Quando cheguei na sala de matemática -minha última aula do dia graças a Deus - repeti meu procedimento padrão do dia e segui para as carteiras do fundo.

Quando cheguei naquela mais reservada no canto perto da janela, me sentei e peguei um lápis grafite e meu caderno e comecei a desenhar. Eu amava desenhar apesar de minha paixão ser escrever, acho que não tive muita escolha sendo criada por Jocelyn Fray Morgenstern, a artista. Mas eu realmente herdei esse talento dela, e isso me ajudava a processar minhas histórias, criando imagens delas, ilustrações tão vivas...

Comecei com alguns traços no papel, aos poucos o desenho foi criando forma, primeiro os olhos. Eu sempre começava pelos olhos. Acredito plenamente que eles são a janela para nossa alma, da para saber muito sobre uma pessoa olhando nos olhos dela. E dava para saber muito sobre um personagem também.

Eu continuei focada no desenho, não notei muito bem quando a sala começou a encher, quando o professor entrou, quando ele começou a aula. Eu só fui realmente reparar em alguma coisa quando senti uma respiração leve e quente em meu pescoço. Me assustei e olhei surpresa para a pessoa sentada ao meu lado, eu não esperava ninguém ali.

A primeira coisa que notei foram os olhos, os lindos olhos dourados, tão quentes e calorosos, gentis mas... misteriosos, misteriosos demais. Chegava a tornar a gentileza preocupante, até que de repente ela sumiu e ironia entrou em seu lugar. Foi rápido, muita pouca gente teria notado mas eu conhecia a leitura dos olhos.

Então eu desci o olhar, e eu não devia ter me surpreendido. Era claro que era ele.

O universo tinha de estar de brincadeira, aquilo era tão idiota! Quando foi que ele chegou ali, o que diabos ele estava fazendo sentando do MEU lado?

Não. Era. Justo. Não hoje.

“Gosta do que vê?” ele perguntou quando ficou claro que eu ia continuar o encarando.

Metido. Revirei os olhos.

“Não” respondi, simples e direta. Isso o surpreendeu, e ele levantou as sobrancelhas.

“Acho bem improvável” disse com um sorriso de canto.

“Você se acha muito não é garoto? E não me leve a mal “minha vez de sorrir “não é que você seja difícil de olhar, mas sabe como é “ dei de ombros “a personalidade estraga”

“Você... “ele riu incrédulo “você nem me conhece...”

“E não desejo conhecer, obrigado. “ ele ainda estava meio surpreso, aquilo estava me deixando estranhamente satisfeita. Mas o garoto não parecia querer acabar a discussão ali, aquilo o incomodou.

“Você é muito irritante para alguém do seu tamanho.”

Aquilo me deixou nervosa, quem o idiota pensava que era? Só por que eu não tinha interesse nele eu era irritante? E sério? Meu tamanho? Eu ia mostrar para ele o quanto de força cabia em 1,50 metros logo, logo...

“Eu não seria tão irritante se não estivesse sentada do lado de um tiquinho metido a besta como você”

“ E como tem tanta certeza de que está certa? Novamente” ele sorriu de novo, o imprestável “você não me conhece”

“Ah não? Então me deixe adivinhar... “ eu disse com desdém “ Você é rico de nascença, herdeiro de uma fortuna, capitão do time de futebol e melhor aluno da turma, mas é solitário, acho que a mamãe nunca elogiou seus desenhos e seu pai nunca foi para suas graduações na escola, então você faz de tudo para chamar atenção, provavelmente tem uma moto... é um babaca com todo mundo para se sentir melhor consigo mesmo. “ agora ele parecia surpreso e incomodado então eu soube que tinha acertado em cheio “pare de andar por aí como um clichê estúpido.”

Então eu voltei minha atenção para a aula e coloquei meus fones de ouvido de volta. Não olhei para o garoto do meu lado nem por um segundo. Ele tinha me irritado demais, era tão metido... Eu não gostava de ele ter tanto poder sobre mim, de poder me abalar tanto. Eu não gostava do fato de que ele ainda estava olhando para mim, agora quase deslumbrado, embora eu com certeza estava errada e não podia olhar para ele para conferir. Sentia o leve impulso de virar e mostrar a língua como a criança que eu sou. Aquilo estava me torturando.

Então fiquei feliz quando a aula acabou, quando pude sair praticamente correndo e xingar mentalmente o universo, não era possível que uma pessoa pudesse ter esse efeito em alguém.