A verdade que se esconde por traz de tua verdadeira faceta deve ser revelada. Mesmo que um dia ela se perca no mar que há em tua alma, por cair no esquecimento de teu verdadeiro eu.

Pois a arcana é o meio pelo qual tudo é revelado

Oh vil criatura que vaga por este mundo sem entender quem és. Dou-lhe neste momento um nome para ti, ele será não o único, mas o mais especial para vós que nunca tevês um sentido de ser.

No instante em que o espírito recebe um rótulo, ele ganha um sentido de vida. Mesmo que isto destrua sua vontade, no momento que iniciar por sua falha busca de conhecimento pessoal, ele ainda se orgulhará de ter recebido tal nome. Sua salvação, sua eterna e mortal perdição...

1° Ato:

De Volta À Sala de Veludo

Durante nossa pequena viagem eu acabei por ceder à exaustão que se acumulava em meu corpo desde o inicio da noite. E guiado meio a um mar de luzes, eu lentamente abri os olhos para ter minha visão preenchida pelo vagão de trem no qual Igor residia. Mas havia algo diferente ali. Não era o local em si, muito menos Igor que ainda mandava calafrios pela minha espinha, e ainda menos o fato de que agora o vagão parecia estar em movimento, mesmo que numa marcha lenta. O que me chamava atenção ali era um novo ser que se encontrava sentado próximo de Igor no recinto.

Um pouco mais velha que eu, na beira dos dezoito anos de idade no máximo. De um cabelo quase que ouro esbranquiçado, caindo para todos os lados de sua cabeça em espirais, eles quase cobriam seus olhos cor de mel, os quais me arrepiaram, por lembrarem os da Imperatriz.

Vestindo o que parecia ser um enorme vestido com uma saia que só cobria as pernas na parte de traz e laterais, deixando a frente exposta, como uma espécie de pano da cor azul escuro, com dois zíperes, cada um em um lado do corpo, descendo da axila até a cintura, de onde era possível ver que ela tinha um singelo sinto da cor amarelo claro, que prendia uma calça apertada igualmente azul de um modelo que lembrava um jeans, e que tinha combinando uma bota... Allstars? Mesmo não tendo uma marca em nenhum lugar, a bota lembrava bastante as daquela marca. E para completar, mesmo tendo os braços descobertos, ela usava em suas mãos um elegante par de luvas femininas da cor azul escuro.

Levava em seu rosto, uma expressão neutra, nem felicidade e nem tristeza. De certo modo ela me lembrava uma adolescente rebelde, que dizia: "Ninguém pode mandar em mim". Eu teria encarado-a por mais alguns segundos, se Igor não tivesse chamado minha atenção com sua voz cordial:

- E novamente, bem vindo à sala de veludo caro Arthur. Minhas congratulações pelo seu último sucesso em despertar uma parte de sua carta selvagem. Não se sinta mal por ter sido um pedaço pequeno, na medida em que o tempo for passando, tenho mais do que certeza que irá se tornar forte o suficiente para acordá-la por completo. Como pode ver nosso vagão até já está se movendo, o que significa que você começou a moldar seu destino.

As palavras dele pareciam ser de elogios. Passou-me pela mente que tinha sido somente um pequeno pedaço a despertar, mas Igor estava certo, eu sentia o tamanho do poder que aquele "pequeno" pedaço possuía e, portanto consegui esboçar um sorriso.

- Agora, deixe-me apresentar a minha assistente. Por favor, conheça Cassandra. – Igor indicou com a mão a garota a seu lado, ela me olhou ainda com indiferença.

- É um prazer trabalhar com alguém tão especial como você "Senhor" Legado.

O que era isso? Eu sentia cheiro de fogo, e não era uma pequena fogueira, era quase uma casa sendo consumida por chamas de um profundo sarcasmo! Engoli em seco e fiquei a encarando sem conseguir maiores reações no momento...

- O que foi "Senhor" Legado? O "Senhor" não parece estar se sentindo muito bem, talvez o "Senhor" precise de um pouco de ar puro. Ou quem sabe o "Senhor" queira que eu vá buscar um copo d'água para o "Senhor" beber, "Senhor" Legado.

Como se houvesse narradores em minha mente eles começaram:

- Eeeeeeeeeeeeeeeeee é PONTO! Impressionante não é Trindade, parece que meu irmão conseguiu estabelecer um novo recorde aqui hoje, na sala de veludo. – Falou o que seria a minha imaginação de minha irmã.

- Realmente. Esse rapaz surpreende cada dia mais. Em toda minha vida de comentarista, eu nunca tinha visto alguém conseguir o ódio de outra pessoa tão rápido, e tantas vezes seguidas! – E agora era a versão debochada de Trindade que falava.

- É verdade. Acho que neste ritmo ele logo mais vai poder concorrer na seleção nacional dos mais odiados pelo público feminino. Ao que você acha, que se deve o fato de ele ter tamanha habilidade Trindade?

- Olha. O que nos dá imprensa sabemos, são algumas histórias envolvendo uma série de atitudes questionáveis perto de garotas. Uma delas conta que ele foi capaz de negar o pedido de uma para saírem!

Minha irmã fez então uma cara de surpresa e espanto.

- Eu sei, eu sei. Todos nós da redação ficamos espantados, e nem vou dizer os boatos que rolam por ai sobre esta estrela em ascensão.

A imagem de minha irmã parecia chorar por de traz do microfone, quando voltou a falar.

- E... E eu pensando que um dia iria conhecer minha norinha! Sob... Sob... Desculpe Trindade, estas noticias são muito fortes para uma irmã dedicada, como eu, ouvir... AONDE FOI QUE EU ERREI! AONDE DEUS!?

- Não se preocupe você não poderia ter feito nada, foi uma escolha dele. – Consolou Trindade, enquanto balançava a cabeça em sentido negativo e batia no ombro de minha irmã.

- CHEGA! Já basta disso, eu tinha meus motivos para negar ir à casa dela! – Entrei na cabine imaginaria que os dois se encontravam, chutando a porta.

- Arthur, sob... É verdade isso? Você tinha um motivo para negar o convite de uma garota, sob... – Minha irmã me olhava enquanto enxugava os olhos com um paninho.

- Sim... Eu tinha... Haha. – Cocei a cabeça. - Eu tinha... Uma entrevista de emprego é isso! – Falei com certo entusiasmo. O que provocou um silêncio nos bastidores, e uma sensação estranha começou a pairar.

- Sério Arthur? – Perguntou Trindade com cara de desacreditado.

- Claro que é sério, droga! Eu sei como minha irmã trabalha para nos sustentar! Você acha que eu quero vê-la sofrendo por nós dois para sempre? Claro que não! Eu quero que ela possa fazer o que bem entender com o dinheiro dela sem se preocupar comigo! – Jurei que com aquilo eu me safaria, mas pelas expressões que ambos passavam, eles diziam claramente "MENTIROSO". - O que!? Mas... Mas é verdade! Eu juro... Foi no dia que te pedi um dinheiro emprestado para imprimir meu currículo, lembra mana!

- É, é verdade... Ele realmente me pediu dinheiro para isso. Foi perto do teu aniversario Trindade, eu lembro. – Minha irmã parecia recuperar confiança em meu futuro.

- Perto do meu aniversario...? Não foi na mesma época que o autor daquele livro que tu tanto querias veio a cidade? E que tu precisava de mais dinheiro para comprar o livro e pegar o autografo dele?

Trindade... Eu te amaldiçoo com o meu mais profundo e letal ódio, seu ANIMAL! Lentamente senti uma aura maligna crescer ao redor de minha irmã, e uma sombra tomou conta de seu rosto.

- Arthur... Legado... O que você fez com o cheque em branco que eu te dei!? – Ela ergueu a cabeça, revelando através das sombras um par de olhos sedentos por sangue.

- Nada mana! Eu juro que só imprimi meu currículo! – O suor começava a tomar conta de meu rosto junto a um tremulo sorriso. - Por favor, não me mate! – Tentei sair correndo dali, mas ela foi mais rápida, me agarrando para que não pudesse fugir.

- Maninho... Querido irmãozinho do meu coração... Fale a verdade para a sua irmã, e eu irei te poupar, um pouquinho ao menos, da mais dolorosa dor eterna... – Com um sorriso maligno e cara de demente, ela fez o gesto com os dedos ao dizer "pouquinho", me fazendo engolir em seco.

- Hahaha, sabe como é que é mana... - Cocei a cabeça me denunciando, o que a fez segurar minha cara com uma mão, assim me suspendendo no ar. – TA! NÃO ME MATA! EU SÓ QUERIA UM AUTOGRAFO DELE SÓ ISSO! SÓ QUE EU NÃO TINHA DINHEIRO! E ERA A JÈSSICA QUE ME CONVIDOU! ACHEI QUE ELA IA ME FORÇAR A LER AQUELES ROMANCES TOSCOS DELA, POR ISSO EU REJEITEI!

- Muito bom irmãozinho, depois quando digo que meu irmão vai morrer virgem, acham que eu estou exagerando... – Ela baixou a cabeça rindo normalmente, e de medo eu ri junto. - MAS! Você não me foge tão cedo, KUKUKUKU!

E com isso ela me puxou para fora da porta, enquanto eu tentava desesperadamente me agarrar nas beiradas de madeira gritando "ALGUEM ME SALVE!". E quando o silencio se instaurou, Trindade se virou para frente como se olhasse para uma câmera.

- Acompanhem-nos novamente em nossa próxima sessão aqui, no mesmo local, no mesmo subconsciente de sempre. Eu sou Nelson Trindade, e desejo que tenham uma boa noite.

Voltando a realidade...

Igor notou a atitude de sua ajudante, assim a encarando de lado somente com o olhar, o que fez com que ela fechasse os olhos e soltasse o ar de seus pulmões, ficando assim quieta mais uma vez.

- Você há de desculpar minha assistente Arthur, temos algumas regras aqui de não nos envolvermos emocionalmente com nossos contratados, por isso peço que ignore as atitudes rudes de Cassandra, ela...

- Mestre! Por favor, isso de novo não, eu não sou como meu irmão e irmãs... – Mesmo confuso, vi a garota ficar mais seria, e Igor simplesmente fechou os olhos em concordância.

- É o que veremos... – Ele os abriu para me encarar novamente. – Arthur soube que você fez um contrato com Loki, correto?

Pego de surpresa eu fiquei sem saber como deveria responder aquilo. Afinal eu fizera um contrato com Igor primeiro, e pareceria uma forma de desrespeito sair fechando contrato com outros, mesmo que contra minha vontade.

- Eu... – Pela primeira vez consegui falar estando na presença de Igor. – Eu ainda estou muito confuso Igor. – Ainda mais porque eu tinha mais perguntas do que respostas disponíveis no momento.

- Devo admitir que não estou surpreso, afinal você É um caso especial. – Eu já tinha ouvido isto de Igor antes, mas por algum motivo desta vez pareceu ser diferente. - Por mais que não seja de meu agrado que você tenha múltiplos contratos, não posso reclamar, pois ainda não temos um contrato definitivo. Mas entenda, chegará uma hora que você terá de escolher um dos disponíveis para lhe guiar, afinal, nossos "métodos" são bem diferentes um do outro.

- Eu... Compreendo. – Consenti com a cabeça, afinal Igor era como um negociante tentando vender seus serviços, e não gostaria de ter de dividir lucros com um concorrente. - Mas mesmo assim... Igor, o que foi aquilo que se passou na noite anterior?

- Se você se refere ao novo poder que seu persona adquiriu. Aquilo não foi obra minha, entenda. Através de nosso contrato, sou capaz de lhe guiar para moldar seu destino e, com as constantes mudanças e fortalecimentos de laços, sou capaz de lhe trazer a frente novos aliados, ou seja, novos personas. Entretanto, pelos limites de nosso contrato, eu preciso que você tenha um profundo laço com alguém para invocar novos personas.

Então basicamente, o que ele queria dizer é que, enquanto eu não tivesse uma carta selvagem completa, eu precisaria fornecer a ele um "laço" pessoal mais poderoso, para que assim ele pudesse me ajudar da mesma forma... O que deixava claro, que eu tivera a ajuda de Loki na noite anterior, algo estranho vindo de alguém como ele...

- Igor, me diga. Qual é a ligação entre você e Loki? Pelo que eu entendi, não seria possível que eu mantivesse dois contratos ao mesmo tempo, e o fato de eu ter despertado mais de minha carta selvagem, não deveria indicar que só o meu contrato com você foi fortalecido? Porque ele me ajudaria então?

A pergunta forçou sobre mim o olhar intimidador de Cassandra, que passara de neutra para incomodada.

- Porque você quer saber mais sobre Loki!? Você acha que o que? Que iremos te trair ou algo assim e por tanto você precisa saber se deve se devotar a ele agora ou depois, é isso!

Cassandra parecia ter REALMENTE ficado irritada comigo, e eu nem sabia o porquê! Aquilo começou fazer com que eu também começasse a me irritar.

- Do que você está falando? É assim que você trata as pessoas novas que você conhece? Parece até que você tem algum motivo especial para estar assim tão irritada comigo! Ou VOCÊ acha que EU estou sequer um pouco feliz com tudo isso?

Eu tinha que parar de ser tão explosivo com as pessoas, afinal um dia pretendia entrar para o mundo da política, aonde a paciência é imperativa acima de tudo. Igor ficou só olhando, e fez um gesto para que Cassandra não respondesse.

- Arthur, por favor, se acalme. – Falou Igor, com sua habitual calma.

Puxei todo o ar que podia, e me acomodei novamente em minha posição.

- Você tem todo o direito de estar cheio de dúvidas. E volto a repetir, você é um caso especial, pois possui dentro de você um "algo" a mais que chamou a atenção de Loki, fazendo com que ele desejasse um contrato com você. Os motivos pessoais dele, eu não saberia lhe dizer... Cassandra.

- Sim mestre? – Ela olhou com dúvida para Igor.

- Seus irmãos aprenderam que um ser que possui um sonho, sempre será capaz de ir mais além. E é este tipo de pessoa que procuro para trabalhar como meu assistente, afinal todos que estão na sala de veludo, estão destinados a moldar seu destino... Entretanto você já esta aqui há muito mais tempo, talvez...

- Espere mestre, você não poderia em sã consciência estar querendo que eu...

- Exatamente. – Aquela conversa entre eles me deixava confuso, não entendi quem eram as pessoas das quais falavam, só que eram irmãos de Cassandra, e foi ai que Igor ordenou. - Você ira junto com Arthur para o mundo humano.

- Mas! – Ela pareceu pensar em resistir, mas Igor olhava de modo sério para ela sem seu habitual sorriso. - Mas e como você vai ficar mestre? Eu não posso abandonar meu posto de assistente!

- Pode e vai. Já trabalhei muitos anos sozinho neste ramo, e posso facilmente cuidar dos demais contratados. Porém, você deve manter sigilo sobre assuntos que envolvam outros clientes, entendido?

- Sim... Mestre. – Cassandra parecia ter ficado realmente abatida com o acontecido, e baixou a cabeça em sinal de concordância.

- Ótimo. Arthur. – Chamou pelo meu nome, de modo que tirei os olhos de Cassandra direto para ele. - Espero que você acolha minha assistente neste período de treinamento dela, eu sei que o pedido é espontâneo, entretanto...

- Eu aceito. – Falei sem hesitar, por mais que certamente eu tivesse um problema com Cassandra, eu sabia que sem Igor, eu teria morrido na noite passada. Não importa que poder Loki tenha me dado, se não pudesse sentir minha carta selvagem eu teria fraquejado em combate.

- Esplendido. – Comemorou Igor com um leve sorriso. - Creio que esta será uma experiência única para ambos. Agora Cassandra, por favor, acompanhe Arthur.

- Como desejar mestre. – Falou se erguendo da poltrona e se dirigindo a porta, que se abriu dando passagem para nossa saída, que não demorou em acontecer.

Então poucos segundos depois de sairmos, uma silhueta feminina apareceu sentada no lugar que antes ocupava Cassandra, porem escondida pelas sombras.

- Você tem certeza sobre fazer isto, mestre? Cassandra ainda é muito nova, pode ser que ela comprometa a sala de veludo. – Falou sem nenhum temor a voz, de modo que parecia simplesmente falar a possível verdade.

- Sim, tenho certeza de que tomei a decisão certa. E mesmo que não tomasse, ela iria, assim como vocês, em busca de seus sonhos, cedo ou tarde. Agora prepare-se, nosso próximo cliente está para chegar.

- Certamente mestre. – Falou a mulher dando um pequeno sorriso enquanto sumia do mesmo modo que chegara.

2° Ato:

Benefícios e Limitações da Amizade

Repentinamente fui acordado pelo som de vozes, e com alguém me sacudindo. Senti que tudo girava ao meu redor, e por sorte meu estomago estava vazio, caso contrario eu teria passado por uma situação difícil.

Agarrei a pessoa que me sacudia, para ver se o mundo parava de girar, o que pareceu dar resultados, pois consegui associar que me encontrava no presente momento em uma das varias cadeiras do café Dama do Lago. Sacudindo-me freneticamente estava Bianca, que parecia irritada com algo.

Quando finalmente consegui analisar toda a situação, vi que estávamos somente eu e Bianca ali no café. E, portanto questionei:

- Onde estão os outros Bianca? E porque você estava me sacudindo, caramba, era só ter me chamado. – Analisando bem, não estávamos tão a sós quanto eu pensava, sentado do meu lado, estava ninguém menos do que CASSANDRA! Eu quase cai de susto, mas me apoie na mesa para manter o equilíbrio. - Como você chegou aqui!?

- Do mesmo modo que você "Senhor" Legado. – E lá ia ela com esse "Senhor" de novo.

- Mas que saco, pare de me chamar de "Senhor", eu tenho a mesma idade que você! – Ela lançou um olhar sério como se estivesse se recusando. - Saco... Sua... Sua... Teimosa! É isso que você é "Senhorita" Teimosa!

- Como ousa me chamar de Teimosa! Eu fui instruída por meu mestre a tratar todos nossos clientes de "Senhor", Senhor Legado! – Ela estava pedindo guerra com aquilo.

- Muito bem Senhorita Teimosa, se é assim eu vou cancelar meu contrato agora mesmo e ponto!

- Você... Você não ousaria. – Ela parecia duvidar de minhas palavras, mas eu senti um pequeno temor em sua voz.

- Se duvida tanto me leve de volta! Farei isso agora mesmo... AI!?

Com um poder que eu desconhecia até o momento, Bianca acertou em nossas cabeças um cascudo cada um. Ficamos os dois chiando de dor por alguns segundos, e quando olhei, Bianca parecia não estar nada contente.

- Vocês dois... Fiquem calados. AGORA! – Com todo seu poder, ela conseguiu o que queria facilmente. - Você. – Apontou para Cassandra. - Quem é, como apareceu no carro a caminho daqui, sem ninguém notar, e o que veio fazer aqui?

- Meu nome é Cassandra, fui ordenada por meu mestre a vir para este mundo, para acompanhar nosso contratado. Eu simplesmente apareci aonde seu corpo se encontrava. – Bianca parecia custar a acreditar no que ouvia, e me encarou exigindo explicações lógicas.

- Bianca, eu nem sei por onde começar... E nem sei se posso explicar mesmo. – Olhei com cara seria. - O que ela diz é verdade, graças a algumas peculiaridades pessoais minhas e de meu persona, creio, eu tive acesso a uma espécie de ajuda externa.

Expliquei nos limites do possível sobre a sala de veludo e meu contrato, omitindo os detalhes e fatos sobre Loki. Bianca ainda custava a acreditar, como fora comigo quando ela explicara sobre os personas, mas pareceu se dar por rendida, engolindo o que eu falara.

- Então ela vai ter de ficar por aqui como se fosse uma espécie de treinamento, é isso? – Bianca olhava constantemente para Cassandra, mais admirada pelo mistério que a envolvia do que por qualquer outra coisa.

- Isso mesmo... Acho que vou ter que falar com minha irmã sobre isso...

- Não! Isso poderia nos complicar imensamente. O que você iria dizer para explicar que precisa hospedar uma garota da sua idade que parece ter vindo de outro país, na sua casa?

- Eu... Bem eu diria... Han... – Droga, era verdade. Eu não conseguia pensar em uma desculpa lógica o suficiente, e não conseguia nem sequer imaginar minha irmã permitindo que isso acontecesse. Em sinal de preocupação baixei a cabeça, vencido.

- Se realmente for preciso ela pode se hospedar aqui no café, temos um quarto disponível. Só que pedirei que ela trabalhe para pagar suas despesas. – Bianca podia ser gentil quando queria, mas nunca iria deixar que um favor tão grande fosse pago na base de respeito. Além do mais, a época de férias estava por vir, e ela precisaria de mais funcionários no café de qualquer modo.

- Eu só trabalho...!

- Ela aceita com prazer, obrigado pela ajuda Bianca. – Tapei sua boca com a mão, para que assim evitasse maiores problemas, ela ainda parecia tentar falar, por isso continuei segurando sua boca fechada.

- Certo... Mais tarde pedirei a Klaus que mostre o quarto, se me dão licença, preciso atender a um assunto urgente. – E assim se dirigiu para dentro da sala, atrás do balcão.

Eu estava ficando alegre demais com o silencio, quando uma dor profunda penetrou a pele de minha mão. Cassandra me olhava irritada, e para tirar minha mão de sua boca me mordera. Ela seria um problema dos grandes para ter de lidar, mas ao mesmo tempo eu sabia que ela poderia responder muitas das minhas perguntas. Por isso decidi que era uma boa hora para tentar mudar o humor dela.

- Cassandra. – Chamei ela, para garantir que me ouvia. – Eu não sei o que Igor pretende com "treinamento", mas eu sei do perigo real que a hora negra é. Portanto, eu te peço que fique fora de nosso caminho. – Eu podia parecer rude, mas ao meu ver, ela era tão indefesa quanto qualquer outra garota da mesma idade.

- O que!? Quem você acha que eu sou Senhor Legado. – E lá ia ela de novo. - Saiba que se eu desejasse o senhor já estaria lambendo o chão neste presente momento!

- Eu? E como você "pretende" me forçar a fazer isto? Senhorita Teimosa!

- Com meu...! Onde está meu Compêndio!?... Não pode ser... – Instantaneamente Cassandra se calou, deixando que uma tristeza, quase uma depressão tomasse posse de si.

- E... Hei o que foi? Você não está se sentindo bem? Quer que eu chame a emergência. – Pensei que ela estava passando mal, já que ficara quieta do nada, e me aproximando, vi que seus olhos estavam fechados, e em um movimento ela botou as mãos no rosto e jogou a cabeça para traz, quase gritando.

- Nãooooooooooooooooooo! Todos os meus personas se foram! Porque tanto mestre? – Suponho que ela se referia a Igor. Ainda preocupado continuei.

- Ei, me diga o que aconteceu para você ficar tão desesperada Senhorita Teimosa.

- O mestre, pelo que parece, me proibiu de usar o meu Compêndio. Isso significava que todos os meus poderosos personas já eram. Urghhh. – Ela gemia de tanta era a raiva de perder o seu Compêndio, seja lá o que era aquilo. E claro que eu não poderia deixar de me aproveitar da situação.

- Então isso quer dizer que no presente momento, eu sou aquele com o poder de te fazer "lamber o chão". Portanto eu digo que você irá ficar aqui no café durante a hora negra, e não ira nos atrapalhar até poder se defender, certo? – Mesmo que eu estivesse me deitando de rir por dentro, eu precisava deixar tudo o mais claro possível, se ela realmente tinha mais personas, isso significava que ela poderia ser de grande ajuda no futuro.

Cassandra não abriu a boca para falar mais nada, acho que o choque foi tão grande que ela demoraria a se recuperar. Neste meio tempo Klaus apareceu, e até chegou a perguntar o que havia acontecido, de modo que disse que ela logo se recuperaria, mas que precisaria descansar. Portanto ele a guiou para um quarto, enquanto Bianca voltou para falar comigo.

- O que houve com ela? – Apontou para a estática Cassandra levada por Klaus.

- Nada de mais, deve ser cansaço. – Evitei ter de me repetir. - Então, alguma noticia boa? – Me referia às garotas em especifico.

- Sim, a tal de Yami só esta dormindo porque ficou exausta, Olivia disse que no fim do dia ela deve acordar, se não antes. E sua amiga Jessica está acordada... O que significa que você pode visitá-la. – Bianca olhou para os lados antes de terminar de falar, como se não desejasse que ninguém ouvisse nossa conversa. - Entretanto, eu vou com você, espero que não se importe.

Era verdade que eu pretendia visitar Yessica ainda hoje se possível, e mesmo achando estranho que Bianca desejasse ir junto, ela tinha todo o direito, uma vez que eu pedira ajuda a ela para salvar Jéssica. Foi quando me veio à mente.

- Claro... Acho que você tem o direito. Mas antes me diga uma coisa. – Ela ficou em silencio para ouvir a pergunta então. - Aonde você conseguiu aquela malha de metal? – Eu notara que haviam trocado minha camisa rasgada e tirado a malha que havia por baixo pouco depois que acordei. Bianca olhou confusa com a pergunta, afinal ela era meio incomum para o momento, mas eu realmente desejava saber.

- Ahn... Se não me engano Klaus pegou ela com o grupo de armas e artes medievais. Porque a pergunta? – Eu até fiquei um pouco tímido de revelar, mas achei que essa era uma boa oportunidade.

- Não foi por coincidência que eu escolhi a espada de duas mãos na arena Bianca. – Bianca foi meio pega de surpresa com a resposta. - Na verdade eu sempre tive interesse em aprender a manusear uma espada, mas eu soube que mesmo divulgando bastante, eles são meio restritos para permitir a entrada no clube, então... – Deixei no ar para que Bianca pescasse a idéia.

- Você quer que eu, ou melhor, Klaus te indique para o grupo, é isso? Eu não sei Arthurio... – Ela parecia ter algo contra a idéia, por isso soltei um leve "por favor". -... Certo, certo. Vou pedir a Klaus, mas tire essa cara de cachorro pidão, do rosto Arthurio.

Se eu possuísse um rabo, estaria o abanando de modo contente agora, feliz com a chance de entrar para o grupo. Depois disto fomos até o hospital a pé, afinal ele não era muito longe e o café logo mais abriria para o publico. O sol iluminava e esquentava tudo que podia tocar, e a falta de vento deixava o ar seco.

Ignorando a temperatura levemente desconfortável andamos todo o percurso de modo rápido sem trocar muitas palavras, outros poderiam achar isto incomodo, entretanto quando eu estava com Bianca, o silencio parecia não nos incomodar, chegando a ser agradável.

Não demorou muito para sermos informados do quarto em que ela estava, e pedindo por minha irmã, fui informado que ela estava prestando alguns atendimentos em outra área do hospital. Durante um período de minha vida eu viera para aquele local para diversos exames e até passei uma temporada inteira lá, mas isso já fazia anos. E no decorrer dos anos o hospital aonde minha irmã trabalhava mudara imensamente, o que fez com que nos perdêssemos inicialmente, mas logo chegássemos ao quarto de Jéssica.

Bati antes de entrar, e foi quando ouvi um "Entra", vindo de dentro. O quarto era o típico de todo hospital, branco, com uma cama, uma poltrona e uma televisão. Jéssica estava deitada na cama vestindo o traje hospitalar. Supus que alguém passara a última noite na poltrona, considerando que havia ali alguns pertences.

Mesmo hospitalizada, Jéssica ainda podia ler facilmente, e no presente momento ela lia um daqueles "mangas", o qual repousou sobre o colo quando entramos. Bianca ficou um pouco mais para traz dando para nos um pouco de espaço.

- Gostou do meu novo tom de cabelo? – Pediu ela ironizando o fato de estar com o cabelo no seu tom natural, preto. - Agora não tem como não me reconhecer não é?

Começando com uma piada, o assunto desenrolou fácil e rimos durante um bom tempo, até que quando ficamos em silencio eu soube que era a hora.

- Jéssica, acho que te devo desculpas não é? – Eu queria que pudéssemos esquecer daquilo, mas não poderia negar eternamente que tinha ferido seus sentimentos. Ela olhou para uma janela que havia ao seu lado dando para o pátio por alguns segundos, e falou sem me olhar.

- Arthur, você sabe por que eu gosto tanto dos meus mangas e da cultura nipônica. – Antes que eu pudesse responder, entendi que não era uma pergunta na verdade, e sim uma afirmação, por isso me mantive em silencio. - É bem clichê, mas na maior parte das histórias destas origens, o personagem principal leva uma vida pacata e tediosa. Porem de repente algo muda toda essa rotina com que ele está acostumado, de um modo tão intenso e rápido que ele tenta fazer inicialmente tudo voltar a ser como era antes... Mas em um ponto... Ele se dá conta de que isto era o que ele sempre desejou. Uma vida diferente daquela que ele tinha antes... Eu acho que um dia, eu ainda vou passar dessa fase de tentar fazer tudo voltar ao que já foi, e vou finalmente ver o lado bom desses incidentes... – Jéssica parecia juntar suas forças e idéias para mostrar que ela superara o acontecido de sua mãe, mas eu sentia que aquilo estava errado. Eu acreditava que lá no fundo ela duelava com a possibilidade de um dia rever sua mãe...

- Yessica... Você realmente não quer que as coisas voltem a ser como eram? Eu não sei tudo o que aconteceu nesse tempo que nos separamos, mas mesmo assim...

- Arthur, pare. Eu realmente não quero mais falar sobre isto... – Não importa que ela fosse uma irmã para mim, acho que até mesmo eu tinha de aceitar seus limites. - Não se ofenda Arthur, não é que eu realmente não queira falar sobre isso, é só que dói falar sobre o passado.

Entendi de uma vez por todas o porquê que ela chorara quando falei aquilo há dias atrás. Não foi pelo motivo que achei, de ter sido traída por um amigo. Na verdade foi por simplesmente ter de lidar com sua mãe em si, o desejo de revê-la, a muito começara a ser superado com uma falsa aceitação... Vi que ela limpou algumas lágrimas com o cobertor, e se virou mais calma para mim, olhando na verdade para Bianca que estava na porta, tentando assim encerar o assunto.

- Ei, quem é sua amiga na porta? – Bianca olhou para nós de modo pensativo e adentrou o quarto com sua posse superior, acho que ela não fazia por mal, já devia ser um hábito de se impor ao conhecer novas pessoas.

- Prazer, eu sou Bianca Black. É um prazer conhecê-la finalmente Jéssica Amaral. – Falou estendendo a mão para Yessica, em sinal de amizade, que ficou meio sem jeito com tamanha formalidade, apertando timidamente sua mão.

- É um prazer Bianca. – Foi tudo que conseguiu dizer, assim como ocorrera inicialmente comigo, na primeira vez que vira Bianca.

Jéssica nada falou, por isso Bianca foi quem tomou a iniciativa da conversa.

- Jéssica, não entenda mal o que vou perguntar, mas você se lembra do que aconteceu com você na noite anterior ao dia que deu baixa no hospital? – Bianca estava sendo o mais formal possível, mas isso não ajudava a deixar Jéssica menos confusa.

- Ah... Eu... Eu... – Ela olhou para mim buscando ajuda, e eu só fiz um sim com a cabeça, como se dissesse "seja sincera". - Eu lembro que eu estava em meu quarto e já era quase meia noite, então... Yami, é acho que era ela, apareceu lá do meu lado, e... E é tudo que eu lembro... Yami... Quem é essa?

Notei que Jéssica sofria do mesmo mal que eu sofrera quando recém acordei, portanto olhei para Bianca, que revirava os bolsos procurando algo.

- Bianca...

- Sim eu sei, ela perdeu uma parte da memória. É um efeito comum para aqueles que quebram o transe da hora negra, alguns como você e eu recuperamos a memória por inteiro em questão de pouco tempo, outros demoram semanas, e alguns nunca recuperam totalmente a memória... – Bianca então puxou um pote de remédio do bolso, e retirou dele uma cápsula da cor branca, entregando para Jessica junto a um copo d'água. – Beba Jessica, vai te fazer bem. Essa pílula acelera a recuperação das memórias caso ela seja possível...

Questionei-me como seria se Jéssica não pudesse recuperar suas memórias, e um temor começou a crescer dentro de mim. Porem ele logo sumiu para meu alivio. Jéssica reclamou do gosto ruim do remédio, porem em pouco tempo afirmou se lembrar de Yami.

- E agora Bianca? – Sabendo que Jéssica recuperara as suas memórias, não conseguia tomar uma decisão sobre contar para ela tudo, ou mantê-la fora do perigo que era a hora negra.

- Agora nós contamos a verdade, só isso... – Eu ia apresentar meu ponto de vista, mas creio que Bianca já havia pensado nele. - Não há mais como mantê-la em segurança. Sem o efeito do transe ela pode acabar caindo nas mãos de uma sombra, assim como já aconteceu, o melhor que temos a fazer é contar tudo. – Por mais que eu não gostasse da idéia de Jéssica enfrentando o perigo, eu sabia que Bianca falava a verdade.

- Do que vocês dois estão falando, vão me contar o que? – Jéssica obviamente ficara confusa com aquilo, acho que qualquer um ficaria.

- Ahn... Veja bem Yessica, é que...

Custou algum tempo para que pudéssemos explicar toda a situação para ela, mas sempre imersa nos mundos fantasiosos da terra do sol nascente, ela pareceu ceder rapidamente a sua nova situação, ficando até excitada quando prometemos lhe mostrar a hora negra esta noite, caso tivesse realmente alta do hospital.

Bianca teve de voltar para o café para cuidar dos negócios já que era domingo, um dia movimentado, me fazendo prometer que passaria lá mais tarde por causa de Cassandra. Ainda conversei mais um tempo com Jéssica, até o momento que ao deixar o quarto topei com minha irmã.

- Arthur! Que surpresa agradável, veio visitar Jéssica? – Perguntou vestindo o uniforme medico, o típico jaleco branco, e carregando uma prancheta.

- Sim, soube que ela vai ter alta ainda hoje, é verdade?

- Ao que parece sim, não temos motivos para segura-la, na verdade ela podia ter ido ainda antes, quem sofreu os ferimentos mais sérios foi você não é. – Ela se referia a meus braços que agora estavam em perfeitas condições, entretanto isso chamou sua atenção para minhas mãos enfaixadas. – Arthur! O que você fez...? Espere um momento... Você não... – Ela me olhou com uma cara que dizia "não acredito que meu irmãozinho se machucaria fazendo algo tão idiota assim".

- NÃO sua maluca! – Grite enquanto ficava vermelho. - Não fique dizendo isso por ai, as pessoas vão entender errado!

- Mas você é um garoto e não tem nem sequer uma namorada. Se duvidar nunca beijou uma garota sequer também. – Balançou a cabeça em sinal de pena. - Se quiser eu tenho algumas amigas para te apresentar e... Deus, quem fez esses curativos? Um macaco – Macaco não era a melhor definição que usaria para Klaus... - Venha comigo, vou dar um jeito nisto.

E me puxando hospital a dentro, ela foi me levando para seu escritório, um local simples. Acreditava que era o escritório dela, somente porque ela dizia, e porque ela tinha uma chave do local... E se fosse roubada? Minha irmã, mesmo em casa, nunca fora de guardar coisas, só o que era mais importante para ela, e que mesmo assim ela não deixava em qualquer canto, será que havia algo do gênero ali? Sacudi a idéia para longe de minha mente, quando minha irmã se aproximou com uma tesoura e ataduras.

- Estique as mãos para eu poder dar um jeito nisso. – Agora ela não era mais minha irmã, era a mana médica como a chamava quando era mais novo.

- Ei mana, isso não te lembra de nada? – Ela parou e olhou para cima pensativa, abrindo um sorriso enorme.

- Haha, naquela época eu tinha que estar sempre trocando as suas ataduras de tanto que você se machucava, haha. – Ria enquanto terminava o corte, virando minhas palmas para cima e passando o dedo perto dos ferimentos. - Isso foi realmente sério Arthur... O que aconteceu? Alguém te machucou de novo? Você caiu em cima de vidro? Tentou...

Mais e mais a cena me lembrava do passado, ela vivia me perguntando o que eu havia feito, e não querendo ficar de castigo eu ficava quieto como agora, então ela... Como se lesse meus pensamentos abriu uma de suas gavetas e puxou um pirulito. Eu olhei como se dissesse, "Não, você não vai apelar para isso, eu tenho quase dezessete sabia?". Mas no fim cedi aceitando a generosa oferta e dizendo que tinha segurado uma lamina e me cortado. Eu era ruim em mentir, mas não em omitir.

Satisfeita com a troca de faixas ela disse que precisava voltar para o serviço e que infelizmente não poderia almoçar comigo. Dando-me um beijo na testa, ela sumiu pelos corredores. Senti vergonha na hora, portanto me dirigi de volta para o café...

3°Ato:

O Sentido Por Traz de Um Nome

Para minha surpresa o local não era tão movimentado como eu pensava, mesmo que àquela hora não houvesse mesa disponível, a maior parte das pessoas ali tinham uma maior idade, o que tornava o local cheio de conversas sobre assuntos do mundo adulto. Seguindo para o balcão me senti um garçom, quando alguns clientes acharam que eu era funcionário do café por estar usando a camisa do mesmo, a qual eu não tinha notado que era até o momento, por isto acelerei o passo.

Quem atendia o balcão era Klaus, que pediu para que eu entrasse pela porta e seguisse até o fim do corredor. Descobri que atrás da porta havia uma cozinha com algumas pessoas trabalhando ali e outra porta que levava a um pequeno corredor, com outra serie de portas. Havia uma única escada no corredor que conectava o edifício com a rua ao lado da livraria, acho que como uma saída de emergência, a qual tomei nota mental para não repetir a cena de garçom no café, em uma ocasião futura.

Entrei então pela porta no final do corredor, e me deparei com uma linda sacada toda florida, quase no topo do edifício, que tinha ao centro uma mesa de pedra rodeada de um banco do mesmo material, só que estofado. Ali sentadas estavam tanto Bianca como Cassandra, agora já recuperada do trauma. Elas tomavam chá servido em um belo conjunto de porcelana. Sentei na outra extremidade da mesa para ficar de frente para elas.

- Então, como está Senhorita Teimosa? Recuperada do choque? – Lá no fundo, eu sempre soube que gostava de ser irônico perto de outra pessoa irônica.

- Melhor. Obrigado Senhor Arthur-IO. – Encarei Bianca como se ela tivesse se vendido ao inimigo, mas ela nem me deu bola. - O que foi Senhor Arthurio? Parece que agora quem está em choque é o senhor, não?

- Muito bem, você venceu por enquanto Senhorita Teimosa... – Decidi recuar daquela batalha quando a lembrança do cascudo de Bianca voltou a minha mente. - Bianca, como "ela" está, de pé já?

- Sim, ela acordou há pouco tempo. Não precisei dar o remédio para ela, pois como Cassandra estava me explicando, quando você vence sua sombra, o efeito posterior do transe provocado pela hora negra é apagado completamente. – Olhei incrédulo para Cassandra que tomava um gole de chá, com a delicadeza de uma dama... Mais para... Um gorila, mas tudo bem.

- Como disse, a hora negra e a sombras existem há milhares de anos, neste tempo o Compêndio de outros ajudantes foi preenchido com muitas informações, algumas são até hoje passadas para frente como foi no meu caso. Mas como o Senhor sabe Senhor Arthurio, o mestre achou que ao nos nivelar estaria sendo mais justo com você, portanto me privou de meu Compêndio, me dando um novo em branco... – Ela ergueu um livro até então parado em seu colo. O livro parecia não possuir folha alguma, e tinha uma capa de couro marrom escuro, com as escritas "Novas Grimoire", as quais não faziam sentido algum para mim.

Eu já ia responder quando o rangido da porta me chamou a atenção, e entrando por ela veio Yami, aparentemente bem descansada, apresentava poucas marcas da noite anterior. Notando que meu rosto se aquecia, rapidamente desviei meu olhar para o bule chá, e de modo tremulo me servi de um gole. Yami se dirigiu naturalmente a mesa e sentou quase ao meu lado, para fechar a ultima ponta de um quadrado entre os presentes na mesa.

Eu fiquei a olhar para o outro lado enquanto descia um gole quente do chá de maçã pela minha garganta, e foi quando ouvi me chamarem.

- Arthur-Kun? – Engoli mais do que devia, e fui forçado a tossir violentamente por tanto. Recuperando o ar perdido me virei para Yami.

- Yami! Que surpresa te ver por aqui hahaha. – Cocei a nuca da cabeça, enquanto Yami me lançou um olhar de confusa. - Não... Não que isso não seja algo bom... Quero dizer! Não o fato de você estar aqui, mas o fato de você estar bem... Espera isso soou errado, quero dizer o fato dos dois estarem aqui... Não! – Sentindo que eu ficava mais e mais vermelho com cada novo erro, virei mais uma xícara de chá para me manter calado.

- Arthur-Kun? Você está se sentindo bem... Você parece meio confuso e vermelho... Está com febre...? – Ela parecia realmente não notar o motivo de minha continua confusão, quando arregalou os olhos. - Não me diga que... – Oh não, será que ela tinha notado os meus sentimos? E agora estava desacreditada porque não sentia o mesmo por mim! - ...Esse chá é de maçã! – Apontou para a xícara que eu segurava com as mãos.

Eu fiquei com um sincero "Ahn?" estampado na cara, enquanto Yami ia feliz se servir de uma xícara do tal chá. Tanto Bianca quanto Cassandra se entreolharam tentando entender o que acontecera ali. Tive quase vontade de chorar no momento em que aprendi que Yami, mesmo sendo uma boa pessoa, era tão tapada quanto uma pedra para este tipo de assunto. Isso possivelmente explicava porque ela não conseguia ver que tinha tantos admiradores ocultos pela escola...

Segurando minhas lágrimas, tomei calmamente mais um gole do chá.

- Arthur-Kun... Eu nem sei como dizer isso... – Ela segurava com as mãos as pontas da camisa. - Mas... Muito obrigado por me salvar noite passada. Sem você, acho que eu estaria morta a este ponto. – Com toda sua graciosidade ela fechou os olhos e esboçou um leve sorriso. Pego de surpresa, eu quase cuspi todo o chá que tomava na direção de Cassandra, mas impedi tal ato de violência com a mão... Mesmo que no fundo eu quisesse fazer aquilo...

- Não... Não foi nada... Yami... Eu só... Fiz o achei certo... – Fiquei encarando minha xícara como se fosse o objeto mais interessante do mundo naquele momento.

- Mesmo assim, eu insisto em lhe agradecer. Por favor, se tiver algo que eu possa fazer por você, não hesite em falar. – Ela cruzou com a mão livre o espaço entre nós, e gentilmente a pousou sobre a minha mão, o que me fez tomar mais uma vez, um violento gole de chá. Bianca então decidiu que tinha mais o que fazer naquele dia, portanto seria bom discutir o que tinha em mente agora, e assim acabou com meu pequeno momento de variância entre alegria e constrangimento.

- Ouçam vocês dois, preciso fazer um anuncio sério, por isso prestem atenção. – Mudando o clima da situação, ela nos forçou a encará-la, o que fez Yami retrair sua mão de cima da minha.

- Se Arthurio ainda estiver disposto a seguir com sua idéia original de explorar o labirinto, eu desejo fazer um convite a você Yami Hyouka. Neste presente momento, eu, Bianca Black, a convido para participar do nosso ainda não oficial grupo de operações especiais. Nosso objetivo será investigar os mistérios do labirinto, com o propósito de trazer um fim à hora negra e os perigos que ela carrega consigo!

Yami foi pega de surpresa com aquilo.

- Ma... Mas porque eu? Eu não seria capaz de ajudar vocês. Eu não sou boa em nada, e nem ao menos consigo invocar um persona como Arthur-Kun fez...

Pelo que me pareceu, ela tinha sido informada da história por Bianca, o que nos poupava tempo.

- Errado Hyouka-San. – Era Cassandra que falava do mesmo modo estranho que Yami. - No momento em que a Senhorita foi capaz de superar sua própria sombra, você se tornou capaz de evocá-la. Basta que tenha com você algo de um valor "especial", para realizar tal ritual.

- Yami, esta é a garota que lhe falei, Cassiendra, ela estará nos ajudando de diversas formas com o grupo.

Completou Bianca, ao apresentar ambas, segundos antes de Cassandra se erguer, e curvar o tórax como faziam os asiáticos para cumprimentar.

- É um prazer trabalhar com você Hyouka-San.

Yami pega desprevenida novamente, demorou um pouco para reagir.

- O... O prazer é meu. – Fez então o mesmo gesto que Cassandra, antes de voltar a sentar, e depois de um pouco pensar chegou a sua resposta. - Eu gostaria imensamente de poder ajudar a pagar minha divida com Arthur-Kun, por isto será uma honra aceitar seu convite Bianca-Chan.

Bianca nem precisava me perguntar, um leve gesto de sim acompanhado de um pequeno sorriso meu, era toda indicação que ela precisava para me incluir no grupo, naquele momento a idéia de trabalhar com Yami ao meu lado, me pareceu muito agradável, até mais do que descobrir a verdade por traz da hora negra.

- Sendo assim, eu decreto que a partir de hoje, o GOE entra em ação, oficialmente! – Bianca anunciou com muito entusiasmo o nome do novo grupo, porém ele não foi compartilhado pelos demais na mesa.

- GOE... Sério? Não tinha nenhuma idéia melhor, não? – Fiz uma cara como se não fosse comigo o assunto, o que não deixou Bianca contente.

- O que você tem contra o nome, significa Grupo de Operações Especiais. É perfeito! – Ela parecia realmente se orgulhar de sua criação, diferente do restante de nós.

- Hun... Que tal TPES, Time de Procura e Extermínio de Sombras? – Sugeriu Cassandra em bom tom.

- Ahn... Não sei se concordo Senhorita Teimosa. – Não resisti à vontade de puxar briga com ela. - Acho que algo como EPI, Esquadrão de Procura por Informações, é mais correto e direto.

- Mas Arthurio, isso não deixa claro que nossas intenções são de realizar algo fora do comum! Nosso nome tem que deixar claro o que procuramos fazer!

- Desculpe Senhorita Black, mas GOE também não esclarece muito nossas verdadeiras intenções. – Nós estávamos prestes a entrar em uma discussão profunda, quando Yami finalmente se pronunciou.

- Bom, que tal ODIN? – E com isto, ela conseguiu chamar nossa atenção. - Eu sei que não é tão bonito, mas "Ordem dos Detetives de Investigação Negra" me soa muito bem...

Todos ali ficaram calados por um instante encarando Yami, a coitada achou que tinha falado algo errado e já estava prestes a se desculpar, quando falei com toda minha sinceridade.

- ODIN... Eu gosto da impressão que o nome dá ao grupo. – Eu olhava para ninguém especial, como se divagasse em meus pensamentos.

- O poderoso Odin, deus de Asgard a moradia de outras divindades. Dito de usufruir da árvore da vida Yggdrasil por conhecer de todos os seus mistérios. – Bianca parecia, assim como eu, divagar no que lera em algum livro sobre Odin, e por fim Cassandra se pronunciou.

- Ótima escolha Hyouka-San, tenho certeza que este nome fará jus as intenções de nosso grupo.

Eu me dividia entre a idéia de ela não reclamar por ter gostado do nome, ou porque estava tomado algum tipo de gosto pela pessoa que Yami era... Mas o fato de ela concordar me deixava mais aliviado.

- Bom se até a Senhorita Teimosa concorda, acho que estamos decididos, certo Bianca? – Por mais que fossemos um grupo, eu acreditava que Bianca serviria melhor como uma líder, por isto comecei a deixar a idéia no ar para que os outros a seguissem.

- Certamente que concordo Senhor Arthurio. – Ironizou me provocando. - Por favor, Senhorita Black, faça as honras. – Apontou para Bianca com a mão, tendo a palma virada para cima. Creio que o tempo com Igor tinha deixado alguns hábitos gravados em sua memória.

- Se é assim... Eu decreto que a partir de hoje à noite se iniciam as atividades do ODIN! Vamos todos dar o nosso melhor para resolver este e os outros mistérios da hora negra. – Com o mesmo entusiasmo de antes, e agora seguido do nosso. Bianca ergueu sua xícara como se fosse uma taça de cristal para o meio da mesa, e acompanhando seu gesto, todos nós fizemos o mesmo, brindando o inicio de um glorioso futuro, ao gosto do doce aroma das maçãs vermelhas...

O restante da tarde transcorreu perfeitamente normal, conversamos como se não houvessem motivos para nos preocupar, afinal todos tinham agora um objetivo em comum, do qual iríamos ainda muito divergir e compartilhar com os futuros membros da ordem e seus inimigos pessoais.

Entretanto, não importava o que acontecesse com nossas mentes, em nossa jornada de descobertas, e mesmo que nossos corpos fossem completamente destruídos, seriamos para sempre em nossas almas, integrantes da Ordem dos Detetives de Investigação Negra...

Fim do Capitulo

...Mas a Guerra há de prosseguir...

Eterno Brilho / Infinita Escuridão

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.