Pesadelo do Real

Capítulo 11 - Quebra


"A dúvida é o princípio da sabedoria"

~ Aristóteles

Capítulo 11 - Quebra

Em seu quarto, Monalisa deixa as esferas de cristal em cima do móvel e lança um olhar fixo nas duas. Após alguns instantes observando o quanto elas se pareciam com olhos, ela lembra de pegar seu caderno de sonhos e anotar o pesadelo que teve. Podia se lembrar claramente: vestida em trajes de camponesa, tentou tirar água do poço, mas teve que pagar seu olho direito, arrancado por uma criança misteriosa. No entanto, ela recuperou a visão, mas agora seu olho direito foi substituido por um olho vermelho, como o da garota. Um sonho assustador e estranho. Para começar, a criança do sonho não relembrava em nada qualquer pessoa conhecida. Além disso, seu tutor anterior, o gato de Cheshire, havia dito que seu próximo objetivo dependia de duas escolhas: a esquerda ou a direita. Teria a ver com seus olhos? Mas arrancar os próprios olhos seria demais, não?

Enquanto anotava o sonho, ela volta a observar as esferas de cristal que recebera de sua mãe. Assim que fitou os dois objetos, sentiu que tinham algo a ver com olhos. O Labirinto é cheio de metáforas. Talvez aquelas bolinhas representassem o olho direito e esquerdo de seu sonho. Era difícil acreditar que precisaria arrancar o próprio olho para conseguir o que deseja. Bem, pelo menos foi o que deu para interpretar do sonho: o preço pelo desejo é um olho. Mas seu desejo não era água, então não podia ser literal. Devia ter algum símbolo. E sua intuição dizia fortemente que aquelas duas esferas tinham algo a ver com isso.

Ela observa atentamente as duas, pegando-as, jogando-as para o alto. Uma vermelha e outra azul. O gato foi claro em dizer que a esquerda levava ao Mestre das Chaves e a direita levava ao Mestre dos Relógios, fosse lá quem eles fossem. Qual deles deveria escolher? Bem, se seu objetivo é descobrir segredos, o Mestre das Chaves deve ser o mais apropriado. Imaginava que se alguém guarda chaves, deve saber como destrancar o que está trancado. Isso. Estava decidido. Procuraria o Mestre das Chaves.

Monalisa senta na cama e retoma as informações que tinha. A principal pista é que o caminho da esquerda levava ao Mestre das Chaves. Em seu sonho, deveria sacrificar um dos olhos para obter o que desejava. Assim que acordou, recebeu de sua mãe exatamente duas esferas de cristal de cores diferentes, cada uma com uma pequena esfera preta no meio, que rodava como as pupilas de um olho. Muito sugestivo para ser só coincidência. No entanto, as opções eram esquerda e direita, não vermelho e azul. Qual delas poderia representar a escolha certa e como ela poderia ativar o evento usando aqueles objetos? Isso se realmente aqueles objetos forem os verdadeiros, afinal, tudo estava fácil demais na visão dela.

"É mesmo...nada garante que seja isso mesmo que o sonho quer dizer", pensa Monalisa, sentada na cama e brincando de jogar a bolinha vermelha para cima e pegar de volta, "Mas eu sinto que essas bolinhas tem alguma coisa a mais...senti assim que bati os olhos nelas"

Nisso, a menina acaba deixando a bola cair no chão. Por um instante ela ficou pálida. Teria quebrado a esfera que acabara de ganhar? Mas assim que olha para o chão, vê ela ali. Inteira. Mas como? Não era feita de cristal? Deveria quebrar fácil. Se não quebrou...talvez fosse mesmo uma esfera especial.

- Monalisa! Você ainda não foi tomar banho? - diz a mãe dela, assim que passa pelo quarto e vê a filha ainda de uniforme, parada ali, pensando nos seus problemas pessoais (grandes problemas pessoais).

- Ah, desculpa, mãe. Eu já vou - responde ela. Não tinha muito jeito. Ainda teria que fingir que estava em uma família normal, ou ao menos próxima do normal, enquanto não saísse do Labirinto. A garota decide concentrar seus pensamentos nas esferas. A noite passa, após o jantar ela se tranca em seu quarto e continua a estudar os objetos, mesmo deitada debaixo das cobertas, sem chegar a nenhuma conclusão. Algum tempo depois, acaba adormecendo e os sonhos voltam a aparecer.

Parecia estar no mesmo ambiente. As mesmas roupas de camponesa, o mesmo balde, o mesmo vilarejo e caminhava para o mesmo poço. Lá estava a mesma menina, com uma ligeira diferença: dessa vez seu olho direito era azul e o outro verde. As duas travam o mesmo diálogo: Monalisa pede para tirar água do poço, a garota dá licença, ela não consegue tirar nenhuma água e a garota diz que deve sacrificar um olho. E entra agora mais uma diferença no sonho: dessa vez, a garota arranca o olho esquerdo de Monalisa. Mais uma vez, após o sacrifício do olho, Monalisa volta a enxergar. A criança pede que ela tire água do poço. A mocinha o faz e, ao fitar novamente seu rosto na água, vê seu olho esquerdo substituido por um olho azul. Em resumo, exatamente a mesma cena, mas agora com outra cor e outro olho. Todas as falas foram exatamente as mesmas, inclusiva a última, quando a garota enfatiza que nunca mais teria o olho oferecido.

Monalisa acorda de repente. Mais um sonho e idêntico ao anterior? Não, não era tão idêntico. Agora mudou. O olho arrancado foi o esquerdo e mudou para a cor azul. Da outra vez, era vermelho. Azul, vermelho. Seria isso? Se acompanhou bem seus dois sonhos, quando o olho direito foi sacrificado, foi substituido por um vermelho. Em contrapartida, quando o esquerdo foi sacrificado, foi substituido por um azul. Agora tinha certeza. Suas duas esferas de cristal só podiam ser os olhos dos sonhos e se queria mesmo encontrar o Mestre das Chaves, de acordo com as informações de Cheshire, precisaria escolher o olho esquerdo, ou seja, o azul. Mas como ativaria o evento? Quebrando a peça? Após anotar seu novo sonho, Monalisa tenta jogar a bolinha no chão mais uma vez, mas não se quebra. Não estava acontecendo nada. O que poderia fazer?

No dia seguinte, a garota leva as duas esferas consigo para a escola. Não conseguia tirar isso da cabeça. Como poderia ativar o evento com os olhos? Teria que atirá-los em algum poço? Mas não devia ser isso. Os sonhos não podiam ser interpretados literalmente. Já havia pesquisado na Internet algo sobre interpretação de sonhos e sabia que tudo é representado por algum tipo de símbolo. O problema é que esses símbolos seriam o que o Labirinto determinasse e se não tivesse pistas não poderia chegar a lugar algum. Um poço? O que um poço poderia representar? Pelo sonho, poderia representar o meio para conseguir o que desejava: a água. No caso, ela deseja se encontrar com uma pessoa. Como poderia achar o meio que levaria a esse desejo?

- Bom dia - diz Ariadne, a nova colega de classe de Monalisa e protagonista de outro de seus sonhos estranhos. Outro problema. Até agora, Monalisa ainda não sabia a importância daquela garota, embora soubesse que ela tinha alguma importância. E como.

- B-Bom dia - gagueja a loirinha, enquanto balançava suas esferas de cristal. Ariadne fica curiosa.

- Nossa. O que é isso?

- Ah, minha mãe me deu - explica a loirinha. A colega pede a Monalisa para vê-las e também olha atentamente para elas.

- Bonitinhas. Gostei dessa azul - comenta Ariadne - Entre azul e vermelho, eu fico com a azul.

- Ah...que bom que gostou - fala Monalisa, não muito animada - Dizem que elas trazem sorte ou algo assim.

- Você acredita nisso?

- Não muito - responde Mona, pegando as esferas de volta - Mas estou aprendendo a ter a mente mais aberta ultimamente.

- Sério? Isso é bom - fala Ariadne - A gente recebe tanta informação hoje em dia que é complicado ficar focado numa coisa só.

- Pois é

Monalisa não fala mais nada. Ainda tinha uma cisma com aquela garota. Qual seria o papel dela no Labirinto? Depois dessa breve conversa, Ariadne cumprimenta outra colega que chega na sala e, após alguns instantes, a professora de Inglês entra na sala. Aulas...coisa que Monalisa não estava nem um pouco interessada. Enquanto a professora falava, ela continuava a observar seus "olhos" e a pensar em como poderia ativar o próximo evento. O problema é que a sala também não estava colaborando muito com a aula e a professora não estava em um de seus melhores dias. Era uma docente jovem, pele clara e cabelos negros lisos, mas não era tão bonita de rosto assim. Entre pedidos de silêncio e broncas em alunos mais bagunceiros, a professora observa que Monalisa estava distraída com alguma coisa. Desconfiada, ela se aproxima da garota que, ao perceber isso, esconde rapidamente seus objetos.

- O que você está fazendo, Monalisa? - pergunta a professora.

- N-Nada - gagueja ela. Não estava acostumada a ter sua atenção chamada em sala, mas temia que a professora tirasse as esferas dela.

- Você está com alguma coisa no bolso, não está? O que é? - a professora continuava desconfiada. Monalisa tenta disfarçar mais um pouco até que pensa em algo que fazia bastante sentido.

"Espere um pouco", pensa ela, enquanto a professora continuava perguntando, "A professora nunca chamou minha atenção antes e se também faz parte do Labirinto, ela sabe o que eu tenho no bolso. Então...será que é isso?"

Por fim, Monalisa mostra sua bolinha azul. A professora disfaz um pouco sua cara de brava, mas pega a esfera da mão dela.

- O que é isso? - pergunta ela.

- É só...um enfeite - responde Monalisa.

- Bom, guarde isso e preste atenção na aula, por favor - responde a professora, que, quando vai devolver a bolinha à garota, deixa cair no chão. Só que agora, algo inédito acontece: ao cair, a esfera se quebra inteiramente. Monalisa arregala os olhos.

- Eeeeeh, professora! - gritam os alunos.

- Hã? Puxa...desculpe, eu não queria - ela tenta se desculpar, mas Monalisa não estava preocupada com a perda da bolinha e sim com o fato dela ter quebrado. Das vezes que a derrubou no chão da sua casa, ela nunca se quebrou, mas agora...só podia significar uma coisa: o evento foi ativado. Quais serão os próximos passos agora?