Perder você

Você não importa


Ele precisava desesperadamente de um cigarro. Não entendia como as pessoas podiam gostar de festas de casamento, era só um conjunto de regras banais. Cerimônia, juramentos, brindes e danças, nada disso fazia sentido para ele.

Sherlock Holmes caminhou pelo jardim, porém ao menos tempo em que estava aliviado por se ver sozinho, principalmente depois de ser o centro das atenções no discurso do padrinho, também se sentia pesaroso por estar só. John já estava mais distante e, apesar dos esforços de Mary, sabia que as coisas não seriam as mesmas após o casamento. Sherlock voltava a estar só.

Sentou-se num banco no jardim, afastado da agitação da festa. Ao longe avistava tudo o que acontecia. Todos dançavam e bebiam alegremente, divertindo-se como era de se esperar. “Menos para mim”, pensou. Seus olhos caíram sobre Molly, ela estava dançando e rindo com a Sra. Hudson, estava linda em seu vestido amarelo. Sentia sua falta, do pequeno período de tempo que passou em sua casa. A conhecer mais a fundo o fez enxergar uma Molly diferente. Ela não era tão frágil quanto ele imaginava, nem tão tímida, muito menos pouco esperta. Ele conheceu uma Molly sagaz, divertida e forte. Independente. Não era o que ele esperava encontrar.

Isso o espantou, raramente se enganava ao avaliar alguém. Molly ficava retraída em frente a muitas pessoas, mas não era assim quando ficaram sozinhos em sua casa. Ela o fazia rir, uma novidade tanto para ele quanto para ela. Com ela as coisas eram leves, eram simples. Ele não precisava ser a máquina que era o tempo todo. Ficar impossibilitado de exercer seu trabalho no tempo em que ficou na sua casa, fingindo-se de morto, mostrou um lado da vida que ele não teve muitas oportunidades de conhecer. Nutria uma grande amizade por John, até mesmo Mary, mas com Molly foi diferente, não havia casos, mistérios, trabalho. Havia somente ela, e seu riso fácil, suas respostas perspicazes, pensamento rápido. Ela o encantou de uma forma que ele achava impossível de acontecer. Não foi só físico, como no caso de Irene. Molly abriu uma porta em minha vida que Sherlock achava estar fechada, ou melhor, achava nem existir.

Isso era preocupante, não podia deixar nada acontecer a ela. Já haviam tentado matar John para atingir Sherlock, pois sabiam da amizade entre eles. O que poderia acontecer a Molly se fosse descoberto que Sherlock nutria algum tipo de sentimento por ela? Era perigoso, era insensato. Mycroft estava certo, eles nasceram para serem solitários. Se envolver trazia riscos, e não só um risco para ele.

Quando voltou a Londres tudo que queria era vê-la, nos dois anos em que ficou fora pensou muitas vezes nela. E conseguiu convencer Mycroft a ficar de olho para que nada lhe acontecesse, através do seu irmão conseguia ter algumas notícias sobre ela. Mas não podia perguntar muito, ele com certeza desconfiaria.

Chamou-a para ajuda-lo em um caso para que pudesse agradecer tudo que ela fez por ele e, além disso, era uma forma de mostrar que confiava nela e que a queria por perto. Descobriu, com pesar, que ela estava noiva. E, ao menos tempo que isso trazia alívio, pois a manteria a salvo, também se sentiu triste. A tristeza não durou muito, por alguma razão o noivado terminou apenas um mês após a sua volta. Uma parte dele se alegrava com essa notícia, a outra continuava temerosa. Ele não estava acostumado a lidar com sentimentos, não sabia como agir e era algo que ele não conseguia controlar. Sabia o que Molly sentia por ele, sempre soube. Mas nunca passou pela sua cabeça que ele poderia corresponder.

Sherlock a observava, ela estava se divertindo, parecia feliz. “Deus, como queria ela sorrindo para mim”, falou consigo mesmo.

Como se tivesse ouvindo, Molly olhou em sua direção. Sorriu e começou a caminhar até ele.

“Não faça isso, Molly, por favor.” – Implorava baixinho ao vê-la se aproximando cada vez mais.

– Sabe, Sherlock, os convidados costumam ficar na festa e não se isolar, em um casamento. – Brincou Molly ao se aproximar com uma taça de espumante na mão, e sentou-se ao lado de Sherlock.

– É mesmo? Se você não me falasse, eu não iria saber. Estou aqui porque queria silêncio. – Sherlock esperava que Molly entendesse e o deixasse sozinho novamente.

E como esperado, ela fingiu não entender ou então não se importou.

– Acho que você deveria desfazer essa carranca e dançar. É o que se faz em festas, as pessoas se divertem.

– Molly Hooper, eu me divirto solucionando crimes e não dançando em festas.

Molly tomava lentamente o liquido de sua taça e sorria. Estava se sentindo bem esta noite, especialmente corajosa e determinada, talvez a bebida tenha um pouco de influência nesse caso.

– Sherlock?

– Hum? - Ele soslaio para Molly quando ela o chamou.

– Eu sinto sua falta.

Havia um certo pesar em sua voz ao dizer isso, mas mesmo assim Molly estava com um sorriso tímido nos lábios. Ela desviou os olhos de Sherlock, e o mesmo não sabia o que lhe responder e isso era um fato que era estranho, já que não costumava faltar-lhe respostas. Seguiu-se um silêncio constrangedor.

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Mary dançava animadamente com John, quando sem querer olhou na direção do jardim e avistou Molly e Sherlock sentados no banco de madeira, parecendo constrangidos.

“Molly e... Sherlock! Preciso fazer alguma coisa, pense Mary! Matar é muito mais fácil que ser cupido! Pense, pense! Oh... Pode dar certo!” – Mary pensava rapidamente no que poderia fazer para ajudar Molly, de quem ela tanto gostava. Não era preciso ser um gênio para perceber que algo tinha mudado em Sherlock com relação a Molly. Eles só precisavam de um empurrãozinho, e ela teve a ideia ideal.

– John! Podemos dançar mais uma música lenta?

– Mas, Mary, as músicas lentas já passaram. As pessoas estão dançando agora, todos estão se divertindo. Se trocarmos para uma música lenta agora, as pessoas não vão gostar.

– Eu não me importo, John. É meu casamento, e eu quero dançar uma música lenta agora! Por favor, peça para tocarem alguma. Qualquer uma!

John olhou com dúvidas para a esposa, mas a festa era deles, afinal. Portanto, pediu para que trocassem a música por algo romântico e lento.

“Molly, por favor, faça isso dar certo.” – Torceu Mary.

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“I'm very sure, this never happened to me before

I met you and now I'm sure

This never happened before”

Molly começou a ouvir a música ao longe. Música lenta, no meio da festa. O silêncio estava insustentável e ela não sabia o que fazer. Subitamente, teve uma ideia. Levantou-se, colocou sua taça sobre o banco, e estendeu a mão. Um sorriso brincalhão dançando em seu rosto.

– Dance comigo, Sherlock.

– A hora da dança já passou, Molly. – Ironizou Sherlock.

– Vamos, faça ao menos isso por mim.

Sherlock olhou desconfiado para Molly, mas mesmo assim pegou a mão que ela lhe estendia. E com os corpos colados, começaram a se mover ao som da música. Molly encostou a cabeça no ombro de Sherlock, e o mesmo não sabia como agir. Dançar com ela dessa forma era tudo que ele poderia querer, se ele não fosse Sherlock Holmes. Se fosse um homem comum que não oferecesse riscos às pessoas próximas a ele.

– Sherlock? Você sabe como me sinto, não sabe?

Ouviu-se um suspiro de exasperação, mas Sherlock não respondeu. A sensação de estar tão próximo a Molly era inebriante. Mas, por Deus, ele precisava protegê-la. O que ele estava fazendo? Ela era linda, seu perfume era maravilhoso. Sherlock estava perdendo a razão, as coisas estavam saindo fora de controle.

Sherlock agradecia por Molly não estar vendo seu rosto. Ele ouvia Molly cantarolar a música, tristemente. Com surpresa, Sherlock percebeu que estava se sentindo triste também. Triste por deixa-la dessa forma. Ele não queria vê-la sofrer por sua causa. Isso partia o coração que ele achava que não tinha, até não muito tempo atrás. Até ela entrar de vez para a vida dele. Era preciso fazer algo. Ele precisava afastá-la dele.

– Sherlock, será que estou tão enganada quando ao que sinto quando estou perto de você? – Molly perguntou ainda com a cabeça encostada em seu ombro. – Isso está acabando comigo, Sherlock. Eu tinha esperança... Esperança de que as coisas pudessem mudar quando você voltou.

– Molly, eu não posso. Não faça isso.

– Isso o que, Sherlock? O que você não pode fazer? Assumir algo que você sabe que existe? – Molly o encarou com os olhos brilhantes de lágrimas.

“Linda. Ela consegue ser ainda mais linda mesmo triste. E eu sou o causador dessa tristeza, e estou ficando louco, porque tudo que mais quero é arrancar um sorriso dela.”

Molly o encarava, agora com um misto de tristeza e raiva. As mãos ainda sobre seus ombros. E então, sem dar nenhum sinal de que o faria, ela o beijou. Por alguns segundos eles se perderam em meio ao beijo. De todas as mulheres com quem se envolveu, de todos os beijos que teve, Sherlock não esperava nada comparado com aquilo. Sentiu que se perdia, sentiu que se continuasse com isso, iria entrar tão a fundo nesse mar de sentimentos, que nunca mais voltaria à superfície, nunca mais seria salvo. Nunca mais conseguiria mantê-la a salvo.

Com esse pensamento, Sherlock a afastou. Molly o olhou sem entender, estava corada, surpresa, com as mãos espalmadas sobre seu peito.

– Não... Você não vai fazer isso, Sherlock. Você não vai fugir disso agora. Pelo amor de Deus, você sabe que também sente algo. Por favor, Sherlock...

– Não, Molly! Eu não sinto nada. Você entendeu tudo errado. Eu estava sendo cordial, somente. Você não importa para mim, não dessa forma. Eu não posso te dar o que você deseja.

– Sabe de uma coisa, Sherlock? Você não é o único que consegue sentir uma pulsação. E nesse momento, o seu coração está terrivelmente acelerado, me dizendo o contrário das suas palavras. – Molly o olha com aqueles perspicazes olhos castanhos, o desafiando a negar.

Sherlock percebe que Molly estava com as mãos sobre seu peito, e então as segura, retirando-as. Molly não deixa que ele solte sua mão, e a leva até o seu próprio coração.

– Negue isso, Sherlock. Diga que não se importa, diga que não sente nada.

Eles se encaram por alguns instantes. Sherlock retira sua mão de sobre o coração de Molly e lhe dá as costas, indo embora e deixando-a sentada no banco de madeira. E as lágrimas que ela tanto segurou, começando a deslizar por seu rosto.

“Sinto muito, Molly. Será mais seguro assim. Eu preciso que seja assim.” – É o último pensamento de Sherlock antes de entrar em um Táxi e ir para seu apartamento em Baker Street.

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Não muito longe do banco de madeira em que Molly está sentada, alguém observa toda a cena.

– Interessante. Parece que alguém finalmente penetrou aquele coração de pedra. Quem diria, o Sr. Holmes tem algo a perder, afinal.

Dando um ligeiro sorriso, o homem se afasta do local.