143 A.g

Estava no conselho quando foi surpreendido pela chegada da namorada. Não usava o uniforme da policia pela primeira vez no que parecia uma vida inteira, e de certa forma havia sido mesmo já que seis crianças haviam nascido e crescido nesse meio tempo.

Ele pediu que a deixassem entrar. Havia uma certa estranheza da parte de sua secretária. Era uma moça um pouco mais jovem que Toph que havia estado com ele por muitos anos desde que Suki ainda era viva.

Nunca haviam tido nada, mas a chefe conseguia ver muito mais do que ele e sabia que tinha algo de errado com ela, algo de hostil que sempre parecia ser direcionado para si e para as meninas, desde que Lin ainda era apenas um bebê de colo.

A porta atrás dela se fechou com um estrondo abafado e então os braços de Sokka estavam ao redor de sua cintura. A descrição esquecida quando não haviam olhos sobre eles, isso costumava acontecer na delegacia já que ela pouco o visitava no trabalho.

— A que devo essa honra? — Perguntou, afundando os dedos grandes e grossos no coque da mulher.

— Eu posso ir embora — ela se soltou dos braços dele, escorregando o braço pelas mãos de Sokka que a segurou pelo punho, a puxando de volta — E falamos sobre trabalho em casa.

— Porque você só me visita para falar de trabalho?

Ela perguntou, enroscou os dedos na blusa dele e então a abraçou mais perto, sentando-se no tampo da mesa.

Havia dois quadros de foto sobre ela. Toph sempre teve uma forte crença de que uma delas era de Suki. A verdade é que, sim, por muitos anos havia sido Suki em uma das molduras enquanto a outra era uma foto do casamento de sua irmã, com os noivos no centro, o senhor do fogo ao lado de Aang que segurava sua esposa com carinho, enquanto Sokka ficava espremido entre a irmã e a dobradora de terra.

Mas hoje as coisas já não eram mais as mesmas. A foto de Suki ainda estava em seu gabinete, mas há muito tempo não tinha mais o destaque de antes. Em seu lugar estava uma foto de Toph com as duas meninas, Su estava fazendo um ano e Lin segurava as mãozinhas pequenas nas suas enquanto Toph se sentava no chão de braços abertos enquanto esperava por elas.

— Porque você mora na minha casa e lá temos mais liberdade do que aqui — ela respondeu, batendo suavemente com o pé no chão, do outro lado da porta uma voz feminina reclamou fazendo a chefe sorrir de canto.

Ele fez uma pausa, apertando os dedos dela contra os dele e a encarando nos olhos sem vida.

— Sobre o que queria falar?

— Sokka — ela falou com um tom abaixo do seu normal — Eu vou entrar com meu pedido de aposentadoria.

Ele parou por um momento, sabendo que ela podia sentir o olhar espantado dele sobre o rosto duro, mas não recuou. Sokka correu as mãos pelos braços dela, tentando se apegar a qualquer coisa dela. Qualquer coisa que lhe dissesse que aquilo não estava acontecendo.

— Toph, você tem apenas 56 anos, ainda tem muito a oferecer para essa cidade — ele tentava chama-la para a realidade.

— Isso não é uma discussão — ela respondeu, se afastando das mãos dele — Eu não posso continuar nas mãos do conselho.

Ele parou por um instante encarando os olhos esbranquiçados. Ele sabia do que ela estava falando, passara o último ano vivendo com ela, vendo o peso que ela carregava toda a vez que vinha do trabalho, não era mais apenas a armadura de metal que cansava os músculos doloridos.

A puxou devagar, aninhando a cabeça rajada de branco contra seus ombros. Os fios cinzentos haviam se multiplicado no ano que passou e ele acreditava que logo estaria com a cabeça toda branca. Ele mesmo já mal se reconhecia no espelho com os cabelos castanhos já cinzentos e as rugas em torno dos olhos e da boca.

— Vamos conversar sobre isso em casa, sim? — ele perguntou, aconchegando-a, beijando o rosto que começava a mostra os primeiros sinais da idade — Vamos achar uma solução.

Ele sentiu quando as mãos dela acertaram seu peito, mas ele nem tremeu.

— Eu não quero uma solução, Sokka! — ele respondeu em um sussurro — Eu estou velha e cansada. Eu quero voltar a dar aulas e quero um tempo para a minha família. — ela fez uma pausa, deixando as mãos descansarem sobre o corpo do amado — Mesmo que eu não tenha mais uma.

Se ela ao menos pudesse ver. Ele pensou, passando uma mecha grisalha para trás da orelha antes de beijar a ponta do nariz.

— Conselheiro, carta para o senhor — disse a secretári, mas parou por um instante quando o homem a mandou esperar — É de Suyin Bei Fong.

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— O senhor quer que eu leve a chefe Bei Fong até a saída? — a mulher falou depois de um longo momento de silêncio.

Sokka havia se afastado para pegar o papel que ela não poderia ver, mas tinha certeza que ele leria para ela. Haviam feito isso pelo último mês, quando ele levava a correspondência da filha para lerem juntos no sofá. Aquilo a fazia bem, a afastava das pressões do trabalho.

Toph estava pronta para responder a mulher, mas então sentiu o braço dele ao redor de sua cintura, contendo-a de fazer algo que provavelmente se arrependeria mais tarde, enquanto respondia pelos dois.

— Porque faria isso? — perguntou, voltando a se apoiar contra a mesa, aninhando a mulher junto a ele, não que ela fosse ceder tão fácil com a secretária ali — É uma carta da filha dela e me poupa de ler duas vezes a mesma coisa. — Mas Toph sabia que ele leria várias vezes ainda, sempre fazia.

Toph pode sentir a mudança no humor da mulher e soube imediatamente que ela havia ficado envergonhada com a cena que tinha acabado de acontecer na sala do chefe.

Saiu logo em seguida, ainda encarando o chão enquanto fechava a porta atrás de si, deixando o politico e a chefe de policia a sós para poderem resolver os problemas de família.

— O que ela está dizendo ai? — perguntou ela, voltando a se apoiar contra ele. Não fazia muito tempo que os dois haviam mandado a carta com os desenhos dela e não esperavam receber mais nada até o dia da volta.

Talvez fosse esse o motivo que estivesse deixando a mãe tão preocupada com o quanto ela não conseguia enxergar e fazia com que Sokka ficasse silencioso enquanto lia as linhas de caligrafia elegante.

— A Su não vai voltar para Cidade República — ele falou, apertando a namorada contra o próprio corpo mais uma vez, tentando evitar que ela fizesse a cena que sabia que iria vir a seguir.

Mas Toph se soltou, as duas mãos nas têmporas enquanto se controlava para não desencadear um terremoto em Cidade República. Seria difícil explicar porque um terremoto havia saído da sala de Sokka no meio do dia.

— Como assim "não vai voltar"?

A pergunta pairou pela sala enquanto o homem se aproximava dela para tentar acalma-la. Puxou-a pelos quadris e afastou a franja prateada do rosto.

— Ela está planejando viajar um tempo, conhecer o mundo. — ele respondeu, tentando defender o ponto da filha — Nós fizemos isso.

— Nós estávamos em guerra. — acrescentou — Quem ela pensa que é... a Kya? — fez mais uma pausa, tentando se afastar dos braços dele — Ela puxou isso do seu lado da família.

Sokka nem tentou discutir enquanto a apertava mais firme contra o peito, beijando os lábios com paixão. Era bom ouvi-la falando de Su como sua filha, mesmo que fosse no meio de uma pseudo-briga.

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— Você tem certeza de que ela está bem?

Faziam quase cinco meses desde que a carta de Su havia chegado. Quase 3 que Lin havia assumido o seu lugar de direito como Chefe da policia. O conselho não havia deixado Toph participar da escolha e isso tinha muito mais a ver com a ligação familiar entre elas do que por sua falta de visão.

Ela mesma havia apresentado o nome de Lin para ser sua sucessora, mas foi barrado antes mesmo de ser avaliada. Aquilo irritara a chefe aposentada, por sorte Sokka estava lá para tentar conte-la.

Tentar, porque só ele não havia sido capaz. A sorte que o próprio avatar e o Senhor do Fogo estava juntos naquele dia para ajuda-lo e impedir que acabasse esmagado sob a fúria da dobradora de metal.

Tiveram que garantir uma guarda para que ela não aparecesse no dia do exame para chefe, mas não tiveram o mesmo cuidado com Lin que fizera questão de aparecer e se provar mais do que digna.

— Lin tem sido muito elogiada no conselho — ele respondeu, sentado no balcão da cozinha enquanto se preparava para o trabalho.

— Eu não consigo acreditar que realmente pensaram que eu indicaria a minha filha apenas por ser minha filha — ela respondeu.

Apareceu na sala com uma roupa simples, mas não o pijama que usava até alguns minutos como havia sido nos últimos meses e os cabelos negros escorriam lisos pelos ombros enquanto tentava arruma-los no penteado de sempre.

— Eu nunca dei tratamento especial as minhas filhas.

— Claro que não. — respondeu ele, envolvendo a cintura pelas costas e beijando o ombro exposto, deixando a mão roçar o bracelete de meteorito que havia lhe dado tantos anos atrás — Vai sair?

Ela não respondeu de imediato. A boca cheia de grampos enquanto batalhava com os fios grossos. O cabelo estava mais rachado agora e mal se podia ver o negro entre as mechas cinzentas que lhe passavam pelos dedos, mas então ela separava as mechas com habilidade e os fios negros como piche pareciam brilhar na luz da manhã.

Já havia perdido o costume de vê-la se pentear pela manhã, já que saia antes que ela acordasse na maioria das vezes ou então ela o deixava solto o dia inteiro. Claro que Toph ainda escovava os cabelos antes de dormir, mas não era a mesma coisa.

De repente ele sentiu os fios caindo entre eles e cobrindo as próprias costas sobre o tecido grosso e riu quando ela bufou, tirando os grampos da boca.

— Vou voltar a ensinar dobra de metal — respondeu, se virando em seus braços e apoiando as mãos em seu peito — Se meu pai descobre que me aposentei me coloca para trabalhar na refinaria.

— Isso parece ruim — ele respondeu, sabendo que a maior parte do trabalho na Terra e Fogo era administrativo ou diplomático e não tinha nada que ela odiasse mais.

Também tinha Satoru, mas já estavam juntos há um ano agora e ele já estava velho demais para esse tipo de ciúmes infantil. A abraçou mais perto, sentindo os braços dela se fecharem ao redor do seu pescoço e os lábios tocarem os seus de forma casta,a apertou mais forte, aprofundando o beijo e o momento entre eles. Sabia que podia se atrasar se provocasse demais, mas valia o risco.

— Péssimo — ela respondeu de repente, cortando o contato das bocas e batendo os punhos contra o peito largo — Então... Você sabe que eu amo você, mas eu poderia usar algum espaço para me arrumar.

Ele a deixou ir, sentindo aquele aperto na boca do estomago, como se fosse a primeira que se viam. Uma bobeira de primeiro amor que já havia sentido um milhão de vezes antes e que parecia estranho naquele contexto, depois de morar por quase um ano com ela.

Deixou-a ir, mas segurou firme a mão pequena na sua e a puxou de volta logo em seguida. Segurando o rosto delicado entre as palmas.

— Você nunca disse isso — respondeu, beijando as pálpebras fechadas e então descendo a boca pela pele suave onde as rugas começavam a aparecer marcando o redor dos olhos, a testa e os lábios. Cada uma tão linda quanto a anterior — Não com essas palavras.

— Não seja um bobo — respondeu, batendo com a escova nos braços de Sokka — Eu te amo e você não vai ouvir isso tão cedo.

Toph voltou a se afastar dos braços dele, focando toda a atenção em prender a juba rebelde de costas para o homem que continuava a admirar a precisão que ela tinha mesmo sem ver, sinal de todos os anos que havia passado.