Por favor

Banheira II


Haru encarou-se no espelho em frente a pia com a inexpressão típica de seu rosto. Estava despido, prestes a entrar no banho. Se havia fofoca, significava que existia alguma coisa de errada. Haru tentou refletir na imoralidade que poderia estar causando sem perceber àquele menino. Está certo que trazer uma criança para dentro de sua casa para tomar banho consigo todos os dias era...

Haru trincou os dentes, não gostando da forma que pôs aquilo.

Tentou reformular a frase, mas Rin, já dentro da banheira, tirou-o de seus pensamentos.

— Quando o meu vai ficar assim?

— O que? – Haru se virou, mas foi quando flagrou o olhar do ruivo devorar seu membro exposto. Haru arregalou os olhos, mas logo os franziu de novo. A sobrancelha direita tremeu.

— Termine seu banho – limitou-se a dizer antes de sair do banheiro e trancar Rin no interior.

Era só o que lhe faltava... E depois ele quem seria o processado por assédio.

Um som de água jorrando ecoou por todo espaço seguindo um choramingar alto com o nome do mais velho. Atrás de Haru, a porta foi socada.

— Não me tranca aqui sozinho!! – O garoto manhoso prolongava as últimas sílabas chorosas. – Eu quero tomar banho com você!! Haru!!!!

Haru imaginou apenas o chão. Já devia estar todo ensopado. Respirou vagarosamente, mantendo a calma. Mesmo sabendo que teria mais um trabalho extra para fazer só por causa daquela peste.

— Se você não vier, eu não vou terminar esse banho! Nunca! Eu vou ficar aqui pra sempre!

Haru mal ouvia as típicas ameaças de Rin, só sabia que ele continuaria a choramingar por um longo tempo até desistir ou receber uma bronca séria. Mas desistir demoraria muito e Haru também não estava a fim de brigar de verdade. Só queria meter seu corpo suado e sujo naquela banheira deliciosa. A água o chamava. Dava para ouvi-la escorrendo no corpo do pequeno ruivo e caindo no chão molhado. Haru chegou a salivar.

— Eu vou entrar, mas você vai tomar seu banho sem ficar encarando os outros, ouviu? É falta de educação.

— Tudo bem! – concordou Rin em uma exclamação alegre. Haru ia por mais limites, mas nenhum outro lhe veio na cabeça agora.

Abriu a porta, mas foi surpreendido quando sua perna foi envolvida com rapidez. O abraço contente de Rin não durou um segundo e ele adentrou novamente na água. Haru suspirou e seguiu pelo mesmo caminho. Entrou na banheira, esparramando-se dentro dela. Entregou o sabonete nas mãos de Rin.

— Termine logo com isso.

Rin assentiu com um sorriso, se aproximando para pegá-lo. Todavia, mesmo após fazê-lo, não parou. Haru arregalou os olhos ao ver Rin avançando sobre seu corpo e passando o sabonete no seu peito forte. Começou a esfregar como um obediente servo.

— O... O que você tá fazendo? – Haru parou as mãos pequenas, estático com a surpresa.

— Ensaboando você.

— É pra você ensaboar você.

Rin franziu o cenho, deixando-se cair nas próprias pernas.

— Hãã? De novo?

— Que? – Haru estava confuso. Rin era uma criança aleatória e arduamente imprevisível. Haru suspirou para manter a calma. – Qual o problema?

— Quando a gente vai começar a ensaboar o outro como os irmãos adotivos?

— Que? Que irmãos adotivos?

— Do anime! A gente tem que fazer do jeito certo!

Haru massageou os olhos.

— Você não pode só terminar seu banho normalmente?

— Eeeeh... Eu não posso nem esfregar suas costas?

— Não.

Rin trincou os dentes e cruzou os braços, que bateram no tórax de Haru.

— Você é muuuito chato.

— Tá, agora se afasta.

Com a tez franzida, Rin obedeceu lentamente. Não tirou os olhos desafiadores nem um segundo dos de Haru enquanto deslizava para o outro lado da banheira. Quando suas costas tocaram a cerâmica, Rin deixou-a deslizar mais até afundar sua mandíbula e encarar Haru de baixo, como um predador prestes a dar o bote. Haru passou a mão no rosto cansado, tentando relevar o fuzilamento que recebia daqueles enormes olhos de fogo. Lidar com crianças não era fácil.

— Você é um golfinho – disse Rin rapidamente no segundo em que ergueu a boca da água. Haru pegou o sabonete, devagar, e começou a passar pelos braços.

— Ah é? Por quê?

Rin ergueu de novo a boca.

— Porque eu sou um tubarão.

— Hm...

Rin pressionou os olhos, posicionando-se de baixo da água. Não precisou de muita coisa para Haru perceber que estava prestes a fazer alguma coisa. Pular em Haru, talvez? Haru suspirou. Bagunça. Tinha que ser estratégico para evitar mais dores de cabeça. Finalmente cedendo, abriu os braços.

— Tudo bem, vem cá. Deixa eu ensaboar você.

Rin parou, desconstruindo sua posição de ataque. Sorriu largo.

— O que? Sério?! – mas mal terminara a pergunta e já estava colado em Haru de novo. – Hihihihi.

Haru passou o sabonete nos ombros do mais novo depressa. Quanto mais rápido, melhor. E menos culpado.

— Você ia pular em mim? – perguntou, meio distraído com pensamentos internos.

— Não. Eu ia fazer... Isso!

Rin puxou a mão de Haru para sua boca e mordeu com força a zona não ensaboada do pulso. Ia largar, mas como não viu nenhuma reação de dor no mais velho, apertou mais forte. Haru o observou.

— Um tubarão? – perguntou.

Rin mordeu mais forte ainda.

— Voxê nãum tha sentindon?

— É... – Haru pensou. – Parece uma estrela-do-mar pinicando.

Rin uniu as sobrancelhas revoltadas.

— Que?!

Num universo paralelo,

a mesma situação,

respostas diferentes.

De frente para a pia, Rin escovava os dentes. Já havia tirado as roupas, prestes a entrar na banheira que Haru já ocupava. O ruivo queria saber o que diabos aquelas velhas estavam falando sobre ele. A palavra “shota” saltou em sua mente como uma pedra dura acertando um muro. Rin negou com a cabeça: Não. Ele era um cara decente. E Haru uma criança inocente. Não havia maldade entre os dois.

Rin olhou para Haru, como se esperasse uma confirmação deste, mas o que viu o fez engasgar drasticamente. Haru, todo mergulhado com exceção dos olhos, fitava fixamente da bunda à zona pubiana do mais velho. Rin tossiu, lavando a boca com água enquanto recuperava o fôlego.

— Tá olhando pra onde, moleque? – A face de Rin estava corada pelo engasgar.

— Eu quero ser maior.

Rin passou a mão pela face, recuperando-se do choque.

— Quando eu vou ficar assim? – perguntou o mais novo.

— Quando você crescer.

— Hm...

O olhar de Haru persistiu, a intensidade sendo sentida pelo ruivo quase como um toque. Rin se irritou, não conseguindo evitar de esconder o membro com uma das mãos.

— Para de encarar, garoto! Vai terminar seu banho.

Rin saiu e fechou a porta do banheiro em um baque. Suspirou pesado. Ele deveria ter quebrado alguma lei só naquela conversa esquisita. Sua consciência pesou. Mas que diabos! Andou até a cama e se jogou no colchão. Será que durante todo esse tempo Rin estava pouco a pouco roubando a inocência de Haru? Era a primeira vez que o mais novo se mostrava tão... Rin procurou a palavra, mas preferiu deixar a frase no ar.

Iria mexer no celular até Haru acabar o banho. Após isso, iria tomar o seu próprio. Separado. Rin esperou.

E esperou.

Esperou mais. O celular até que o entreteve, mas o tempo daquele suposto banho estava bem maior que o normal. Rin respirou fundo, espantando a preguiça, e se ergueu. Andou até a porta silenciosa e a abriu, mas mal acreditou no que viu.

Haru estava praticamente no mesmo lugar, posição e o sabonete, shampoo e condicionador intocados na secura de suas prateleiras.

— Que quê cê tá fazendo? Ainda não terminou? Pelo menos já passou o sabonete?

Haru pensou um pouco. Quando falou, ergueu a boca para fora da água.

— Eu tava te esperando.

Rin fechou os olhos devagar, batendo na testa.

— Sabe... Pessoas como você morrem na natureza. Você é uma daquelas presas bonitinhas que parecem gritar “me comam”. – Mas, logo que soltou a última frase, Rin sentiu sua sujeira envolver ainda mais a pura criança que achava corromper. Se odiou fervorosamente. Que ótima escolha de palavras, estúpido!

— Como um golfinho? – Haru questionou, ainda pensativo.

— É, é. Como isso aí.

Haru gostou da comparação – era divertida. Ele se moveu discretamente na tentativa de imitar a essência do animal. Rin entrou na banheira com rapidez, querendo acabar logo com aquilo. Pegou o sabonete e deu para o menino, mas Haru, como sempre, demorou a reagir. Quando segurou o objeto, perguntou.

— E que animal você quer ser?

— Tsc. Nenhum, moleque. Termina logo isso.

Haru mordeu o interior dos lábios, se calando de vez. Rin estava zangado com ele. Talvez Haru tivesse o irritado demais. Haru sentiu vontade de sair dali para não atrapalhá-lo. Devia está atrasando Rin a fazer seus deveres do dia. Passou o sabonete de qualquer jeito, apesar de ainda manter os movimentos de sua típica calma. Depois o colocou de lado e começou a se enxaguar quase que imediatamente.

Rin percebeu o que acontecia. Culpa. Porque o ruivo tinha que ser tão grosso com uma criança que só estava pensando em brincar? Rin estava descontando injustamente nele sua culpa. Com um suspiro, cruzou as pernas, puxando o corpo pequeno por dentro delas. Haru deslizou e, de uma hora para outra, estava próximo do ruivo.

Rin pegou o sabonete mais uma vez e o passou nos ombros pequenos do mais novo. Haru enrubesceu não só pela repentina proximidade, mas pelo calor carinhoso daquelas mãos em si.

— Tudo bem, eu não sei que animal que eu sou. O que você acha? – Rin perguntou na voz calma, tentando se reaproximar do garoto. Haru gostou de ouvir o timbre grave e bonito do rapaz. Mais um ponto aonde queria ser igual a ele.

Haru deu de ombros. O contato das mãos grandes e firmes o deixava nervoso e feliz, mas ainda não estava seguro o suficiente para continuar a brincadeira. Rin percebeu e se inclinou, encontrando seus olhos. Deu um sorriso amigável.

— Vai, diz aí. Você deve tá calado porque me acha parecido com alguma coisa feia, né? Vai, põe pra fora.

Haru desviou o olhar para baixo, mas Rin ficou contente em identificar sua feição pensativa.

— Uma estrela-do-mar.

Rin riu, surpreso.

— Por quê?

Outra pausa.

— Porque ela é vermelha que nem seu cabelo. E pinica que nem seus dentes.

Rin alcançou os braços finos de Haru e esfregou a espuma.

— Massa. O golfinho e a estrela-do-mar. Fazemos uma boa combinação.

— E elas não comem golfinhos.

Rin franziu o cenho.

— Hã?

Por algum motivo, Rin sentiu um espetar no seu orgulho. Por algum estranho motivo, se sentiu em uma escala de rebaixamento no nível da estrela-do-mar.