Uma variedade imensa de cores se espalhavam na mesa, lápis e canetinhas, com autonomia Juju arrumou uma lapiseira, borracha, folha branca para Marcelo e em seguida para ela mesma.

—O que vamos desenhar? – ela perguntou depois de encarar a folha por uns minutos.

—Não sei, acho que você entende mais de desenhos que eu...

—Hum... Vou fazer um desenho para dar para meu vô quando ele sair do hospital.

A pouco tinham ligado para Lucia, que informou o estado dos avós da menina, o quadro do senhor estava estável, a senhora já estava em casa, e havia alguém cuidando dela. Isso deixou Juju feliz.

—Então eu vou desenhar... –Marcelo estava sem saber o que fazer e com medo de que a menina perdesse a empolgação.

—Já sei você desenha alguma coisa para minha mãe! Ela adora ganhar desenhos, coloca tudo no mural.

Ele sorriu diante do jeitinho da menina que explicava tudo com propriedade.

—Boa ideia.

—Então vamos começar!

Tanto a menina quanto ele começaram a rabiscar no papel se deixando levar pelo momento.

Algum tempo e muitas cores depois haviam terminado.

—Ficou bonito? – ela mostrou o desenho de um jardim florido com flores sorridentes e no centro um velhinho sentado no chão com uma mão no coração do lado uma menininha chorando.

—Ficou bonito... Mas está um pouco triste...

—É que vou fazer outro, dai vai ser feliz, vou desenhar meu vô voltando para casa.

Marcelo percebeu que realmente o que aconteceu com o vô tinha mexido com ela, mas estava superando da melhor forma que conseguia.

—Quer ver o meu?

—Sim! – ela sorriu colocando os bracinhos cruzados sobre a mesa.

Ele mostrou o desenho e ela ficou olhando intrigada.

—Não entendi o teu desenho... É você?

—Sim, aqui sou eu. E essas duas aqui você sabe quem são?

—Acho que é minha mãe e eu... – no desenho ele tinha colocado todos dentro de um coração, os três de mãos dadas e num céu feito com nuvens azuis, um anjo de asas grandes olhando para a cena com um sorriso no rosto, bem como todos os personagens retratados.

—Sim... Você gostou do meu desenho?

—Acho que sim... – ela disse baixinho.

—Sabe que depois que vocês foram embora da minha casa o outro dia eu achei um desenho teu?

Ela não falou nada, baixou a cabeça e apoiou nos bracinhos cruzados sobre a mesa.

—Eu achei bonito teu desenho... Mas era meio triste assim com esse do seu vovô...

—Eu estava triste...

—Eu achei que você estava brava aquele dia.

—Também.

—Eu guardei teu desenho...

—Mostrou para minha mãe? – ela levantou a cabeça preocupada.

—Não, eu só guardei... –Marcelo levantou e pegou a na carteira um papel dobrado diversas vezes, abriu e colocou do lado do seu próprio desenho.

No papel o desenho era semelhante ao feito por Marcelo, os mesmos personagens e cores, o mesmo coração vermelho, mas o feito pela menina no dia do jantar frustrado era diferente em dois pontos, dentro do coração só tinha duas pessoas felizes, Marcelo e Bianca, do lado de fora uma Juju minúscula chorando, e no céu o anjo tinha a expressão de tristeza no rosto borrado pelas lágrimas que em algum momento, que nem ele ou Bianca perceberam, tinham caído.

Ela olhou os desenhos sobre a mesa e encarou Marcelo.

—Você estava muito triste mesmo...

—É...

—Por minha culpa?

—Sim...

—Juju, eu sinto muito, não queria que você tivesse passado por isso, e acho que nem a sua mãe.

—Eu sei... Mas eu tenho medo.

—Medo?

—Medo de ficar sozinha, sem a minha mãe.

—Ela nunca vai te deixar sozinha, para ficar com qualquer outra pessoa...

—Mas ela tinha ficado em Paris muito tempo, e foi trabalhar, e saiu com você muitas vezes...

—Querida, ela te ama tanto, lá em Paris só falava de você, e todas as vezes que sai com ela, sempre conta alguma novidade do seu dia... Esse anjo aqui é seu pai? O Julio?

—Você conheceu meu pai? – ela ficou curiosa.

—Sim, mas muito pouco, vi ele algumas vezes, mas nunca conversei com ele.

—Ele era legal...

—Eu imagino que sim.

—Mas ele foi morar no céu e eu era bem pequena. – ela baixou a cabeça de novo sobre os braços.

Marcelo se aproximou mais dela vencendo a distância que separava os dois na mesa.

—Juliana, eu não quero nunca, tomar o lugar do seu pai, eu quero ser seu amigo, e quero fazer você e sua mãe feliz, só isso... Não vou tirar ela de você jamais. Acredite em mim.

Juju olhou para ele meio em dúvida.

—Você jura?

Ele sorri.

—Eu juro!

—E vai ser como no seu desenho?

—Sim, sua mãe, você e eu, e seu pai vai continuar sendo seu anjo.

—A vovó Lica diz que meu pai tem asas grandes porque ele era um homem bom.

—Ela tem razão.

—Obrigada.

—Por que?

—Por me desculpar e por desenhar eu dentro do coração.

—Posso te pedir uma coisa?

—Sim.

—Você pode me dar um abraço? – ele disse abrindo os braços.

Ela sorriu e levantou da cadeira indo para os braços dele.

Marcelo não entendia muito do que um pai sentia, e não queria ser o pai dela, mas o coração bateu forte quando ergueu a menina colocando ela sentada em seu joelho ainda presos no abraço desigual. Eram muitas sensações novas que estava sentindo.

***

Domingo

Bianca abriu a porta de sua casa com cuidado, havia conseguido pegar a estrada perto das cinco da madrugada, e demorou o dobro do tempo para chegar, mas como estava tudo em silêncio imaginou que ainda estavam dormindo.

Largou a bolsa e a mala, no sofá, sentou tirou a bota que usava, e só de meias foi andando devagar até o quarto da filha.

Encontrou Marcelo adormecido numa poltrona todo torto, próximo da cama da filha que dormia meio descoberta e com a mão esticada para fora da cama, mãozinha que Marcelo segurava na sua.

Ficou por um tempo que nem saberia dizer quanto foi, olhando a cena emocionada. Até que a menina se mexeu e abriu os olhinhos, logo a encontrando.

—MÃE!!!!!!! – ela gritou assustando Marcelo que acordou na mesma hora, e saltando nos braços de Bianca.

—Oi minha princesinha! – Bianca se ajoelhou para receber o abraço. – Meu Deus que saudade! Deixa eu ver você!

Ela pegou o amparou o rosto dela em suas mãos.

—Mãe, sabia que fizemos um bolo de chocolate com cobertura e tudo para você?

—Nossa! Com cobertura e tudo? – Bia disse olhando de lado para Marcelo que sorria bobo observando as duas.

—Sim! E eu comi um pedaço para ver se estava bom, porque eu sou a provadora oficial.

—Provadora oficial é? E dai dona especialista, estava bom esse bolo?

—Sim! A cobertura ficou meio dura, mas está muito bom!

—Meu amor, se vocês dois fizeram juntos, deve estar maravilhoso!

—A Juju além de provadora é a ajudando oficial...

Marcelo se aproximou delas, Bianca levantou e deu um abraço nele.

—Obrigada! – ela disse no ouvido dele. –Muito obrigada por ser tão maravilhoso.

—Mãe, mãe! – Juju puxou o casaco de Bianca. – Você não vai dar um beijo no Marcelo?

Bianca ficou encarando a menina com espanto.

—Vou, vou dar um beijo no Marcelo. – disse dando um beijo nele, um beijo cheio de sorrisos.