em pânico, sendo obrigado a ignorar tudo para garantir que Henry fosse levado logo à enfermaria.

E quem conseguiu ver tudo da masmorra foi Snape.

Continua