Por Obra do Acaso.

capítulo 1- E de repente, sua vida vira de cabeça para baixo...


Os grandes olhos verdes de Celly observam com angustia o caos que se formava na recepção do hospital em que fazia sua residência. Passava das 2:00h da madrugada quando as primeiras pessoas chegaram precisando de atendimento às pressas. Haviam se envolvido em um tiroteio entre gangues rivais e agora, estavam gravemente feridos.

Aos poucos, aquele tipo de situação estava se tornando comum na Rússia, principalmente quando a posse de território se tornou motivo para uma grande guerra entre as quatro grandes facções.

Após respirar fundo, a loira iniciou os primeiros socorros nos pacientes que lhe apreciam clinicamente mais graves.

— Pressione assim, com força! Pedia ao homem, que para facilitar seu trabalho, ainda se mantinha consciente facilitando seu trabalho. – Continue até estancar o sangue!

E depois de dizer isso correu até outro homem, um pouco mais velho, que possuía uma das pernas em um ângulo anormal. Obviamente o fêmur estava fora do lugar, quebrado ao meio, não poderia fazer praticamente nada quanto a isso, então chamou a equipe responsável pelas cirurgias e ele foi levado.

Algumas horas se passaram e finalmente todos os pacientes estavam medicados e tratados, ao se ver sozinha dentro do consultório que lhe fora emprestado Celly olhou horrorizada para suas mãos e roupas ensanguentadas sentindo seu estomago revirar. Certamente teria insônia novamente aquela noite.

— e o pior é que não deveríamos cuidar de casos como esses! Murmurou para si mesma sentindo-se atormentada pela imagem que vira.

Estava exausta a um ponto que acabara dormindo na cadeira sem que sequer percebesse, mas logo foi acordada pelo barulho da porta de abrindo abruptamente, levantou-se num sobressalto recostando-se a parede a suas costas.

Por ela passou um homem alto e loiro de características britânicas, assustador olhando-a fixamente. Celly olhou para todos os cantos procurando alguma forma de fugir, mas para seu desespero a única forma de sair dali era pela porta que o homem acabara de passar.

— Venha comigo, sem gritos! Ele resmungou em um inglês forte já tirando um revolver do bolso do paletó preto.

Ao ver aquilo as pernas da jovem paralisaram de medo fazendo o homem se irritar ainda mais e lhe puxar pelo braço de forma bruta arrastando-a para fora do consultório. O corredor estava escuro e silencioso, ninguém os viu saindo, o único barulho que ouviam era o som que os saltos dos sapatos da aspirante a médica faziam ao tocar o chão.

Pouco tempo depois estava sendo jogada no banco de trás de um carro preto cuja placa fora deixada em estado inelegível.

— p-para onde está me levando? Finalmente teve coragem de perguntar, mesmo ainda tremendo de medo.

— Meu chefe está cheio de balas! Ele explicou ainda de forma rude, porém, um pouco mais calmo. – E você...- Fez uma pausa enquanto destravava a trava de segurança do revolver para logo em seguida apontar para sua têmpora. - Irá salvá-lo!

O carro foi estacionado e novamente Celly viu-se sendo arrastada novamente até chegar a uma luxuosa sala onde um homem de cabelos ruivos repousava sobre um grande sofá de couro negro.

— Faça o que sabe! O loiro alto falou arrastando a jovem pelo cabelo em direção ao chefe enquanto essa tentava soltar-se inutilmente.

— Não precisa ser tão rude, Sam! O homem ruivo murmurou de forma suave ao se sentar, sua expressão demostrava o quanto estava sentindo dor, mesmo tendo o rosto escondido pela penumbra do cômodo.

– Deixe-me explicar o que faz aqui! Continuou com um leve suspiro. – Eu preciso que retire algumas balas que estão enterradas em meu corpo e será bem paga por isso!

Celly abriu a boca sem saber como se portar diante daquela situação, principalmente após perceber que se tratava de Tiranus, um dos mais perigosos traficantes do mundo e que estava sendo absurdamente gentil consigo, por algum motivo. Ele era completamente diferente do que as pessoas comentaram, suas roupas eram sociais e de grife, e aparentava ser um simples executivo, tirando o fato de estar cheio de sangue e arranhões.

— Pela sua cara de espanto já sabe quem sou! Tiranus concluiu mostrando sua blusa branca de manga cumprida, agora tingida de sangue carmesim. – Você poderia tirar minhas balas agora? Faz quatro horas que estou sentindo dor!

— Eu não tenho permissão para atuar como medica, sem supervisão! Celly finalmente conseguiu responder sentindo-se um pouco mais confiante diante dele. Tomou coragem e aproximou-se lentamente e começou a verificar o seu abdômen ferido e por um momento esqueceu-se de com quem falava.

— Sabendo tirar balas... até um taxista serve! Sam resmungou do seu canto de onde observava tudo tão atento quanto um falcão.

— Acho que já pode começar! Completou se aproximando com uma bandeja inox, nela havia alguns equipamentos cirúrgicos, medicamentos e curativos.

Mesmo assustada com a aproximação do loiro, Celly cortou cuidadosamente o tecido que cobria o corpo de Tiranus que já estava deitado sobre o sofá novamente e vez ou outra virava uma garrafa de whisky diretamente na boca. Ela suspirou colocando um pouco de antisséptico no local e aplicou anestesia, respirou fundo e levou as mãos trêmulas ao bisturi começando a abrir um pouco mais o primeiro furo feito pela bala, deslizou o equipamento em forma de tesoura tateando até encontrar o artefato metálico e o puxou, tirando-o.

Tiranus se remexeu e fechou os olhos sonolento, mas nada disse. A anestesia parecia não ter funcionado completamente ainda, certamente por causa da bebida alcoólica. Celly olhou apreensiva para o loiro que continuava a olhá-la com atenção, mas que permanecia em silencio.

Respirou fundo e voltou-se a sua tarefa. Ao todo eram sete balas longas e pesadas, ao terminar, sentou-se no chão e olhando para suas mãos sujas de sangue novamente.

— E agora? O que faram comigo? Questionou temerosa diretamente a Tiranus que aparentava não estar sentindo mais tanta dor.

— Será levada ao hospital, não se preocupe! Eu sei reconhecer favores feitos a mim! Contou sentando-se no sofá e apontou uma maleta a seu subordinado com um manear da cabeça. Sam caminhou até ela, a pegou e logo depois abriu em frente a Celly que se assustou ao ver o que havia ali dentro.

— e-eu não posso aceitar! A loira tentou negar ainda apavorada.

— Dinheiro sujo de sangue bla bla bla...- Sam resmungou impaciente. - Jogue no lixo, dê as freiras... só pegue e fique quieta! Sam a cortou com uma cara de poucos amigos e já começou a arrastá-la de volta para o carro.

— pega leve com a moça Sam! Um outro rapaz, mais jovem e simpático falou chamando a atenção de Celly. Era alto, possuía olhos verdes, um pouco amendoados e seus cabelos castanhos ondulados. - é por isso que não arruma uma namorada... sempre grosso...

— cala a boca Alexis, se não quiser que eu faça isso! Sam rosnou para o outro homem puxando-o pela gola da blusa. O tronco foi tão grande que acabou derrubando o cigarro que Aléxis trazia entre os lábios. Quando o tecido levantou, a loira pode ver que todo o abdômen dele estava enfaixado com manchas de sangue.

— ai... 'tá' feliz? Aléxis resmungou acendendo outro cigarro. - você sujou as minhas roupas...

Celly observava tudo com curiosidade, aqueles dois pareciam adolescentes brigões e não traficantes perigosos e sanguinários, principalmente Alexis que mantinha um sorriso bobo estampado no rosto o tempo todo.

— vai observar se o Tiranus está bem! O loiro resmungou praticamente chutando o homem mais velho. Após dizer isso, arrastou Celly para dentro do carro e deu partida.

Depois de percorrer todo o percurso novamente finalmente Celly se viu em frente a escada do hospital onde estava anteriormente. Ao descer do carro, sussurrou timidamente que o loiro medicasse o chefe a cada seis horas. Sam apenas arqueou uma sobrancelha em descrença e foi embora deixando-a sozinha.

— Mais o que diabos foi isso? Se questionou esfregando as mãos nas têmporas que estavam incrivelmente quentes. Chegava a ser impressionante sua capacidade de atrair coisas estranhas para sua vida.

Viu seus colegas de turma saindo do hospital e os acompanhou indo embora, imaginando o quanto estavam absortos em suas próprias vidas ao ponto de não perceber que uma colega desaparecera por horas.