Para Sempre

Capítulo Único


“Você o segura com a mão direita e fala o seu desejo em voz alta”. As palavras de Madame Zanzibar não saíam da minha cabeça enquanto eu segurava o buquê com a mão trêmula sob o olhar assustado de Jenny. Há meses já tinha na cabeça o meu desejo, mas só agora havia achado a oportunidade perfeita para realiza-lo.

Faltando apenas uma semana para o baile de formatura da escola ainda nutria esperanças de ser convidada por Zack Wilson. Ele não era o cara mais popular da escola, mas era melhor amigo dele, ou seja, fazia parte do grupo de alunos que não olhavam para o grupo de alunos do qual eu fazia parte. Da perspectiva dele e seus amigos, eu não passava de uma garota chata tentando fazer parte do mundinho deles, fantasiando com romances impossíveis e me humilhando a troco de um pouco de atenção.

Segurei com brutalidade o buquê entre minhas mãos enquanto repassava mentalmente o meu desejo. ”Quero que Zack Wilson me convide para ir ao baile de formatura”, repetia para mim mesma mordendo o lábio e analisando o buquê. Queria ter certeza absoluta de como pedir para que tudo desse certo. Apesar de ser cética quanto as consequências “malignas” do meu pedido, as palavras de Madame Z mexeram comigo. Mas isso era algo que eu precisava fazer. Era agora ou nunca. Zack me convidaria para o baile, eu estava decidida.

– Tem certeza que quer fazer isso? – questionou Jenny, observando toda minha preparação.

– Mais que absoluta! – respondi.

– E quanto aquela história de não interferir no amor verdadeiro? – insistiu ela.

Respirei fundo. Se ela pretendia me encher o saco era melhor nem ter vindo.

– Você acredita mesmo no que aquela maluca disse?

– Tanto quanto você! – me ofendi com essa jogada dela. – Se você não acreditasse, Cassie, não estaríamos aqui com essa coisa! – ela apontou para o buquê, como se tratasse de algo repulsivo.

Por esse lado ela até tinha razão, mas não podia deixar que o pessimismo e o medo de Jenny estragassem meus planos de uma formatura inesquecível.

– Vou te mostrar que nada de ruim vai acontecer! – segurei firme o buquê com a mão direita, decidida. Jenny se afastou de mim, provavelmente esperando uma explosão e minhas vísceras voando pela sala. - Quero que Zack Wilson me convide para ir ao baile de formatura. – pronunciei tão alto quanto juguei necessário.

Nesse momento senti uma quentura desconfortável na mão direita mas continuei segurando o buquê para que Jenny não percebesse nada.

– Viu? Não aconteceu nada! – falei em tom de debochada despreocupação, colocando o buquê em cima da mesinha de centro.

– Ok, você venceu. – ela respondeu, pegando o casaco e saindo pela porta da frente, resmungando um “a gente se vê amanhã”.

Fui dormir despreocupada. Seja lá quais forem as consequências, não podem ser tão ruins assim. Madame Z devia estar blefando.

Na segunda-feira, logo que cheguei na escola Zack Wilson veio falar comigo.

– Eu sei que pode parecer meio tarde, mas você quer ir ao baile comigo? – perguntou ele .

Tentei responder um sim com indiferença, mas não podia disfarçar a alegria e o triunfo por sobre todas as desconfianças de Jenny.

A notícia correu pela escola de um jeito bombástico. O corredores eram os principais pontos de comentários sobre o fato de Zack ter convidado “alguém como eu” para o baile.

Os dias antecedentes ao baile passaram rápido, numa correria total. No tão esperado dia, poucas horas antes do evento, lá estava eu de frente para o espelho com meu deslumbrante vestido lilás de tule e cetim.

Zack passou na minha casa as sete. Estava vestido com um lindo smoking branco e gravata borboleta preta. Os cachos castanhos claro modelados com gel. Os olhos verdes brilhando em resposta as luzes coloridas da cidade.

Entramos no ginásio da escola juntos, porém sem contato físico. O tema da festa era “A primavera dos apaixonados”. Cafona, eu sei, mas esse tema serviu de inspiração para a linda decoração do salão. Mesas ostentando arranjos de flores meticulosamente escolhidas para integrar o cenário romântico. Tons pastéis nas toalhas das mesas e capas das cadeiras. Flores e mais flores por todos os lados.

– Quer ponche? – perguntou Zack puxando uma cadeira para que eu me sentasse.

Respondi que sim e me sentei. Fiquei observando Zack ir até a mesa do ponche, encher um copo e receber de Todd Stone um tapinha amigável nas costas. Todd sim é o cara mais popular da escola. Os dois ficaram conversando por um curto período e então ele veio andando em minha direção. Disfarcei para não parecer que eu estava monitorando-o.

– Vou ali trocar ideia com Todd. – explicou ele me entregando o ponche e se retirando, antes sequer de eu assimilar a informação.

Então ele se reuniu com um grupo de pessoas perto da mesa de aperitivos. Entre eles Todd Stone e algumas coelhinhas (como Jenny e eu chamávamos as líderes de torcida da escola).

Passaram-se quase 40 minutos e Zack ainda não tinha voltado. ”Ele volta logo!”, pensava tentando me acalmar. A ideia de rejeição e humilhação não paravam de me assombrar. Logo as pessoas começaram a comentar “Olha a Cassie, abandonada pelo ‘acompanhante’” e “Que ridícula! Ela achou mesmo que ele ia passar a noite bajulando ela?”. Não pude aguentar. Levantei e saí do ginásio com as lágrimas quentes descendo pelo rosto. Estava chovendo. Pingos grossos e capazes de ensopar meu vestido em pouquíssimos minutos. Mesmo assim resolvi voltar para casa debaixo da chuva. Minha mãe me mataria por chegar com o vestido molhado mas eu não me rebaixaria a ponto de implorar uma carona a Zack ou quem quer que seja dentro daquele ginásio.

Entrei em casa pela porta dos fundos para que minha mãe não me visse. Subi para o meu quarto e tranquei a porta, tirando o vestido e largando no chão. Fiquei na cama encolhida, abraçando os joelhos e repensando nessa noite catastrófica. Me virei pro outro lado. Lá estava o buquê, jogado no chão ao lado da janela.

– O buquê! – exclamei pra mim mesma.

Cambaleei até a janela e apoiei as costas na parede, escorregando até sentar no chão, agarrando o buquê com a mão direita. Não deixaria barato para Zack Wilson se ele pensava que podia me levar até o baile e me largar sozinha.

“Mas eu estou avisando, isso não vai acabar bem.”. As profecias de Madame Z ainda me assustavam.

– Quero que Zack Wilson fique comigo para sempre! – disse em voz alta. Não alta o suficiente para que minha mãe escutasse do andar de baixo.

O buquê aqueceu minha mão e eu o joguei no chão com violência. Voltei a me encolher na cama, de costas para a porta. Então a porta se abriu lentamente fazendo um ruído incômodo. Imaginei minha mãe entrando no quarto e com uma voz carinhosa me perguntar por que eu voltei tão cedo, mas ninguém entrou. Quer dizer, eu não vi ninguém entrar mas escutei passos macios no piso do quarto. Um arrepio tomou conta do meu corpo e eu me virei para ver quem tinha entrado. Não havia mais ninguém no quarto mas a porta estava aberta até a metade.

No dia seguinte, desci para a cozinha logo cedo. Minha mãe estava na cozinha.

– Bom dia, Cass... – ela parou abruptamente e deixou cair no chão todos os pratos que segurava assim que me viu.

– Mãe, está tudo bem? – perguntei.

Ela colocou a mão na testa e ficou olhando para o chão, analisando o prejuízo. Tentei abraça-la mas ela parecia se afastar de mim.

– Jenny pediu para você ligar. – disse ela, saindo logo em seguida.

Que tipo de mãe era aquela que se assustava com a própria filha num domingo de manhã? E que nem se interessava em saber como foi o baile, o momento do ano mais esperado de qualquer garota do terceiro ano?

Peguei o telefone e liguei para Jenny. Tocou poucas vezes antes que ela atendesse.

– Cassie, sinto muito. – disse ela logo que atendeu com uma voz triste.

– Calma, não é pra tanto. – tentei ser engraçada. – Já sei como dar um jeito na situação de ontem!

Ouvi Jenny dar uma fungada e não falou nada durante uns quinze segundos.

– Cassie... – ela repetiu.

– Espera, pra que tanta tristeza? Ninguém morreu.

– Morreu sim, Cassie. – ela finalmente disse com a voz ainda mais triste. – Zack morreu.

Como assim? Zack? O meu Zack?

– É, o Zack. – confirmou ela. Parece até que podia ler meus pensamentos. – Ontém a noite, depois que você foi embora, ele foi atrás de você dizendo que era dever dele te levar em segurança. Pegou o carro e saiu mas as ruas estavam escorregadias por causa da chuva então – mais uma pausa. – ele bateu o carro num poste, e o poste caiu em cima do carro.

Encostei-me a pia da cozinha para ter onde me segurar. Como assim Zack morreu? Então, como o buquê poderia realizar meu desejo de ter ele comigo para sempre? Nessa hora a ficha caiu e um arrepio percorreu todo meu corpo.

– Cassie, você ainda está aí? – perguntou Jenny meio desesperada pelo meu silêncio.

– Te ligo mais tarde. – respondi desligando o telefone antes que ela pudesse se despedir.

Agora tudo fazia sentido. A porta do quarto se abrindo. Passos. Arrepios. Minha mãe deixando cair os pratos quando meu viu. Zack estava comigo, mas estava morto! Tinha um espírito junto de mim, e ele ficaria comigo para sempre!

Subi para o quarto, calcei o tênis e coloquei o buquê na bolsa. Fui correndo para a casa de Madame Zanzibar.

– Oh! – ela levou a mão na boca logo que me viu. Tentou fechar a porta mas eu coloquei meu pé para impedi-la.

– Você precisa me ajudar! – implorei tirando o buquê da bolsa e estendendo na frente dela. Ela o afastou.

– Sinto muito, mas o que está feito está feito. – ela afirmou com muita convicção. – E estou vendo o tamanho da merda que você fez.

– Não tem como dar um jeito, alguma magia ou qualquer coisa do tipo? – pedi quase chorando.

– Não garota, para sempre é para sempre. – ela falou e fechou a porta na minha cara.

– Sua bruxa maldita! – falei, jogando o buquê na porta da casa dela com muita força. Alguns galhos se partiram. Me virei para ir embora.

Antes de dar o quinto passo, voltei e peguei o buquê. Talvez ele pudesse dar um jeito na situação.Eu aprenderia a usá-lo a meu favor.

Passei semanas agonizantes na companhia de Zack. Companhia nem era a palavra certa para descrever o que ele era para mim agora que estava morto.Ele era mais uma assombração.Sempre que estava sozinha e os arrepios percorriam meu corpo,eu questionava “por que ainda está aqui?”.A resposta vinha da minha mente: por que você desejou que eu ficasse com você, PARA SEMPRE. O buquê ficara na minha bolsa desde a última visita a Madame Z.

Resolvi pegá-lo. Era meu último desejo. Teria que pensar bem no que pedir .Não podia estragar tudo outra vez. Segurei com força o buquê na mão esquerda, ensaiando mentalmente meu desejo. Era uma noite chuvosa e relâmpagos cortavam o céu em intervalos irregulares. Eu estava sozinha em casa. Sozinha não, com o Zack.

– Desejo que tudo isso acabe! – gritei o mais alto que pude. Não tinha ninguém em casa e o barulho da chuva impediria que algum transeunte escutasse. Nessa hora, um raio acertou na minha rua e eu desmaiei.

Acordei sem ter a mínima noção de quantas horas passei estirada no chão do quarto, só lembro que já era e manhã. Levantei-me e vi um tumulto perto da porta. Meus pais, meus avós e Jenny formavam uma roda ao redor de algo no chão. Cheguei mais perto, todos choravam. Ninguém prestou atenção ou sequer olhou para mim enquanto abria espaço entre eles. Então, horrorizada, vi aquilo que era motivo de toda sua dor e lágrimas: eu estava morta no chão do quarto.

Zack estava ao meu lado.

– Por quê? – perguntei a ele. O horror que estampava meu rosto já explicava meu questionamento.

Zack veio até mim e segurou minha mão.

– Porque você desejou que tudo acabasse, Cassie, mas nós dois ficaremos juntos para sempre! – ele respondeu, com um sorriso macabro no rosto.

Então fomos sugados por uma energia trevosa enquanto estávamos de mãos dadas. O último vislumbre que tive foi do buquê, jogado em cima do meu corpo.


Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.