Par Perfeito

Capítulo único - Curti, e agora?


Lá fora os raios solares castigava as pessoas, calçadas e tudo mais que estivesse exposta a ele. Dentro do meu quarto, era seu calor que me fazia suar e me tirar da paz. Quando que o sol tinha esquentado tanto? Depois de ir buscar um pote de sorvete na geladeira, sentei-me na cama, segurando o pote com a mão esquerda, a colher com a boca e o celular na mão direita. Enquanto rolava o feed da minha rede social, vi o anuncio de uma aplicativo de namoro chamado "Par Perfeito". Achei uma piada. O vídeo de apresentação começou a rolar, mostrava casais se encontrando sorridentes e felizes. Por um minuto não sei que loucura deu em mim, mas cogitei a possibilidade de experimenta-lo... E assim, o fiz. Baixei o aplicativo e após preencher as informações adicionais que consistia em idade, gênero e preferência, bem essa última era fácil, homens, eu me tornei a Burguesinha57, estava pronta para encontrar meu "Par Perfeito".

Não coloquei fotos minhas, claro. Deus me livre algum colega ou amigo meu vissem minha foto num aplicativo de relacionamento, eu seria motivo de chacota na certa. Por esse motivo, coloquei a foto de uma bonequinha fofa que encontrei no site de buscar. O aplicativo funcionava da seguinte forma: Se eu curtisse a foto de um pretendente e ele curtisse a minha.. Tcharam, um casal perfeito.

Para falar verdade, eu não utilizava aplicativos para flertar, os flertes sempre aconteciam cara a cara, seja em uma festa, no cursinho ou entre os amigos de amigos meus. Mas como eu estava naquela tarde tediosa, decidi experimentar algo novo. Abrir a pagina inicial do aplicativo, várias sugestão de Boys magia, todos a minha disposição, apareceram. Agora, era só escolher e curtir aquele que mais me agradava.

Dessa forma, fui rolando o feed entre as opções disponíveis, pois as fotos dos perfis eram muito variadas. Digo, algumas mostravam o rosto, outras a orelha, outras os lábios e em maior quantidade abdomens definidos. Esses eram os campeões. Continuei vendo as fotos distraidamente enquanto devorava o delicioso pote de sorvete ao meu lado, porém ao esticar minhas pernas que já começavam a formigar por permanecerem na mesma posição, meu celular escorregou de minha mão e ao pegá-lo rapidamente para salvá-lo da queda, acabei curtindo sem querer a foto de um usuário chamado Daddy .

Ao perceber a merda que tinha feito, deixo o pote de sorvete de lado para tentar consertar o erro. Sendo assim, clico várias vezes na tela tentando desfazer uma curtida, mas foi em vão, as curtidas não saiam. Me desesperei. E agora? O que faço? não queria chamar atenção de ninguém, principalmente, de um cara que se intitulava "daddy" Odeio esse tipinho. Bom, sem ter o que fazer resolvi sair do aplicativo e me manter invisível, mas não havia mais como, ele me notou.

— Gostou do que viu? - Pergunta, e em seguida manda um emoji de diabinho.

—"Que droga!" - Penso e por um momento cogito não responder, mas antes que eu possa bloqueá-lo ele envia a seguinte mensagem.

— Não vai responder? Está com medo? - E mais uma vez adicionou um emoji de diabinho, o que me fez revirar os olhos.

— Não. Desculpe-me. Só cliquei errado. - Envio por fim, cética.

— Clicou errado? É um novo tipo de cantada ou a Burguesinha57 está se fazendo de difícil?

Bom, vamos combinar que neste momento eu poderia ter ignorado e deixado aquela conversa para lá, mas eu não consegui, pois a vontade de responder era muito maior. Sem contar que, de certa forma aquela conversa era o que estava me tirando do tédio e eu gostaria de saber onde aquilo daria. Sendo assim, respondi poucos minutos depois.

— Não, cidadão. Não estou me fazendo difícil ...

Ainda estava digitando quando ele mandou outra mensagem.

— Então quer dizer que você é fácil?

Fiquei sem palavras e senti as minhas bochechas esquentarem, confesso. O cara rebatia tudo, ou talvez, eu fosse muito lerda mesmo.

— Quero dizer que você me interpretou mal ... - Digito um pouco trêmula.

— Então, explique-se.

Suspiro aliviada e enfim ...

Depois deu me explicar, automaticamente damos inicio as conversas e por incrível que pareça as conversas eram bem agradáveis. Não falamos sobre sexo ou outras putarias que geralmente são abordadas em conversas de aplicativos de relacionamento. E foi por esse diferencial que passei a tarde, e grande parte da noite conversando com ele.

Fazia tempo que eu não conversa com ninguém por aplicativo e mais tempo ainda de uma boa conversa. Sem perceber eu sorria á toa, toda boba como uma adolescente, e de fato, eu parecia mais uma adolescente boba de 16 anos do que uma adulta de 20.

Entre nossas conversas, descobrimos que morávamos próximos e, assim, ele propôs que nos encontrássemos. A principio não gostei da ideia, pois tinha medo que ele fosse um psicopata ou um serial killer como nos filmes ou noticiários da TV. Pensei por alguns minutos e analisei, no pior das hipóteses eu poderia me tornar estatística como garotas desaparecidas, ou na melhor delas poderia conhecer alguém realmente interessante. Então, coloquei na balança. Minha consciência dizia que não, mas minha teimosia dizia sim, e no final das contas a minha teimosia ganhou. Dessa forma, Sugeri que nos encontrássemos em um lugar público.

— Shopping Central? Em frente á loja Girafas? - Pergunto incerta.

— Pode ser. - Ele concorda para a minha surpresa, talvez não fosse um psicopata, afinal ...

No dia seguinte, acordo com um misto de animação e ansiedade. Tomo um banho demorado tentando me livrar do embrulho em meu estômago, e em frente ao espelho do banheiro, enquanto me visto, fico imaginando como ele seria. Alto? Baixo? Branco? Moreno? Negro? Será que ele cheira bem? Será que irá gostar de mim? Balanço a cabeça e tento afastar os questionamentos que ecoavam em minha mente. Termino de me arrumar e antes de sair, compartilho a minha localização com uma amiga, tudo poderia acontecer.

Depois de vinte minutos dentro do ônibus, finalmente chego no shopping. Ele manda uma mensagem avisando que já está no shopping e meu coração ansioso dispara. Sinto o nervosismo batendo na porta e a cada passo a minha curiosidade aumenta. Caminho distraída em direção a escada rolante e esbarro em alguém, ao virar os olhos percebo que era Jeon, um amigo do meu amigo Wallace.

Eu não o conhecia de fato, só sabia seu nome, sua nacionalidade, coreano, e que ele era riquinho, filho de empresários que vieram morar no Brasil. Certa vez até me encontrei com ele e Wallace numa festa, não ficamos todos juntos, porém, chegamos a nós cumprimentar. Ele era mais novo, eu era mais nova. tínhamos 16 para 17 anos. E agora, muita coisa mudou, ele mudou. já não tinha mais aquela carinha de menino fofinho. agora, tinha o semblante mais sério... Mas continuava bonito. Ele tinha a pele alva, cabelos pretos liso com franjinha e olhos de tons castanho escuro.

Com o esbarro, trocamos olhares por cerca de 3 segundos. E antes de eu tropeçar em meus próprios pés, ele de pronto segura meu braço com firmeza, me impedido de cair.

"Sempre desastrada" - Penso e dou um sorriso nervoso ao sentir minhas bochechas começarem a esquentar.

— Está bem? - Ele pergunta sorrindo, e que sorriso.

Pera, porquê agora estou achando o sorriso dele bonito? - Me questiono.

— Obrigada. - Digo forçando um sorriso simpático.

Me deixando de pé, ele sobe alguns degraus á minha frente, e pega o celular ao encostar casualmente no corrimão da escada. Da posição que estou, tenho visão privilegiada e observo sua postura, sua roupa (estava todo de preto), seus braços, seu cabelo, sua boca ...

"Han? Que merda é essa?" - Me pergunto enquanto desvio rapidamente o olhar. "Eu admirando um coreano?.. nem meu tipo faz"

Meus pensamentos são interrompidos quando sinto o celular vibrando em minha bolsa, mensagem de Daddy.

" Já estou na frente da loja ".

O nervosismo volta, respiro fundo e após sair da escada rolante caminho vagarosamente até a loja. Chegando próximo a ela, vejo apenas Jeon em pé encostado no parapeito. Estranho. Mesmo assim, me dirijo até lá. Assim que me vê chegar, ele também parece estranhar.

— O que esta fazendo aqui? - Pergunto ao me aproximar dele.

— Aqui é um shopping, né? - Diz impaciente.

— Sim, mas tem muitos lugares para se estar, não acha? - Rebato revirando os olhos.

— Acho. Inclusive, digo o mesmo a você ... Estou esperando alguém. - Diz antes de dar as costas para mim e volta a mexer no celular.

Caminho em direção ao parapeito oposto, quando chega mais uma mensagem de Daddy .

"Já estou aqui. Cadê você?" Olho rapidamente ao redor antes de responder.

"Também já cheguei, não estou te vendo." Olho mais uma vez ao redor e Jeon faz o mesmo, até que nossos olhares se encontram e a ficha cai.

— Você é o daddy ? - Pergunto incerta ao me aproximar dele.

— Burguesia57? - Ele parece tão surpreso quanto eu.

— Não acredito. - Exclamo e seguro a cabeça entre as mãos, me sentindo uma palhaça. "Que vergonha, meu Deus." - Penso.

— Mano do céu, como? - Ele diz antes de começar a rir sem parar.

O que me irrita ainda mais. "Como pude ser tão idiota?"

— Burguesinha57 ... Essa foi boa. - Ele consegue dizer após controlar a risada. - A vida realmente é uma comédia, só falta ser divina.

— Você conhece os livros de Dante Ali ... alguma coisa? - Eu não sabia pronunciar o nome do cara.

— Quer dizer o criador do poema de viés épico e teológico da literatura italiana e mundial do século XIV?

"O quê? é homem e conhece literatura?" - Me pergunto mentalmente.

Deixa eu esclarecer, nada contra os homens que gostam de literatura, mas vamos combinar é muito raro de se encontrar.

— Estou chocada. - Digo incrédula.

— Não sou apenas um rostinho bonito, sou uma caixinha de surpresas. - Diz brincalhão, cruzando os braços, o que eu acho muito sexy, mas me repreendo pelo pensamento.

— ESTÁ BEM! Agora que eu sei que você é o daddy e você sabe que eu sou ... - Dou uma pausa, pois não queria dizer Burguesinha 57

— Burguesinha57. - Ele completa a frase com um sorriso irônico.

— É ... - Digo limpando a garganta. - E já que perdemos tempo ...

— Isso é uma questão de ponto de vista. - Ele me interrompe. - Ainda podemos aproveitar como amigos, conhecidos, estranhos ... - Dá de ombros - Enfim, sem compromisso. O que me diz? No cinema está passando It: A coisa. Porém, se tiver medo, podemos assistir Barbie. - sorrir provocativo.

— De jeito nenhum. Por mais que goste da Barbie, Aceito assistir uma adaptação do livro de Stephen King - Digo sem pensar, e quando me dou conta já não dá para pegar as palavras de volta.

— Então, Vamos? - Ele estende o braço me dando passagem, como um típico e lindo cavalheiro do século passado.

Sem pensar duas vezes, aceito ir com ele. Qual o problema, afinal? Se eu fosse para casa iria passar o resto da manhã vendo TV. Caminhamos em silêncio e, enquanto ele está comprando os ingressos para o filme me pergunto se aquilo era, de fato, uma boa ideia. Me telefone vibra, era minha amiga perguntado se estava tudo bem. Respondo que sim. Ele volta com um sorriso no rosto balançando os ingressos na mão direita enquanto que na esquerda segura o balde de pipoca, o que me faz sorrir inconscientemente.

Entramos no cinema e no início, foi estranho ficar no escuro dividindo o balde de pipoca com um ele, um quase completo estranho. Imagina se Wallace e Vanessa vissem? o que iriam dizer? será que zoariam a gente? eu que não duvido. Mas deixo esses pensamentos para trás, não sou de me importa com o que as pessoas acham, então dane-se.

O filme começou e com o passar do tempo o gelo entre nós começou a ser quebrado, fui relaxando e ele também deixando transparecer um clima de amizade, apenas bons amigos. E se quer saber, foi bem divertido estar com ele. Enquanto o filme passava, me peguei olhando para ele e em alguns momentos o peguei me olhando de canto de olho.

Em um dado momento, nossas mãos se tocaram de leve quando pegamos a pipoca ao mesmo tempo, senti cada pêlo do meu corpo se eriçar com o contato repentino. Nossos olhos se encontram e por um momento o mundo pareceu parar, até que uma cena de terror fez o pessoal gritar, nos fazendo acorda do transe.

O filme terminou e caminhamos lado a lado para fora da sala. Na praça de alimentação, quando eu estava prestes a me despedir, ele me chamou para almoçar. Olhei no celular e eram 12h45min, e mais uma vez pensei em dizer não. Porém, eu estava só aquela frase "Deus me livre, mas quem me dera". E outra, se eu já estava na chuva, qual o problema se molhar mais um pouco? Topei.

Assim como as conversas, o almoço também foi agradável, entre as garfadas conversamos sobre livros, filmes e música. Nunca imaginei que Jeon era do tipo "culto". Bom, pela posição social dele, eu poderia imaginar, mas nem todo riquinho tem uma boa conversa e uma bagagem de conhecimento como ele tinha. E isso me deixou encantada.

Quando terminamos de almoçar, ele pagou a conta mesmo eu insistindo que pagaria a minha parte. Se estávamos ali como amigos ou simples estranhos, não tinha porque ele pagar para mim. Porém, o mesmo insistiu e disse que se caso houvesse uma próxima vez, iria amar tomar um sorvete e ai sim, eu poderia pagar. Concordei com a cabeça, pois naquele momento pela primeira vez havia ficado sem palavras.

"Então ele estava pensando em uma próxima vez?" - Pensei

Na frente do shopping era hora de nos despedirmos.

— Obrigada por essa manhã. - Digo com um sorriso sincero.

— Obrigado por ter ficado essa manhã. - Ele sorri de volta com seu olhar era penetrante e um pouco travesso.

Começo a sentir um frio na barriga e desvio o olhar.

— Bom, então ... Tchau? - Ele estendeu a mão incerto.

— Tchau. - Apertei a mão dele com firmeza.

Ele sorriu novamente, antes de virar-se e começar a caminhar na direção contrária. Enquanto ele se afastava em meio as pessoas, fiquei parada em frente ao shopping observando-o e pensando se teremos chance de um novo encontro.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.