ISIS

Não sei onde estou, tudo está escuro e turvo a minha volta. Me vejo amarrada a uma cadeira, com nada mais para me orientar. Tento escutar algum barulho, me mover para soltar as amarras, mas meu corpo está paralisado. Quando um grande espelho surge a minha frente, acho que nunca vi nada mais lindo no mundo. É completamente revestido em cobre, com detalhes dourados e pedras verdes encrustadas em sua moldura, traçando padrões delicados por toda a extensão dela.

Olho no espelho buscando por meu reflexo, afinal alguém deve ter me apagado para conseguir me trazer a um lugar como esse. Sinto todo o meu ser gelar ao me dar conta que não era eu quem estava naquela cadeira. Mia e Phillippe me olham com tristeza e desapontamento, então eles parecem consolar um ao outro, se sentando em duas cadeiras refletidas no espelho.

—Por que me trancou Isis? -Mia pergunta, mas não era sua voz, bom, não era apenas sua voz. Minha voz sobrepunha a dela formando algo sombrio e torturante.

—Eu? -meu primeiro instinto é buscar a chave do nosso apartamento em meu bolso, então me lembro que estou paralisada e que isso possivelmente é alguma alucinação. Eles desaparecem, John Diggle se senta à minha frente e balança a cabeça em negação. Vejo uma lágrima escorrer por seu rosto e Sara surge a seu lado para consolar o pai. Deus, o que está acontecendo aqui?

—Isis, por que você me trancou? -novamente minha voz sobrepõe a de Sara.

—Sara, não sei do que está falando, mas preciso de ajuda -digo rapidamente começando a sentir o pavor tomar meu corpo. Ela me olha com ar torturado, antes de desaparecer.

Lunna toma o seu lugar, mas não minha Lunna. Uma garota que deve ter no máximo quinze anos, muito magra com o corpo completamente machucado, o rosto irreconhecível e coberto do próprio sangue, com os cabelos cortados em formas diferentes, podendo ver seu couro cabeludo em algumas partes, se encolhia na cadeira parecendo estar sentindo muita dor. Minha garganta se fecha e sinto o ímpeto de me soltar e protege-la, mas meu corpo simplesmente não me obedece, mantendo a paralisia completa. Só o que escuto depois são barulhos agoniados de um choro cheio de desespero e dor. Ela não me escutava independente do quanto a chamasse, a esse ponto já estava berrando, olhando em volta desesperada para que alguém a ajudasse. Vejo de longe um raio amarelo e vermelho que vai ganhando forma conforme se aproxima. Wally, era mesmo o Wally. A primeira coisa que sinto é alívio, estávamos salvas. Mas ele levanta a mão em minha direção, pedindo que me calasse. Se abaixa com cuidado perto de Lunna que encolhe amedrontada na direção oposta. Depois de um tempo acariciando seu rosto, Wally a pega nos braços e a leva para longe.

Laurel se senta na cadeira, seus olhos estão inchados como se chorasse a muito tempo, seu traje de Canário Negro estava rasgado em algumas partes e a vejo segurando meu antigo uniforme. Ela o abraça e chora, como se lamentasse minha morte, ver minha mentora naquele estado e não poder me mover me leva a loucura. Grito seu nome, chamo por ela e quando finalmente tenho sua atenção, vejo raiva e desprezo em seus olhos que nunca lançaram tais expressões antes ao me ver.

—Por que me trancou? -seu tom é seco, cheio de acusação.

—Não fiz, nunca faria... -Laurel não fica para ouvir minhas explicações. Ela se levanta, chuta a cadeira para longe, antes de se afastar.

Sinto meus olhos marejados, atrapalhando minha visão, me esforço para conseguir manter o controle. Mas perco o ar quando Damian caminha calmamente, com suas roupas limpas e alinhadas, diferente de todos os outros que passaram antes dele. O observo levantar a cadeira e se sentar à minha frente. Seus olhos me avaliam, e vejo que não tinha nem de longe sua aprovação.

—Por que, o que te fez desistir e me trancar? -pisco algumas vezes, detestando me sentir exposta daquela forma e apenas olho para o outro lado, me recusando a responder o que quer que fosse. Quando volto a encará-lo, não era mais Damian.

Enxergo meu pior pesadelo e estremeço por completo. Meu pai estava deitado com seu uniforme rasgado, completamente machucado e posso ver através de dois buracos em sua cabeça, onde a carne queimada em volta ainda soltava fumaça. Sentada na cadeira, minha mãe olhava o corpo sem vida do meu pai, com o rosto endurecido pela dor, tão quebrada que não podia chorar, ela estava apenas respirando, mas não tinha vida em seu corpo.

—Mãe -chamo tentando fazer com que me olhe, tentando desesperadamente estar com eles. -Mãe, por favor... Eu sinto muito, sinto muito.

—Por que me trancou? -ela me encara devastada e não consigo mais suportar a dor, preciso que pare, preciso que isso tenha um fim agora!

—Só me diz, me fala o que quer que eu faça e vou fazer -murmuro chorando sem mais forças para ter fúria ou gritar. -Mas por favor, não toca neles.

—Tocar? -me responde sem entender, vejo as lágrimas escorrendo e a forma que ela tentava não olhar para o corpo. -Eu te mostrei isso, isso quando os afastou da primeira vez. Mostrei para que ficasse ao lado deles. -diz entre dentes contendo com esforço a própria fúria. -Se espelhasse no tipo de herói que seu pai é, mas você fez a única coisa que Oliver Queen nunca seria capaz de fazer -encolho diante de sua raiva. -Seu pai não se afasta da batalha, ele passou muito tempo afastando as pessoas por medo de perde-las, mas jamais fez o contrário!

—Eu sinto muito, não queria... Não queria o ver assim. -abaixo minha cabeça chorando, e vejo as lágrimas grossas molharem meu jeans. -Me perdoa mãe, por favor...

—Por que me prendeu? -era ele, escuto a voz rouca sob e minha própria, e olho desesperada em sua direção.

Se existir alguém no mundo capaz de quebrar esse maldito espelho e me tirar desse pesadelo, esse alguém é ele. Não pensaria duas vezes antes de tentar tudo que estivesse ao seu alcance para me manter segura. Daria tudo, seria qualquer coisa, faria o impossível para me salvar. Puxo o ar, sentindo uma pontada de esperança e levanto meus olhos para encará-lo.

Connor estava sentado, com uma blusa branca manchada de sangue, suas mãos pingavam do líquido viscoso, escorrendo por seus braços. Ele me olhava como se não pudesse me reconhecer e passo um tempo tentando ver de onde era todo aquele sangue. Mas não parecia ser dele. Espero que não seja dele.

—Eu te protegi, Isis -diz, mas não é como meu Connor falaria comigo. Me sinto como um bandido em um de seus interrogatórios, sem nenhuma rota de fuga possível. -E o que ganhei em troca -ele gesticula em volta. -Essa cela, mas o pior é que em sua tentativa de se separar, se colocou no mesmo lugar que eu.

—Eu não queria -tento me explicar rapidamente, sentindo a bile em minha garganta e meu estômago dando voltas. -Por favor, eu não queria te ver dessa forma.

—Só me conta o porquê -não parece ter mais forças para estar no mesmo lugar que eu, e aquilo acaba com o pouquinho de razão que me restava.

—Eu comecei a ir a cafeterias, cinema, aulas e teatros -confesso, cansada demais. -Não precisei sair antes do fim, as minhas amigas não estavam lidando com problemas que envolvessem o fim do mundo, ou de parte da humanidade -choro baixinho, contendo o nó antes de continuar. -Aquela foi a primeira vez que me vi como uma pessoa normal e foi tentador viver assim, comecei a sonhar com coisas bobas como um sapato novo ou passar a tarde lendo um livro qualquer. Mas não demorei para começar a me sentir culpada sempre que Damian aparecia com algum osso quebrado, ou sentia que estava contendo a dor ao falar comigo no telefone, era ainda pior quando via um de vocês, principalmente você -olho Connor que não tinha expressão em seu rosto. -De todos, você foi quem primeiro percebeu que estava me afastando e não conseguia mais te encarar. Aquilo me fazia querer ser a Nigthmare, e estava feliz com a normalidade.

—Então me trancou? -balanço a cabeça confirmando, com minha garganta fechada demais para continuar a falar.

—Eu sinto muito -as palavras saem com dor e esforço, mas cheias de sinceridade.

“Olhe para ela, veja no espelho quem não é você, mas a adaga. Confesse sua ignorância e implore seu perdão como se fosse o seu primeiro amor e se existir sinceridade em seu coração a adaga que é você e é ela, te perdoará.”

—Sempre escolhendo o caminho mais dificil, Pequena Queen! -é minha voz ainda duplicada, mas minha. Olho para o espelho e me vejo.

Bom, não eu. Aquela Isis brilhava, seus olhos eram capazes de iluminar toda a sala ao meu redor. Ela abre um sorriso do tipo Barry Allen, e por mais que estivesse em prantos a dois segundos sinto um sorriso triste se formar em resposta. Isis do espelho caminha para fora dele, mas nada parecido com O Chamado, ela era graciosa, e se balançava em um vestido de linho branco, parecendo um anjo.

—Oi Isis! -diz cheia de intimidade, me desamarrando. Me ajuda a sair da cadeira e olha em volta. -Bem deprê, não acha?

—Por que? Quem? Como? -sou incapaz de formular uma frase e ela solta um riso musical.

—Você é o oposto do seu irmão! -sorri mais um pouco. -Vamos sair daqui Queen -cruza seus braços com o meu e começamos a caminhar em meio a toda aquela escuridão. -Ele diria algo do tipo -limpa a garganta, se preparando para engrossar a voz. -Vamos, tenho que encontrar a penca de filhos que não saíram das minhas partes baixas e estão sobre minha responsabilidade! -o imita a perfeição.

—Quem é você? -questiono olhando para nossos braços cruzados, ela nem mesmo se importa.

—Sou você e a adaga. Somos nós -responde dando de ombros.

—Katoptris? -solto quase sem fôlego, a fazendo se virar para mim. Ela sorri sapeca, da forma que eu mesma sorriria a um tempo.

—Oi Queen! -nossa, que adaga animada. É como estar com o Wally e Barry ao mesmo tempo, depois de cada um tomar um litro de cafeína modificada para afetar o metabolismo de um velocista. -Você é muito explicativa em seus pensamentos! -parece se divertir.

—Oi?

—Eu, sou você e a adaga, bobinha, somos apenas uma, não pode pensar que gasto sua energia sem me fazer saber -prende o riso enquanto sou tomada pela vergonha mais profunda que já senti na vida. -Pode apostar que vão ter piores! -claro, ela lê meus pensamentos. Como se quisesse me responder a Katoptris balança a cabeça em confirmação. -O que está reclamando é de você mesma, bom, você antes de se unir ao lado negro da força -pondera. -A Isis que as pessoas amam, cheia de vida a ponto de cansar. Agora imagina como era ter Wally e você por perto! -brinca, rindo sozinha da própria piada, antes de voltar a andar me arrastando junto. -Acho que a gente precisava mesmo de um Damian para fazer as coisas mais fáceis ao resto do mundo -meu rosto cora e ela sorri debochada. -Não é como se eu não soubesse o que você sabe.

—Tudo bem, vamos sair daqui -suspiro, começando a caminhar no mesmo ritmo que ela, e aos pouquinhos passa a ser mais fácil.

—Preciso esclarecer uma coisa. -diz enquanto caminhamos. -Nunca desejei te machucar ou afastar dos que ama -a voz de Katoptris se enche de tristeza.

—Não posso olhar para meus pais ou Connor e mentir -confesso na mesma vibe, sem conter a pontada de remorso em minha voz. – Não sei esconder nada deles.

—Nunca precisou, se não houver ganancia em seu coração e se estivermos de acordo, pode contar sua visão aos seus aliados -a olho em choque, tipo, isso são anos da minha vida! -Você sempre me viu como um fardo Isis, não tinha muito o que pudesse fazer. Mas sempre te guiei, aliviei suas dores e te fiz ver o que precisava valorizar, posso te mostrar quase tudo, mas não posso escolher os caminhos que vai trilhar.

—E não podia me dizer isso antes? – minha voz sai esganiçada pelo choque, a outra Isis parece me estudar por um instante antes de voltar a explica em um tom excessivamente calmo.

—Nossa ligação não estava completa, e só se completou por ajuda externa – suspira com pesar. – Não posso fazer nada se me rejeita Isis, só tentar e tentar, mas tudo acaba sendo um esforço solitário de ambas as partes. As vezes é como se você não acreditasse em seu próprio potencial, nunca se perguntando o real motivo de nos merecer.

—Acho que não chega a ser isso -a olho de lado. -Eu vivo cercada de pessoas mais fortes, mais inteligentes e que sabem o que são. Então só conseguia pensar no por que, como pude ter algo assim? Sara provavelmente seria sua melhor amiga no dia seguinte. -Katoptris dá risada da minha sinceridade.

—Ela é sua heroína, não é?

—É sim -suspiro. -Tão perfeita, que chega a ser inalcançável.

—Bom, tenho experiencia com mulheres fortes, e você é uma delas -me cutuca de leve com o cotovelo. -Isso quando não está tentando resolver tudo sozinha, ou correndo das pessoas, ou as acusando por coisas bobas, ou...

—Acho que provou seu ponto! -a interrompo dando risada. -Você provavelmente conhecia meu gênio ao me escolher.

—Se lembra daquele dia?

Quando Katoptris me pergunta, me lembro de uma versão minha aos treze anos, de cara emburrada se sentindo adulta ao “fugir” de casa. Connor em sua moto monstruosa me parando no meio do caminho, ele me levou ao Lodai, a lembrança de nós dois dispensando nosso arsenal de armas que escondíamos pelo corpo dentro de um elevador velho, ainda é uma das minhas preferidas.

—Isso não é a atitude de alguém que não te vê como uma igual -a Katoptris comenta com um sorriso encantador no rosto. -Connor foi contra todos, ele escolheu desobedecer a seu pai, o que você bem sabe não é algo corriqueiro. Só ficou mais protetor quando você o afastou, por que assim ele precisava prever tudo o que pudesse acontecer e te resguardar, já que não falava mais com ele -tá, um soco na cara seria menos doloroso. -Foi o que me fez escolher você. -diz, e vemos uma luz tomar forma a certa distância. -Sua ligação com seu irmão me atraiu. Ele sente tanta adoração por sua força e capacidade, que emana ao redor. Vi que nada no mundo seria mais valioso, então você se tornou digna e nós nos tornamos a Katoptris.

—Não fui só eu? -a olho confusa.

—Você é o que é pela soma das pessoas ao seu redor -toca meu ombro. -A inteligência de sua mãe, a força de seu pai, a petulância de Thea, o altruísmo de Connor -murmura. -Tem mais, você tem aspectos dos Diggle, da Laurel e de todos com os quais convive. E tem coisas só suas também, por que é assim que um humano se caracteriza.

—Me sinto muito mal agora, por te chamar de faca de pão—digo a olhando com carinho, e ela solta uma risada divertida.

—Bom, não era só faca de pão -semicerra os olhos para mim e prendo o riso. -Não sou uma bola de cristal Isis, sabe como foi frustrante te ver entre a vida e a morte usando essas faquinhas do seu cinto enquanto eu estava lá?

—Mas você é uma adaga cerimonial -ops, ela parece realmente ofendida agora. -Não vai mais acontecer -acrescento, e vejo seus olhos perderem a fúria assassina aos poucos.

—Eu teria arrancado a perna daquele velocista bundão, mas tive que pular da sua mão literalmente, para no mínimo retardar aquele babaca! -pragueja irritada.

—Nossa, consegue ser pior do que eu nos xingamentos -penso alto e parece a fazer lembrar de algo, agora estávamos em frente a luz, prontas para voltar. Katoptris me gira e segura em meus ombros.

—Sua essência estava aqui o tempo todo, então digamos que soltou uns palavrões bem cabeludos. -diz cuidadosamente. -Olha, quando voltar vai se lembrar de coisas que disse e fez as pessoas que ama. Mas terá que encontrar uma forma de não se afastar delas e aceitar o perdão que já te deram, ou não vamos conseguir permanecer juntas. A escuridão já te encontrou uma vez, Isis, então agora vai precisar aceitar o cuidado de todos a sua volta, sua relação com eles me fortalece o suficiente para te manter bem longe dela.

—Não vou fazer mais aquilo. Prometo.

—Ótimo, então preste atenção. Vou tentar amenizar a dor, por que vai doer muito quando se lembrar -acaricia de leve meu rosto. -Só confie e farei o melhor para que tenha um pouco de paz.

—Obrigada -digo sentindo uma lágrima escorrer por minha face.

Então sou tomada por uma vertigem estranha e tudo a minha volta começa a girar. Meus olhos se abrem e vejo os rostos de todos que me faziam falta, não leva mais que um segundo e assim como a Katoptris havia me avisado a dor aparece como uma chama me consumindo por inteiro, sou capaz de escutar o grito torturado que escapa por minha garganta, e vejo de relance meu pai travando Connor, como se estivesse o contendo, o impendido de chegar até mim.

—Con... -Sussurro em meio a dor, tentando fazer com que o soltassem, mas meu corpo não parece me obedecer. A dor é aplacada abruptamente e escuto o som de risadas familiares, antes de um peso conhecido voltar a fazer parte de minhas roupas. Minha adaga, ela estava comigo.

LUNNA

Vou colocar uma placa nesse segundo degrau da escada, vai ser o cantinho da tristeza. Por que de alguma forma, sempre que um de nós está imerso no nosso drama da vez, acabamos sentados nesse maldito degrau. Pensando bem, vou pegar uma marreta e derrubar ele de vez.

Posso sentir Damian se sentando na outra ponta, é complicado, mas de alguma forma somos amigos. E enfrentaríamos um exército pelo outro, mas nenhum dos dois é do tipo que fala e meus amigos costumam ser do tipo Sara ou Wally, no primeiro caso percebe a vibe e não dá a mínima para ela, e no segundo fala como escape para qualquer coisa, menos a fome. E tem Connor que simplesmente sabe o que fazer para tornar tudo melhor.

—Eu sinto a necessidade de te dar algum concelho sábio, me corroendo até os ossos -solto com cara de dor, e Dam esboça o menor dos sorrisos.

—Sinceramente Delphine, deve ser por isso que me sentei aqui -ele apoia os braços nos joelhos e bagunça os cabelos de uma forma que nunca vi um batintegrante fazer, e acho que se o descobrirem ele perde a carteirinha, por violar o penteado.

—É reconfortante ficar em silencio perto de alguém que entenda o que estamos passando -falo olhando em direção a garagem onde Connor se enfiou. -Nessas horas, nós que amamos os filhos deles somos forasteiros.

—Pois é – diz apenas olhando para a porta do elevador que leva a ala onde Isis está com Oliver, Sara e Constantine. – Mas vai ser o rosto deles que ela vai querer ver primeiro.

—É o conforto da pré-disposição genética – dou de ombros e ele me olha como se eu tivesse dado curto, quase consigo rir. – Não é fácil odiar um membro de nossa própria família – ele ergue a sobrancelha já contradizendo a situação. – Bom, é o que a ciência diz, não posso avaliar caso por caso. Mas a questão é que o que mais te atrai é seu próprio reflexo, então ter alguém fisicamente parecido torna perdoar um pouco mais fácil.

—Ou o incesto – faz uma careta de nojo, debochando da informação.

—Isso também, mas só se chegarem a se conhecer já adultos, então é realmente perigoso – por que estamos falando de incesto? Meu Deus! – Ainda quer o concelho? Por que estou realmente preocupada com qual o próximo tópico que vamos abordar para evita-lo.

Dam sorri com os olhos brilhando, cheios de tristeza. Posso ver a forma que Phill ficaria na mesma situação, mas não sei se posso lidar com Damian Wayne da mesma forma que lido com meu irmão super afetuoso. Não definitivamente não posso fazer. Mas ainda deslizo um pouquinho para mais perto, Damian nem se move, o que é bom por que vou morrer de vergonha se ele brigar comigo por trata-lo como um parente.

—Nós teríamos a mesma idade – comento, me obrigando a preencher o silêncio, o que parece confortá-lo. – Nascemos no mesmo ano.

—É verdade -aí fica dificil, não sou a mais tagarela do mundo e você não colabora. Estou a ponto de jogar a toalha e tentar o deixar sozinho para que possa chorar, quando Damian estende a mão para mim. Sorrio, um sorriso triste e pego sua mão entre a minhas, a afagando com carinho, como se fosse meu irmão. -Uma vez Isis me falou que nós não somos como vocês, ou Sara e Wally -começa a dizer imerso em memórias. -Que talvez essa é a única terra em que estaríamos juntos, nas outras eu seria mais velho e provavelmente não teríamos nada em comum. Mas nem mesmo na única terra em que eu morri e voltei a vida, nós conseguimos nos acertar -ele solta um riso triste e me olha como se clamasse por algo que o desse esperança, vejo uma linha solta em minha saia vermelha a arranco com um movimento rápido.

—Existe um mito que se chama Akai Ito, me lembro dele por causa de uma antiga cantiga chinesa -começo, enrolando a linha em seu dedo mindinho, Damian apenas observa em silêncio. -Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se. Independentemente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar ou emaranha-se, mas nunca irá se partir—recito em mandarim, sabendo que ele é capaz de entender. -Cinco anos é uma grande diferença quando um tem quinze e o outro vinte anos, mas não é a mesma coisa quando um deles tem vinte e cinco e o outro vinte.

—Chega a ser bizarro essa sua facilidade de descomplicar as coisas -ele desliza para mais perto e tomba sua cabeça em meus ombros, é fácil lidar com Dam no fim das contas, ele é um espelho que sempre vai refletir o afeto que recebe. -Não é como os conselhos do Grayson que me fazem querer arrancar meus próprios olhos -rio de sua piada boba.

—Sinto muito, Dam -falo com a coragem que o primeiro passo dele me deu, e posso ver uma única lágrima escorrer por seu rosto. -Deve ser um saco não poder fazer o que quer, precisar se manter distante por respeito à vontade dela -ele assente, sem conseguir falar e manter a pose de badboy ao mesmo tempo. -Mas acho que sei de uma coisa que vai te animar -ele me olha, escorando a cabeça no corrimão da escada, completamente exausto, parecendo uma criança sentida. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e as seguro com toda minha força de vontade. -Mesmo a versão Robocop Isis estava afetada por você – ele apenas levanta a sobrancelha, me incentivando a continuar. -Ela me perguntou o que estava acontecendo com isso de amizade? -questiono tímida e ele sorri fraquinho.

—É Delphine, somos amigos. Quer cruzar os dedos mindinhos para tornar a coisa toda mais real? -bom ver que seu sarcasmo ainda é o mesmo, mas parecia se divertir por um instante.

—Então, isso -continuo ignorando o deboche claro nos seus olhos. -Depois ela perguntou ao Connor a mesma coisa -agora Damian dá risada de verdade.

—Ela basicamente me mandou sair da sua casa antes de fugir -antes que perceba me junto a ele, os dois rindo apesar de não existir nenhum humor, como se estivéssemos liberando a tensão que a quase morte da nossa garota nos fez sentir. O riso de Damian se transforma em choro, choro de verdade, de algo que ele vem guardando a muito tempo. Decido que chega de tentar não ser a big sister dele, e passo meus braços em volta do seu corpo, o deixando se apoiar em mim para que chore.

—Vai ficar tudo bem, Dam -sussurro passando a mão nos cabelos dele, por que né, já estavam bagunçados mesmo, estrago maior não faria.

—Você não gosta de abraços -murmura entre o riso e o choro.

—Não ligo mais para você -falo com sinceridade.

—Isso não deveria ser sua forma de consolar alguém -me recrimina, mas não parece querer se afastar, então continuo a embala-lo como se fosse o Phill. Ficamos assim por tanto tempo que quase pulo ao escutar a voz masculina, claramente afetada pelo excesso de nicótica que rompe nossa bolha.

—Hum, isso me parece terapia -diz Constantine, mas tudo o que consigo pensar é em Castiel e no quanto Misha Collins poderia ser um mago ocultista, nem ligaria para o cheiro de cigarro, se pudesse ver Castiel em seu auge de beleza. -Sinto interromper essa coisa de vocês, mas a garota monstro acordou. Bom, só a garota, o monstro a partir de agora fica a cargo dos hormônios do fim da adolescência. Ela quer ver o resto da família.

—Sabe, acho que entendo por que o Oliver parece gostar tanto de você -penso alto, estudando o semblante que John Constantine parece ter montado com muito cuidado para maquiar a preocupação em seu rosto. -Pode me ajudar? -estendo minha mão em sua direção.

—Claro amor -sorri, e dou um tapinha de agradecimento em seu ombro enquanto passo por ele. Só paro um instante para me recompor, antes de entrar na garagem.

CONNOR

E parece que tudo voltou para onde estava. Meu pai ficou com minha irmã na enfermaria, mas só quero não precisar me concentrar pela presença de Constantine, ou ser um líder para os outros por alguns minutos. Me escondo na garagem, entre os carros onde ninguém poderia me ver a princípio, desesperado por um lugar onde pudesse relaxar.

—Aí está você -escuto a voz doce de Felicity, que se senta ao meu lado no chão da garagem.

—Como me encontrou? -questiono encarando meus próprios pés.

—GPS de mãe -ri da própria piada. -Sou muito experiente com a culpa dos meus Arqueiros -puxa de leve meu braço para recoste minha cabeça em seus ombros pequenos. Não é exatamente confortável, mas sentir suas mãos afagando meus cabelos me acalmam como se ainda fosse um menino de oito anos assustado.

—Vocês não precisaram de meses para sacar que tinha algo de errado com ela -falo sentindo algo escorrer por minha face.

—Isso por que quando sua irmã conseguiu a adaga nós pesquisamos tudo o que era possível para a livrar dela -sua voz era baixa e reconfortante. -Eu sabia sobre a existência da arca, mas nunca cogitamos a possibilidade de Isis usar algo assim. -solta um suspiro triste e me levanto para olhá-la. -Se tivesse a contado sobre minhas pesquisas...

—Mãe, está tudo bem -de repente sou eu quem a está confortando. Felicity tira os óculos do rosto e limpa as lágrimas com o dorso da mão. Seguro sua mão esquerda e brinco com sua aliança em seu dedo. -Sabe como é incrível? -ela me olha sem entender, ainda com seus olhos cheios de lágrimas. -Sei que está pensando que é uma mãe ruim e que poderia ter feito mil coisas para que Isis não se tornasse o robô Queen.

—Sou tão previsível? -solta um pequeno riso em meio ao choro.

—Anos de experiencia com a culpa dos meus pais -a remendo. -Mas o que quero dizer é que vocês se arriscaram e foram atrás da solução na primeira sombra de perigo que viram, não importa se pensaram em procurar o Constantine só agora, vocês o procuraram.

—Às vezes acho que estou pagando pela forma que me escondia da minha mãe quando era mais jovem -desabafa e não posso deixar de rir condescendente.

—A vó Donna não é fácil.

—Mas você não corre dela -se ajeita em meu ombro e passo meus braços a seu redor. -Foi dificil escutar Isis dizer aquelas coisas.

—Aquela era a arca -argumento, mas ela só se aconchega mais em meus ombros.

—Nunca foi difícil ser sua mãe, Connor. Era de se esperar que fosse, quando Wally me contou a seu respeito eu pensei que cresceria em meu ventre.

—Nunca pensei por esse lado -nós olhamos para nossas mãos juntas, enquanto Felicity fungava.

—Fiquei esperando a estranheza chegar, mas não acontecia. Seu pai me contou que tinha um filho, ele te viu em Central City com Sandra -narra perdida em suas próprias lembranças. -Pesquisei o que poderia para ajuda-lo, mas ainda estava receosa. Foi quando encontrei seu registro e passei duas horas imóvel em frente ao computador, chorando e agradecendo por você existir, nunca foi importante para mim você ter meu sangue ou não, quero deixar isso muito claro -sorrio da ferocidade em sua voz. -Se lembra de quando Barry te trouxe? -balanço a cabeça concordando.

—Você prometeu me proteger.

—Não precisei te carregar por nove meses, naquele instante você já era meu filho. Me lembro da sua carinha assustada quando acabou soltando “mãe”, sem querer ao me chamar alguns meses depois -funga mais uma vez. -Acha que é errado conseguir me ligar mais a você do que a Isis? -me olha com culpa. -Por que não é diferença em amor, eu simplesmente não sei o que fazer na maior parte do tempo se tratando dela, mas com você sempre foi natural -confessa com o rosto cheio de dor.

—Sou seu filho -é só o que consigo responder, não tem mais nada a ser dito. Felicity Smoak é minha mãe e sei que sou parte dela.

—É claro que é -fala com a mesma certeza me fazendo sorrir.

—Lunna me disse uma coisa quando estava me sentindo da mesma forma que você está agora -me olha cheia de esperança, e limpo com cuidado seus olhos. -Pensei que não era certo conseguir lidar tão bem com Phillippe e nunca acertar com Isis. Mas ela disse que não posso comparar duas pessoas completamente diferentes e esperar que ajam da mesma forma -suspiro. -Eu não tive um pai por sete anos, então quando descobri que o meu era o herói que admirava e ainda estava ao lado da garota mais linda que já tinha visto. -Felicity sorri abobada com meu comentário. -Foi como ganhar um grande presente -beijo o alto de sua cabeça.

—Minha pupila é mesmo a mais inteligente de todos -tenta fazer graça em meio ao choro.

—Mas é claro que é! -respondo o obvio, mesmo sabendo que nenhum dos dois é realmente imparcial nessa questão. -Isis te ama, mãe -falo baixinho. -Mas ela é a garotinha do papai, que se recusa a ser -rimos pensando na petulância de alguém tão angelical. -Parte dela vê o desafio que é a outra garota dele ser superada, e a outra parte quer estar à altura da mãe que admira. -Felicity me olha cheia de carinho, então volta a deitar a cabeça em meu ombro.

—Lunna está te deixando mais esperto -murmura tentando brincar em meio ao choro.

—Sou um poço de sabedoria, mãe! – solto fingindo estar ofendido.

Não entendo minha ligação com Felicity, mas desde que a conheci nos tornamos quase que uma coisa só. Enquanto Isis sempre procurava nosso pai, mesmo quando estava com minha mãe biológica acabava pedindo para falar com Felicity antes de dormir, foi uma ligação instantânea que nunca se abalou, diferente dos altos e baixos que vivi com meu pai até nos acertamos de verdade. Após Louis morrer, deve ter sido difícil para Sandra ficar ao meu lado por muito tempo, mesmo depois era difícil com todas as viagens que seu trabalho exigia. E meus poucos meses com os Queens se tornaram um lugar fixo, com férias de verão alternadas para que Sandra pudesse viajar conosco e depois me levar com ela o resto do verão.

Contudo as lembranças mais fortes de minha infância são de aeroportos, quando voltava do meu tempo com Sandra. Felicity sempre nos esperava ansiosa ao lado da figura estática do meu pai, nos primeiros anos ela tentava se conter, por medo de ser rejeitada ou ofender minha mãe biológica, mas antes que percebêssemos ela passou a correr para me alcançar, me pegava em seus braços e apertava como se quisesse me fundir a ela. Eu adorava aqueles momentos e nem mesmo me lembro das reações dos outros a eles, éramos apenas minha segunda mãe e eu.

Por isso nunca pensei que Felicity teve que fazer uma escolha, acho que essa escolha se quer existiu para ela. Não posso pensar em ter apenas uma mãe, e também não posso imaginar minha vida sem uma delas. Deixo que chore o quanto precisa, entendo que estaria se segurando com meu pai por ele mesmo ter sua própria culpa em mente, só me concentro em fazer com que se sinta segura. Lunna aparece no batente da porta, linda como sempre, capaz de tirar meu fôlego todas as vezes sem nem mesmo se esforçar para isso. Ela corre os olhos por todo o local, parando no momento em que nos encontra.

—Isis acordou, está procurando por vocês -diz.

—Mãe, temos que ir -falo baixinho para ela que se limpa na minha camisa e fico grato por estar de preto.

Minha esposa não espera por nós, entende que Felicity precisa do seu tempo. Então passo meu braço sobre seus ombros, e caminhamos em silencio, ao entrar na caverna a tensão se torna palpável. Todos estavam parados no vortex principal, ninguém quer ser o primeiro a subir. Não é que não queira ver minha irmã, mas o bolo em meu estômago torna dificil me mover a diante.

—Talvez, seja melhor vocês três subirem primeiro. – Lunna diz. Mostrando o motivo de todos estarem estagnados ali.

—Somos a oferta ao crocodilo faminto? –sussurro para Felicity em uma tentativa boba de amenizar a situação, principalmente pela tensão em meus pais. –Se é o que querem, vamos ser os tributos – dou de ombros, dando o primeiro passo e sendo seguido de perto.

ISIS

Por um momento acreditei que nada estivesse certo. Nunca senti tanta dor antes e não é como se tivesse quebrado um braço, aberto uma fenda na minha cabeça ou mesmo levado um tiro, era muito pior, como se meu coração estivesse sendo empurrado novamente para meu peito. Sei que Katoptris está fazendo o seu melhor, sinto isso, ela luta por mim, até mais que mereço, mas mesmo assim não sei se consigo aguentar por muito tempo. Revejo memórias felizes com meus pais e amigos, me vejo em uma sala de espera, sorrindo com Nina brincando entre Damian e eu, enquanto Wally e Sara caminham pelo corredor, apesar de ser um hospital, nós estávamos cheios de alegria. Mas a dor ainda estava ao fundo, ainda que maquiada ela era forte e pulsante.

E então da mesma maneira que veio foi embora, deixando em seu lugar todas as lembranças de uma Isis que não era eu e de brinde a culpa por cada ação que minha gêmea do mal aprontou. O chão poderia abrir e me levar dessa vida, que eu nem iria reclamar. Nem sei como fazer para pedir perdão para todos que preciso, mas sei por quem devo começar. Me ajeito na cama e fico esperando que alguém apareça, tudo em mim lembrava a dor que sentirá a pouco, bem mais fraca, mas como um machucado que iria demorar a cicatrizar. O elevador então se abre e as três pessoas que mais queria ver estão ali na minha frente, e não consigo segurar minhas lagrimas e três pares de braços estão me amparando.

—Me desculpem –foi a única coisa que consegui sussurrar entre soluços. –Me desculpem.

—Ei princesa –meu pai afaga minha cabeça, me prendendo em um olhar condescendente e aquilo é pior que qualquer acusação, por que a Isis de hoje não merecia o olhar de amor de nenhum desses três, tinha plena consciência que precisava fazer por merecer isso, e iria nem que precisasse de toda a minha vida para conseguir.

—Não era você, meu amor –minha mãe afaga o meu braço, tento falar que não, foram as minhas escolhas que fizeram tudo isso.

—Ei maninha, isso ficou para trás, o importante é que você está de volta.

—Me desculpem, eu... eu... –e de novo estava protegida pelo abraço da minha família.