Pesadelo do Real

Capítulo 25 - Desespero


"A esperança seria a maior das forças humanas se não existisse o desespero."

~ Victor Hugo

Capítulo 25 - Desespero

Monalisa não sabia exatamente o que estava fazendo, mas conversar com Ariadne seria sua última alternativa. Juntando dois mais dois, lembrando das mentiras que sua própria mãe contou, a insistência para fazê-la evitar a garota, toda aquela conversa sobre ela ser um vírus...não havia mais dúvidas: seu guia verdadeiro só podia ser Ariadne ou pelo menos estar ligado a ela.

- Monalisa? Mas o que aconteceu de tão grave? - fala Ariadne no telefone, agora mais desperta e com uma voz preocupada.

- Não dá pra falar por telefone...eu preciso falar pessoalmente com você...por tudo que há de mais sagrado! - grita a mocinha, enquanto corria desesperadamente pelas ruas na direção do prédio da ruivinha.

- Mas...a essa hora? É tão urgente assim? - pergunta Ariadne.

- Muito - diz ela. Apesar disso, Monalisa começa a pensar e lembra que mesmo falando com Ariadne não teria garantias de que conseguiria ativar qualquer evento com ela. E ela não teria tempo de dormir, sonhar e receber alguma pista. Mesmo assim, precisava tentar. Tinha só até meia-noite, e considerando desde o momento que fugiu da festa até agora, eram apenas trinta minutos.

- Certo - responde Ariadne - Estarei te esperando na entrada do prédio.

- Obrigada - agradece a loirinha, continuando sua corrida e ignorando todas as pessoas por quem passava. Não havia tempo a perder!


Por fim, ela chega à entrada do prédio da colega. Era um edifício alto, em um bairro relativamente nobre da cidade. Possuia uma pequena área verde, com pequenas árvores devidametne podadas, iluminadas por uma luz também verde que dava um efeito bonito. A menina segue em direção à portaria, mas não precisou ter o trabalho de chamar por Ariadne: ela já estava ali, vestindo uma calça de moleton, blusa velha e chinelos com meias. Monalisa sorri ao vê-la.

- Graças a Deus! - suspirou Monalisa ao vê-la - Preciso falar com você...

No entanto, parecia ter alguma coisa errada. Ariadne parecia séria, sem ao menos esboçar a preocupação que deixou transparecer no telefone minutos atrás. Mesmo assim, Monalisa não prestou atenção nisso e usava todo o seu esforço mental para dar uma explicação que fizesse sentido.

- Escute...Ariadne...você pode achar que estou ficando louca, mas preciso muito da sua ajuda...mas, eu não sei bem como você pode me ajudar, mas você é a única que pode me ajudar, entende? Claro que não...devo estar parecendo louca...desculpa, mas...mas...eu não sei! Apenas me diga alguma coisa!

- Nada do que você diz está fazendo sentido - diz Ariadne.

- Eu..eu...droga! Você nunca vai acreditar em mim se eu falar o que está acontecendo assim, diretamente. Mas eu não sei como te falar...droga! Não tem como..eu...

- Não precisa dizer nada - diz Ariadne, ainda mantendo sua expressão séria - Eu sei exatamente o que está acontecendo...

O quê? Ela disse isso mesmo? Monalisa vê uma pequena chama de esperança! De alguma forma, ela deve ter ativado um evento, mesmo sem saber exatamente o que fez. A forma de falar dela parecia bastante solene e séria, então algo deve realmente ter sido ativado. Um pouco mais aliviada, Monalisa tenta falar com mais calma.

- Você está mesmo falando sério? Sabe tudo que está acontecendo e...

- Aqui não é um bom lugar para conversar - diz a ruivinha, ainda de forma séria e fria - Por favor, venha comigo.

Enquanto passa pelo portão, a loirinha percebe que a portaria estava vazia, mesmo sendo tão tarde. Será que isso também fazia parte do evento? De qualquer forma, Monalisa precisava encontrar uma saída o mais rápido possível, já que só tinha cerca de vinte minutos até o código Cinderela ser ativado definitivamente e tudo se perder para sempre. As meninas entram no elevador. Ariadne não dizia uma palavra. Monalisa também mantém o silêncio. Imaginava que deveria falar apenas quando chegasse onde Ariadne queria. Por fim, elas chegam no último andar do edifício, onde a ruivinha entra em uma porta que leva a algumas escadas subindo. As duas sobem as escadas e chegam à cobertura do edifício. A loirinha começa a sentir um arrepio e um péssimo pressentimento.

- O-Onde estamos? - pergunta Monalisa.

- Na cobertura do meu prédio. Creio ser o melhor lugar para falar tudo que tenho para te dizer - responde Ariadne.

- Sim. É isso. Ariadne, eu...eu não sei o que fazer! Acabei caindo em uma armadilha e...

- E ativando o código Cinderela. Sim, eu sei...

- Você...é a minha guia de verdade, não é?

- Sim. Eu sou sua guia, Monalisa - responde a ruivinha - Eu sou sua guia verdadeira para sair do Labirinto.

Monalisa se sente aliviada e sorri. Sua vontade era chorar de alívio, mas não era hora para isso.

- Agora tudo faz sentido...minha mãe não queria que eu saísse e me pediu para ficar longe de você. Desculpe. Eu não sabia.

- Sim...eu sempre fui sua guia - continua Ariadne, meio que ignorando o que Monalisa estava dizendo - Mas eu não era consciente disso.

- Como? Mas você não faz parte do Labirinto? Devia saber disso o tempo todo e...

- Não. Eu não sabia. Sou o único elemento do Labirinto que não sabia sua função antes de um evento definitivo ser ativado.

- Espere aí, quer dizer que...

- Sim. Eu não sabia a verdade até você ativar o código Cinderela e depois falar comigo. Feito isso, tudo ficou claro na minha mente.

Isso era sério? Então, Ariadne era tão alienada quanto ela. Isso não a tornaria uma vítima do Labirinto também? Não era hora para pensar nessas coisas. Monalisa teve muita sorte de conseguir ativar o evento de Ariadne e agora precisava desativar o código Cinderela o quanto antes.

- Tudo bem, tudo bem, mas agora todas sabemos a verdade - diz a loirinha - Diga, então, o que podemos fazer para desativar esse código Cinderela?

- Nada

- O que disse? Nada?

- Não tem mais como desativar o código, Monalisa. Você já fez a sua escolha - explica Ariadne - O seu último sonho foi um último alerta para fazer a escolha certa, mas você preferiu ir à festa dos vírus ao invés de jantar com a minha família. Se tivesse agido diferente, poderia ter me despertado bem antes e poderíamos, juntas, criar um meio de sair do Labirinto.

- Espere...não...não pode ser verdade - gagueja Monalisa - Eu fui enganada...isso não é justo!

- Não é. Infelizmente você não conseguiu interpretar seus sonhos corretamente e escolheu os caminhos errados. Nunca ninguém disse que o Labirinto seria fácil.

- Não acredito - a loirinha cai ajoelhada, desolada novamente - Se eu soubesse...se pelo menos eu soubesse que você era minha guia...

- Você teve todos os meios para saber - a guia responde secamente - Não te disseram que sua guia era uma pessoa próxima?

Era verdade. Monalisa começa a refletir sobre sua família e amigos. Nunca se abriu muito com as amigas e mal falava com os pais. Quando foi alertada que a guia era uma pessoa próxima, certamente não se referiram à uma curta distância espacial e sim a pessoa mais próxima de seu coração. Lembrando de sua visita ao orfanato e da conversa que tiveram depois, ela admite que Ariadne foi a única pessoa com quem realmente conseguiu se abrir um pouco mais, a única pessoa com quem passou momentos em que simplesmente esqueceu que estava presa em um mundo mentiroso, a única que, mesmo por poucos instantes, fez com que ela sentisse uma sensação de paz.

- É mesmo...eu sempre achei sua presença estranha...mas era justamente por você ser diferente dos outros - desabafa Monalisa - No fundo, era tudo o contrário do que eu pensava...eram os outros que me faziam sentir mal e você fazia com que eu me sentisse bem...agora tudo faz sentido...Ariadne...é você que pode me tirar daqui...

- Pena que é tarde, não é? - a ruivinha continuava a falar - Você percebeu tudo antes da meia-noite e conseguiu falar comigo antes do código Cinderela ser ativado completamente...falar comigo nessa data ativaria meu evento como guia, mas mesmo assim...mesmo assim foi tarde demais.

- Não é possível - Monalisa continuava a chorar - Deve ter um outro jeito...tem que ter!

- Infelizmente...o código Cinderela irá fechar todos os eventos para você...exceto um

- Um? Qual? Mostre...qualquer coisa!

- Qualquer coisa, não é? Na verdade, é algo muito simples - fala Ariadne, dando as costas para Monalisa e dirigindo-se para o canto da cobertura. Lembre-se que elas estavam no topo do prédio, a metros e metros de distância do solo, onde o vento soprava forte, fazendo seus cabelos oscilarem sem parar.

- Ei...o que está fazendo? - pergunta Monalisa, sentindo o coração bater mais forte. Nessa hora, seu primeiro pesadelo, aquele primeiro maldito pesadelo, retornou à sua memória com toda a intensidade.

- Monalisa...minha única função no Labirinto é mostrar a saída para você. É verdade que o código Cinderela desativa todos os eventos, mas ainda existe um evento que você pode ativar uma única vez e sair do Labirinto para sempre.

- E-Espere...você não está falando... - a loirinha se interrompe. Ela sente uma náusea, uma tontura. Sim. Ela sabia exatamente do que Ariadne estava falando.

- Ora, Monalisa. Você nunca pensou nisso? Você nunca pensou no que significa "sair do Labirinto"?

- Não - a loirinha chacoalhava a cabeça de um lado para o outro em agonia - Por favor, deve ter outro jeito.

- Esse é o último jeito. Se você quer mesmo sair, basta fazer a coisa mais natural que existe...- não é nem preciso terminar a frase de Ariadne para compreender o que viria em seguida. O verbo é...morrer.

- Não! - grita Monalisa - Não pode ser! Impossível!

- Se morrer, não precisa mais viver nesse mundo...você terá saído do Labirinto - nessa altura, Ariadne já estava em cima do parapeito do prédio. Um vento seria suficiente para derrubá-la. Exatamente como em seu primeiro sonho.

- Saia daí, Ariadne! O que está fazendo? Por que está fazendo isso? - Monalisa parecia desesperada. Ariadne mantinha-se calma.

- Eu já disse, Mona...minha única função no Labirinto é te mostrar a saída. Como o código Cinderela fechará todos os eventos e eu já te mostrei o último jeito de sair...não me resta mais nada a fazer nesse mundo.

- Pare de brincar! Por favor, saia daí! - Monalisa implorava, enquanto cada vez mais lágrimas escorriam por seu rosto.

- Não tem com o que se preocupar, Monalisa. Não haverá testemunhas...você pode sair do prédio tranquilamente...ninguém vai culpá-la.

Mas os argumentos de Ariadne não melhoravam a situação em nada. Monalisa não conseguia segurar seu desespero.

- Não é isso! Eu não quero que você morra! Saia já daí!

A garota tenta se aproximar da ruivinha para impedi-la, mas um tipo de campo de força a impedia de se aproximar. Ela é jogada para trás. Tenta mais uma vez e mais uma vez não consegue. Parece que não havia mais volta.

- Uma vez que o evento começou, não há mais como desativá-lo.

- Por quê? Isso...isso não faz sentido nenhum! - exclamou a loirinha, ajoelhada no chão e derramando cada vez mais lágrimas.

- Eu sei - responde Ariadne - Mas é assim que tem que ser...E, olhe, será meia-noite daqui a um minuto...

Monalisa olha para seu celular. De fato. 23h59. Não havia mesmo mais volta.

- Não - murmura a loirinha. Tudo estava mesmo acabado.

- Isso é tudo. Adeus, Monalisa...

E essas foram suas últimas palavras. Diante dos pobres olhos desesperados de Monalisa, Ariadne se lança para trás, caindo abismo abaixo. Exatamente como no sonho. Dentro de um minuto, o código Cinderela seria ativado. Tudo estava acabado. Monalisa ainda grita em uma última tentativa de impedi-la, mas foi inútil. Ela já havia se jogado. Era isso. Teria que viver no Labirinto para sempre, carregando para sempre todos os seus erros e a culpa pela morte de Ariadne. Não havia mesmo jeito de voltar atrás. Era o que ela imaginava, até o momento em que passou a mão por seu bolso e sentiu algo diferente.

"O que é isso? Apareceu alguma coisa no meu bolso", percebeu ela, tirando de lá uma pequena esfera vermelha. Era o "olho" que o Mestre dos Relógios havia lhe dado. Nesse instante, ela se lembra do que ele disse...

"Você vai se lembrar de mim quando chegar a hora..."

Monalisa não sabia exatamente como ele poderia ajudar, mas sabia que ele era a única alternativa que restava. Seguindo seus instintos, ela apenas pega a esfera vermelha e a lança no ar. Nessa hora, um enorme clarão se forma no cenário. É difícil descrever o que ocorreu em palavras. Parece que um vídeo estava sendo rebobinado, ou um prédio sendo reconstruído ou um copo quebrado voltando a ser o que era antes. De repente, Monalisa abre os olhos e se vê em sua cama, ouvindo o barulho de seu despertador.

"O que foi isso? Um sonho?", pensou ela. Não, não parecia ter sido tudo um sonho. Tudo parece ter sido extremamente real. Monalisa tinha consciência de cada instante que passou até ali. Era detalhado demais para ter sido um sonho. Era como se tudo tivesse mesmo acontecido. Ao se sentar na cama e pegar seu celular, ela arregala os olhos e fica com as mãos trêmulas.

"Maio? Espere...não é possível! Esse dia...será que eu...realmente sonhei com tudo isso?"