Pesadelo do Real

Capítulo 03 - Misteriosa


"No tear que tece nossas vidas não existem pontas soltas. Todos os fios estão entremeados entre si e revestidos de significado"

~ Yuko Ichihara (xxxHolic, CLAMP)

Capítulo 03 - Misteriosa

Era ela mesma. Os mesmos cabelos avermelhados, o mesmo tom de pele, o mesmo olhar que agora era lançado em todas os presentes na sala. Monalisa não podia acreditar em seus próprios olhos. Aquela nova aluna era igual, idêntica à menina que apareceu em seus sonhos.

– Qual é o seu nome? - pergunta a professora com um sorriso terno, colocando a mão no ombro direito da garota.

– Ariadne - ela responde finalmente. Até mesmo a voz dela era igual ao sonho.

– Um nome diferente - comenta a professora - Vamos ver...você pode se sentar ali, ao lado da Monalisa.

É o que Ariadne faz. A carteira ao lado de Monalisa estava vaga, aliás, sempre estava vaga. Algo que a garota sempre reparou em sua sala foi o fato de que as pessoas sempre sentavam nos mesmos lugares, mesmo que os professores não exigissem um lugar fixo. Nem mesmo o lugar de sentar numa sala muda. Mas não era essa a questão que ocupava a mente da loirinha agora. O problema era a presença daquela garota nova. Será que não estava sonhando de novo?

Ariadne senta-se ao lado de Monalisa, cumprimentando-a com um sorrisinho. A garota corresponde à saudação com outro sorriso leve, sem muito entusiasmo, ainda não conseguindo disfarçar sua admiração. Como podia ser tão idêntica? Monalisa tinha certeza de que nunca vira aquela menina na sua vida, a não ser no seu sonho. Simplesmente incrível.

Monalisa não conseguia tirar os olhos dela. Costumava ser bastante discreta, mas naquela situação era impossível não se admirar. Era certeza. Aquela garota tinha que ser a mesma do sonho. Só não estava com o vestido branco. Estava com o uniforme da escola, usando brincos, além de algumas pulseirinhas e um anel preto. Enquanto tirava seu material da mochila, dá de cara com os olhos espantados de Monalisa que, por sua vez, acaba ficando toda sem-graça de olhar desse jeito.

– Algum problema? - pergunta Ariadne.

– N-Não...desculpe - Monalisa se retrata timidamente - Err...já nos vimos em algum lugar?

– Acho que não - responde a ruivinha, de forma simpática, enquanto tirava caneta e lápis do estojo - Pelo menos não que eu me lembre

– Ah...tá. Deve ter sido só impressão minha.

– Acho que sim - ri Ariadne.

Parecia ser uma garota legal. A conversa não dura muito tempo, logo a aula se inicia e as duas se voltam para longas explicações de gramática. Mas a mente da loirinha não conseguia se livrar da associação de Ariadne com a garota de seu sonho. De fato, as duas nunca se viram na vida até aquele momento, mas a semelhança era inacreditável. Seria apenas coincidência?

As aulas foram passando, mas Monalisa não teve muitas oportunidades de trocar mais palavras com a aluna nova. Ou um colega mais extrovertido falava com ela, ou o professor chegava muito rápido para que se iniciasse alguma conversa, enfim, não conseguiu tirar muitas informações até a hora do intervalo, quando, após milésimos de segundo do toque do sinal, ainda mais alunos abordaram a novata, loucos de curiosidade para saber de onde ela era. Monalisa só podia ouvir por alto a conversa.

– Você é nova na cidade? De onde você veio? - pergunta um.

– Ah, não de muito longe. Sou da cidade vizinha. É que meus pais trabalham na mesma empresa e conseguiram uma oportunidade melhor na franquia daqui...então nos mudamos para cá - Ariadne responde de forma simpática. A resposta era mais comum do que Monalisa esperava, mas a loirinha sentia que tinha algo mais. Não sabia o que era, mas sentia.

Mesmo intrigada, Monalisa não podia fazer muita coisa. Ela pega uma caixinha de suco de maçã que trouxe de casa, agita e segue para o pátio ainda espantada com a semelhança. Muito curioso. Finalmente, algo de diferente parecia estar acontecendo, mas ela não sabia exatamente o que poderia ser. Será que seu sonho era um tipo de visão do futuro? Ela previu a chegada da nova aluna? Mas o sonho não se resumia apenas à imagem daquela garota. Aconteceram mais coisas. Podia se lembrar com clareza: a menina ruiva misteriosa disse as palavras "eu descobri a verdade" e se lançou abismo abaixo.

Intrigante, muito intrigante mesmo. Monalisa já ouviu falar que sonhos poderiam significar várias coisas, mas nunca havia acreditado muito em premonições e fenômenos sobrenaturais. No entanto, aquilo tudo não podia ser só coincidência. Ou poderia? Mas isso seria muito incomum. Pelo que parecia, finalmente algo incomum estava acontecendo em sua vida. Talvez nunca mais ocorresse algo tão curioso assim. Sim, aquilo tudo poderia não ser nada demais, nada além de uma coincidência interessante. Mas, por outro lado, talvez significasse mesmo alguma coisa.

– Ei, você - Monalisa ouve uma voz, enquanto descia as escadas com sua caixinha de suco. Ao se virar, dá de cara justamente com a razão de seus pensamentos. Era Ariadne.

– Oh...olá - ela cumprimenta timidamente.

– Ufa. Essa galera fala bastante, né? Só agora tive um pouco de sossego

– Ah, é que normalmente não entram muitos alunos no meio do ano - diz a loirinha.

– Entendo. Uma novidade sempre agita, né?

Monalisa concorda com a cabeça. Ela parecia mesmo legal e também comunicativa. Apesar de estar um tanto tímida quando chegou na sala, parece ter se adaptado rápido. Mas o que realmente impressionava era a semelhança com a garota do sonho. Simplesmente idêntica.

– Seu nome é Monalisa, né? - pergunta Ariadne.

– S-Sim - gagueja a loirinha, tentando parecer o mais natural possível.

– Você me perguntou se me conhecia de algum lugar, mas eu realmente não lembro. Foi mal.

– Imagine. Foi só impressão minha mesmo

– Ah, deve ser. Eu também vivo confundindo as pessoas. Isso acontece.

Monalisa sorri. O que ela podia falar? Contar seu sonho? Mas não seria de mal gosto contar que sonhou com uma garota parecia com ela que se jogou de um prédio? Ainda mais para alguém que acabou de se mudar para a escola. Ariadne parecia mesmo uma garota divertida, olhava as acomodações do colégio com curiosidade e empolgação.

– Nossa. Vocês tem até uma máquina de salgadinhos aqui? - repara Ariadne, ao olhar para a máquina no canto do pátio.Coloque uma moeda e retire o salgadinho que desejar.

– Ah, sim - responde Monalisa sem muita empolgação. Sim, eles tinham uma máquina de salgadinhos. E daí?

– Na minha escola antiga não tinha uma dessas. Que legal!

Monalisa apenas sorri levemente. As duas pareciam bem diferentes. Ariadne parecia interessada, curiosa e querendo ver tudo de novo em sua vida. No fundo, a loirinha a invejava por estar passando por uma mudança real em sua vida. E ela? O que tinha de novo? Apenas um sonho sem sentido que, talvez, não passasse de coincidência. Ver a empolgação da aluna nova começa a deixar Monalisa meio irritada.

– Então...a gente se vê. Até mais - diz a loirinha, jogando sua caixinha de suco fora e saindo de cena.

– Ah, até mais. A gente se vê na sala.

Ela sorri e segue para o banheiro. Lá, após lavar o rosto e respirar um pouco, começa a pensar de novo no seu sonho. Como ela pode ser tão igual a garota do sonho? E, ao que parecia, Monalisa não significava nada para Ariadne, caso contrário, talvez ela também teria a impressão de conhecer a loirinha de algum lugar. Mas pelo que parece, não era nada disso. Mesmo assim...a semelhança era grande demais para ser só uma coincidência.

Sem nenhuma resposta em mente, Monalisa passa o resto da manhã tentando se conformar com a situação. Afinal, por que ela sonhou com uma garota se matando? E por que surgiu uma aluna nova exatamente igual àquela garota? Ela precisava de uma resposta.

Algumas horas depois, o sinal toca e as aulas da manhã terminam. Ariadne arruma suas coisas e se despede de Monalisa simpaticamente.

– Tchau, Monalisa. Preciso correr...meu pai já deve estar me esperando e ele só tem a hora do almoço. Até amanhã

– Até - é tudo que ela diz, dando um sorriso.

As duas eram mesmo diferentes. Monalisa não estava irritada apenas por não ter uma resposta para seu sonho, mas o bom humor da sua nova vizinha de carteira também a deixava misteriosamente irritada. Para alguém introspectiva como ela, raiva era algo que passava despercebido na visão dos outros. E não era exatamente raiva, era um tipo de incômodo. No sonho, a garota cometia suicídio e não parecia nem um pouco triste ao se jogar do alto do edificio. Podia se lembrar bem da expressão dela...não era exatamente tristeza, parecia mais nostalgia. Era como se aquele ato fosse uma saída, uma esperança.

Estranho. Difícil de imaginar que uma pessoa tão para cima como aquela nova aluna fizesse algo assim. Ela não conseguia associar o bom-humor com o suicídio e talvez esse contraste a estivesse incomodando tanto. Mas isso era justo? Afinal, se Ariadne não sabia que era personagem de um sonho tão sinistro, como cobrar alguma coisa dela? O que fazer?

– Ei, Mona - chama Cibele, sua amiga que sentava algumas carteiras atrás, enquanto Monalisa arrumava sua mochila.

– Oi?

– Estávamos pensando em almoçar mais perto do centro da cidade só para variar um pouco. Quer vir com a gente? - diz Luana, outra das poucas amigas da loirinha. Era uma garota morena e de longos cabelos lisos e negros.

Mesmo sem o mínimo de interesse de conversar com elas, Monalisa sabia que precisava almoçar. Tudo bem. Iria com as duas, mesmo sabendo que a conversa delas seria totalmente entediante e o centro da cidade não ficava tão perto quanto o pequeno restaurante das redondezas. Droga. Ela tinha muito o que pensar sobre aquele dia. Mas como dizer que almoçar com elas seria perda de tempo sem parecer rude? O jeito era aceitar.

– E aí? O que vocês acharam da aluna nova? - pergunta Luana.

– Ela é bonita, né? - comenta Cibele - E parece legal.

– É..legal - fala Luana, com um tom de pouco caso na voz - Parece ter se dado bem com os meninos, não acham?

– Ai, você é muito maliciosa, heim, Luana? - ri Cibele.

– E onde eu fui maliciosa? Só falei que ela está se dando bem demais com os meninos, só isso - ironiza Luana. As duas riem. Monalisa fica em silêncio.

– Mas quem falou mais com ela foi você, né Monalisa? - pergunta Luana - Eu vi você trocando ideia com a aluna nova no pátio.

– Não era nada demais - responde a loirinha.

– Poxa, Mona. Você devia era conversar com o Gabriel. Vai dispensar ele mesmo? - provoca Cibele.

– Já falei que não estou interessada.

– A Monalisa é exigente - ri Cibele.

"É só com isso que elas se preocupam?", pensa a mocinha, "Aquela Ariadne É a mesma garota do meu sonho...se elas soubessem"

Mas Monalisa sabia que suas amigas não iriam dar a mínima. Mesmo se contasse seu sonho, com certeza iriam zombar, rir, dizer que estava delirando ou inventando tudo aquilo. Embora fossem amigas, Luana e Cibele eram garotas sem nenhum interesse além de suas vidas comuns e sem graça. Elas se conformavam com tudo e se preocupavam apenas em se divertir. Se estivessem passando pelo mesmo que ela, mas não era esse o caso.

– Ai, que droga - reclama Luana.

– O que foi? - pergunta Cibele.

– Tenho que comprar uma borracha nova. Perdi a minha e tive que ficar pedindo emprestado o tempo todo.

– Ah, a gente tá indo para o centro mesmo. Compramos lá - sugere Cibele.

– Lá? - estranha Monalisa - Escuta...tem uma papelaria ali naquela rua. É bem mais perto.

– Sério? - Luana se admira - Nunca passei por ali.

A loirinha não culpa as amigas. Afinal, ela também não sabia da existência daquele lugar até aquele dia. Mas era fato que havia uma papelaria ali.

– Ah, então vamos lá - diz Luana - A gente compra a borracha e vamos almoçar.

– Por mim tá beleza - concorda Cibele.

As três seguem para a rua, enquanto Monalisa tem uma sensação estranha assim que coloca os pés na entrada da rua da papelaria. Como se sua cabeça começasse a girar sem ela querer, um certo mal estar. Do nada, a imagem de Ariadne vem na sua cabeça. Ou era a menina do sonho? Que diferença fazia. Eram idênticas. Podia-se dizer que eram a mesma coisa.

– O que foi, Mona? - pergunta Cibele - Por que você parou?

– N-Nada - ela responde - Só tive uma sensação esquisita

– É? Será que você não está ficando resfriada? - pergunta a outra amiga.

– Acho que não. Foi sól uma sensação estranha mesmo. Deixa pra lá.

– Se voce tá dizendo... - fala Luana - E então? Vamos?

– V-Vamos - é tudo que a loirinha diz, embora ainda caminhasse numa passada mais lenta.

"Mas pensando bem", pensa Mona, "Os dias que eu tive aquele sonho...foram exatamente os únicos dias que passei por essa rua. Será que...a resposta está nessa rua?"