Por cima

Leite com Torradas


Entrei no meu quarto com o almoço no colo e fui até o computador. Deixei o prato de lado enquanto o monitor acendia. Abri o tumblr, meus e-mails e o chat. Havia voltado da escola, assim que vi o carro chegando. Não que fosse incomum voltar de limusine. Digo, não naquela escola. Estudava em uma escola onde a alta sociedade confiava seus queridos filhos para aprender. Ou era isso que eles deviam fazer, e não fugir para a biblioteca do prédio D e poder finalmente fumar. Escondido, na escola, matando aula, fumando. Não estou culpando ninguém. Entendo como pode ser extressante carregar tantas responsabilidades de uma só vez tendo pais como esses, só acho errado eles não se esforçarem o quanto deviam nos estudos.

– Oi - digitei.

– Olá - me respondeu.

– Almoçando?

– Yep. Quer um pouco? - perguntei como de costume. Já sabia o que ele iria responder.

– Estou de dieta - escreveu brincando, como esperado.

– É claro que esta…

Dei uma garfada e quase engoli meu prato inteiro de uma vez. Não sabia o que era, mas estava muito bom. Dei mais umas duas bocadas e voltei para a tela.

– Já ouviu Sum 41?

– Na verdade não… - admiti.

No mesmo instante abri outra pagina e pesquisei sobre eles.

– São muito bons... Mudando de assunto, aposto que você nem tirou o uniforme ainda.

Olhei para baixo e ainda estava mesmo com aquela camiseta branca e a saia azul.

Puxei o laço do meu pescoço e comecei a desabotoar a camiseta. Indo até meu guarda-roupas, e mudando de blusa.

– Errou. Que pena - corri de volta para o computador antes que ele percebesse que estava demorando mais que o normal, e menti. Não era a primeira vez que ele conseguia adivinhar o que eu estava pensando ou fazendo. Nas primeiras vezes até que foram divertidas, mas depois passou a ser frustrante.

"Será que eu sou tão obvia assim?" pensei.

Apertei o "Play" e deixei tocando uma musica da banda que ele havia dito.

– Ah é? - escreveu, meio desconfiado…?

– Aham. Até os gênios erram um dia….

– Entendo. Assim como até as mais sinceras mentem um dia…

Fui pega.

– Como você faz isso? - perguntei mais irritada do que curiosa.

– Não sei… Sorte, talvez.

Acordei com o despertador do meu celular. Tateei o criado-mudo em busca do barulho, desesperada para desliga-lo, e tentada a voltar a dormir. O peguei e olhei o visor. Seis e quarenta. "Seis e quarenta? Como seis e quarenta?! Eu devia estar acordada a vinte minutos, que merda!"

Pulei da cama - mas não literalmente - e comecei a me trocar, colocando o uniforme limpo que havia separado. Ele estava em cima da minha cadeira de rodas, ao lado da cama. Assim que terminei, sai com um pouco de dificuldade e me sentei, pegando minha bolsa logo em seguida. Abri a porta do quarto e corri até a porta. Nossa cozinheira, a Bety, saiu da cozinha quando me viu descendo, com um copo de leite e torradas sobre uma bandeja.

– A senhorita não vai tomar seu café da manha?

– Estou atrasada. Sinto muito - disse recusando pegar a bandeja que ela me empurrava.

– Mas as suas pernas… E o leite… - disse entre sussurros meio desajeitados.

Mesmo eu já ter explicado milhares de vezes, essa mulher teimosa não entendia. Minha perda de movimentos nas pernas não tinha nada a ver com falta de cálcio ou qualquer outro tipo de coisa. Mesmo eu tendo feito todos os exames do mundo, nada explicava o fato de que não conseguia ficar de pé.

– E eu quero que a senhorita melhore… - disse ainda tentando me convencer a tomar o bendito leite.

– Ta… Ta bom - cedi.

Estiquei o braço e peguei o copo de leite. Olhei para o relógio da sala e já haviam se passado quinze minutos. Virei o copo e tentei beber a maior parte, mas tive que parar para respirar, deixando um pouco ainda na boca, o que fez minhas bochechas incharem. Coloquei de volta na bandeja e peguei uma torrada.

Voltei a me mexer, indo em direção ao jardim com a ajuda de um segurança que abriu a porta para mim.

Dei uma mastigada no pão. Como usava minhas mãos para andar, estava segurando a torrada com a boca mesmo, tendo que tomar cuidado ao comer, para não derrubar ou algo do tipo.

Assim que me aproximei do carro, o motorista saiu e me ajudou a me acomodar.

– Estamos atrasados, senhorita - murmurou, quase num sussurro.

– To sabendo - respondi no mesmo tom.

Ele fechou a porta e andou até o banco do motorista, ligando o carro e já dirigindo.

Minha primeira aula começava as sete e quinze. Ou seja, tinha menos de vinte minutos para chegar a escola.

Não que eu fosse uma maníaca por estudos. Eu só não queria viver as custas do dinheiro dos meus pais o resto da vida, como muitos pretendiam.

Estávamos quase parando, quando apareceu de repente um professor do meu lado da janela, acompanhando o carro até que ele parasse.

– O que é isso? - perguntei ao cara que estava dirigindo. Meu pai havia me dito seu nome, mas não conseguia lembrar.

– Liguei para a escola, dizendo que você estava chegando, e acho que eles entenderam que estamos atrasados. Só estão tentando ajudar - disse explicando, mas não de modo como se desculpasse. Era mais do tipo, "Não fique tão brava."

Dei uma pequena suspirada e esperei que abrissem a porta.

Estendi a mão para que me ajudassem a sair, mas em vez disso, me levantaram nos braços.

Tudo bem, não era tão estranho ser levantada assim, mas eu fui pega de surpresa! Era de se esperar que ficasse aterrorizada.

Me acalmei quando finalmente sentei em minha cadeirinha, mas não durou por muito tempo. Eles me levaram até minha sala, em uma velocidade um pouco mais que exagerada.

Quando chegamos, minha vontade era de explodir tudo. Havia dois professores ao lado, como se eu precisasse de escolta para chegar na sala.

– Chegamos… - disse ofegante o que estava me empurrando.

O outro abriu a porta bruscamente bem na hora que o sinal tocou, fazendo com que o resto dos alunos olhasse para mim. Já podia ouvir os sussurros que começaria sobre como era incapaz de entrar em uma sala de aula na hora sem a ajuda de alguém. E acredite, era mais ou menos isso que eles pensavam.

– O… Obrigada… - o inferno. Tentei dizer o mais normal possível, mas estava irritada a ponto de chorar de raiva. Não que isso acontecesse muito. Eu era bem controlada, na verdade.

"Se não fosse o motorista idiota, eu matava vocês. Agradeçam a ele…"

Meus punhos estavam cerrados sobre meu colo, amassando um pouco minha saia. Se eles não tivessem fechado a porta logo em seguida que saíram, eu teria fugido dali no mesmo instante.

Fui até minha mesa tentando não olhar para lugar nenhum. Eles começaram a cochichar, e por incrível que pareça, eu fiquei surpresa. Quero dizer, não era como se isso nunca acontecesse, ou que eu não estava esperando por isso. A professora encarregada da nossa sala entrou, e logo pediu para todos se acalmarem, dizendo que tinha um anuncio muito importante. Não consigo me lembrar o nome dela.

"Perfeito. O que não me falta agora são anúncios importantes…" pensei.