Por cima

Chá de Menta


– Outra vez? - perguntei a minha mãe, talvez alto de mais.

– Mais um pouco e a China te respondia - disse brincando.

– Isso não tem graça…

Quando entrei em casa, me deparei com ela sentada no sofá da sala principal, com uma xícara de chá de hortelã nas mãos - percebi pelo cheiro -, me esperando.

– Seja bem vinda, meu bebê.

– Claro… - disse desconfiada. Da última vez em que minha mãe esteve em casa, foi para me chamar para fazer uma participação especial em algum programa em que tinha sido convidada.

– Preciso de um favor seu - cantarolou, abrindo um sorriso. Um sorriso falso, se querem saber. Do mesmo jeito que faz quando atua.

– Do que se trata? - perguntei parando ao lado do sofá em frente a minha mãe. Tirei minha mochila do colo e a coloquei em cima de uma das almofadas brancas.

– Me convidaram para uma…

– Eu não vou - a interrompi.

– Festa! - exclamou, completando a frase. Achei que diria outra coisa…

Me ajeitei na cadeira, tentando parecer indiferente. Não era culpa minha se toda vez que minha mãe me visitava era por causa do trabalho.

– E então? O que eu tenho a ver com isso?

Ela bebericou seu chá, parecendo um pouco envergonhada, muito diferente de alguns segundos atras. Afastou a xícara de sua boca, pousando no pires em sua outra mão. Esperei paciente até que ela criasse coragem para voltar a dizer o que estava rolando.

– Eu preciso que você vá. Muita gente esta querendo te conhecer melhor. Você é cativante, filha - disse minha mãe, voltando a mostrar seus dentes perfeitos.

– Resumindo, você precisa reforçar sua imagem de mãe carinhosa - disse sorrindo, um pouco decepcionada. Pode parecer besteira, mas eu estava realmente achando que ela só queria passar mais tempo comigo. Quero dizer, que tipo de garota quer ir à uma festa com sua mãe? Eu só achei que não teria nada a ver com seu trabalho.

– Por favor, Laura. Por favor, me acompanhe na festa de inauguração do programa - disse ela, quase que suplicando.

Dei uma pausa, dando impressão que estava pensando a respeito, e quando estava pronta para aceitar, minha mãe não aguentou e explodiu.

– Quer saber? Eu sou sua mãe. Não preciso te pedir nada. Você vai - disse elevando a voz um pouco mais que o normal, se levantando do sofá. A xícara permaneceu na mesa.

Fiquei olhando ela sair da sala, pasma. "Como ela age assim e simplesmente vai embora?" pensei indignada. Era por essas e outras que me irritava com ela.

Subi para o meu quarto e bati a porta quando entrei, a trancando. Escutei minha mãe gritar algo no telefone. Liguei o computador e entrei nos mesmos sites de sempre.

Bety bateu na porta avisando que o almoço já estava pronto. Abri e peguei a bandeja com dificuldade por causa do copo balançando, a pousando no colo. Voltei a fechar a porta e vi a tela piscando. Era ele.

– Oi - ele me mandou.

– Oii - digitei de volta.

– Esta tudo bem? Dá ultima vez você não me respondeu.

– Eu estou bem sim… Aconteceu umas coisas daquela vez, mas esta tudo bem.

Ficamos conversando por quase duas horas. Ele me perguntou se eu estava almoçando, e se calças coloridas deixavam as pessoas mais homossexuais. Eu respondi sim. Para as duas.

Quando deu sete horas, minha mãe voltou para casa com um vestido branco nas mãos. Sei disso porque ela foi gritando "Estou com um vestido branco nas mãos, cuidado!", enquanto subia a rampa.

– Ah, vou ter que sair. A gente se fala amanha - ele escreveu.

Me despedi e desliguei o computador, dando uma longa espreguiçada em seguida. Uma batido forte, meio descontrolada vindo do lado de fora do quarto, talvez da minha porta. Antes mesmo que eu pudesse dizer algo, minha mãe abriu a porta de supetão e entrou em disparada, com aquele mesmo vestido. Logo de cara percebi que aquele seria o vestido que minha mãe havia escolhido para eu usar. Ela nunca viria pedir conselhos de moda para mim. Nunca.

Ele era… Um vestido. Branco. Não sei explicar. Devia bater em meus joelhos, havia renda nas mangas e na saia. Gola V, não muito inclinada, e com laços nos cantos da saia. A saia não era estufada e marcava a cintura.

– Vou parecer ter oito anos - disse à ela.

– Mas é claro que não! Só quero que pareça mais inocente - disse minha mãe.

– Caso eu fale alguma besteira? - perguntei, desafiando um pouquinho no tom.

– Ou que seja arrogante com meu chefe - rebateu. - E você vai ficar linda nele. Vou chamar alguém para te ajudar a se vestir - e saiu do quarto, apresando-se para se arrumar.

Havia pesquisado, e essa tal festa começava as oito e meia. Minha mãe precisava de uma hora e meia para se arrumar…

Eram nove horas quando chegamos. Obviamente, minha mãe preferiu uma limusine um tanto maior, mesmo portando apenas duas pessoas.

Era aquele mesmo motorista que nos levou até a festa. Antes de minha mãe descer pronta, nós havíamos conversado tranquilamente, como se eu não tivesse acusado ele. Coisa que eu normalmente não faço.

Ele disse que eu parecia ter acabado de sair da pré-escola, depois de um dia cansativo de pintura. Ri sarcasticamente e argumentei que não dizia que ele parecia um pinguim todos os dias, portanto, ele não devia fazer o mesmo. É, pinguim mesmo. Minha falta de criatividade é grande, ok?

Minha mãe saiu primeiro do carro, chamando toda a atenção dos fotógrafos, enquanto eu saia discretamente com a ajuda do meu amigo pinguim irritante. Ele me pegou novamente no colo. Não porque eu gostava, mas a pedido de minha mãe.

Ela estava usando um vestido longo e assim como eu, branco. A diferença era que seu branco era muito mais brilhante, chamativo e longo. Era um tomara que caia, com a saia cheia de rendas individuais caindo sobre o tecido básico por baixo, e estufado. Vários brilhantes espalhados em seu vestido e em seu cabelo. Estava preso em um coque desarrumado, junto a uma flor creme.

Ela pediu que a seguisse para o salão, e mesmo querendo explodir tudo aquilo, fui obrigada a seguir. Sério, ela foi me empurrando.

Não posso dizer que era um salão enorme, mas definitivamente não era pequeno. Ela foi andando em direção ao centro do salão, até parar ao lado de um senhor já de idade. Ele estava com uma mulher ao seu lado, aparentando ter mais ou menos a mesma idade que minha mãe.

– Boa noite, Sr. Hemsworth. Essa é minha filha, Laura. Laura, esse é o meu chefe, Sr. Hemsworth. É dele de quem eu falei antes. O homem que pode proporcionar uma das melhores coisas da minha vida - disse enfatizando a ultima parte, com aquele sorriso que todos amam.

Depois de apenas cinco minutos de conversa comecei a ficar entediada. Passei a pegar tudo que me ofereciam sob uma bandeja. Quando se esta com tédio, a coisa mais provável de se fazer é comer.

Passei o olho rápido em toda extensão do salão. Todos estavam vestidos formalmente, com belos ternos e longos vestidos de gala. Muitas vezes, alguém parava para cumprimenta-los. Tanto minha mãe, como o Sr. Hemsworth.

Tentei não acreditar. Pisquei alguma vezes e até dei uma olhada em volta mais uma vez para ver se não estava tendo alucinações.

Bruno estava sentado em uma das cadeiras da mesa atras do casal, onde se encontravam seus pertences. Ele parecia entediado. Disfarcei, como se não tivesse visto nenhum conhecido e voltei a balançar a cabeça, concordando em tudo que me era dirigido.

Às vezes minha mãe apertava meus ombros por dizer algo que ela considerava a "resposta errada", o que me deixava irritada e com dor nos ombros. Pelo canto do olho percebi que Bruno havia me visto mas, assim como eu, estava agindo como se não soubesse de nada. "Ser tímido é uma droga…"

Prestei mais atenção e vi que não era timidez. Ele não estava me ignorando. Só não queria conversar comigo fora da escola. Talvez ele tivesse finalmente percebido a falsa ignorante que eu era, e não quisesse mais olhar para mim.