LUNNA

Retiro a carta de baralho velha de um dos suportes do meu uniforme e a giro entre meus dedos, imediatamente a porta multicor da casa dos mistérios aparecer diante dos meus olhos. Entramos a passos lentos em um corredor antigo da casa, meu amigo parecendo ter vendido uma parte da alma ao fazer o acordo com a versão malvada do seu pai. Seu rosto está levemente esverdeado, os lábios presos a uma linha rígida, ombros tensos. Wally raramente fica tenso, mesmo sob a maior pressão ele ainda é irritantemente relaxado. O que só prova o quanto essa missão vai ferrar com nosso psicológico, como já fez com toda a equipe.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa para o tranquilizar, outra porta brilhava a menos de um metro de onde estávamos. Wally aperta o anel voltando a suas roupas civis, entrego Totó a ele e faço o mesmo, quando me devolve os bastões eles diminuem a ponto de terem o tamanho de um par de batons em minha mão e os volto para o bolso do meu casaco. Prontos para a segunda rodada dessa insanidade macabra, Wally gira a maçaneta e quase caio para trás quando me vejo dentro do meu antigo apartamento.

Era uma quitinete onde costumava morar. Um quarto sala cheio de personalidade, Wally se joga em meu sofá e me sento em um dos pufes, olhando um quadro cheio de cartazes de filmes antigos na parede acima da minha antiga cama aos fundos. Solto um suspiro aliviado, quando Constantine falou sobre piores lembranças, eu já esperava me ver dentro do orfanato, me convencendo a ajudar a garotinha que pegou comida sem permissão, e que me levaria a sofrer todos os abusos possíveis nas mãos do Borgo. Mas não, graças a Deus não preciso ver nada daquilo mais uma vez.

—Não era o que esperava – Wally esfrega o rosto, mas vejo uma pontada de alívio em seus olhos, talvez estivesse esperando o mesmo que eu.

—Fico feliz por não ser – murmuro. – Esse era o meu apartamento, antes de morar com Connor.

—Quando você se juntou ao time – conclui.

—Alguma ideia? – encaro o Wally que já olhava para minha geladeira de forma sugestiva, prendo o riso me lembrando da minha versão desse tempo. – Sabe que se eu voltar e encontrar qualquer coisa fora do lugar, mudo de cidade, não sabe?

—Maldita memória fotográfica – pragueja se levantando. – Já que não sabemos do que se trata, podemos ao menos deliberar enquanto comemos? – me oferece a mão. – Sei que está tão faminta quanto eu!

—Onde vamos arrumar dinheiro para comer, Wally? – questiono confusa, deixando que me levasse para fora do apartamento.

—Ficaria surpresa com o que pode ser encontrado no bunker, e com o quanto os Queens parecem não se importar com dinheiro – isso me faz sorrir, sei dos estoques absurdos de dinheiro em espécie que são armazenados na nossa base, mas o desprendimento ainda me é estranho. – Não pode dizer que não está com fome! – oferece a cartada final, me fazendo sorrir de verdade em resposta.

Ultimamente sempre estou morta de fome, acho que é uma das reações a se ter super velocidade. Me dou por vencida e Wally entrelaça nossos braços, caminhando até um restaurante na esquina, onde meu eu desse tempo costumava comer todas as sextas, bom, hoje é segunda, então estamos salvos. Benditas sejam minhas manias metódicas!

—Hoje foi meu aniversário de dezoito anos – Wally comenta indicando um calendário digital ao lado da grande TV que ficava atrás de um balcão no restaurante.

—Feliz aniversário, de novo? – sugiro confusa e o vejo esboçar um sorriso fraco.

—E eu me achava adiantado por estar um ano à frente dos outros, já ingressando na faculdade quando meus amigos ainda terminavam o ensino médio – murmura folheando o cardápio. – Isso até conhecer uma pirralha tímida, com um doutorado que já era assistente da minha madrinha – implica me fazendo reprimir a vontade de lhe mostrar minha língua.

O garçom se aproxima e nós fazemos os pedidos. Wally parecia repassar tudo o que aconteceu assim que nos conhecemos em sua mente e tentar entender qual seria o sacrifício e para quem deveríamos o pedir. Faço o mesmo e quando dou conta a comida já está em minha frente, mastigo a macarronada tentando não me perder na nostalgia do seu sabor, e tem isso, não consigo mais me concentrar direito com comida por perto.

—Se paramos no seu apê é por que esse é o sacrifício da sua moeda – Wally comenta meio avoado, mas o conheço o bastante para saber que é só fachada para quem nos está vendo de fora. – A casa me mostrou minha chegada no passado para me fazer entender qual peça estava solta em meu quebra cabeça.

—Eu não tinha muitas ligações nessa época – pondero. – Felicity era alguém que realmente admirava, Isis não tem como não gostar de cara, mas o único que me importava de verdade era o Phillippe e nada relacionado a ele se encaixa no padrão.

—Não era só com o Phill – me olha com um sorrisinho sugestivo no canto da boca. – Passei esse dia com o outro ocupante do seu coração, Delphine.

—Às vezes me esqueço da sua capacidade de ser brega – reclamo, mas Wally só me sopra um beijo como resposta. – Verdade que eu achava o Connor atraente e admirava o jeito que ele cuidava da Isis...

—Espera, é isso! – exclama um pouco alto demais. – Foi a primeira vez que o vi falando com você no telefone – ele abre um grande sorriso debochado. – Ah Delphine, você ganhou meu coração naquele instante – brinca, mas sinto minhas bochechas esquentarem em resposta. – Como era mesmo que a Sara te chamava?

—O milagre do Connor – respondo por reflexo, me arrependendo de imediato. – O que isso tem a ver?

—Depois que concluímos nossa missão aqui, Connor passou o dia tentando te ligar, mas você não queria falar com ele...

—É, eu fazia essas coisas – sussurro em tom de desculpas.

—A questão é que você ligou a noite e ele saiu correndo para me levar para minha festa surpresa na casa dos meus padrinhos – agora preciso prender o riso, essa história sempre foi uma das minhas favoritas. – O que foi?

—Não havia uma festa – conto o vendo esbugalhar os olhos e não consigo conter a gargalhada. – Não era uma distração, todos estavam presos em missões. Sara tentava recuperar o seu pai. O Flash estava em uma missão com o Lanterna Verde e acabou sendo capturado. Pode imaginar como a Liga se movimentou para o trazer de volta. Connor realmente precisava daqueles arquivos, afinal eles começaram tudo, mas a única distração era de não te deixar saber que quase ficou sem pai no dia do seu aniversário.

—O QUE? – solta chocado fazendo as poucas pessoas no restaurante olharem em nossa direção. – Mas e aquela festa? – se recompõe, se inclinando para sussurrar a pergunta.

—Isis – dou de ombros. – Ela ficou com dó quando você parecia convencido de que havia algo sendo feito. Mas continue seu raciocínio, você estava com Connor – incentivo e o vejo engolir em seco antes de voltar a falar.

—Essa sua amizade com o Damian está começando a te infectar – implica e não consigo deixar de dar risada. – Amanhã Connor vai levar Isis para conseguir a Katoptris, eu fui o pivô do surto de rebeldia que acabou com o seu marido tentando aplacar a fúria dela com presentes.

Claro, a paixonite da infância. Minha cunhada nutria uma “preocupante” queda pelo Wally, algo que nenhum de nós gosta muito de lembrar. Mesmo já tendo acabado a tempos, sei que a Pequena Queen não se orgulha muito dessa fase de sua vida. E Deus, nem consigo imaginar Isis e o West em um relacionamento sem me encolher de gastura. Amo os dois, mas esse namoro é algo que ninguém no mundo merece presenciar. Imagina se procriassem?

—Você está verde, está enjoada por causa dessas mudanças temporais? – pergunta preocupado, e tento dispersar a imagem de um bebê excessivamente feliz, animado e tagarela, correndo em alta velocidade pelo bunker e sendo tão fofo que não seriamos capazes de repreendê-lo. É ninguém quer ver isso.

—Estou bem. – Digo sacudindo a cabeça para voltar a ter foco. - Acha que é a ligação? – ergo a sobrancelha o encarando.

—Foi quando ganhei meu Shelb Cobra, sai com Sara para estrear meu carro e quando voltei para a casa dos meus padrinhos, Connor já tinha dado no pé a muito tempo. Só você o fazia desaparecer tão rápido a ponto de quase parecer ter os nossos poderes.

CONNOR

Um dos princípios do budismo é o desapego. Desapegar de coisas que nos tragam sofrimento de forma consciente. Aceitar seja qual for a situação imposta, entendendo que não está em nossas mãos a capacidade de muda-la. Desapego. Soa frio, insensível e quase maldoso. Mas não é essa a intensão, se desprender é o que pode nos afastar da escuridão que corromperia nossas almas.

Agora, olhando minha mãe ter seus braços e pernas presos a uma maca, em um dos quartos hospitalares da Torre, tento, como venho fazendo desde que a encontrei, a me desapegar de qualquer desejo ardente de vingança. Vou continuar tentando com mais afinco, mesmo a fúria já tendo se aplacado, não tenho confiança de tocar em meu arco em um futuro próximo, não onde Felix Fausto possa estar ao alcance dele.

—Podemos começar? – J’onn entra no quarto.

Caitlin, Zatanna e eu o aguardávamos a três minutos. As duas me encaram e confirmo assentindo. O plano era descobrir qual a fonte da “infecção”, que transformou o mundo em uma versão psicótica de “Bird Box”, como se o filme já não fosse psicótico o bastante. Zatanna iria proteger a mente de J’onn, enquanto ele scaneasse as memórias da minha mãe. Cait ficaria monitorando seus sinais vitais, eu sou o acesso do Marciano, e se preciso vou entrar em uma viagem com certeza de trauma permanente, para dentro da cabeça da mulher que me deu a vida.

—Arqueiro, se aproxime – o marciano me diz, já começando a entrar na mente dela.

—Vou proteger vocês – Zas toca meu braço e de J’onn. – Latnem oducse!

Então eu estava no laboratório em que minha mãe trabalha. A vendo observar algo em um microscópio. Seus cabelos negros e lisos pendiam para a frente, o rosto parecia preocupado. Seu celular toca e ela desvia sua atenção do que fazia para o aparelho. Um sorriso imenso aparecendo em seu rosto.

“Filho!” O sorriso se alarga ainda mais, ela escora o corpo em uma bancada.

“O que a senhora está fazendo?” Minha voz diz do outro lado da linha.

“Trabalhando, você me conhece, sempre estou tentando descobrir algo” Suspira, mas o sorriso em seu rosto não vacila.

“Algo divertido?”

“Quero desenvolver alguma vitamina que ajude com o desenvolvimento infantil em áreas de subnutrição. Algo que o corpo retenha, sem desperdícios.” Diz como se aquilo não fosse nada de importante. “Como vão Lunna e Phill?”

“Minha esposa continua super gata, inteligente e com certeza mais do que mereço. Phill está se saindo bem com todo o lance de popstar, o moleque se parece com a irmã, só isso já seria o bastante para garantir seu sucesso. Ao menos não tenho que juntar toda a sua bagunça pela casa durante a semana.” solta uma gargalhada com a resposta que recebe.

“Sinto falta deles, não implica com seu cunhado, se pudesse o duplicaria em laboratório para ter um neto igual a aquele príncipe de olhos violetas!”

“Claro, é tudo o que eu desejo. Um moleque como o Phillippe. Cabeludo e de fala mansa. Meu sonho!”

Dentro de sua mente, me sinto um tolo. Seu amor era escancarado, gritante, era imenso ao ponto de não ter mais nada ao seu redor, enquanto pensava estar trocando palavras comigo. Talvez, eu esteja mais imerso em meu trauma do que ela, tem perda, luto, como qualquer humano. Somos constituídos por nossas perdas na maior parte do tempo, ela forja nosso caráter, moldando suas arestas sob a dor abrasante da saudade eterna. O Caráter de Sandra Hawke é incorruptível, altruísta e desprendido de posse sobre tudo o que ama. Posso reconhecer de onde veio boa parte dos meus valores mais profundos.

“Ah meu querido, sabe que não acredito nesse seu egocentrismo cuidadosamente forjado para manter o herói escondidinho da superfície.” Suspira, os olhos brilhantes e cheios de afeição.

“O garoto conseguiu lotar o teatro da universidade durante todo o mês, seus shows foram os mais cotados da sua turma.” Minha voz é cheia de um orgulho quase paternal. “De alguma forma, ele ainda consegue ter tempo de vir a Star ficar com a irmã. Nunca nem mesmo reclamou por estar sobrecarregado.”

“Agora sim, muito melhor. E Connor, Lunna vai ficar bem, é uma lutadora. Nunca conheci ninguém que passou por tanto, perdeu tanto e ainda parece ser capaz de amar o mundo inteiro sem exceções. Bom, talvez o Wally. Adoro sua capacidade de se cercar de boas pessoas, me faz dormir tranquila todas as noites.”

—Nunca tive essa conversa com ela – murmuro confuso, meus olhos ardendo. É tudo tão perfeitamente armado, cada palavra poderia ter saído da minha boca e provavelmente já deve ter saído. –A última vez que nos falamos, a cerca de três dias, ela perguntou sobre Lunna e Phill, como sempre. Mas estava saindo de um voo. Falamos mais sobre sua visita a Star City, ela e Felicity estavam animadas, fazendo planos sobre onde iriam e o que fariam com Nina.

Escuto o marciano arfar, ele aponta para um calendário ao lado de sua mesa. A data é de ontem. Isso não aconteceu, ontem estava ocupado com demônios. Não tive tempo para muita coisa além da missão, ou me preparar para a que viria a seguir.

Volto a realidade, mas J’onn continua em sua mente, ele precisava ir mais fundo, mas eu já tinha coisas para relatar. O tempo não tem sido nosso amigo, então aprendemos a não desperdiçar. Acaricio a cabeça de minha mãe, ignorando os aparelhos que a mantinham viva, sussurro que a amo em seu ouvido, na esperança de que ela possa me escutar, reconhecer e permanecer lutando. Depois saio em direção ao Covex. Onde minha outra mãe estava de frente para os computadores, meu pai e Isis ao seu lado, todos com seus respectivos uniformes.

—Acha que pode checar a carreira de alguma das vítimas? – deixo meu corpo cair em uma cadeira entre Isis e Felicity. – Alguém se passou por mim, falou com Sandra ao telefone – escoro minha cabeça no encosto da cadeira e fecho meus olhos.

—Nossos números não podem ser clonados – Fel soa ofendida, golpeando o teclado com seus dedos delicados, como se ele fosse o responsável por isso.

—Bom, não por tecnologia – escuto a voz de Isis responder, mas estava me sentindo sem energia para conseguir manter os olhos abertos.

—Não são carreiras nem remotamente parecidas – começa a relatar. Sinto as mãos de meu pai agora em meus ombros.

—Talvez não a carreira, mas Sandra tenta salvar o mundo, ajudar os mais necessitados – meu pai comenta, amenizando seu tom de voz, para não me deixar ainda mais alerta.

—Hum – minha mãe começa, tudo o que escuto a seguir é o som do teclado. – Encontrei algumas coisas, Alice McGreen, 79 anos. Cometeu suicídio a dois dias, em Gotham. A mulher era conhecida como uma bem feitora sem máscaras. Abrigava toda e qualquer criança de rua que visse em eu caminho, acumulou 92 filhos adotivos, abriu uma instituição a vinte e cinco anos, com a ajuda das empresas Wayne, onde os mantêm agora.

—Olha essa! – Isis exclama. – Marry Clayton, 36 anos, morava em Coast City. Era uma ativista ambiental, consegui criar uma forma não poluente para ajudar no trato da água.

—Parece que todos tentavam mudar o mundo, são todos bem feitores – meu pai conclui e abro meus olhos com dificuldade. – Amor, se olhássemos isso pelo lado Bíblico, poderia dizer que é quase como o arrebatamento dos escolhidos.

—Bom, eu sou judia – Felicity franze os lábios. – Isso é no novo testamento, área da Lunna, Judeus acreditam em uma nova terra – meu coração se aperta só com a menção de seu nome. – Bom, mas sei que existe algo como as trombetas...

—Sete trombetas, mas acho que isso vem depois do arrebatamento – murmuro massageando minhas têmporas. Sinto três pares de olhos sobre meu rosto, mas ignoro. – O suicídio é um pecado mortal, é como se pegassem almas que iriam para o céu e as ofertassem ao inferno. Talvez um arrebatamento inverso.

—Ele está fazendo isso desde que a Lu saiu em missão – Isis reclama. – É como se economizasse a própria inteligência perto dela, não estou mais acostumada!

—Não implica com seu irmão! – meu pai diz, mas tem uma risada contida em sua voz.

—Isso me lembra sobre o ciclo de seis horas para o óbito – me sento direito, não sei como estava ignorando isso! – Algo como o número da imperfeição... Droga, não lembro do contexto completo.

—Não, isso faz sentido – a voz de Felicity também soa mais animada. – O mundo segundo o criacionismo bíblico, foi criando em seis dias, Deus descansando no sétimo. Mais tarde alguns relatos passaram a caracterizar o número seis como o número da imperfeição, enquanto o sete é perfeito, uma representação divina. Bom, Lunna nos daria uma lista vasta de outras coisas que se aplicariam, mas é o que posso dizer a princípio – bufa, só então vejo meu pai com uma sobrancelha levantada a encarando. – O que é, isso está na Torá!

—Por que não perguntamos a ela? – minha irmã questiona, tirando o colar encantado de dentro do seu uniforme.

—Isis, ela está em missão – aviso a olhando de lado, mas a pestinha não se importa, como sempre. Nossos pais assistem a discursão sem interferir.

—É a vida de sua mãe em jogo Connor, não precisamos dizer o que está acontecendo, sabe como a Lu é, só fazer uma pergunta e a resposta brota como mágica, ela nem mesmo vai questionar o porquê!

—Isso é verdade – minha mãe murmura, fazendo meu pai cochichar para ela que nos deixasse resolver sozinhos. Solto um suspiro cansado e Isis toma isso como o incentivo que faltava.

—Lunna, preciso de uma resposta – diz tocando o colar.

Sou sua Wikipédia de fácil acesso!” sua linda voz se projeta em nosso meio. Posso sentir meus ombros relaxarem como mágica.

—Pode me dizer o que o número seis representa na Bíblia?

Bom, além de imperfeição ele representa a limitação humana. Deus criou o homem no sexto dia, significa os dias de trabalho humano. Ah, os nomes das tribos de Israel eram escritos de seis em seis em uma pedra. Jesus quando realizou o milagre do vinho os distribuiu em seis barris. E o que acho mais significativo, o sexto mandamento.

—O que tem ele? – Isis pergunta e podemos escutar o riso de diversão que Lunna solta em resposta, meu coração idiota chega a se revirar em meu peito.

Não matarás” diz calmamente, e é quando todas as peças se encaixam, Felicity volta a digitar e meu pai passa a acompanhar seu trabalho.

—Você está bem? – questiono, sem conseguir mais me conter.

Ah, oi amor!” exclama sua voz se enchendo de contentamento. “Estou perfeitamente bem, assim como o Wally. Não se preocupe comigo, faça algo divertido para ocupar sua mente!

—É, isso não vai acontecer – reclamo rabugento, mas isso só a faz rir mais.

Temos que ir, amo vocês.

—Amo você – Isis e eu respondemos ao mesmo tempo, antes de sua voz se dissipar.

—Então estamos certos, são uma espécie de escolhidos sendo auto arrebatados direitinho para o inferno – Felicity conclui com seus lábios se torcendo em uma careta de desgosto. – Além do pecado mortal, estão violando o sexto mandamento.

—Condenando suas almas que deveriam pertencer ao paraíso – meu pai conclui com o semblante se fechando.

—Bom, estamos lidando com demônios, faz sentido esse tipo de coisa – Isis murmura, o rosto contrariado. – Sabemos quem são os alvos, agora só falta descobrir como são infectados.

—Posso ajudar com isso! – J’onn vem em nossa direção, sendo seguido por Zatanna. – É uma frequência sonora.

—E voltamos aos remakes ruins de dramaturgia, macabros – volto a me escorar na cadeira.

—Sandra recebeu a dela naquela ligação. Peguei isso de seus pertences, acho que a Oraculo pode cuidar do rastreio.

—Claro que posso! – se levanta e pega o aparelho das mãos do marciano. O conecta aos computadores e vejo um suspiro de alívio ao perceber que o número não era realmente o meu. – Disse que nossos números não podem ser clonados!

—Estou começando a não gostar de mágica – meu pai reclama, recebendo um olhar ofendido de Isis. – Desculpe gatinha, você vai ser sempre uma exceção – pisca para ela que revira os olhos, antes de se voltar para nossa mãe.

—Isso vem de uma empresa responsável por cadastrar e controlar organizações filantrópicas... Espera, também posso chegar a um grupo de assistência social e voluntariado – continua a teclar por quase três minutos. – Olha, todas as vítimas realizavam doações mensais para a mesma rede filantrópica, essas doações são fixas, acrescentadas ao valor de suas contas mensais de energia. São doadores antigos, mas anualmente o valor é reajustado, e cada doador pode negar ou concordar com o aumento. Olha, todas as vítimas receberam reajustes recentes. Começou a doze dias atrás.

—A forma moderna de encontrar os “Eleitos” e os obrigar a se auto arrebatarem para o inferno – Isis pronuncia cada palavra com desgosto.

—Doze, seis – bufo. – Só falta encontrar qualquer coisa ligado ao número três para completar a coleção assustadora de presságios religiosos – reclamo, e vejo Isis estremecer ao me encarar como se eu fosse um aliem. Reprimo minha vontade de revirar os olhos.

—Então acabei de completar seu álbum, meu amor – minha mãe diz, abrindo as fichas de obituário das vítimas, agrupadas por horário. Aconteciam de três em três a cada hora.

—Cait e eu estamos trabalhando em alguma cura – Zatanna diz. – Agora que sabemos a causa em questão, tudo pode ser mais simples.

—Vou entrar em contato com o Batman e reunir uma equipe, assim que tiver os endereços vamos parar a fonte – meu pai começa a se afastar.

—Esperem! – minha mãe o interrompe. – Lembra o aparelho que Lunna criou para bloquear a frequência daquele Vertigo que provocava uma viagem ruim de ácido? – ele assente, mas ela se encolhe, como se tivesse falado demais. – Leve alguns deles, diga ao Batman que vou instalar remotamente em seu uniforme a versão que vocês possuem para a Canário Negro. Assim estarão prevenidos.

—Passo no Bunker antes da missão – meu pai pisca para ela, que lhe sopra um beijo em resposta. Então ele desaparece no centro do teletransporte.

—Vou ir ficar com Sandra – me levanto e toco o ombro pequeno da minha mãe, que sorri com seu ar bondoso em resposta.

LUNNA

Ótimo, ao menos nós tínhamos um plano. Um plano bem ruim, mas um plano. Metade do meu relacionamento com Connor é instintivo e não sei como vou enganá-lo a ponto de não perceber que sou alguém seis anos mais velha do que a mulher tímida e retraída ao extremo pela qual ele está começando a se apaixonar.

A vantagem é que sei que essa Lunna não iria mais atender seus telefonemas, então voltamos para meu antigo apê para pegar uma saia estilo secretária do fundo do meu guarda roupas, um scarpin preto com o salto mais baixo do que costumava usar, o que o fazia ficar de molho no armário por meses, nunca daria falta e uma blusa de seda branca que não usava por me lembrar a Jô, uma das mães do meu irmão e não estava morrendo de amores por ela nessa época. Me troco no banheiro, tomando um cuidado absurdo para não deixar nenhum rastro. Estranho a saia ficar mais justa que normalmente ficaria, mesmo não marcando nada demais, eu havia perdido muito peso e a quantidade que ando malhando não parece bater com essa saia apertada, bom, seis anos. O estranho seria se tudo servisse perfeitamente.

—Como se isso fizesse diferença para o Connor – dou de ombros encarando o reflexo da minha bunda no espelho. – Isso faz – respiro fundo odiando o que precisaria fazer.

Solto meus cabelos e os moldo para emoldurarem meu rosto, coloco a blusa para dentro da saia e saio do banheiro entregando minhas roupas para o Wally que as guarda em uma sacola e me lança um casaco preto que havíamos comprado, também com o dinheiro do Bunker, na volta para o apartamento. Esse era o único item que eu perceberia caso um dos meus desaparecessem, dinheiro era algo contado nesses meus dias.

—É como voltar no tempo sem ter nenhum efeito colateral – meu amigo brinca ao me observar. - Pronta? – me oferece o braço.

—Não mesmo, mas que escolha nós dois temos? – encaixo meu braço no dele e saímos rumo ao desastre iminente.

Lunna daquele tempo sairia do trabalho em alguns minutos e o plano era Wally a vigiar, enquanto eu tomava o lugar dela. O que vai ser uma merda para apagar todos os rastros depois, nem gosto de pensar em todas as câmeras que poderiam nos captar e vão precisar de uma limpa antes do fim dessa missão. Merda. Mas voltando ao plano, enquanto ela vai embora ignorar as ligações do Hawke e cair de cara em uma maratona de séries, eu vou fazer hora extra e estar exatamente no primeiro lugar para onde o Connor vai ir.

—Pode guardar isso para mim? – pergunto entregando minhas alianças para Wally que assente e as prende em sua corrente encantada. – Não acha que ele vai saber que não sou eu assim que bater os olhos?

—O Connor que está na casa dos mistérios, sim – fala enquanto esconde a corrente dentro da blusa. – Ele saberia com um vislumbre seu, mas não esse Connor, esse ainda está tentando entender o que você o faz sentir. Você vai ter o tempo necessário para conseguir se explicar, mesmo com o vínculo de ancora o enlouquecendo sem ele saber direito o motivo – por alguma razão, Wally soa nostálgico, mas estava com coisas demais em minha mente para focar nisso. – De qualquer forma, em caso de emergência apenas o faça ver a marca em seu pulso, acho que o reconhecimento é parte do feitiço.

—Odeio pedir que ele ajude a Isis – digo parada no alto do prédio em frente a QC com Wally ao meu lado. – Não pela Katoptris em si, mas por saber o quanto isso vai machucar todo mundo enquanto nós não a entendermos direito.

—Connor faria isso de qualquer jeito Lu, Isis contou que a ligação dos dois foi o que atraiu a adaga. Ele a levar ao Lodai é certo, não importa o que façamos – sinto a mão de Wally em meus ombros. – Acontecer mais cedo pode ser o que salvou a vida do seu irmão.

Isso pode ser verdade, sua primeira visão nunca foi realmente explicada. Puxo o ar pela boca e dou um aceno para ele que retribui o gesto voltando a prestar atenção na movimentação da QC. Retiro Totó do bolso e a coloco para monitorar qualquer duplicação do meu DNA e rastrear o de Connor. Imediatamente dois hologramas com nossas localizações geográficas aparecem ao meu lado.

—Isso é bem conveniente – Wally comenta com um meio sorriso. – Mas não vão nos ver lá de baixo?

Como resposta a arma diminui a iluminação e flutua até estar no centro do terraço onde estávamos, o que faz Wally dar risada antes de claramente relaxar. Já estava começando a ficar entediada quando minha duplicada deixou a QC. Muito estranho me ver dessa forma, como me encolho enquanto as pessoas em volta me olhavam. Espero uns minutos, digo a minha arma para permanecer com o Wally e vou para meu antigo escritório, ou melhor, minha mesa no escritório de Felicity.

As pessoas me cumprimentam pelo caminho e Camille me ignora como costumava fazer, mas tadinha, o toco de Connor ainda estava recente, então relevo sua grosseria. Não que nessa época isso me afetasse, eu quase me sentia grata por ela ser uma pessoa a menos com que precisaria conversar, ou responder, o que me parece ser a definição mais precisa do que fazia. Me sento em minha antiga mesa e ligo minha arma ao meu computador, tendo muito cuidado em não tocar em nenhum dos algoritmos de defesa da Felicity, um mínimo deslise e tudo iria para o espaço com no mínimo um Arqueiro Verde e um velocista brotando em minha frente prontos para “lidar com a ameaça” que nesse caso seria eu.

Vejo pelo monitor que Connor se aproximava, já estava no elevador a essa altura e estranho como meu coração parece bater descompassado. Baixo meus olhos para o computador e passo a monitorar as câmeras que estavam registrando nossos caminhos, apagando meus rastros.

—Oi Lunna – a voz rouca tem o mesmo efeito de sempre, mas eu não o olharia de primeira. Continuo a digitar enquanto escuto a cadeira se afastando e ele se sentando a minha frente. – Que bom que não foi embora ainda – solta um suspiro cheio de pesar, bom, isso conseguiria minha atenção.

Connor Hawke. Preciso reprimir o sorriso que me desperta ao ver seu rosto de seis anos atrás. Não que ele tenha mudado drasticamente, mas seu semblante é um pouco menos rígido, os ombros menos pesados e um pouquinho menos forte, o que não o deixa nem um terço menos intimidador, ou muda o fato dele ser o cara mais atraente que já coloquei meus olhos. Meu futuro marido usava a jaqueta estilo aviador marrom, que Sara já deve estar arquitetando o plano para roubar a essa altura, com uma camisa de algodão branca por baixo que me permite ver os contornos de seus músculos. Desvio os olhos rapidamente ao me dar conta de que não sou casada com esse cara ainda e não deveria me deixar levar assim tão facilmente.

—Algum problema? – pergunto com minha voz naturalmente baixa, percebo tarde demais que deveria ter gaguejado.

Connor parece achar que algo não está certo, mas ainda não soou o alarme em sua mente, de alguma forma ele sabe que eu sou eu. Bom, ele provavelmente está sentindo essa merda de magnetismo torturante nos puxando na direção do outro. Wally me explicou no inicio do treinamento o quanto resistir ao vinculo pode fazer com que ele se torne incômodo, como uma forma de nossa velocidade nos alertar que essa ação nos colocaria em risco.

—Isis parece estar sofrendo – suspira outra vez, esfregando os cabelos curtos com as mãos. – Deve ser dificil para ela manter a amizade com o Wally que namora uma de suas melhores amigas. Ela não é mais um bebê e não consigo mais ignorar esse fato – narra, então para e me encara por alguns segundos em que engulo em seco. – Você está diferente.

—E... Eu? – murmuro tentando soar assustada, o único problema é que só a sua presença é o bastante para me sentir mais segura do que julgaria ser possível.

Connor se levanta e dá a volta na mesa, parando bem a minha frente. Seguro firme nos braços da cadeira, minha mente pensando em mil saídas possíveis para a situação. Ainda preciso pedir o sacrifício para ele e conseguir tempo para ganhar sua confiança seria o ideal, mas sou uma péssima mentirosa quando se trata do Hawke.

—Se parece com a Lunna, soa como ela – começa a dizer me estudando. – Mas Lunna não exala tanta confiança – pondera. – E não me seca tão abertamente – agora tem um mínimo sorrisinho sacana em seu rosto, mas isso só piora a postura ameaçadora como um todo.

Me levanto de uma vez só, o que nos deixa mais próximos do que ele estaria acostumado nessa época, o forçando a dar um passo para trás. Seus olhos azuis tremulam e percebo como passam lentamente por meu rosto, parando nos meus lábios. Maldito magnetismo de âncora, me negar ao instinto quase chega a me provocar dor, causando desconforto por toda a minha pele, mas inspiro fundo e o encaro de frente.

—Sei o que está sentindo, Connor – começo a dizer comprimindo os lábios. – Sei que é desconfortável e sinto muito por isso – apoio minhas mãos em seus ombros e o afasto enquanto dou um passo para trás. – Nunca fui boa em te enganar mesmo – me dou por vencida e sua postura parece vacilar por um instante. – Sou eu, bom, não exatamente a que você se acostumou.

—Vai ter que me explicar um pouco melhor, linda – diz baixo, a voz áspera que me revira o estomago e acende meu corpo como mágica. – Tenho uma queda por essa garota, mas esse ainda é escritório da minha mãe e até então você é uma estranha.

Uau! Isso é intenso e eu devo ter sérios problemas por suas ameaças me excitarem, ao mesmo tempo em que não despertam nem um pingo de medo que sei que é o que deveria sentir. Connor me encara esperando a tal explicação, mas eu me controlo para não deixar meu vinculo me dominar e acabar o agarrando no escritório da Felicity. Algo me faz ter certeza que se me atirasse em seus braços, ele não relutaria em fazer o que vem rodeando minha mente... Em um segundo de clareza me lembro do que Wally fez com o Barry Wells e bom, não tenho nada a perder mesmo.

—Não sou uma ameaça.

Levanto a manga da minha blusa e mostro meu pulso. Posso ver o mesmo pesar que apareceu no rosto de Barry ao reconhecer a marca, mas ele é seguido por uma grande emoção que parecia quase precipitada se julgasse quando isso aconteceu para ele. Connor passa a mão no rosto me dando as costas por um segundo, antes de voltar a passadas rápidas e me abraçar forte. Retribuo deixando que o contato amenize o desconforto que estava sentindo ao lutar contra ele. Sinto um beijo seu no alto da minha cabeça antes de voltar a nos afastar.

—Parece que não vai conseguir fugir de mim – comenta me fazendo entender o motivo de sua reação estranha agora a pouco. O alívio em seu rosto me faz perder o ar.

—Nunca cheguei nem mesmo a pensar em fazer isso – dou de ombros encarando seus olhos que brilhavam, cheios do que só posso descrever como a mais pura alegria.

—Viagem temporal? – deduz com perspicácia e confirmo com um aceno. – Os anos te fizeram bem, Delphine – comenta me secando da cabeça aos pés. Isso me faz sorrir de verdade e ele me olha abobado como se mal acreditasse em meu gesto. – O que foi?

—Sentia falta das suas cantadas descaradas – murmuro o fazendo sorrir.

—Por que eu pararia de dar em cima de você? – questiona soando genuinamente confuso, como se o que eu tivesse acabado de dizer fosse um completo absurdo.

—Não parou, não exatamente – dou de ombros e ignoro o alivio em seu rosto. – Mas precisamos fazer logo isso – indico meu pulso e sua postura volta a ser séria.

—Posso fazer qualquer coisa por você, acho que já deve ter entendido isso – declara e contenho com esforço a emoção que suas palavras despertam. – É, você finamente entendeu – constata enquanto estuda meu rosto. – Isso é bom, pode falar o que precisa.

—Não vai ser difícil, só quero que confie em sua irmã, mesmo que pareça ser uma birrinha infantil, quero muito que a leve a sério – pisco contendo minhas lágrimas antes de abrir um sorriso para ele. – Pode fazer isso, Con?

—Tem minha palavra.

Uma luz roxa toma conta de seu corpo e como aconteceu com Wally, ela é sugada para minha marca, queimando minha pele a ponto de formigar. Espero acabar e encaro o amor da minha vida, parecendo estar completamente satisfeito e por um segundo tento prologar isso. Afinal, a partir de amanhã ele vai passar a carregar o peso do mundo em seus ombros. Me aproximo e paro a poucos centímetros do seu rosto, o desconforto voltando a me incomodar, mas ignoro.

—Acha que vai se lembrar disso quando nos encontrarmos, Connor?

—Quer dizer você do seu tempo e eu que devo estar esperando? – questiona com um meio sorriso e o rosto cheio de segundas intensões gritantes que tanto amo. – Provavelmente devo estar me lembrando disso agora, ou a memória pode ser desperta quando eu ver a sua marca.

—Ótimo – sussurro me inclinando para dar um beijo em seu rosto, muito perto de seu ouvido e posso sentir como seus músculos se enrijecem, a pele se eriçar com o contato. – Mal posso esperar.

Ele engole em seco e quando me afasto o vejo se movendo de forma que o encosto da minha cadeira possa esconder seu quadril, tadinho, parece ter perdido a capacidade de reagir. Tão previsível que chega a ser fofo. Sorrio para ele uma última vez e começo a ir em direção a porta.

—Você é malvada, Delphine – solta quando estava prestes a alcançar a maçaneta.

—Ainda assim você me ama, Hawke – retruco piscando em sua direção e posso ver o sorriso deslumbrado em seu rosto. A felicidade da minha âncora parece recarregar minhas forças, mas algo me diz que eu ainda não vi o pior dessa missão.

CONNOR

Ando em direção a ala hospitalar, me sentindo mais cansado do que nunca. Acho que minha mente chegou a seu limite de estresse, e isso está consumindo minha energia. Entro em seu quarto e alguém cuidou de colocar uma cadeira reclinável ao lado de sua maca, preciso agradecer a seja quem for esse anjo. Me deito e cruzo os braços sobre o peito, me esforçando para esvaziar minha mente e conseguir relaxar. Em menos de um minuto escuto passos leves em minha direção, uma cadeira sendo arrastada e por fim, o cheiro doce, característico da minha peste preferida.

—Não vai conseguir dormir, lindinho – Isis diz me fazendo abrir os olhos e a observar. – Está no modo super protetor, esse Connor não descansa!

—Lindinho, Isis? – franzo a testa a vendo fazer careta.

—Nenhum apelido parece funcionar – cruza os braços, a boca formando um beicinho de pura teimosia. – Acho que não sou boa nisso.

A tristeza em seu rosto ao constatar esse fato me faz esboçar um pequeno sorriso. Isis retira sua máscara e posso ver seus olhos tão semelhantes aos meus, vermelhos e começado a ter sombras escuras ao redor. Ela está crescendo, seus traços que antes eram uma mistura de nossa mãe e tia, agora são completamente dela. Mesmo ainda lembrando as duas, Isis é uma mulher com brilho próprio. Essa garota passou por tanto e ainda está aqui, tentando fazer seu papel de irmã.

—Está me encarando, Con – esfrega seus próprios braços, o gesto a faz parecer tão frágil, mas é só aparência. – Não tem ideia do quanto fica parecendo o papai ao fazer isso – dou um meio sorriso e me volto para minha mãe biológica, ainda desacordada. – Lembra do verão que você me levou junto para suas férias com Sandra?

—Eu havia acabado de voltar de Ashram, você estava me seguindo até mesmo quando eu ia ao banheiro – estremeço me lembrando de como era desconfortável tentar usar o sanitário com Isis tagarelando do outro lado da porta.

—Você tinha dezesseis, eu devia ter oito, bom, era muito nova. Já na primeira noite queria voltar para a mamãe! – isso me faz dar risada. – Sandra me deixou comer um tanto de doces, só para me fazer parar de chorar.

—Por Buda! – suspiro. – Foi a primeira grande bronca que te dei, não foi? – questiono a olhando de esguelha. Isis assente, um largo sorriso sapeca estampado em seu rosto.

—Não foi tão grande se analisar bem, na verdade nem foi uma bronca. Você só tirou meus doces e me falou que não dormiria se os comesse naquele horário, depois me fez escovar meus dentes e ir para a cama, eu que era muito dramática!

—Queria ter gravado essa confissão! – provoco sorrindo.

—Babaca – me mostra a língua. – Mas naquela noite, Sandra passou no meu quarto, ela se deitou comigo por um tempo e me pediu desculpas – isso me faz voltar a encará-la. – Segundo ela, você foi uma criança que não costumava dar nenhum trabalho, tirando sua paixão por super heróis, disse que estava errada ao me dar tantos doces a noite, mas que ao mesmo tempo havia ficado feliz por ver o quanto seu filho era responsável. Ela te admira, Con, sempre exala orgulho.

—Sei disso – aperto a ponte do meu nariz, meu coração se espremendo em meu peito. – Não consigo entender bem quando coloquei essa barreira entre nós dois – devo estar chorando a essa altura, mas sinceramente, não tenho forças nem mesmo para fingir agora. – Acho que negar que éramos distantes só a aumentou a distância ao passar dos anos. E quando você estava sobre o efeito da Arca, tudo ficou muito claro.

—Nem sempre funciona como desejamos, acho que o fundo do poço evidencia tudo de errado em suas paredes – Isis filosofa. – Mesmo o bom filho tem direito de se frustrar, e talvez até mesmo ter uma crise de rebeldia um dia – sorri com expectativa.

—Não sou esse filho perfeito que você pintou em sua mente Isis – rio da cara de pirada que ela faz. – Enchi nossos pais assim como você, quando quis começar a sair em campo. Adorava um rabo de saia e acho que se lembra como isso irritava a Felicity, o que me lembra que a única ordem que ela já me deu na vida foi para ficar longe da Lunna, e veja bem onde isso acabou – levanto minha mão esquerda para ela.

—Isso só fez a Felicity te amar ainda mais – cruza os braços com aquele ar desafiador que a faz ser quem é. – Aposto que ela tem uma foto da Lunna na carteira, a mamãe provavelmente é a pessoa que mais ama a Delphine no mundo, incluindo você! – um riso estranho escapa da minha boca e vejo o rosto de Isis se encher de satisfação.

—Eu discuto bastante com nosso pai, por mais que não faça isso em sua frente, por que vamos combinar, você não precisa de mais ajuda em seu plano de infartar o velho – isso a diverte, mas claro que não me deixaria ter a última palavra.

—Oliver Queen não é a pessoa que mais acerta no mundo – bufa. – E pelo que vi com a versão da outra terra, você só se irrita com o papai quando ele está bancando o ogro!

—Vai continuar me defendendo, não importa o que eu diga – me dou por vencido e Isis dá de ombros.

-Não precisa nos apoiar o tempo todo, pode ser meu irmão mais velho, o primogênito dos nossos pais, marido de Lunna, o exemplo de Phill, nosso líder. Tem direito de ser tudo isso e ainda se apoiar em nós, como nós apoiamos em você. Cada um do Time levaria uma bala em seu lugar e não é por ser nosso líder, não é por ser meu irmão. Connor, sua decência, princípios e principalmente, o caráter que possui, nos inspira. E boa parte dessas características vieram diretamente dela – aponta para Sandra sobre a maca.

—Você está diferente – a observo com cuidado. – Mais madura – suspiro, dando um sorriso bobo. – Estou orgulhoso da mulher que se tornou, Isis. Nós dois não começamos nada bem esse ano, mas estou feliz por estar aqui – seus olhos azuis se enchem de emoção e ela segura um sorriso, desviando seu olhar para minha mãe.

—Aquela não era eu. Nunca te deixaria sozinho, não fomos criados assim – uma lágrima solitária escapa, deslizando por sua face e Isis a limpa rapidamente. – E Lunna está longe, vou ficar aqui fazendo o que ela faria.

—Não precisa agir como a Lunna – declaro e ela me olha quase desapontada. – Estou bem com a Isis. Não escolheria ninguém além de você agora.

—Sei bem como se sente – sorri se levantando e se espreme ao meu lado na cadeira reclinável. – Acho que hoje eu entendi por que os olhos de Phill foram minha primeira visão. Ele é o centro do mundo de Lunna, sua alma gêmea – ela suspira. – Katoptris me disse que nosso vinculo foi o que a fez me escolher, a forma como somos ligados. Comecei a retomar a consciência quando me confrontou em meu apartamento. Mas a casca que me prendia se rompeu na presença de Lunna. Ela foi quem reconheceu a Arca, olhou nos meus olhos e me puxou de volta, usando o amor que sente por você, a ligação que havia criado com Damian...

—O amor dela por você também, pirralha – acrescento, vendo um sorriso satisfeito se formar em seu rosto lindo. – Katoptris sempre soube que precisaríamos uns dos outros, nunca pensei que diria isso, mas meio que gosto um pouco demais dessa adaga.

E nós amamos você— diz em uma voz duplicada que aplaca parte da dor em meu peito. – É nosso herói, Connor Hawke.

—Obrigado, Katoptris – respondo com reverencia e vejo minha irmã assentir da mesma forma.

A envolvo com um braço, por não ter espaço para meus ombros, e por precisar realmente da minha irmãzinha naquele momento. Isis fecha seus olhos, a cabeça recostada em meu peito. E foco minha atenção em sua respiração ritmada. Poucos segundos depois consigo finalmente adormecer.