Parte de mim

Capítulo Único


As luzes se apagaram e o som ensurdecedor dos gritos histéricos de mais de 5000 mil pessoas tomaram conta do espaço.

"É, as doze horas na fila valeram a pena..." pensou ela, agarrando a grade com força, mas não muita, pois sabia que para agüentar o show inteiro na primeira fileira teria de poupar energias.

"Podia ser pior..." pensou ela, "se fosse na Alemanha eu teria que acampar duas semanas na frente do estádio pra pegar um lugar como este!"
Estava com fome e cansada, mas as dores físicas pareciam não ter importância alguma. Por eles ela agüentaria muito mais... Eles que eram praticamente o motivo do seu viver, que fizeram ela se apaixonar como nenhuma outra banda havia conseguido... Naquela noite ela finalmente os veria de perto, tão perto, tão perto...

Ela sentia o peso do mundo em suas costas. Milhares de pessoas matariam e morreriam para estar no lugar dela; empurravam com toda força, pressionando-a contra grade, que ela segurava como se sua vida dependesse disso. Os gritos foram ficando cada vez mais altos enquanto o suor escorria pelo seu rosto, se misturando com as lágrimas de emoção.
E de repente lá estava ele, sorrindo para o público, apenas poucos metros de distância.

–BOA NOITE BRASIIIIL!!! - gritou Bill no microfone - PRONTOS PARA "GRITAR”??

Ela sabia qual música era, uma de suas preferidas. Pulava e gritava com toda sua voz a letra que já sabia de trás para frente, às lágrimas jorravam dos seus olhos inchados. Era possivelmente o momento mais feliz de sua vida...

De repente tudo desabou. Sentiu seus ossos quebrando com o peso do mundo em cima dela. A dor invadia seu corpo; uma dor aguda, devastadora. Gritou por ajuda o mais alto que seus pulmões permitiram, mas ninguém ouviu. Tentou respirar, mas era impossível. Estava morrendo.

Recuperou a consciência. Gemia de dor; seu corpo dolorido e a cabeça latejando eram insuportáveis. Estava fraca demais para se mexer. Abriu os olhos devagar. Com a vista embaçada conseguiu traçar a figura de uma mulher vestida de branco.

– Como está se sentindo? - perguntou a mulher, parecia simpática.

Sem pensar ela respondeu com uma voz baixa:

– Estou com fome...

– Faz sentido. Vou buscar algo para você comer, enquanto isso tome isto aqui, vai amenizar a dor - E a moça estendeu um copo com algo que ela bebeu em apenas um gole, nem prestou atenção no gosto ruim do remédio. A dor foi desaparecendo devagar, ela já conseguia mexer seu corpo.

Foi então que ela se lembrou de algo que teria doído menos se alguém tivesse lhe dado um tapa no rosto. "O show! Estou perdendo o show!", e as lágrimas escorreram novamente.

– O que houve? Ainda está sentindo dor? - Perguntou a enfermeira preocupada.

– Onde eu estou? Há quanto tempo estou aqui??? - A menina vomitava palavras desesperadas.

– Está na enfermaria do estádio. A pressão da multidão fez com que a grade desabasse, foi difícil para os seguranças conterem o alvoroço. Muitas meninas se machucaram, mas você foi a única que chegou e perder a consciência... Está desmaiada há quase uma hora...

– Quase uma hora? Então ainda dá tempo de ver o final do show??

– De jeito nenhum! Você enlouqueceu? Mal consegue se mover! - Respondeu a enfermeira.

Uma parte dela já esperava por essa resposta, mas um fio de esperança a fez acreditar que nem tudo estava perdido... Um fio de felicidade que desaparecia lentamente, dolorosamente...

– Isso... Isso não é justo! Economizei meses para comprar o ingresso, sonhei com esse dia todas as noites, esperei tanto, tanto... Era para ser o dia mais feliz de todos... O dia em que eu veria de perto aqueles que mudaram a minha vida... E agora já era... - Chamar aquela sensação simplesmente de tristeza seria quase um insulto. Ela se sentia derrotada, devastada e principalmente, sozinha.

– Seus pertences estão em cima da mesa. Achei sua identidade no bolso, srta. Sheffield, correto? - Disse a enfermeira, sentindo dó da menina.

– Certo... Mas espera, você achou só a minha identidade? E todo meu dinheiro, meu celular??

A enfermeira não sabia o que dizer, não havia achado mais nada! Se antes o rosto da menina parecia desesperado, agora estava indescritível. A enfermeira sentiu um aperto no coração ao ver aquela cena. Sem saber o que fazer, disse:

– Eu... Vou buscar algo para você comer... - E saiu, deixando a pobre menina de 18 anos sozinha no quarto, abandonada. Os minutos pareciam anos naquele quarto pequeno e abafado. Tudo parecia perdido...

Sem saber direito quanto tempo havia se passado, a enfermeira entrou no quarto de mãos vazias, mas com um enorme sorriso.

– Posso não ter trazido comida, mas acho que você vai gostar mais do que eu tenho para te falar! - Disse a enfermeira sorridente - O show acabou de terminar, e adivinha quem eu encontrei no corredor?

Os olhos da menina se iluminaram.

– Não pode ser... Eles???

– Pode sim! Contei a eles sobre você, e eles virão te ver daqui a alguns minutos! Sentiram-se culpados por você ter se machucado no show deles. Vão assinar alguns autógrafos lá fora e virão te visitar logo em seguida!! Não precisa agradecer, vou ver se arrumo algo para você comer antes que eles cheguem, não pode vê-los com essa cara!

Não havia mais ninguém no quarto, a enfermeira concordou em deixá-la a sós com seus ídolos. Ídolos? Essa palavra não fazia jus ao que eles significavam para ela. Eles eram sua vida, sua inspiração, seu estilo, sua obsessão.

De repente, ouviu-se o som da maçaneta da porta girando.

– BIIIIIILL!!! - Ela disse assim que viu a figura do rapaz magro de cabelos pretos longos e espetados. Atrás dele o irmão Tom, seguido por Gustav e Georg. Todos sorrindo, maravilhosos como ela sempre havia imaginado.

– Como está se sentindo? - perguntou Bill carinhosamente.

– Pode não parecer, mas nunca estive melhor! Nunca imaginei que fosse vê-los um dia! Desculpe pelas lágrimas, não consigo me conter... - respondeu ela, emocionada.

– Imagine, era o mínimo que podíamos fazer! - disse Gustav.

– Às vezes quando nossas fãs se machucam nos shows não podemos fazer nada, pois não temos autorização para vê-las. Você deu muita sorte! - disse Georg.

– E como se chama esta linda senhorita? - perguntou Tom.

Ela hesitou antes de responder.

– É que eu... Não gosto de falar meu nome para as pessoas. É um nome feio, esquisito - disse ela, insegura.

– Não existem nomes feios, só nomes diferentes! - respondeu Bill sentando ao lado dela na cama da enfermaria. Agora estavam todos a sua volta, tão simpáticos, tão abertos. Ela não podia dizer não.

– Me chamo Txai... É um nome indígena.

– Eu gostei, é diferente! - disse Georg sorrindo.

– Eu também! - disse Gustav.

– Combina com seus longos cabelos pretos e essa pele morena, muito bonitos por sinal! Mas esses olhos verdes... - Disse Tom.

– É por causa do meu pai, ele é Europeu. Minha mãe que é brasileira. Me chamo Txai Sheffield. É estranho, eu sei... Não combina - Disse Txai, tímida.

– Pois eu achei lindo! Txai... Tem um som muito bonito! - Disse Bill.

– Obrigada, vocês são muito gentis... - respondeu ela com o rosto vermelho - Você deve ser a primeira pessoa que pronuncia corretamente logo de primeira!

Todos riram. Ela já estava se sentindo a vontade, todos eram muito carinhosos.

– Não sei muito sobre essas coisas, mas normalmente esses nomes indígenas têm significados, não é? - perguntou Georg.

– Deve ter sim, mas eu nunca me preocupei em saber o significado do meu nome... Sei lá, nunca me interessou... - respondeu Txai.

Percebendo que o assunto do nome a incomodava, Bill mudou de assunto.

– Tem mais alguma coisa que podemos fazer para compensar o transtorno que passou em nosso show?

– Na verdade, tem sim... É que eu perdi todo meu dinheiro e celular, estou presa aqui, não tenho como ir para casa. Sei que é muito abuso, não quero causar nenhum problema, mas...

– Nem mais uma palavra! - interrompeu Tom - Você volta conosco!

– COM VOCÊS?!?! Eu estava pensando em pegar um táxi... - Ela disse confusa. Tudo estava acontecendo muito rápido. Num minuto ela estava sendo sufocada pela multidão, no outro ela estaria num carro, junto deles...

– O que me diz Txai? Será muita falta de educação sua recusar! - disse Gustav.

– Gustav tem razão, não se recusa um presente dado de coração! - disse Bill.

Ela olhou para os quatro com os olhos cheios de lágrimas. Todos sorrindo, sorrisos sinceros. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo.

– Vocês... São maravilhosos...

– Por que está com as mãos fechadas, Txai? - Perguntou Bill.

– É que... Eu sempre li nas entrevistas que vocês reparam muito nas mãos das meninas... Eu toco violão, por isso não tenho unhas bonitas... - Disse Txai.

– É serio?? Que legal!!! - Disse Tom entusiasmado.

– Sim, na verdade, Monsoon foi a primeira música que eu aprendi! Mas as minhas preferidas são Spring Nicht, Übers Ende Der Welt, Totgeliebt, Reden, In Die Nacht... difícil escolher! - Disse Txai, feliz pela reação positiva dos meninos.

– Isso é muito bom, adoramos quando incentivamos nossos fãs a formarem bandas e a aprenderem a tocar instrumentos! É muito gratificante! - Disse Gustav.

– Bem que você podia dar umas aulas pro Tom, Txai! Ele tá precisando! - Disse Georg, seguido por risadas.

– Não liga pra aquele lá não, Txai, ele fala isso pra tentar levantar um pouquinho a auto-estima, entende? Coitado... - Disse Tom, irônico como sempre.

Todos a tratavam muito bem, ela já se sentia bem vinda, e é claro, sentia-se privilegiada.

– O que é isso no seu ombro, Txai? - Perguntou Bill.

– Isso? É minha tatuagem! - Disse Txai afastando o cabelo preto liso para verem a tatuagem localizada nas suas costas, bem perto do ombro direito.

– Nossa, que linda!! - Disse Bill espantado.

– Ficou muito bonita em você! - Disse Tom.

– Também quero ver! O que é? - Disseram Georg e Gustav juntos.

Era a figura de um belíssimo beija-flor, sutil e delicado beijando uma flor graciosa e suave. As ondas e curvas longas e majestosas do desenho davam-lhe um ar misterioso e provocante. Era uma imagem doce e gentil, mas ao mesmo tempo sensual e elegante.

Os meninos observaram e elogiaram por vários minutos a tatuagem. Combinava muito com a menina, parecia que tinha sido feita para ela.

E como se ela tivesse acabado de entrar no carro, eles chegaram a sua casa.

– Muito obrigada meninos, nem sei como agradecer! Foi o melhor dia da minha vida! - Disse Txai saltando do carro.

–Imagine, foi um prazer! - Disse Georg.

– É uma pena que não tens nada para recordar este dia! - Disse Tom.

– É verdade... - Disse Txai. - Eu tenho meus CDs e DVDs que vocês poderiam autografar, mas teria que buscá-los lá em cima no meu quarto, vocês devem estar querendo ir pro hotel descansar!

– Verdade, estou exausto... - Disse Bill. - Mas vamos fazer o seguinte, te damos o nome do hotel em que estamos hospedados e o número dos nossos quartos, aí amanhã você passa lá com tudo que você quer que a gente autografe pra você, combinado?

– Boa idéia! Por mim está ótimo! - Disse Tom.

– Tem certeza? Não estarei atrapalhando? - Perguntou Txai.

– Mas é claro que não! - Disse Gustav.

– Muitas fãs devem aparecer por lá amanhã. - Disse Georg.

– Nossa, muito obrigada mesmo! Vocês são mesmo incríveis, nem sei o que dizer! - Disse Txai agora mais feliz do que nunca. Estava deslumbrada por saber que seu sonho ainda não estava terminado.

– O prazer é todo nosso! - disse Bill, sorrindo.

Era aquele sorriso maravilhoso que ela sempre havia sonhado, e agora estava ali, tão pertinho, era quase possível mergulhar dentro dele... Aquele lindo sorriso que contagiava cada parte do seu corpo como numa canção... Aquele sorriso que ela passaria cada minuto para o resto de sua vida contemplando se pudesse...

Bill estava deitado em sua cama no quarto do hotel naquela tarde tranqüila, após uma longa sessão de autógrafos. No dia seguinte estaria embarcando em um avião de volta para a Alemanha... Será que sentiria falta do Brasil?

Ouviu uma batida leve na porta, levantou-se para abrir, e lá estava Txai sorrindo, segurando seus CDs e DVDs, todos com três assinaturas: "Tom Kaulitz", "Gustav Shäfer" e "Georg Listing".

– Uau, Txai! Você está linda! - Disse Bill.

– Bom, digamos que não é todo dia que eu pareço como se tivesse acabado de ser pisoteada por uma multidão... - Brincou ela.

Tinha posto seu melhor vestido de sair. Preto curto, exibindo suas pernas morenas lisas que só agora Bill reparou o quanto eram longas e bonitas. Era possível ver seu negro beija-flor e a rosa com espinhos delicados nas costas, perto do ombro direito, que acabavam com aquela impressão "certinha" e acrescentava um toque alternativo na moça. Misturava com seu perfume de pétalas de jasmim, champanhe e cassis, provocando um ar quase malicioso. Seu decote era tudo menos vulgar, mas chamava atenção para seu colo moreno que abrigava uma correntinha de prata fininha; nela pendurado um pingente com o símbolo da banda Tokio Hotel gravado em alto relevo. Ela mesma havia mandado fazer, gastando todas as suas economias. Sua maquiagem era leve e ressaltava seus lindos olhos mais verdes e vivos do que nunca, sorriso branco e seu liso cabelo negro, perfumado e aveludado.

– Pode autografar aqui, por favor? - Disse Txai, estendendo os CDs e DVDs.

– É claro...

Começou a assinar, e foi aí que percebeu.

– Me diz uma coisa, Txai. Você tem todos os CDs e DVDs nossos já lançados... Menos um. O Zimmer 483. Ontem no carro você citou suas músicas favoritas, todos do Zimmer, que é o único que você não tem! Por quê? - Perguntou Bill curioso.

Ela não respondeu. Seu sorriso desapareceu. Virou o rosto e respondeu com uma voz baixa, quase cochichando.

– Desculpe... Não posso...

"Que garota misteriosa...!" pensou Bill, "primeiro ela não quer nem dizer o seu próprio nome pra gente, e agora isso!". Não sabia dizer ao certo porque, mas sentiu que ela estava escondendo alguma coisa... Sentiu vontade de saber mais sobre aquela menina. Sem pensar, disse.

– Vamos sair daqui?

Estavam os dois no carro de Txai que ela usou para chegar ao hotel. Passavam por uma praia maravilhosa, o sol se pondo criava tons de rosa e laranja no céu que se misturavam com as nuvens. O cheiro da maresia e a água azul calma e cristalina; o som suave de ondas batendo e se tornando espuma branca. Tudo parecia sossegado. O lugar estava deserto e silencioso. Pouquíssimas pessoas conheciam a sua localização, mas como Txai havia crescido naquela cidade, conhecia cada centímetro como a palma da mão. Saíram do carro, enfiaram os pés na areia e sentaram para apreciar a vista privilegiada.

– Adorei este lugar, Txai! Lá na Europa não posso dar dois passos pra fora de casa sem seguranças! - Disse Bill - Amo minhas fãs, mas muitas só gostam de mim por causa do dinheiro ou aparência... É muito bom estar num lugar como este, onde eu posso passar despercebido e andar por aí tranquilamente, sem perseguições. Ela sorriu e respondeu.

– Que bom que está feliz! - Ela disse do fundo do coração. Bill encarou os olhos verdes por uns instantes e disse sorrindo. - Viu só! É isso que eu sempre quis! São fãs como você que eu mais prezo, que ficam felizes quando nós estamos felizes, e que gostam da gente apenas pelo que somos, sem segundas intenções. Seria tão bom se todas fossem assim...

Txai pensou um pouco e disse.

– Espere aqui, eu já volto! - Foi até o carro, abriu o porta-malas e de lá tirou o seu querido violão.

Sentou novamente ao lado de Bill e disse.

– Escolhe uma música, pode ser qualquer uma, eu sei todas as suas!
Ele sorriu e respondeu.

– Monsoon.

Os dois cantavam juntos em quanto Txai tocava. As vozes dos dois soavam maravilhosamente juntas, combinavam perfeitamente. Tocaram, cantaram, riram e brincaram por... O tempo eles não faziam idéia, mas quando perceberam, estava escuro demais para Txai enxergar as cordas. À noite e o sereno aproximaram-se devagar.

– Temos que gravar um dueto qualquer dia! - Disse Bill deitando na areia - Olha só que céu lindo!

Txai deitou-se a sua direita, os dois olhavam para as mil estrelas no céu. Os dois com as mãos estendidas paralelas a seus corpos. Ela estava totalmente relaxada. Estranhou. "Por que será que eu não estou nervosa? Afinal, estou deitada ao lado do vocalista do Tokio Hotel! Não é nenhum Zé Ninguém!" Ela pensou por alguns instantes e percebeu porque se sentia tão segura. Aquele rapaz ao lado dela não era mais o vocalista do Tokio Hotel, e sim simplesmente o Bill. O doce e carinhoso Bill. Sentiu o suave toque das costas da mão direita do Bill encostar de leve nas costas de sua mão esquerda...

De repente, Txai se levantou e disse.

– Bill, posso te contar um segredo?

–Segredo? - Perguntou Bill estranhando.

–É... Bem... Você lembra quando me perguntou hoje porque eu não tinha o Zimmer 483...? - Disse Txai insegura.

–Lembro sim.

–Acontece que... Eu já tive um Zimmer...

–Como assim já teve? - Perguntou Bill estranhando ainda mais.

–É que... Bom, é melhor começar do começo - Respirou fundo, sentiu um nó na garganta. Era mais sério do que parecia.

Nunca se atreveu a contar nem uma palavra sequer daquele episódio para ninguém, absolutamente ninguém. Começou.

–Eu tinha esse amigo, Pedro. Ele morava bem perto da minha casa, nós praticamente crescemos juntos. Era meu melhor amigo, adorava-o. E ele também gostava muito de mim, confiávamos plenamente um no outro. Até que... De uns anos pra cá... Ele começou a mudar...

Os olhos de Txai começaram a ficar vermelhos e aguados. Bill ouvia atentamente cada palavra.

–Bom, eu nunca tive irmãos e meu pai abandonou a mim e a minha mãe quando eu ainda era um bebê. O Pedro era a única figura masculina na ''família''. Desde que nasceu ele sempre teve... Distúrbios mentais... Mas nada grave. Amava-o como o irmão/pai que nunca tive... - Deu uma pausa, respirou fundo, e prosseguiu.

– Mas de repente ele começou a ficar muito... Ciumento... Depois que eu conheci vocês.

–Nós?? - Perguntou Bill espantado.

–Desde o primeiro dia que conheci Tokio Hotel não conseguia pensar em outra coisa! Vocês me conquistaram como nenhuma outra banda jamais conquistou. Vocês eram minha inspiração, meu vício, meu estilo, minha motivação... Minha vida. E o Pedro detestou. Xingava vocês de tudo quanto era nome, não gostava quando eu comprava os CDs, e ficava com muita, muita raiva quando eu comentava qualquer coisa sobre a banda. Decidi falar menos com ele, afinal, se ele se importava de verdade comigo me aceitaria do jeito que eu sou! O fato deu gostar ou não te Tokio Hotel não faz de mim mais ou menos legal, certo? Se ele era meu amigo de verdade, respeitaria meu gosto! Logo ele perceberia que nossa amizade era muito mais importante do que aquela implicância tonta e voltaríamos a ser amigos. Mas as coisas só ficavam piores, ele dizia que eu estava trocando ele por vocês! Até que no dia antes do lançamento do Zimmer, ele me ligou e disse: "Estou te proibindo de comprar aquele CD imbecil!" Eu fiquei com muita raiva! Quem ele pensava que era!? Respondi: "Quem você pensa que é pra me dar ordens?? Você não manda em mim!!!" E desliguei.

–Bem feito! - Disse Bill.

–Não... Se eu não tivesse sido tão grossa... Talvez... - Txai parecia incapaz de completar a frase. Bill segurou sua mão.

–O que ele fez, Txai?

–No dia do lançamento do Zimmer, eu estava saindo da loja feliz da vida com o meu exemplar na mochila, quando de repente algo me acertou com muita força na cabeça. Desmaiei... - uma lágrima escorreu pelo rosto de Txai.

A cada palavra Bill se chocava ainda mais.

–Quando acordei minha cabeça latejava, senti minha mochila ainda nas costas. Estava deitada num beco escuro e úmido. Quando abri os olhos... Pedro estava de pé na minha frente, boca espumando de raiva, os olhos vermelhos de ódio... E uma faca afiada nas mãos. Então ele disse entre os dentes, quase sussurrando: "Se não posso ter você... ninguém terá".

Txai chorava, mas de leve, pois tentava com todas as forças não fazer barulho, não fazer escândalo. Porém a dor de relembrar aquelas cenas tão fortes e marcantes na sua vida era demais para não chorar... Era a cena mais tocante que Bill havia visto na vida.

– Eu gritei "Pedro, o que você está fazendo? Você é meu irmão, eu te amo!" e ele respondeu "CALA A BOCA! Você não me ama... Aliás, você amava... Mas agora? Agora só gosta... Quem você ama de verdade são esses aí, que nunca vão te dar valor, nem nunca saberão quem você é, que você sequer existe... Você não faz a mínima diferença pra eles... Não é pra chorar, foi você quem escolheu, Txai. Que sorte sua, vai morrer juntinho deles!" Ergueu a faca e fincou com toda a força. Eu tentei virar, mas a faca acertou minha mochila raspando nas minhas costas, bem perto do ombro direito...

– Mas... Não é onde fica sua...?

– Tatuagem, sim. Não queria que ninguém soubesse do que aconteceu, então usei blusas de manga até cicatrizar e mandei fazer a tatuagem por cima da cicatriz...

Isso era além de qualquer coisa que Bill pudesse ter imaginado. Txai chorava intensamente agora, enquanto Bill segurava sua mão com força para tentar tranqüilizá-la.

– Como você escapou? - perguntou Bill.

– Ele se aproximou de mim outra vez, e chutei o rosto dele com toda a força. Acho que acertei os olhos, pois me deu tempo de levantar. Corri desesperada sem saber para onde gritando por socorro. Pedro corria atrás de mim, dessa vez ouvia sons de tiros. "Era pra ter sido devagar e doloroso, mas pelo visto vai ter que ser com um tiro na cabeça!" gritava ele. Corremos por muito tempo, não sei da onde que tirei forças para correr tanto, nunca fui boa nisso. Acho... Que meu amor por você que me deu forças...

Bill arregalou os olhos "ela disse você ou vocês?..." Ela quis dizer amor pela banda ou... Por ele? Mas txai continuou sua história.

– Corremos até começarmos a ouvir barulhos de pessoas. Agora ele não poderia mais atirar, chamaria atenção. Olhei para trás e vi Pedro exausto, não conseguia mais correr. Não sei o que me deu, devia ter saído correndo, mas ao invés disso, disse para ele: "Desista, Pedro. O que você vai ganhar com isso?". Essa cena eu jamais esquecerei. Ele sorriu, abriu a boca, apontou o revolver para o céu da boca puxou o gatilho ali mesmo... - Txai cobriu o rosto com as mãos, tremia em quanto chorava.

Bill a abraçou, quase chorando também. Aquela menina havia passado por tudo aquilo sozinha, foi bom ter desabafado, aquilo estava a sufocando.

– Saí correndo antes que a polícia ou qualquer um aparecesse. Nunca descobriram meu envolvimento... Assumiram suicídio já que ele tinha problemas mentais... - Disse txai com voz trêmula - Voltei correndo para o beco para pegar minha mochila, precisava me livrar das evidências. Quando cheguei lá, vi a faca atravessada na minha mochila, perfurando o Zimmer 483... Quem sabe o Pedro conseguiu atingir quem ele queria realmente... O trauma foi tanto que nunca tive coragem de comprar outro...

Bill abraçou-a com força, tinha os olhos úmidos, sentiu uma vontade enorme de ajudar aquela menina. Foi então que Txai sussurrou em seu ouvido...

– Bill... Eu... Te amo...

Ficou com medo da resposta, mas estava aliviada por finalmente ter dito o que sentia. Foi então que ele respondeu:

– Amanhã embarcaremos de volta para a Europa, encontre-nos no aeroporto.

X

Bill estava ansioso, faltava pouco para a hora que tinha marcado com Txai.

– Tá tudo bem, mano? - Perguntou Tom.

– Huh? Ah... Tá tudo bem sim... - Disse Bill avoado.

– Você não me engana, conheço essa tua cara! Fala logo o que tá te aborrecendo!

– Bom, é que... Eu marquei com a Txai aqui no aeroporto...

– E desde quando uma fã te deixa assim?

– Ela não é igual às outras, Tom... - Disse Bill com uma expressão séria. - Senta aqui que eu vou te contar...

Tom se sentou ao lado do irmão. Bill contou dolorosamente tudo que havia acontecido na noite passada, a história do Zimmer 483, do Pedro, da tatuagem, do suicídio... Tom ouviu atentamente cada palavra, pasmo.

– Caramba, e ela passou por toda essa barra pesada sozinha?? - Disse Tom boquiaberto.

– Eu nunca vou me esquecer daquela cena, Tom... A Txai chorando... Causou-me um sentimento muito estranho, algo que nunca senti antes. Não sei dizer ao certo o que era, senti uma vontade muito forte de ajudá-la, de dar um ombro para ela chorar... Queria evitar aquele sofrimento todo, ela não merece isso...

– É meu irmão, isso que você sente pode ser muitas coisas... Amor, amizade, compaixão, ternura... Só você pode saber.

– Tem razão, Tom. E eu tenho pouco tempo para descobrir...

– Eu diria nenhum! Olha quem está ali! - Disse Tom apontando para Txai que vinha correndo na direção deles, esbarrando nas pessoas do aeroporto.

Bill se levantou para ir ao encontro dela, mas Tom o parou.

– Você tem que ser o último! - Disse Tom, piscando.

Txai abraçou, agradeceu e se despediu de Georg, Gustav e Tom... E então com lágrimas nos olhos e um enorme e sincero sorriso, se jogou nos braços de Bill e abraçou-o com toda a força.

Foi então que ele percebeu "Isso sim é lindo, esse sorriso...". Ele queria ser o motivo daquele sorriso, sempre, para que ele jamais desaparecesse. Aquele sorriso que ele passaria cada minuto para resto de sua vida contemplando se pudesse...

– Bill... Eu perguntei pra minha mãe... O que quer dizer "Txai"...

– Mesmo? E o que significa?

– "Parte de Mim".

Bill sorriu para ela, encarou seus olhos verdes e disse:

– Não poderia definir-te melhor! - E beijou-a com fervor, ternura e desejo. Um beijo doce e longo... Ardente e suave... Verdadeiro e há tanto tempo sonhado...

Todos em volta, especialmente Tom, Gustav e Georg, aplaudiram a cena.

– Quando é o casamento?? - Disse Gustav.

– EBAA!!! Vou ser titio!!!! - Gritou Tom.

"Passageiros do vôo 785 com destino a Alemanha, embarque no portão 18".

– Pessoal, vocês não tem um vôo pra pegar...? - Disse Txai, o sorriso desaparecendo.

– Vôo? Que vôo? - Disse Bill abraçando-a por trás. Sussurrou em seu ouvido - Não me lembro de vôo nenhum...

– ÉÉÉÉ!!! Férias prolongadaaas!!! - Disse Tom.

– Legal! Quem sabe não arrumamos uma "Txai", também hein? - Disse Georg.

– É Bill, dá umas dicas pro Georg! Coitadinho, tá precisando! - Brincou Tom.

– Mas nem pensar! Vocês que se virem... - Disse Bill sorrindo para Txai - Essa aqui já é Parte de Mim... Pra sempre...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.