Pele

Confronto


Kevin

— O que quer de mim, Dean? Estou atolado de serviço. — reclamou o rapaz franzino , de grandes óculos de aros escuros, em sua ilha de escrivaninhas, monitores e papeladas.

— Calma! Não quero importuna-lo ou sobrecarrega-lo, apenas nos escute. Charlie, dê os dados.

— Um cara desconhecido do deviant art postou um desenho de Dean. Muito bom, pra dizer a verdade. Quando nós o confrontamos ele simplesmente deletou a conta. Pode isso? O cara deletou a porra da conta. Agora me diz se não é estranho.

— Um stalker. — concluiu Kevin.

— É o que nós também pensamos.

— Não adianta ir à polícia, eles não vão fazer nada. — Kevin pareceu falar para si mesmo.

— É por isso que estamos aqui, Kevin. Queremos descobrir quem é esse maníaco.

— Pra que?

— Como pra que? Imagine se fosse seu desenho ou foto nas redes sociais. E quando você confronta o cara, ele simplesmente foge sem deixar rastros. Você não faria nada para tentar descobrir a verdade? — respondeu Dean indignado.

— Já reportaram aos administradores do site?

— Já. Eles agem como se fosse um segredo de estado do pentágono. Não irão nos ajudar.

— Ok! Vou ajudar só dessa vez, Dean. Depois me erre.

Kevin Tran, descendente de asiáticos, analista de sistema e hacker nas horas vagas, era um amigo recente, mas uma mão na roda no que tangia a problemas virtuais. Resolvia pendências administrativas e imbroglios burocráticos, que só serviam para atrasar a vida. Quando você é um fantasma online, não há paredes em fogo que te barrem. Em pouco tempo, Kevin restaurou a conta deletada do deviant art, como também conseguiu o e-mail, o ip do computador, e o endereço geográfico de "alienboy82".

— Todas as informações estão aí. Não aconselho a confrontarem esse cara sozinho. Leve aquele policial consigo, o cara do RPG, como é mesmo o nome dele?

— Castiel. — Charlie respondeu de pronto.

— Valeu! Obrigado, bro!


Batida


Jimmy Novak, investigador da polícia, vulgo Castiel, foi ao endereço do stalker acompanhado de seu amigo Dean. Bateram e não obtiveram respostas. Conseguiram falar com vizinhos que confirmaram que ali morava um jovem estranho que nunca saía de casa. Eles suspeitavam tratar-se de um psicopata. Voltaram a mesma porta e ameaçaram com um mandato de justiça, inexistente, mas o stalker não precisava saber disso. Após alguns minutos, um jovem abriu a porta. Tinha cabelos longos e uma grande franja que lhe escondia o rosto. E mesmo ali, num ambiente abafado, usava camisa de mangas longas. Ele parecia envergonhado e amedrontado.

Castiel examinou detalhadamente o ambiente e notou diversos desenhos na parede. E entre eles, alguns eram desenhos de seu amigo Dean. Ele virou-se e tentou chamar a atenção do loiro. Este olhava fixamente para o stalker, como se já o conhecesse.

— Eu me lembro de você. Esteve na minha loja para comprar uma arma. — Virou-se para Castiel. — É ele, o "unabomber" de que lhe falei.

— O que? — Sam assustou-se.

— Então você foi comprar uma arma. Desembucha, rapaz! Pra que queria uma arma? Quais são suas intenções? — Castiel assumiu seu lado policial durão, muito mais para pressionar o suspeito a confessar seu crime por puro medo.

— Eu não ... eu não fiz nada. Eu ... eu nem comprei a arma.

— E para que a queria?

— Para me defender. Fui assaltado. — Sam começou a tremer de puro nervoso o que aumentou sua vergonha e humilhação.

Nesse momento bateram na porta. Castiel fez um sinal de silêncio para Sam ao mesmo tempo em que segurava sua arma no coldre. Foi silenciosamente até à porta e a abriu de sopetão. Do outro lado estava um sujeito baixinho, de lábios finos e olhos argutos. Seu paletó de cor clara não ajudava em nada para atenuar a expressão de espertalhão da sua face.

— Quem é você? — os dois falaram ao mesmo tempo.

— Gabriel Archangel, advogado do Sr. Samuel Mills. E o Senhor?

— Jimmy Novak, polícia de Los Angeles. Estou aqui investigando as atividades suspeitas de seu cliente.

— Que atividades? Se puder me contar eu agradeceria.

— Apropriação ilegal da imagem de outrem para benefício próprio postando em redes sociais.

— Isso é verdade, Sam?

— Não ... quero dizer, sim, mas ...

— Não diga mais nada, rapaz.

— Pois eu aconselho o contrário. Inclusive faço questão que me acompanhem até a delegacia.

— Isso é mesmo necessário, Castiel ... digo, Detetive Novak?

— Deixe-me fazer meu trabalho, Dean, por favor. — Castiel falou incisivo.

Os quatro então foram até a delegacia de polícia, onde Sam foi fotografado e teve suas digitais recolhidas. Mais tarde foi liberado para casa, onde aguardaria pela notificação da audiência com o juiz.

Quando voltou para casa, Dean Winchester recostou-se em sua cama em seu espaçoso e confortável quarto. Ficou remoendo os acontecimentos daquele dia em sua mente. Samuel Mills, o "unabomber", era um rapaz antissocial que se escondia do mundo em seu apartamento como se fosse um casulo. Durante os procedimentos técnicos na polícia, em que lhe tiraram as digitais, este foi obrigado a retirar as onipresentes luvas. Suas mãos eram manchadas em diversos tons, como cicatrizes em diversos estágios. Dean olhou de soslaio para Castiel que entendeu a pergunta muda. Ele aproximou-se e cochichou "parece psoríase, uma doença de pele".

Dean levantou-se e pegou seu smartphone. Pesquisou "psoríase" no google que lhe informou: "Doença na qual as células da pele se acumulam e formam escamas e manchas secas que causam coceira. Acredita-se que a psoríase seja um problema do sistema imunológico. Os gatilhos incluem infecções, estresse e frio." Isso explicava muita coisa, como o fato de se esconder sob tanta roupa, e fugir do olho do público. Devia ser uma vida horrível, sempre solitário e com medo de ser tratado como um doente. Sem falar no nojo explícito das pessoas que imaginavam mil tipos de coisas, ou doenças contagiosas.

Leu mais sobre o assunto e descobriu que não tinha cura, e que duraria sua vida inteira. Coitado. Isso era uma sentença de exclusão da vida em sociedade. Sentiu-se mal por haver importunado o rapaz por causa de um maldito desenho da internet. E eram desenhos muito bem feitos, diga-se de passagem. O cara era um artista. Castiel havia recolhido todos os desenho retratando Dean da casa de Mills, e informou que eram evidências do delito. Agora Dean se arrependia disso. Melhor se fosse na polícia e retirasse a queixa, e então, iria até à casa de Sam Mills desculpar-se por toda aquela confusão. Afinal não lhe roubaram nada, não é mesmo? Na verdade o roubado fora Mills. Ele contara que fora vítima de assalto, por isso precisava da arma. Não era um mau sujeito. Era até digno de pena. Se Sam Mills aceitasse suas desculpas, quem sabe, até poderiam virar amigos. Era o que faria no dia seguinte.