153 A.g

O sol parecia brilhar forte nas costas de Lin, fazendo-a suar dentro de sua sala de metal. Podia sentir o desconforto sob os braços e só conseguia pensar no momento de ir para casa, tomar um banho e descansar. Os últimos dias não estavam fáceis para a chefe de polícia.

A primeira coisa que parecia estar enchendo a sua cabeça era a formação do tal clã de metal que surgia entre Gaoling e Chin, ninguém parecia saber quem estava por trás daquilo. Alguns acreditavam que era algum aluno da academia Bei Fong, revoltado com a família, mas alguns tinham certeza que era a própria filha caçula de Toph.

Lin tinha certeza de que os últimos estavam certos, até porque ninguém nunca parecia realmente insatisfeito com sua mãe exceto a própria.

O segundo assunto que tomava a sua mente eram suas reuniões quase diárias com o conselho e com a Lótus Branca. Não queria ir para a Ilha do Templo do Ar. Claro que amava os tios, mas outros motivos a mantinham longe de lá e Sokka intercedia por ela sempre que possível.

Mas Katara continuava irredutível. Não adiantava nem comentar que o Avatar e a maior dobradora de água viva poderiam dar conta de alguns adolescentes rebeldes, além do que a Lótus insistia que havia colocado toda a guarda e os dobradores de metal não precisariam interferir.

Toph se dispusera a passar um longo tempo com eles no templo, mas por algum motivo, Katara não parecia tão disposta a aceitar isso.

Aquilo despertara alguma curiosidade na atual chefe de policia, mas não o suficiente para ir atrás do que estava acontecendo na vida da mãe.

— Há quantos anos você não tira umas férias?

Lin não precisava tirar os olhos de sua papelada para saber quem havia invadido sua sala. A única pessoa que realmente tinha permissão para circular livremente pela delegacia sem precisar prestar contas com o conselho.

— O que está fazendo aqui? — ela largou o papel que estava lendo, passando para o próximo.

— Vim fazer uma proposta — aquele foi o momento em que Lin finalmente largou o que fazia para encarar a mãe.

Toph estava parada, encostada no batente da porta com o pé descalço apoiado na parede atrás dela. Ainda era forte, mas parecia estar mais magra e baixa sem o uniforme, em roupas casuais de treino, haviam manchas de suor recente em suas roupas, mas ela parecia fresca.

Por um minuto se sentiu mal pela distancia cultivada ao longo dos anos. Não havia visitado os avós antes de morrerem e nem estivera em seu funeral, por mais que sua família insistisse que não se podia deixar os entes queridos partirem daquela forma, com rusgas.

— Pode me responder para eu saber que está prestando atenção, pelo menos? — perguntou, erguendo uma das mãos em um gesto dramático.

— Qual a proposta, chefe?

Nos primeiros anos em que estiveram brigadas, Toph sempre resmungava coisas como "Onde já se viu chamar a mãe de 'chefe'?", mas logo parara. Lin assumiu que a mãe simplesmente desistira de recuperar qualquer afeto entre elas.

— Parece que sua irmã fundou uma cidade nos arredores de Gaoling — Lin assentiu, plenamente ciente de que isso irritaria a mãe, mas a mulher não pareceu se afetar dessa vez — Eu e Sokka vamos visita-la, não quer vir com a gente? — Lin bufou entre as narinas e isso era resposta suficiente — Pelos velhos tempos, Linny.

— Não! — o tom parecendo mais irritado do que indiferente agora — Alguém tem que proteger o avatar e sua família.

— Eles são três dominadores adultos, com reforço da Lótus Branca, dos nossos dobradores de metal e da Nação do Fogo — respondeu a mais velha e no mesmo instante Lin soube que aqueles não eram os argumentos dela — Podem se virar sozinhos.

— Engraçado que ontem você estava querendo se mudar para lá para ajudar.

Houve uma pausa um pouco desconfortável que parecia piorar com o calor absurdo que fazia dentro daquelas paredes e Lin quase podia ouvir o tique-taque do relógio enquanto esperava dar seu horário de saída.

— Você tem quatro sobrinhos e nenhuma curiosidade em conhecer eles?

Não era como se não gostasse de crianças, mas não entendia como funcionavam aquelas bolas de energia condensadas em um corpo humano. Preferia quando chegavam a maior idade e se tornavam minimamente racionais.

— Não! — respondeu seca — Se é apenas isso, eu gostaria de terminar essa papelada. Se Sokka vai viajar quer dizer que vou ter que lidar com o resto do conselho e eles não costumam ser tão paternais.

Toph suspirou, incapaz de achar um argumento coerente contra a filha e então saiu da sala. Sem dizer mais nada.

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Lin olhou para o relógio assim que a mãe deixou a sala. Faltavam apenas alguns minutos para ficar completamente livre do serviço. Sentia que precisava de álcool quando se levantou da mesa com a cabeça latejando de dor, mas não tinha qualquer vontade de ir para um bar.

Não queria ver gente naquela noite, só se deitar na cama e dormir.

Caminhou devagar até chegar no apartamento de Sokka, na verdade já estava morando lá há tantos anos que começava a chamar de sua casa.

Jogou a bolsa sobre o sofá e se foi para a cozinha a passos largos. Não acendeu nenhuma das luzes e nem se preocupou em olhar ao redor da sala, a única coisa que importava era chegar na geladeira e encontrou o que procurava apenas com a luz amarelada.

Depois de abrir a garrafa com um movimento simples de mão, voltou para a sala e ascendeu apenas a luz do abajur ao lado do sofá.

Não conseguiu evitar o susto quando viu uma pessoa sentada em sua poltrona, a cabeça encoberta pelos longos cabelos castanhos que escorriam pelos lados e por entre os dedos.

— Kya? — ela chamou quando finalmente conseguiu reconhecer a prima postiça.

A filha de Katara ergueu os olhos azuis, cercados de vermelho por conta das lágrimas que escorriam por seu rosto sem qualquer controle. A dobradora de água até tentou sorrir, mas não havia conseguido.

— Desculpa, eu não sabia mais para onde ir — respondeu, as mãos tremendo quando as apertou juntas.

— O que aconteceu?

A última vez que havia encontrado a prima daquele jeito não fora em seu apartamento. Kya aparecera na delegacia bêbada e Lin foi obrigada a praticamente carrega-la até o apartamento antes de entender que a jovem estava enlutada, havia acabado de perder a esposa e precisava de ajuda.

Lin não tinha outra escolha depois do que a mulher tinha feito ficando ao lado dela depois do termino com Tenzin. Não que precisasse muito para Kya ficar contra o irmão caçula, mas ainda assim a colocou no banho e a escutou até dormir.

Agora ela estava do mesmo jeito, mas a mais nova não conseguia acreditar que fosse a mesma coisa dessa vez.

— Meu pai...

Ela nem precisou terminar de falar. Lin voou para o seu lado e envolveu a prima com força, sentindo-se culpada de repente por não ter feito mais.

Ela podia ter feito, não? Podia ter ido para a ilha,era grande o suficiente para que não encontrasse com Tenzin e a esposa enquanto protegia o Avatar.

— Eu sinto muito.

Passaram um bom tempo abraçadas sem se mover antes que a mais velha resolvesse que era hora de voltar para a casa e ficar com a família. Logo começariam a chegar curiosos e membros do Lótus e a mulher não tinha certeza se a mãe conseguiria lidar com isso sozinha.

— Seus irmãos não podem cuidar disso? — perguntou, preocupada que Kya resolvesse tomar o lugar da mãe, cuidando de todos como Katara costumava fazer.

— E você acha mesmo que eles saberiam lidar com isso? — perguntou, segurando a mão da mais nova — Tenzin é politico e prático demais, isso se não estiver sentindo demais para fazer qualquer coisa e o Bumi... bom...— ela fez uma pausa sem fazer questão de completar a fala.

— Eu vou arrumar os meus homens e vamos para ilha assim que possível — respondeu, sentindo os dedos macios de Kya apertarem os seus.

— Vai descansar — disse, antes de se soltar e abrir a porta — Eu não acho que vamos fazer qualquer coisa antes de amanhecer.

Lin sorriu, observando a mais velha andando lentamente pelo corredor. Mesmo depois de bater a porta ela continuou acompanhando a mulher por muito tempo, o andar arrastado e triste e então ela sentiu a dor da culpa a apertar mais ainda, mesmo sabendo que não tinha nada que pudesse fazer agora.

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Sabia que o namorado estava sentado na sala arrumando as malas para a viagem, por isso entrou e bateu a porta sonoramente para que ele soubesse que alguma coisa estava errada.

Às vezes achava estranho que tivesse um namorado aos 65 anos, talvez devessem ter se casado em algum momento nos últimos dez anos como todos seus amigos, mas eles nunca jogaram pelas regras no fim das contas.

— Lin não aceitou vir? — perguntou, já sabendo a resposta de qualquer forma.

— Eu não sei como ela pôde sair tão teimosa e cabeça dura — disse a mulher, se deitando no sofá — Eu não lembro do pai dela ser tão teimoso.

Sokka riu do seu lugar, ciente de que o pé dela logo lhe acertaria as costas. Estava velho, mas isso não significava que todos os seus reflexos haviam ido embora e então agarrou o tornozelo fino antes que pudesse acerta-lo e a puxou até estar sentada atrás dele, os dois pés em seu colo.

— Se você quiser eu falo com ela amanhã — respondeu, sentindo as mãos da mulher lhe envolverem a cintura — Sempre me disseram que eu tinha um jeito com as mulheres.

— Você quer dizer eu e minhas filhas, né? — a voz era baixa contra seu ouvido, quase cansada enquanto ela apoiava a cabeça em seus ombros — Porque nas últimas 3 décadas foram as únicas mulheres com quem lidou.

— Quero dizer você e nossas filhas — respondeu, beijando a mão pequena que ainda repousava em suas pernas — E também com a minha irmã que não é fácil. A única mulher que não me da dor de cabeça nessa família é a minha sobrinha.

Toph riu, depositando um beijo em sua nuca antes de se levantar e sumir para a cozinha.

— Eu falo sério sobre falar com a Lin, talvez eu consiga...

Mas então ele foi interrompido quando viu a namorada em posição de batalha. Já a havia visto assim mais de milhares de vezes durante a vida, mas parecia que tinha algo de diferente dessa.

— Quem aparece na casa de uma antiga chefe de policia no meio da noite sem ser convidado?

Sokka sabia que era uma pergunta retórica, por isso engoliu a vontade de dizer que ele fizera isso mais vezes do que podia contar quando as meninas eram pequenas e ela ainda estava na ativa, em vez disso só perguntou.

— Problema? — ele já estava em pé. Não gostava de manter armas por perto quando estava em casa, mas sempre tinha uma em alcance rápido para caso de necessidade.

Eles ainda eram pessoas de interesse no fim das contas.

— Parece que não — respondeu relaxando enquanto caminhava até a porta para abri-la.

Sokka parou atrás da mulher, as duas mãos nos ombros estreitos, esfregando os polegares contra as omoplatas, enquanto encarava a figura em um robe azul escuro e branco que eles conheciam bem.

— Mestre Raiko — cumprimentou o casal em sincronia.

Era um homem que havia tomado a liderança há muitos anos atrás, um bom dobrador de terra nascido nas colonias da Nação do Fogo que tinha pleno acordo com o grupo do Avatar e a confiança total de seu antecessor e havia, até mesmo, sido um pupilo de Iroh.

O homem também se curvou. Tinha seus 80 anos agora e a cabeça sem qualquer fio em contraste com a barba longa e espeça, tão branca que aprecia neve e Sokka apenas agradeceu pela oportunidade de não ficar careca.

— Aconteceu algo com meu cunhado? — perguntou o homem, deixando de lado suas preocupações superficiais.

— Sim, conselheiro! — seu tom era sério e monocórdio ao falar — Mestre Katara disse que seu marido foi se deitar após o jantar e quando foi se juntar a ele o encontrou já sem respirar. O avatar Aang está morto.