DAMIAN

Ainda posso me lembrar da primeira vez que me envolvi com esses arqueiros. Não tinha nem um ano completo que havia voltado dos mortos, tudo estava estranho e desconfortável. Alfred havia morrido e eu andava mais puto do que poderia descrever. A princípio tudo o que queria era pegar as informações que precisava e sair sem ser visto. Hoje minha arrogância ao pensar que seria um trabalho cirúrgico, rápido e fácil, me faz quase gargalhar, quase, nada tem me feito gargalhar ultimamente, mas essas pessoas de uma forma estranha me despertam isso.

Ao menos as vezes. Agora por exemplo todo o sentimento que conservo é uma vontade de socar a mim mesmo por ter dito “Sim, pode pedir o que precisa”, quando Connor me procurou a alguns dias. Essas pessoas estranhas estão me passando a estranheza delas, é o único argumento que posso ter ao me dar conta que não neguei a merda do favor assim que ele pronunciou calmamente cada palavra, com aquele jeito zen irritante dele.

Mas o que mais eu poderia fazer?

Lunna precisa disso, e talvez quando Lunna estiver inteira ela possa ser o que preciso para colocar as peças de volta ao lugar. Agora não tem nada que eles possam fazer, e sinceramente nem é justo desviar o foco deles para minhas próprias prioridades, não quando eu desertei no momento mais importante dessa equipe, incapaz de lidar com meus próprios demônios, deixando a sujeira toda nas mãos dos dois. Não me admira que ambos estejam em frangalhos.

—Mas puta merda! -praguejo acelerando em minha moto. -Quem em sã consciência meche por querer nas coisas da Sara? -a pergunta retorica cria a imagem de Connor e Lunna entrando na casa dos West, e me encolho involuntariamente com a dor que isso provavelmente despertaria, os sons estranhos de Lunna ao chorar da pior forma que já presenciei alguém fazer. -Merda de arqueiros esquisitos! -praguejo mais uma vez, forçando a velocidade ao máximo que o motor alcança.

É notável o que cinco meses de poeira são capazes de fazer a uma casa. Não consigo deixar de imaginar o velho Alfred vendo o estado disso, talvez tanta sujeira fosse capaz de fazê-lo erguer uma sobrancelha em sua máxima capacidade de demonstrar algum espanto. Já estive aqui algumas vezes, não muitas é verdade, mas esse apartamento sempre foi um retrato da personalidade de seus donos. Com paredes coloridas e tijolos aparentes nas janelas, fotos espalhas por todo o local exibindo a felicidade quase irritante dos dois. Sem eles é como visitar um mausoléu, meu estômago revira sem parar com todas as lembranças, não jugo Connor por querer manter distância, tem muito dele aqui também.

Pego um porta-retratos, nele uma foto da última festa beneficente da Queen Consolidation, antes de tudo virar de ponta cabeça. Sara sorria feito boba enquanto Wally beijava o seu rosto ao mesmo tempo que segurava o celular, Luna estava em segundo plano com Connor a envolvendo pela cintura olhando um para o outro na bolha de “amor e arco-íris” deles, Isis me “abraçava” com um sorriso genuíno de felicidade, tinha seu braço esquerdo em volta do meu pescoço, me obrigando a estar na foto e posso ver meu rosto vermelho pela falta de ar. Um dos últimos momentos de paz eternizados por um flash rápido. Assim como Sara, todos estávamos se não rindo ao menos felizes, por um raro momento de calmaria.

—Deveríamos ter aproveitado mais –devolvo a foto para a mesinha e subo as escadas três degraus por vez.

Tenho feito muita coisa fora do esperado ultimamente, e de tudo o que fiz até o momento esse é de longe o que menos me agrada. Posso calmamente me sentar no banco de carona do Batmovel com meu pai em seu pior estado o conduzindo e garanto que não vou se quer piscar de medo. Mas vasculhar as coisas da Sara não é nada que qualquer um que queira manter todos os dedos das mãos funcionais escolheria fazer.

Em uma gaveta na penteadeira coberta de poeira, encontro uma pequena caixa de madeira feita a mão, parecendo um porta joias. No entanto o mais próximo de uma joia que encontrei foi o par de brincos em formato de estrelas. Percebo tarde demais que aquele era o “tesouro” da Sara. Dentro encontro uma foto de quando ela e Wally ainda eram adolescentes, completamente sujos de lama. Um ingresso de cinema apagado de tão velho, uma ponta de flecha quebrada e tantas outras quinquilharias que só fariam sentido para ela, tão pessoal que era doloroso de ver. Pegos os brincos e coloco em um compartimento do cinto, devolvendo a caixa para o seu lugar, onde as lembranças estariam seguras e me apresso em sair desse lugar.

Volto para Star City, apenas sentindo a brisa do fim da madrugada. Um pouco mais de neblina e vinte por cento a menos de verde nas ruas e provavelmente me sentiria em casa. Meu telefone toca e atendo pelo dispositivo do capacete.

—Fala.

‘Não sei se concordo com Einstein’ a sua voz de reprovação se destaca ao barulho da madrugada. ‘Ele é um gênio, fato. E a cada momento que me aprofundo nas pesquisas percebo como suas teorias são perspicazes, mas mesmo assim não é reconfortante que aquela burrada que fiz a cinco anos atrás ainda esteja acontecendo.’

—Não acho que isso seja descordar de algo, soa como se estivesse admirada -a escuto bufar do outro lado da linha e contenho o riso.

‘Só me parece que dessa forma não existe redenção.’ Aquilo parece estar incomodando de verdade.

—Conseguiu ver onde está a falha em minhas anotações?

‘Longe disso. Mas percebi que nossas mentes não estão programadas para aceitar esse fato. Sem falar em todos os momentos de sofrimentos que cada um passou se repetindo, continuamente sem nunca ter fim. Não acha que é no mínimo cruel?’ essa conversa começa a reviver uma série de memórias desagradáveis.

—Vou estar fora por um tempo, talvez precise segurar as suas teorias até que eu volte para Gotham – tento mudar de assunto, por que a imagem de todos os meus ‘eus’ no multiverso morrendo eternamente me revirava o estomago.

‘Não estaria te esperando de qualquer maneira.’ diz cheia de sinceridade e quase solto uma gargalhada.

Mas Phoebe Morley é assim mesmo, não soa grosseira como seria se fosse eu a dizendo exatamente as mesmas palavras. A garota vive de forma literal, está aonde de fato esteja. Não me oferece ou cobra coisa alguma e posso facilmente amanhecer o dia em meio a conversas nada pessoais com ela.

Nada em sua aparência de destaca, seus olhos não são pequenos em comparação ao restante do seu rosto redondo com ar inteligente envoltos por grossos cabelos escuros que ela mantém em uma trança de lado. Tem uma boca larga e bochechas que apontam para os lados, mas de alguma forma todo esse conjunto estranho fica bonito nela.

O mais violenta que já a vi ser foi com um pacote de biscoitos que não conseguiu abrir e acabou o partindo em dois. Mas algo nela é reconfortante, provavelmente a falta de percepção e interesse em qualquer coisa que não lhe garanta um PHD no futuro, ou a capacidade de não se intimidar não importa quantos membros da minha família apareçam em sua frente.

—Simpósio em Metrópoles? –me lembro de ter me dito algo assim.

‘Sim. Tenho que ir, aqui é bem tarde, em Star não deve ser muito diferente.’ três horas a mais, mas quem estava contabilizando? Desliga sem ao menos se despedir, mas era a Phoebe, então me preocuparia se houvesse alguma despedida.

Em dez minutos já estou dentro do elevador particular do meu prédio, não seria conveniente que os demais moradores nos vissem usando os nossos uniformes. Consigo imaginar a velhinha do nono andar que insiste em levantar cedo para pegar o pão, no elevador social comigo. No mínimo teria que tentar reanimar a senhora depois de lhe causar um enfarte. E fazer boca a boca em alguém que usa dentadura não está no meu plano de vida.

A cobertura da minha família é composta pelos três últimos andares do prédio. As paredes lestes eram abertas por grandes janelas, que proporcionam uma vista particularmente bonita do amanhecer da cidade. O que considero parte da ironia latente na personalidade do meu pai, considerando quem nós somos e o estilo de vida que aderimos. Só me lembro de um amanhecer que me pareceu realmente esperançoso em meus vinte anos, os que passei vivo de fato. E não estava em nenhum prédio.

Mas chegar em casa no começo do dia para pessoas como nós só significa que no melhor caso vencemos mais uma batalha, mas nunca a guerra. Descansamos sabendo que teremos a mesma quantidade de sujeira, se não mais para limpar na noite seguinte. Por esse ponto o amanhecer não é nada mais do que o universo dizendo que não fizemos mais do que a obrigação.

Me jogo no sofá olhando a cidade, tão cansado que não sei como me levantaria em algumas horas para uma reunião no prédio da Wayne Corporation. Preciso admitir, Lunna e Felicity sempre foram as melhores em manter essa dupla jornada, estou nisso a dias e já começo a entender a necessidade em ter fama de playboy. Sinto meu corpo pesando cada vez mais, e pouco a pouco minha consciência se perde, mas última coisa que vejo como sempre é um par de grandes e brilhantes olhos azuis, envolto por uma grossa camada de cílios.

LUNNA

Phillipe acaba dormindo ao meu lado na minha cama e do Connor que encontro no sofá apagado. Provavelmente chegou a pouco tempo e não quis nos acordar. Tomo um banho sentindo o conforto de não ter ninguém por perto. Entendo a preocupação de todos, mas não suporto mais o esquema de revezamento para “manter a Lunna menos louca possível” que arrumaram, depois de passar quatro intermináveis horas com Roy Harper já estava esperando Malcom Merlin vir rendê-lo, mas para minha surpresa foi meu irmão quem apareceu.

Apesar de incomodado e claramente assustado com a situação, Phill se limitou em me dar um forte abraço e me manter o resto do dia ao alcance de seus olhos. Foi a primeira vez que senti nossos papeis invertidos, ele era o irmão protetor capaz de qualquer coisa e eu a criança assustada da história. O sofrimento mudo dele é pior do que as quatro horas com Roy, e Deus sabe o que ver o Arsenal cortando as unhas dos pés faz com a sanidade e apetite de alguém. Connor e Laurel passaram a última semana me levando a vários especialistas diferentes, e por mais que tenha implorado por uma ressonância nenhum deles julgou necessário, parecem não encontrar nada anormal em meu corpo. Alguns médicos chegaram a elogiar minha saúde e bom metabolismo, que talvez esteja um pouco acelerado demais. Desistimos de um terapeuta convencional quando adaptei uma mistura dos roteiros de “Ghost” com “Deixados para trás” e “De volta para o futuro” na tentativa de explicar o que aconteceu sem expor nossas identidades.

Então Connor me ligou na madrugada passada e alguma coisa parecia diferente, quase como se recuperasse a esperança. Pediu que esperasse alguém me buscar após o fim do meu expediente na QC, bom, esse alguém claramente não é ele devido ao desconforto estranho em sua voz. Escolho um vestido vermelho larguinho que esconde um pouco do peso que perdi e calço scarpins nude. Não sei onde vou ou com quem, o que por si só já me faz estar desconfortável, mas não quero negar aos dois o direito de ter esperança. Mexo com Phill até que seus olhos se abram com dificuldade e vejo sua pupila dilatando e diminuindo o violeta ao redor, enquanto seu olhar se foca em meu rosto.

-Bom dia -digo com um sorriso largo que o ter por perto me faz dar.

-Está bonita. -Phill murmura com a voz ainda mais rouca do que normalmente é.

Quando estava prestes a fazer piada dos cabelos embolados dele, nós vemos Connor se arrastando com apenas um olho aberto e se jogar na cama onde os dois parecem grandes demais para ocupar ao mesmo tempo. Phillippe automaticamente se move o mais distante possível do meu marido que sorri de lado se divertindo com a aversão do cunhado. Por um momento quase peço a Deus que o tempo pare, sou inundada pela sensação de paz ao ver meus garotos sorrindo como quem disputa qual paciência resiste por mais tempo.

-Con, vai tomar um banho! -Phill reclama se levantando quando sentimos o cheiro de suor que Connor exalava. -Nessas horas eu sinto falta de quando fingia não saber o que vocês faziam.

-Não enche moleque -a voz mal sai. -Você está linda, Lu -estende a mão em minha direção e a seguro.

-Amor, vai tomar um banho quente, não quero que meus lençóis cheirem ao resultado de uma noite inteira do Arqueiro Verde saltando de um telhado a outro -dou a ele meu sorriso mais doce que o faz suspirar antes de usar o resto de energia que possui para se levantar e ir em direção ao banheiro abraçado com um travesseiro.

-Ele poderia ter ido na hora que falei, não é como se esperasse que você o deixaria dormir nessa catinga. -Phill comenta implicante e Connor já dentro do banheiro joga o travesseiro em sua direção. Vejo a cena inteira em câmera lenta, e apenas ergo o braço e pego o objeto a centímetros do rosto do meu irmão. -Nossa! -exclama me olhando impressionado. -Quando aprendeu isso?

-Não tenho ideia -sussurro olhando para minha mão estendida que ainda segurava o travesseiro.

Phill me deixa na QC e se despede indo direto para o aeroporto, prometendo voltar no final da semana. Passa a ser um pouco mais difícil, mas o esquema de revezamento não me dá muito tempo para pensar o que acaba sendo bom. Thea me esperava em frente minha sala e sorrio feliz por não ter que passar mais um dia com o marido dela. Me abraça apertado e passa a mão no meu rosto quando nos afastamos com um olhar cheio de significado.

-Não acredito que seu sobrinho te fez sair de Seattle para ficar de babá -escondo meu rosto entre as mãos e a escuto soltar um risinho. -Me desculpa.

-Olha, nós não vamos fazer isso -acena com as mãos se sentando a minha frente na minha mesa. -Você é família, e ninguém me faz fazer coisa alguma -pisca para mim e não posso evitar de sorrir vendo de onde Isis puxou a petulância dela. -Pode trabalhar, quando estiver entediada te conto alguma história bem constrangedora sobre seus sogros e assim vamos passar o dia bem!

Thea costuma se entediar muito, e não posso apagar tudo o que ela contou. Nessas horas é bom que Oliver e Felicity não estejam na cidade por que não poderia os encarar por no mínimo uma semana. Connor que trabalha oficialmente no gabinete do pai, apareceu no horário do nosso almoço e acrescentou mais algumas histórias vergonhosas dos Queens a pilha, sei que estão se esforçando para me distrair, mas é um pouco assustador o fato de realmente acreditarem que a humilhação pública é a melhor forma de demonstrar afeto.

“Você está feliz!”

Quase deixo a bandeja de comida cair ao escutar a voz do Wally, que pela primeira vez não soava torturada em minha mente. Connor automaticamente me ampara e resolve devolver as bandejas vazias sozinho. Me concentro em respirar, tentando não começar a desabar no meio do refeitório cheio de funcionários. Thea segura minha mão e foca seus olhos nos meus, Isis se parece mesmo com ela, por trás dos olhos do Oliver e feições da Felicity, havia uma semelhança óbvia. Os lábios a cor dos cabelos, talvez o nariz... Estava mais alta que a tia na última vez que a vi...

-Quer sair daqui? -Connor pergunta quando volta a se sentar ao meu lado.

-Não, acho que vou tomar um suco primeiro.

No fim da tarde estava ansiosa andando de um lado a outro esperando a tal pessoa que me buscaria e ignorando as reclamações de Thea. Quando vejo um garoto de cabelos escuros e um semblante patologicamente emburrado passar pela porta usando um terno preto e imediatamente escuto a risada alta da Speed. Mas um outro cara surge atrás dele parecendo protagonizar uma daquelas cenas de filmes, onde caras bonitos andam em câmera lenta lado a lado. Damian revira os olhos quando Grayson pisca para Thea e ela estava praticamente em lágrimas a esse ponto de tanto dar risada.

-Esse idiota me fez chegar atrasado -acho que essa é a forma de Damian nos cumprimentar.

-Como vai, Lu? -Dick que infelizmente é mais civilizado que o irmão se aproxima e beija meu rosto. Antigamente ainda gastaria saliva reclamando, mas já desisti disso a um bom tempo, com Dick Grayson quanto mais se resiste mais ele gruda feito chiclete em sapato.

-Por que tem dois de vocês? -Thea pergunta quando consegue se recompor.

-Eu fico com o próximo turno, ele tem assuntos sérios para resolver com a Delphine. -Dick diz. -Pode ir embora! -acrescenta quando ela não se move. -Anda minha filha, não é como se tivéssemos o dia todo!

-Tão idiota -tenta parecer irritada, mas isso era oitenta por cento do relacionamento dos dois, acho que existe até mesmo afeto por trás de toda grosseria. -Nos vemos depois -ela beija meu rosto e toca o comunicador em sua orelha desaparecendo em seguida enquanto mostrava o dedo do meio para o Grayson.

-Temos que ir. -Damian decreta já caminhando em direção a porta.

-E por ir, você quer dizer ir a... -tento a forma mais boba de conseguir uma resposta, mas Dam me ignora e Dick murmura um “Como ela é fofa” me fazendo corar o que o faz rir rendendo várias piadinhas em sequência.

Eles me colocam literalmente dentro do carro esporte de Damian. Dick chega a segurar em minha cabeça como os policiais fazem e começo a formular o quanto Connor deve estar desesperado para me soltar na mão desses dois. Não demoro a perceber que estávamos indo em direção a caverna, Damian estaciona e Dick pega uma sacola no porta malas a jogando em minha direção. Encontro minhas roupas de treino dentro e solto um xingamento baixo que faz os dois me olharem como se eu fosse uma criança dizendo o que não deveria. Vou me trocar contrariada e dois minutos depois estava de volta, os irmãos usavam calças de moletom e camisetas.

“Mas é só o que me faltava! Qual o motivo da pose de Boyband?”

Olho em direção a voz e por um segundo é como se visse um holograma do Wally que desaparece no mesmo instante. Não sei como, mas Dick e Damian me ladeavam, prontos para me pegar se preciso. Mas não era a voz de sofrimento, dessa vez era seu tom implicante, que usava quando as coisas não estavam acontecendo conforme sua vontade.

-Você está bem? -Grayson questiona, pondero esperando o buraco se abrir, mas nada acontece.

-É, parece que sim -nem eu mesma estava acreditando.

-Acho melhor ver o que ela sabe e partir daí. -Dick aconselha e Damian concorda me chamando para o centro do tatame com um sorriso de lado.

Sei da fama dos quatro irmãos, Sara me descreveu as diferenças e semelhanças dos Robins em uma noite quando estava em missão para a Waller. Apesar de não ser exatamente o mais forte deles, Damian com toda certeza é quase tão violento quanto o Jason e um pouco mais sádico. Sinto falta do Wally.

Ainda bem que não vão começar com o Grayson, Dam é mais lento do que ele.” Olho para o lado mais uma vez e os dois seguem meu gesto, engulo em seco tentando parecer normal, minha alucinação está muito mais tagarela hoje e desde que não me faça encolher de tristeza posso bancar a egípcia.

—Pronta? -pergunta em posição de ataque e confirmo tomada de medo até meus ossos.

Mas minha memória muscular parece agir mais rápido do que minha mente. Desvio para esquerda na primeira investida do Damian, conseguindo escapar com certa facilidade. Juro que escutei uma gargalhada da Alucinação Wally na minha cabeça. Abaixo quando Wayne me chuta e dou uma rasteira em sequência o fazendo cair.

“BUM, na sua cara morceguinho!”

Dou risada sem conseguir me conter e vejo Dick fazendo o mesmo. Mas eu não estava rindo do Damian caído, até por que a expressão no rosto dele ao se levantar me silenciou de imediato, mas sinto tanta falta do meu amigo e por algum motivo ouvi-lo dessa forma não era doloroso, muito pelo contrário.

“Queria muito tirar uma foto do pequeno demônio levando uma surra da minha pupila.” A alucinação gargalhava.

—Parece que não preciso pegar leve com você -merda! Me encolho vendo do sorriso largo de pura diversão em seu rosto.

“Ele vai saltar com duas joelhadas em sequência, é um clássico dos Robins.” Não me movo e continuo atenta aos movimentos do Wayne que faz exatamente o que minha alucinação descreve, desvio para esquerda e prendo os braços em seus ombros usando seu peso para o desiquilibrar, espera... Como eu consegui fazer isso?

—Como conseguiu ser tão rápida? -escuto Dick dizer quando saio de cima do Damian que parecia tão chocado quanto nós dois.

—Não sei, quer dizer o Wally quem me treinava, ficava me chamando de “môlesma” e “fila de banco”, talvez por ele me cobrar tanto acabei ficando mais rápida... -pondero.

—Luna, você por um momento se tornou um borrão, então o Dam já estava caído -não tinha humor ou deboche em sua voz, o que nunca é bom sinal.

—Caído de novo -acrescenta Damian e ofereço minha mão para ajudá-lo a se levantar. -Não tem como tocá-la. -diz ao Dick que troca de lugar com ele, começo a me sentir um objeto de estudo, mas queria algumas respostas para variar.

“Não, não... Por que estão te fazendo lutar com o Grayson?” a Alucinação Wally é tão dramática quanto ele costumava ser.

Mas três segundos depois entendo o seu ponto. Com Dick foi muito mais difícil, não por sua rapidez apenas, mas não existia um padrão exato. O que estava deixando a alucinação em minha mente desesperada. Não é à toa que vez ou outra, esse cara usa o manto do Batman. Escutava Wally descrever o que pensava ser o próximo golpe, me aconselhar a revidar de certa forma e nunca batia, na quinta vez quando só escapei de ter o pé do Dick cravado em minha mandíbula por puro instinto acabei soltando um “Cala a boca!” que fez os dois me olharem estáticos e finalmente o buraco parece estar prestes a se abrir. Caio de joelhos apertando meu estômago tentando conter a dor.

—Lunna? -Dam se aproxima com cuidado e agacha em minha frente no tatame, continua a chamar meu nome com a voz calma até que olhe em seus olhos.

—Eu estou com ele -murmuro para Damian, enquanto tentava controlar minha respiração.

—Ele quem? -pergunta baixinho com a expressão preocupada.

—Wally, ele fica falando comigo -solto entre dentes. -Eu estou louca, fico tendo es... essas alucinações com a voz dele, e para piorar hoje eu achei o ter visto bem ali -aponto para as escadas e Damian troca um olhar estranho com Dick e então faz a única coisa que não estava esperando, me abraça quase da mesma forma que Phill faria.

—Está tudo bem -sussurra me consolando. -Você não está louca, nós vamos resolver isso.

ISIS

—Onde você vai? – Mia me grita quando passo com os meus saltos titilando pelo piso laminado de madeira.

—Não sei se notou, mas não é como se fosse minha progenitora – respondo mal humorada.

Desde que tive um surto semana passada, e voltei para casa em uma versão minha que se assemelharia a um paciente da ala psiquiatra, Mia está sempre por perto. Inventando desculpas para permanecer ao meu redor, e a cada dia ela se tornavam mais esdrúxulas. Confesso que a primeira foi decente, queria um parecer psicológico para um caso de estado em seu curso de direito, até conseguiu me enganar com esse. Mas depois foi só ladeira a baixo, a última que escutei foi que o pneu do seu carro estourou e que iria perder o primeiro período só para pegar uma carona, mas quando voltei para casa e dei uma olhada o carro e estava perfeito, quatro pneus cheinhos, prontinhos para rodar.

—Não... – começa a calçar um salto alto, enquanto alinha o vestido recém tirado do armário. - Na verdade queria um lugar para ir – dá de ombros, e sei que é mentira, ninguém quer um lugar para ir quando está com todos os livros de direito espalhados pelo quarto.

-E tudo isso que tem que aí? - aponto para a pequena biblioteca bagunçada.

—Por isso mesmo, minha mente não consegue absorver uma única jurisprudência mais. – Mia aprendeu a mentir para sobreviver, em omitir tinha se tornada tão boa quanto qualquer um que use uma máscara, mas com o passar do tempo convivendo com pessoas que não precisavam usar mais desses artifícios, sua guarda havia baixado, não era como se não conseguisse mentir para o resto do mundo, mas comigo parecia que tinha perdido o seu time perfeito.

—Mia, só vou passar na irmandade do Donald –tento me desvencilha da minha baba, que faz um cara de nojo.

Donald Collins, o cara com quem venho gastado algum tempo nesses últimos meses. Não é segredo para ninguém que Mia e Donald se estranham toda vez que se veem. Collins acha que ela é toda certinha e chata, já Mia o acha um esnobe insuportável. Não que ela não tenha razão, mas não é como se estivesse procurando o amor da minha vida em uma irmandade cheia de cabeças de vento recheados de testosteronas, está mais para contensão de perdas. Collins é fácil, não preciso pensar ou sentir e a vista poderia ser pior.

—Você o odeia – levanto as minhas sobrancelhas em descredito, e vejo colocando na balança o quanto queria me proteger, se vale passar mais do que quinze minutos ao lado do Donald.

— Não tem problema -ainda olha para os livros como se estivesse ponderando. Suspiro frustrada e acabo concordando.

A irmandade não fica longe do nosso apartamento, dez minutos e já estou estacionando em frente da casa de dois andares no estilo vitoriano. –Um desperdício uma casa tão linda para esse bando de babuínos cheios de esteroides na cabeça. – Mia reclama baixinho ao meu lado, mas alto o suficiente para que deixe registrado a sua reprovação.

—Você sabe que meu pai foi um desses babuínos? – Mia dá de ombros.

—Nem todo mundo consegue a redenção. -é não tenho argumentos para isso.

A casa estava movimentada, havia garrafas de cerveja jogadas no jardim, e dentro não estava melhor. O cheiro de suor, cerveja e ferrugem que nos atinge assim que entramos pela porta faz o sanduiche de creme de amendoim com geleia revirar em meu estomago. Um estudante estava tão bêbado que esbarra em nós e não parece notar, outro descia as escadas com uma toalha amarrada no pescoço como se fosse uma capa, e uma calcinha vestida na cabeça.

— Nem consigo imaginar que tipo de droga está usando. – Mia diz baixinhos ao meu lado, mas estava mais preocupada se o guri decidisse testar as leis da gravidade tentando um voo raso. E claro tínhamos o clássico de uma fraternidade, um casal se pegando no sofá de entrada. -Será que eles não podem usar um quarto. – Mia reclama constrangida.

—Estão todos ocupados. –Donald parece envolvendo minha cintura, com seu sotaque inglês que faz Mia revirar os olhos, mas ele nem liga.

Collins me beija e posso sentir o gosto forte de álcool, mas seus beijos também não eram lá muito melhores que isso de qualquer maneira. Nem havia chegado e já estava arrependida. Contensão de perdas Queen, apenas mantenha o foco.

—Só passei para te chamar para um barzinho que abriu a pouco tempo – falo qualquer coisa me esquivando rapidamente dos seus braços. Vejo com minha visão periférica o sorriso cheio de esperança que se abre no rosto de Mia.

—Qual o problema minha querida? -tão brega, abro um sorriso amarelo em resposta e toco seu rosto, segurando seu maxilar e dou um beijo rápido em seus lábios. -Estamos em uma festa, por que vamos sair de um lugar com bebida de graça para pagar por ela.

—Entendo, você tem mesmo muitos convidados – dou de ombros olhando em volta, não dando a chance de Donald mudar de ideia. -Deixa isso para outro dia, então -acrescento e ele me olha como se eu fosse a garota perfeita.

—Se não estivéssemos no meio de uma competição de Beer Pong, juro que te acompanhava para onde você quisesse -tento parecer o mais lisonjeada possível e Mia revira os olhos.

—Tudo bem -é preciso uma boa dose de esforço para demonstrar tristeza e ele me beija novamente, talvez um pouco intenso demais para o público presente. -Nos vemos amanhã – dou um sorriso virando em meus calcanhares saído dali não antes de Mia.

—Pensei que quisesse passar um tempo com Donald? – sorri sarcástica ao meu lado, já a uns três quarteirões da irmandade.

— Se quiser voltar...

—Que barzinho é esse mesmo? – me interrompe e não posso evitar de dar risada.

— Não sei – dou de ombros. – Só queria sair de lá, juro que vi alguém vomitando atrás da TV. -comento enojada a fazendo gargalhar.

—Me explica, como consegue aguentar aquele sotaque esnobe dele?

—Tem gente que acha o sotaque britânico elegante – comento enquanto pensava onde exatamente estava indo.

— E é. Mas o dele não, parece que está falando com uma batata quente na boca. – Mia passa os próximos cinco minutos imitando a maneira que Collins falava, e fico rindo dos de suas caras e bocas.

Paro o meu carro no centro perto de um pub que tinha fama de tocar músicas excelentes. De cara percebo que o lugar era bom, já que estava lotado e tenho certeza que o recepcionista tinha ordens de não deixar entrar mais ninguém entrar. O que não impedia a fila gigante que se estendia pela calçada.

—Não vamos conseguir entrar. – Mia quase grita no meu ouvido com esperança de poder voltar para casa. Olho para os lados tentando ver outro pub por perto, mas nenhum parecia tão interessante.

— Olá cunhadinha – sinto um braço sobre meus ombros, me viro e dou de cara com Jason que estava com o outro braço sobre os ombros de Mia. – Ou ex-cunhadinha? Não consigo acompanhar o amor adolescente. –Se vira para Mia sorrindo com todos os seus dentes perfeitamente alinhados e brancos, fazendo a minha amiga suspirar, não a recrimino a genética dos Waynes é excelente, tão boa que nem precisa ser um filho biológico para ser agraciado.

— O que acha de me chamar de Isis? –minha cabeça literalmente dava no peitoral dele, mas não me deixo intimidar, já que apesar da brincadeira Jason tem um olhar de recriminação feito um outdoor em seu rosto, que só aumentou quando percebeu uma aliança negra em meu dedo.

—Cunhadinha é melhor. – Dá de ombros. – Libera a entrada Patrick –grita para o recepcionista que imediatamente abre passagem para nós três.

O local é incrível, todo decorado com objetos que remetem a história do Rock. Com cds pendurados em fileiras pendendo do teto e vinis nas paredes e réplicas de instrumentos sobre alguns pedestais. A música que vinha do fundo do pub era contagiante. Paro na frente do balcão e grito para ser ouvida pedindo uma tequila.

—Não está dirigindo? – Jason me olha em descredito, como resposta jogo a chave do meu carro para Mia enquanto viro a primeira dose. Jason a olha que dá de ombros resignada.

Mia me ronda boa parte da noite, já Jason desaparece e quando volta tem um corte na sobrancelha o que apontava que tinha se divertido um pouco. Apesar da minha guardiã consigo curtir a noite, não estou bêbada, talvez um pouco mais alta, o que me leva a dançar mais livre. O som alto parece me preencher me fazendo sentir como se flutuasse.

—Ei? – Jason me traz para a realidade me indicando uma escada ao fundo. O sigo mesmo prevendo a bronca que surgia ao horizonte. A escada leva a uma sala grande com uma mesa de sinuca, uma cama enorme no canto, um frigobar e uma mesa de escritório.

—Seu novo QG? – o provoco.

—Salvei o dono de um traficante uma vez, ganhei passe livre eterno – responde enquanto pega duas garrafinhas de água, uma me joga e a outra coloca no olho que começava a inchar. – Se eu fosse você se hidratava – não o entendo, não havia bebido muito essa noite, estava um pouco alta? Sim, mas nada demais. – Acredite, vai me agradecer depois – contém o riso como se soubesse algo que eu não sabia, odeio essa onisciência da família do morcego.

—Por que de tudo isso? – me sento sobre a mesa de bilhar enquanto Jason está jogado na cama, até me arrepia em imaginar quantas mulheres ele já havia trazido aqui para cima.

— Fica tranquila, não estou te seguindo, só estou na região por um caso, nem tinha a intenção de te encher o saco – dá uma risada se sentado na cama ficando de frente para mim. – Mas veja só como é o destino – faz uma careta ao falar a última palavra. –Olha quem apareceu a minha porta? Minha segunda cunhada favorita no momento.

—Achei que fosse o mais avesso a esse lance de família morcego.

—Não quando posso irritar alguém. –Sorri ironicamente. Seu semblante muda em segundos, coloca a garrafa de água de lado e me observa como se conseguisse me ver como uma máquina de raio x, e agora e a hora da bronca. – O que está acontecendo? – não o entendo, não era como se fosse um preludio de qualquer inquérito, é como se estivesse se olhando em mim. – Isis, seja o que estiver fazendo, qual o caminho que está trilhando, cuidado! Só se tem volta até um determinado momento. – Jason passas as mãos nos cabelos parecendo procurar a maneira certa de explicar o que parecia ver em mim. Mas parece se lembrar de algo que o faz pular no chão. Só levei um momento para concluir que seria melhor não tentar entender o que estava acontecendo. – Acho que está na hora das garotas voltarem para casa – dá de ombros – pulo em direção ao chão grata por sair dali.

—É sempre um prazer -aceno começando a ir em direção a porta.

—Só uma coisa. -diz me fazendo parar. -Sua alma é preciosa demais pequena Queen, não sei o que está a levando pouco a pouco de você, mas em seu lugar ... – respira profundamente, como se tentasse lembrar algo. – Seja o que for que esteja recebendo em troca, não vale a pena, o preço é alto – abre a porta para que eu saia e aproveito a deixa.

Chego no piso principal e vejo Mia em um canto onde um cara de cabelos negros e pele bronzeada a prensava contra a parede tentando beijá-la. Pego Mia pelo braço, não me importando nada com os nomes feios que o carinha estava proferindo sobre mim.

—Onde você estava? – Mia grita enquanto quase corria tentando me acompanhar.

—Essa noite já deu o que tinha que dar – reclamo, enquanto Mia respira aliviada.

Entramos no carro e ela dirigi calmamente pelas ruas vazias da cidade. Me encosto no vidro frio da janela que alivia um pouco da dor de cabeça que começava a me incomodar. Só percebo que já estávamos no meu prédio quando Mia sai do carro, me obrigando a voltar do limbo que minha mente havia se tornado. De alguma forma sou arrastada para o elevador.

—Eu não a vi beber tanto para estar assim. – diz baixinho enquanto as portas se fecham.

—Não bebi – concentro em segui-la.

Mia abre a porta e continuo concentrada nos movimentos dos pés dela, bato em suas costas quando ela para abruptamente me fazendo soltar algumas reclamações que minha mente mal processa.

— Graças a Deus! – Solta levando as mãos a boca.

—Olá Mia – uma voz rouca e grossa faz um frio percorrer a minha espinha. Connor está sentado em uma poltrona quase de frente para a porta. – Se não se importa, preciso de um tempo com minha irmã -se vira para mim e seu rosto era uma máscara rígida, por um momento sinto como se o chão me faltasse. – Olá irmãzinha, chegou a hora da gente conversar.