Foi Kira que me ajudou a recuperar minhas memórias. Através de histórias da infância e me lembrando da vida que costumávamos viver e dos amigos que costumávamos ter, até que tudo começou a voltar. Ela também me ajudou a apreciar minha nova vida. Porque vê-la ficar tão animada com meu novo quarto, meu brilhante conversível vermelho, as incríveis praias, e minha nova escola, me fez perceber que embora não fosse a vida que eu preferia, ainda tinha valor.

Tirando o fato de Kira e eu ainda discutirmos – brigarmos às vezes, como antigamente – eu ainda vivo das visitas dela. É menos uma para eu sentir falta.

E o tempo que passamos juntas é a melhor parte de cada dia.
O único problema é que ela sabe disso. Então toda vez que eu toco em assuntos que ela declarou restritos, coisas como: Quando eu vou poder ver mamãe, papai, e o Pongo? E, Aonde você vai quando não está? Ela me pune se afastando.
Mas embora a recusa dela de me contar realmente me incomode, eu sei que não devo insistir.
Não é como se eu tivesse dito a ela que consigo ver auras/ler mentes, ou como isso me mudou, incluindo o jeito que eu me visto.


— Você nunca vai arranjar um namorado vestida desse jeito — ela disse, rindo na minha roupa, enquanto me apresso em minha rotina matinal, tentando me aprontar para a escola e sair pela porta – mais ou menos ao mesmo tempo.


— Yeah, bem, nem todos nós podem só fechar os olhos e poof, ter um incrível guarda-roupa — eu digo, enfiando meu pé no meu tênis desgastado.


— Por favor, como se Sra. S não fosse entregar o cartão de crédito dela e dizer a você para usar. E qual é a do capuz? Você está numa gangue?


— Eu não tenho tempo para isso — eu digo, pegando meus livros, iPod, e mochila, então me dirigindo para a porta. — Você vem? — eu viro para olhar para ela, minha paciência se acabando enquanto ela franze os lábios e leva tempo para decidir.


— Ok — ela finalmente diz. — Mas só se você por a capota para baixo. Eu adoro a sensação do vento no meu cabelo.


— Tudo bem. — Eu vou para as escadas. — Só se certifique de sair quando eu chegar à casa da Cosima, me apavora ver você sentada no colo dela sem permissão.

Na hora que Cos e eu chegamos à escola, Lily já está nos esperando no portão, os olhos dela se arremessando freneticamente, escaneando o campus enquanto ela diz:


— Ok, o sino vai tocar em menos de cinco minutos e ainda nenhum sinal da Regina. Vocês acham que ela desistiu? — Ela olha para nós, com os olhos bem abertos em alarme.


— Porque ela desistiria? Ela acabou de começar — eu digo, indo em direção ao meu armário enquanto ela caminha ao meu lado, a sola de borracha das botas dela estalando no pavimento.


— Uh, talvez a gente não valha a pena? Porque ela é realmente boa demais pra ser verdade?


— Mas ela tem que voltar. Emma emprestou a Regina à cópia dela do O morro dos ventos uivantes, o que significa que ela tem que devolver — Cosima diz, antes que eu possa impedi-la.

Eu balanço minha cabeça, e viro a combinação do meu armário, sentindo o peso dos olhos de Lily, quando ela diz:


— Quando isso aconteceu? — Ela põe as mãos nos quadris e me encara. — Porque você sabe que eu a reivindiquei, certo? E porque eu não fui informada? Porque ninguém me contou sobre isso? Da última vez que eu ouvi, você nem tinha visto ela.


— Oh, ela o viu muito bem. Eu quase tive que discar para o 192 , ela surtou. — Cosima ri. Eu balanço minha cabeça, fecho meu armário, e vou andando pelo corredor.


— Então deixa eu ver se entendi direito; você é mais um problema do que uma ameaça? — Lily me encara com olhos estreitos, cheios de delineador, o ciúme dela transformando a aura dela em um tedioso verde.


Eu respiro fundo e olho para elas, pensando o quão ridículo tudo isso é. Eu quero dizer, desde quando você pode reivindicar outra pessoa? Além do mais, não é como se eu fosse toda disponível para encontros com minha situação atual de ouvir vozes, ver auras, e usando camiseta esportiva larga. Mas eu não digo nada disso. Ao invés disso eu só digo:


— Sim eu sou um problema. Eu sou um horrível problema esperando para acontecer. Mas não sou uma ameaça. Principalmente porque eu não estou interessada. E eu sei que isso provavelmente é difícil de acreditar, com ela sendo tão linda e sexy e gostosa e combustível, ou seja, como for que você a chame, mas a verdade é que, eu não gosto da Regina Mills, e eu não sei de que outra forma dizer!


— Um, eu não acho que você precise dizer mais nada — Lily murmura, o rosto dela congelado enquanto ela olha diretamente para frente.


Eu sigo o olhar dela, até onde Regina está parada, com seu cabelo preto brilhante, olhos suaves, incrível corpo, e sorriso sábio, sentindo meu coração pular duas batidas enquanto ela mantém a porta aberta e diz:


— Hey Emma, primeiro você.


Eu corro em direção a minha mesa, evitando por pouco a mochila que a Rachel colocou no meu caminho, enquanto meu rosto queima de vergonha, sabendo que Regina estava logo atrás de mim, e que ela ouviu cada palavra horrível que eu disse.


Eu jogo minha mochila no chão, deslizo para o meu assento, ergo meu capuz, e ligo meu iPod, esperando diminuir o barulho e desviar o que acabou de acontecer, me assegurando que um mulher como essa – uma mulher tão confiante, tão linda, tão completamente incrível – é legal demais para se incomodar com palavras descuidadas de uma garota como eu.


Mas quando eu começo a relaxar, eu sinto um choque devastador – uma carga elétrica infundindo minha pele, batendo nas minhas veias, e fazendo meu corpo todo formigar.
E é tudo porque Regina colocou sua mão sobre a minha.
É difícil me surpreender. Desde que eu me tornei psíquica, Kira é a única que consegue fazer isso, e acredite em mim, ela nunca cansa de encontrar jeitos novos. Mas quando eu olho da minha mão para o rosto de Regina, ela só sorri e diz:


— Eu queria devolver isso. — E então ela me dá a minha copia do O morro dos ventos uivantes.


E embora eu saiba que isso parece estranho e mais do que um pouco maluco, no momento que ela falou, a sala toda ficou silenciosa. Sério, como se num momento estivesse cheio de sons de pensamentos aleatórios e vozes, e no próximo: ________


Ainda sim saber o quão ridículo é, eu balanço minha cabeça e digo:


— Tem certeza que não quer ficar com ele? Porque eu não preciso, eu já sei o final. — E embora ela tenha tirado a mão dela da minha, é um momento antes de todo formigamento morrer.


— Eu sei como termina também — ela diz, olhando para mim em um jeito tão intenso, tão insistente, tão íntimo, que eu rapidamente desvio o olhar.


E quando estou prestes a recolocar meus fones de ouvido, para que eu possa bloquear o som dos comentários cruéis de Rachel e Killian, Regina coloca sua mão de volta na minha e diz:


— O que você está ouvindo?


E a sala toda fica silenciosa de novo. Sério, por aqueles breves segundos, não existe onda de pensamentos, nenhum sussurro apressado, tudo está completamente bloqueado a não ser o som da voz doce e lírica dela.


Eu dou uma olhada, notando como meu corpo ficou todo quente e elétrico, me perguntando o que poderia estar causando isso.

— Eu perguntei o que você está ouvindo... — Ela sorri. Um sorriso privado e íntimo, que faz meu rosto ficar corado.


— Oh, É... É só uma mistura gótica que minha amiga Lily fez. É principalmente velho, coisa dos anos 80, você sabe como o Cure, Siouxsie e os Bnshees, Bauhaus.

— Você gosta de coisas góticas? — ela pergunta, as sobrancelhas erguidas, olhos céticos, olhando para meu longo rabo de cavalo loiro, camiseta azul escura, e pele sem maquiagem e limpa.


— Não, na verdade não. Lily gosta. — sorrio.


— E você? Você gosta de quê afinal? — Os olhos dela ainda em mim, o rosto claramente divertido.

Mas infelizmente, quando estou preste a responder, o Sr. Gold entra, as bochechas dele vermelhas e coradas, mas não pela caminhada como todos pensam. E então Regina se senta para trás em seu assento, e eu respiro fundo abaixando meu capuz, me afundando de volta no som familiar de angústia, preocupação com provas, e problemas com imagem corporal, dos adolescentes, os sonhos acabados do Sr. Gold, e Rachel, Killian e Elsa, todos se perguntando o que uma garota gostosa poderia ver em mim.

Na hora que eu chego à mesa do almoço, Lily e Cos já estão prontas. Eu vejo Regina sentada ao lado delas, e eu estou tentada a fugir.


— Você é livre para se juntar a nós, mas só se você prometer não encarar a garota nova. — Cos ri. — Encarar é muito rude. Ninguém te disse isso?


Eu reviro meus olhos e deslizo para o banco ao lado dela, determinada o quão blasé eu serei sobre a presença de Regina.


— Eu fui criada por lobos, o que posso dizer? — Eu dou nos ombros, me ocupando com o zíper da minha mochila de almoço.


— Eu fui criado por uma Drag Queen e um novelista de romance — Cosima diz, se esticando para roubar um pedaço do bolo pré-hallowen de Lily.


— Desculpe, esse não foi você, querida, Foi o Chandler de Friends. — Lily ri. — Eu, por outro lado, fui criado por um bando de vampiros. Eu era uma linda princesa vampira, amada, adorada, e admirada por todos. Eu vivia em um luxuoso castelo gótico, e eu não faço ideia de como acabei nessa odiosa mesa de fibra de vidro com vocês perdedores. — Ela acena para Regina. — E você?


Regina toma um gole de sua bebida, um líquido vermelho iridescente em uma garrafa de vidro, então ela olha para nós três e diz:


— Itália, França, Inglaterra, Espanha, Bulgária, Nova Iorque, Nova Orleans, Oregon, Índia, Novo México, Egito, Califórnia e alguns outros lugares. — Ela sorri.


— Você deve ser filha de algum militar, tenho certeza — Lily ri, pegando uma bala de morango e jogando para Cos.


— Emma viveu na Califórnia — Cos diz, colocando a bala no centro da língua antes de engoli-la com um gole de VitaminWater.


— Portaland. — Regina acena.

Cosima ri.


— Não é uma pergunta, mas beleza. O que eu quero dizer é que nossa amiga Emma aqui, bem, ela viveu na Califórnia — ela diz, fazendo Lily dar um olhar afiado, que, mesmo depois do meu comentário de mais cedo, ainda me vê como o maior obstáculo no caminho dela para o amor verdadeiro, e não aprecia nenhuma atenção sendo dirigida para mim.


Regina sorri, os olhos dela nos meus.


— Onde?


— São Francisco — eu murmuro, me focando no meu sanduíche ao invés dela, porque como na sala de aula, toda vez que ela fala é o único som que eu ouço.
E toda vez que nossos olhos se encontram eu fico quente.
E isso está realmente começando a me assustar.


— Como você acabou aqui? — Regina se inclina para frente, estimulando Lily a ficar ainda mais perto dela.


Eu encaro a mesa, pressionando meus lábios.

Eu não quero falar sobre minha antiga vida. Eu não quero ter que explicar como embora seja completamente minha culpa minha família inteira ter morrido, eu de alguma forma consegui viver. Então, no fim eu acabo só tirando a casca do meu sanduíche, e digo:
— É uma longa história.


Eu posso sentir o olhar de Regina – quente, pesado, e convidativo – e me deixa tão nervosa que minhas palmas começam a suar e minha garrafa de água desliza do meu aperto. Caindo tão rápido, que eu não posso impedir, tudo que eu posso fazer é esperar que ela caía.
Mas antes de sequer bater na mesa, Regina já a pegou e devolveu para mim. E eu fico sentada ali, encarando a garrafa e evitando o olhar dela, me pergunto se eu sou a única que notou como ela se moveu tão rápido que chegou a ser um borrão.
Então Cos pergunta sobre Nova Iorque, e Lily fica tão perto dela que ela praticamente está sentada no colo da Regina, e eu respiro fundo, termino meu almoço, e me convenço de que eu imaginei.


Quando o sino finalmente toca, todos pegamos nossas coisas e vamos para nossas aulas, e no segundo que Regina está fora de alcance para ouvir eu viro para minhas amigas e digo:


— Como ela acabou na nossa mesa? — Então eu me encolhi percebendo que minha voz soa estridente e acusatória.


— Ela queria sentar na sombra, então oferecemos a ela um lugar. — Cos dá de ombros, depositando sua garrafa na lata de lixo reciclável e nos guiando em direção ao prédio. — Nada sinistro, nem uma trama maligna para envergonhar você.


— Bem, eu poderia ter me saído bem, sem aquele comentário sobre encarar — eu digo, sabendo que eu estou soando ridícula e muito sensível. Não estou disposta a revelar o que realmente estou pensando, sem querer chatear minhas amigas com uma pergunta muito válida, e nada gentil: Por que uma garota como Regina está andando com a gente?
Sério. De todas as garotas e garotos dessa escola, todas as facções que ela poderia se juntar, porque diabos ela escolheu sentar com a gente – as três maiores deslocadas?


— Relaxe, ela achou engraçado. — Cos dá nos ombros. — Além do mais, ela vai na sua casa hoje a noite. Eu disse a ela para passar lá perto das oito.


— Você o que? — Eu olho para ela, de repente lembrando de como no almoço todo Lily estava pensando sobre o que ia usar, enquanto Cos se perguntava se ela tinha uma lata de spray, e agora tudo faz sentido.


— Bem, aparentemente Regina odeia basquete tanto quanto nós, o que ficamos sabendo durante o pequeno Q e A de Lily, que aconteceu logo antes de você chegar.

Lily sorri.


— E já que ela é nova, e não conhece mais ninguém, achamos melhor pegar ela antes que ela faça outros amigos.


— Mas — eu paro, sem saber como continuar. Tudo que eu sei é que eu não quero que Regina vá para minha casa, nem hoje à noite, nem nunca.


— Eu apareço perto das oito — Lily diz. — Minha reunião termina pelas sete, o que me da tempo o bastante para ir para casa e me trocar. E, por sinal, eu reivindico o lugar ao lado da Regina na Jacuzzi!


— Você não pode fazer isso! — Cos diz, balançando a cabeça — Eu não vou permitir!


Mas ela apenas acena sobre o ombro enquanto vai para a aula, e eu viro para Cos e pergunto:


— Qual reunião é hoje?


Ela abre a porta da sala e sorri.


— Sexta para os comilões.


Lily é o que você chama de viciada em grupos anônimos. No pouco tempo que eu a conheço, ela foi a reuniões com 12 passos para alcoólicos, narcóticos, dependente de sexo, devedores, jogadores, viciados em internet, viciados em nicotina, pessoas com medo de vida social, pessoas viciadas em andar em grupos, e amantes de vulgaridades. Embora até onde eu saiba, hoje é a primeira vez que ela vai aos viciados em comida. Mas de novo, super magra, corpo pequeno de uma bailarina de caixa de música, Lily definitivamente não é uma comilona. Ela também não é uma alcoólatra, não está endividada, não é uma jogadora, ou nenhuma dessas coisas. Ela só é eternamente ignorada por seus pais egoístas, o que faz a mesma procurar amor e aprovação de praticamente qualquer lugar que ela conseguir.


Com o tempo, Lily aprendeu que o jeito mais rápido de se destacar entre um bando de loiras usando roupas de marca, é se vestir como a rainha das trevas.
Só que não está funcionando tão bem quanto ela esperava. Da primeira vez que a mãe dela a viu vestida desse jeito, ela só suspirou, pegou suas chaves, e foi para aula de Pilates. E o pai dela não fica em casa tempo o bastante para realmente olhar bem. O irmão menor dela, Henry, ficou apavorado, mas ele se acostumou rapidamente. E já que a maioria do pessoal da escola cresceu acostumado com comportamentos horríveis trazidos pela presença das câmeras da MTV ano passo, eles normalmente a ignoram. Então ficar numa sala cheia de pessoas, criando uma história triste sobre a atormentadora luta com vários vícios faz ela se sentir importante, então, quem sou eu para julgar?


Na minha antiga vida eu não andava com pessoas como Cosima e Lily. Eu não estava conectada com as pessoas problemáticas, ou os estranhos, ou os garotos que eram zombados.
Eu era parte da galera popular, onde a maior parte de nós é bonito, atlético, talentoso, inteligente, saudável, bem querido, ou todas as opções acima. Eu ia para os bailes da escola, tinha uma melhor amiga chamada Marian (que também era líder de torcida como eu), e eu tinha um namorado, Robin, que é o sexto garoto que eu já beijei (o primeiro foi Neal, mas isso foi só por causa de um desafio na sexta série, e confie em mim, os outros nem valem a pena ser mencionados). E embora eu nunca tenha sido maldosa com ninguém que não fosse parte do nosso grupo, não é como se eu realmente tenha notado eles. Aqueles garotos não tinham nada a ver comigo. Então eu agia como se eles fossem invisíveis.
Mas agora, eu também não era vista. Eu soube no dia que Marian e Robin me visitaram no hospital. Eles foram tão gentis e me deram tanto suporte externamente, enquanto dentro deles, seus pensamentos me diziam outra história. Eles estavam apavorados com as pequenas bolsas de plástico colocando líquido em minhas veias, meus cortes e machucados, e os gessos cobrindo meus membros. Eles se sentiam mal pelo que tinha acontecido, por tudo que eu perdi, mas enquanto eles tentavam não olhar minha gigante cicatriz vermelha na minha testa, o que eles realmente queriam fazer era fugir.
E eu observei enquanto a aura deles se ligava, se misturando no mesmo marrom, sabendo que eles estavam se afastando de mim, e se aproximando.
Então no meu primeiro dia na Bay View, ao invés de perder meu tempo com os rituais normais do grupo de Rachel e Kilian, eu fui direto para Cosima e Lily, as duas excluídas que aceitaram minha amizade sem fazer perguntas. E embora nós provavelmente parecêssemos bem estranhos do lado de fora, a verdade é que, eu não sei o que faria sem elas. Ter a amizade delas é uma das poucas coisas boas na minha vida. E é por isso que eu preciso ficar longe de Regina. Porque a habilidade dela de carregar minha pele ao seu toque, e silenciar o mundo com sua voz é uma perigosa tentação que eu não posso permitir.
Eu não vou arriscar ferir minha amizade com Lily.