Mais uma vez, o som de um pedaço de papel sendo amassado e jogado no chão fez-se presente no apartamento silencioso até demais.

O vermelho tapete felpudo possuía exatas cinco bolinhas de papel e, deitado nele, estava um rapaz de ruivos cabelos medianos, adereços nas orelhas e tatuagens espalhadas pelo corpo.

"Por que eu não consigo escrever nada?" questionou-se pouco antes de seu celular apitar.

O rapaz estendeu o braço para pegar o aparelho e viu ser um áudio de seu produtor.

"Castiel, como anda a nova música? Precisamos..." não esperou o som acabar para jogar o aparelho de volta na cama.

"Vai pra... Argh!" xingou.

Castiel era um músico na mais pura ascensão. Suas músicas tinham inúmeros acessos, tocavam em todos os cantos e possuíam uma enorme quantidade de fãs. Todavia, vinha sendo difícil escrever canções novas, mesmo que seu principal tema fosse amor, algo que vivenciava.

"Por que antes era tão mais fácil? Eu sou casado com o amor da minha vida e não consigo colocar isso no papel!" reclamou.

De repente, a porta do apartamento se abriu e entrou uma mulher de longos cabelos castanhos ao lado de um animado cachorro cinza. Aquela era Lynn, sua esposa, junto de Panqueca, o cachorro.

"Por que você 'tá deitado no chão?" perguntou tirando a guia do cão, que logo foi pular no dono.

Castiel se sentou, acariciando o cachorro.

"Porque eu não consigo escrever nada! Nada!" respondeu.

"Talvez você precise de um pouco de inspiração. Posso te ajudar com isso!" Lynn disse enquanto se aproximava do marido.

Castiel sorriu malicioso.

"Isso foi um daqueles seus convites deliciosos?" perguntou e ela riu.

"É delicioso, mas não como sua mente pervertida pensou! Amor, é difícil se inspirar olhando apenas para as paredes deste apartamento, que alguém claramente deveria ter arrumado hoje." respondeu, jogando uma indireta ao fim.

O ruivo estendeu os braços em rendição.

"Em minha defesa, eu fiquei horas tentando escrever alguma coisa." defendeu-se.

"Às vezes, fazer faxina pode te inspirar." Lynn comentou e o marido riu.

"Me inspirar? E eu escreveria o quê? Uma história de amor entre uma vassoura e um rodo ao som de rock?" zombou.

Lynn deu de ombros.

"Seria uma bela história de amor. Enfim... vamos dar uma volta pela cidade! Eu, você e o Panqueca!" exclamou.

"Amor, você quer realmente colocar o Panqueca no carro? Sabe que ele se empolga quando vê alguma coisa interessante na rua. Da última vez, ele tentou pular a janela pra perseguir aquele pug." o músico lembrou.

"Pra isso temos alguém com braços fortes e pulso firme, vulgo eu." Lynn respondeu enquanto forçava os braços, estilo fisiculturista, para fazer seus músculos saltarem.

O marido gargalhou antes de se levantar e, sem mais nem menos, tirá-la do chão ao abraçá-la.

"Eu te levantei como se tirasse uma tábua do chão, acho que meus braços são mais fortes." provocou.

"Mais tarde, eu vou te mostrar quem é a tábua! Mas, agora, vai se arrumar! Que já sei até aonde nós vamos." a mulher rebateu e ele a beijou.

"Aonde?" perguntou.

"É uma surpresa." a mulher ocultou.

*

Para a surpresa de Castiel, Lynn não dirigia em direção a algum bar conhecido por eles, e sim para uma das ruas mais movimentadas àquela hora, cerca de seis da tarde.

"Por que estamos no centro da cidade?" perguntou.

"Sabia que existe beleza no cotidiano? Só que nunca temos tempo ou sensibilidade suficiente para perceber?" Lynn perguntou sem tirar os olhos da rua.

O rapaz revirou os olhos.

"Esses papos do Zaidi não fazem muito sentido pra mim, Lynn." o músico respondeu.

"Olhe em volta. O que você vê?" perguntou.

Castiel olhou.

"Nada demais. Só uma rua cheia." respondeu simples.

Lynn bufou.

"Pra um músico, você não é nada sensível, Castiel! Por exemplo... olha aquela barraquinha de frutas!" apontou para uma barraca que vendia frutas.

Castiel olhou, havia frutas de diferentes cores e tamanhos. Não viu nada além daquilo.

"O que exatamente tem de legal nela?" perguntou.

"Repara nas cores e nas frutas. Tem um contraste de cores, tamanhos e até de sabores! Não é maravilhoso?" a mulher comentou sorridente.

Castiel estreitou os olhos. Tentava enxergar como Lynn, mas, para ela, parecia ser mais fácil.

"Desculpe, Lynn, mas isso não faz sentido nenhum pra mim." confessou e ela suspirou enquanto estacionava o carro. Havia tido uma ideia.

"Já volto." ela disse pegando sua bolsa e saindo do carro.

Castiel olhou para Panqueca.

"Amigão... o estresse da galeria ‘tá deixando sua dona maluquinha." comentou girando um dedo próximo à cabeça e logo levou seu olhar à rua.

Grande parte dos trabalhos de Castiel ocorriam à noite, então, dificilmente estava na rua àquela hora. Era diferente ver o grande fluxo de pessoas e as várias barracas de rua presentes no centro. Não pôde deixar de observar um cantor de rua, que tocava guitarra em troca de dinheiro, e se lembrar de si mesmo, no início da carreira.

"Não toquei na rua, mas já li muita bosta nos meus vídeos de cover no YouTube...." lembrou risonho, com certa dose de nostalgia.

De repente, Lynn retornou com duas frutas espinhosas de casca vermelha.

"Que fruta é essa? Parece as escamas de um dragão... ou um coração, sei lá." o rapaz perguntou de cenho franzido, nunca havia visto aquela fruta.

"Pitaia! Pelo preço que isso foi, deve ter ouro dentro. E elas são diferentes uma da outra." respondeu e ele riu.

"Diferentes? Pra mim são bem iguais." perguntou e a esposa riu enquanto virava as frutas, que estavam cortadas, de modo que ele visse a parte interna. Ambas tinham várias pintinhas pretas, mas uma delas era vermelha e a outra branca.

Castiel deu um riso.

"Olha... me surpreendeu." comentou.

"Pega a que a cor da casca é diferente, combina com você." Lynn sugeriu.

"E por que combina comigo?" perguntou enquanto pegava a fruta.

Lynn sorriu sapeca.

"Porque você parece ser ruivo, mas não é. ‘Tá bom que é meio óbvio que seu cabelo é pintado, mas vou manter piada." respondeu.

O homem piscou um olho de cada vez.

"Ainda bem que a galeria deu certo, Lynn. Porque se seu foco fosse humor... eu teria péssimas notícias." zombou.

"Sem graça! Prove a fruta." a mulher apontou para a fruta.

Castiel analisou a bela fruta em sua mão.

"É boa?" perguntou.

"Você vai descobrir agora. Mas, antes, que sabor você acha que tem?" ela perguntou voltando a dirigir.

"Sei lá... Tem cara de ser muito saborosa, assim como eu." respondeu.

Lynn deu um riso.

“Tá certo, senhor Saboroso. Vá em frente!” falou.

O rapaz cheirou a fruta antes de morder um pedaço, fazendo uma careta, em seguida, ao encarar a pitaia.

"Nossa, nada a ver!" comentou um tanto decepcionado e ela gargalhou.

"Por quê?" perguntou.

"Eu achava que ia ser um gosto muito diferente. Olhando pra ela... parece ter qualquer sabor, menos esse." o ruivo explicou.

"Por isso combina com você. Quando eu te conheci, você parecia ser só um menino revoltado, mas quando você se abriu pra mim... pude ver algo muito diferente do que imaginava. Você é minha pitaia, Castiel." Lynn comparou, acariciando o queixo do marido ao fim.

Os dois se olharam antes de gargalharem gostosamente.

"Apelido exótico! E olha que você já me chamou de Cabeça de tomate! Quando você me provou, também se surpreendeu?" ele perguntou.

Lynn sorriu maliciosa.

"Quando provei o que exatamente?" perguntou e ele riu.

"Depois eu que sou o safado, né? Pode ser meu beijo." respondeu e ela deu de ombros.

"Não sei bem o que imaginava, sinceramente. Você era bonitinho, mas era um porre! Me dava nos nervos!" revelou.

"E olha como é a vida! Ficou, namorou e até casou comigo, o suposto porre." o rapaz zombou mostrando a aliança ao fim.

A esposa riu.

"O mais incrível é que não me arrependo. Mas essa é a deixa para nosso próximo destino. Quer ir em algum lugar antes de irmos?" Lynn emendou.

Castiel ia negar quando seu olhar foi, novamente, para o centro, onde havia visto o músico de rua.

“Na verdade, tem um lugar!” falou.

Lynn deu meia volta e os dois retornaram até onde o jovem músico tocava guitarra sem muitas pessoas o assistindo.

“Me empresta seu óculos e aquela sua echarpe?” o ruivo pediu e ela entregou.

Castiel colocou seu disfarce e saiu do carro. Aproximou-se do músico e escaneou o código ali presente para fazer uma generosa doação.

“Tem talento, hein, cara? Desse jeito, você vai longe!” comentou, tentando mudar a voz.

O músico sorriu.

“Valeu, cara. É difícil, né? Mas... algum dia chego lá!” exclamou.

“Você se importaria se eu tocasse uma música? Eu arranho um pouquinho na guitarra, a gente pode tentar fazer um dueto.” sugeriu e o jovem riu.

“Claro, mas não sei se ‘tô podendo dividir o lucro. Isso se alguém me der alguma coisa, ‘tô aqui faz um tempo e olha... ‘tá difícil.” aceitou.

Castiel posicionou a guitarra e começou a tocar uma música popular. O músico de rua cantava bem e parecia surpreso com a facilidade do outro com o instrumento. Em questão de minutos, o ânimo havia crescido e os dois faziam uma verdadeira performance, o que atraiu público.

O ruivo se divertia com a apresentação na rua e Lynn filmava tudo. De súbito, Castiel devolveu a guitarra e fez um gesto para que o outro continuasse. E ele continuou.

Com isso, Castiel voltou para o carro e tirou seu disfarce.

“Eu achei que você ia mostrar sua identidade.” Lynn comentou e ele riu.

“Não... eu queria curtir o momento sem ser o Castiel, queria ser só um anônimo mesmo. E acho que o cara se divertiu. Bom... aonde vamos agora?” perguntou e ela sorriu.

“Você vai gostar!” falou voltando a dirigir.

Castiel sorria enquanto olhava a rua e comia o restante da pitaia, até que havia gostado da fruta. O dia começava a dar espaço à noite e as luzes da cidade começavam a surgir, junto do clima menos quente.

O carro novamente estacionou, desta vez, em frente à Sweet Amoris.

"Há! A escola!" ele comentou com um riso.

"Onde tudo começou!" ela disse risonha enquanto colocava a guia em Panqueca.

Os três saíram do carro e, por alguns segundos, olharam para o prédio, cujo portão estava aberto.

"Tanta coisa aconteceu nessa escola..." a mulher comentou nostálgica.

"É... É estranho imaginar que eu conheci o amor da minha vida na escola! O lugar que eu tanto odiava." Castiel refletiu.

"Amor e ódio andam lado a lado. Essa é a única explicação pra eu ter me apaixonado por você." Lynn brincou.

"Não, é porque eu sou um sonho de consumo." Castiel disse antes de se beijarem.

Durante o beijo, Panqueca conseguiu se soltar da guia e correu para dentro do colégio, perseguindo um gato.

"Panqueca!" os dois gritaram, mas foram ignorados.

O casal conseguiu entrar e começaram a procurar o cachorro.

"Até hoje esta escola é um labirinto quando precisamos achar alguém! Se eu gastasse dois pontos de energia quando tivesse que me mover, eu demoraria dias pra conseguir achar alguém." a mulher comentou olhando ao redor.

"Seria pior se gastasse por diálogo. Você se metia em coisa demais, Lynn! Eu lembro que você queria que eu assinasse uma folha e ficou me enchendo por causa disso." Castiel lembrou e ela riu.

"O Nath que tinha pedido, mas aí eu desisti e ele ficou puto comigo. Enfim... Ajudei muita gente! Até a diretora." a mulher esclareceu e ele riu.

"Ia falar disso agora! Eu lembro quando você teve que correr atrás daquele cachorro dela." lembrou e Lynn riu.

"Acontecia umas coisas muito nada a ver comigo! Ah, ó ele ali!" exclamou apontando para o cachorro, que havia ido para o clube de jardinagem.

Os dois foram até lá e conseguiram pegar o cão e colocar a guia.

"Pegamos você, rapaz! Não pode fugir assim, Panqueca!" Castiel repreendeu.

Lynn olhou com um sorriso para o jardim.

"Castiel! Foi aqui que nos beijamos pela primeira vez!" lembrou.

"Eu lembro. Você tinha dado uma de rebelde, saiu escondida e seu pai ó... me xingou tudo! Garotinha... você sabia ser rebelde." ele completou.

Lynn sorriu nostálgica com o apelido antes de beijá-lo com carinho. Panqueca, ciumento, embolou a guia nós dois, derrubando-os na grama e pulando nos dois, que começaram a rir.

"Não gosta de demonstração de afeto, amigão?" Castiel questionou.

"Ciumento igual ao dono!" Lynn brincou.

Os dois não ficaram muito, não queriam se encontrar com a diretora. Ao retornarem ao carro, Castiel estava sorrindo.

"E agora? Pra onde vamos?" perguntou animado.

"Pro parque, nosso Panqueca também merece revisitar um lugar que tanto ama." Lynn respondeu e o cachorro latiu.

"Revisitar? Falando assim, parece até que ele nunca vai lá, sendo que ele vai lá só todo dia! Foi hoje, inclusive!" Castiel lembrou.

O cachorro latiu de novo.

"Eu menti, Panqueca?" ele disse se virando para o cachorro.

Lynn riu.

"Isso mesmo, Panqueca! Não deixa ele tirar seu direito de visitar seu amado parque." comentou.

Panqueca latiu de novo e o casal riu.

*

A lua já estava no céu e o parque tinha as luzes acesas. Como Panqueca era um visitante assíduo, podia ficar sem a guia por alguns minutos e explorar o local.

Castiel se sentou em um banco e, enquanto Lynn ia comprar uma garrafa de água, ficou observando o local. Frequentava ali com muita frequência, mas nunca percebera o quanto o local era bonito sob a luz do luar e brisa fresca.

"Acho que entendi o que ela quis dizer com beleza do cotidiano..." balbuciou.

Seu olhar se voltou para a esposa, que conversava amigavelmente com o vendedor de água, e sorriu. Não via sua vida sem Lynn.

"To summertime from winter chills

I’m true to you, and I’ll always be

Please be mine, please, come with me…" cantarolou um trecho de "she's back", uma das músicas feitas exclusivamente para Lynn.

Ela retornou e ele sorriu gracioso.

"Que cara é essa?" perguntou se sentando ao lado dele.

"O que acha que teria acontecido se você não tivesse voltado pra cidade?" perguntou de repente.

Lynn deu de ombros.

"Você estaria solteiro, não teria escrito she’s back e não teria provado uma pitaia." respondeu.

"É sério, Lynn." ele disse.

"Eu não sei, Castiel. Considerando as loucuras que acontecem na minha vida, não me surpreenderia se eu te encontrasse de novo. Às vezes, eu acho que o destino queria a gente junto." respondeu.

O ruivo a abraçou carinhoso e manteve o abraço lateral enquanto observavam a rua movimentada. Com Lynn ao seu lado, tudo parecia mais bonito.

*

Ao voltarem para casa, Castiel começou a escrever enquanto a esposa tomava banho. Nunca havia escrito uma letra de música em apenas um dia, mas como as ideias surgiam, escrevia freneticamente.

Em questão de dias, a letra já possuía uma melodia e a aprovação dos membros da banda. A música falava da beleza que o cotidiano ganhava ao lado da pessoa amada com partes da experiência vivida e toques de um rock mais leve, mais amoroso, mas sem deixar de lado a essência do grupo.

Estava quase tudo pronto para o lançamento, mas faltavam duas coisas: um nome e a opinião de Lynn.

"Como você conseguiu falar sobre pitaia na música e ainda sim ficar bom, Castiel?" a esposa perguntou risonha.

"Eu me perguntei a mesma coisa." Léo disse risonha.

"Idem! Mas eu gostei.” Gabin disse animado.

"Essa letra foi escrita em uma hora, é meu recorde! Amor, a sua opinião é a mais valiosa agora." Castiel sorria com expectativa.

Lynn fez mistério.

"Eu... Amei!" exclamou animada e os demais gritaram animados.

"Mas e o nome?” Gabin perguntou.

"Em tinha pensando em She is here. Se Lynn não estivesse aqui... Não sei o que seria de mim." confessou e os demais exclamaram um "ownt" enquanto Lynn sorria.

"Que fofo!" Gabin disse risonho.

"Aoo, Pitaião!" Léo zombou, fazendo os demais rirem.

Lynn abraçou o marido.

"Eu gostei do nome. E também não sei o que faria sem você, amor." Falou.

"Eu te amo, Garotinha!" Castiel se declarou.

"Eu também te amo, Cabeça de Tomate!" Lynn retribuiu.

Os dois trocaram um riso antes de selarem os lábios com um beijo apaixonado.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.