Outra vez

Capítulo 5 - Não faça


Ela estava em paz. Os últimos raios de sol entravam pela fresta da cortina semicerrada e iluminava o móbile acima do berço. Quase como se soubesse que pensara nele o filho se manifestou com um chute dentro de sua barriga de quase oito meses. Estava cansada, com os pés inchados, mas estava feliz. Em pé, ao lado do berço, não se cansava de admirar o quarto que tinha planejado para o bebê, quarto este que demorara vários meses, mas finalmente estava pronto para recebe-lo, com cada mínimo detalhe que ela exigiu. Suspirou ao acariciar sua barriga protuberante.

— Take easy, baby. Mommy is tired today. (Pega leve, bebê. Mamãe está cansada, hoje) – Pediu sussurrando e o filho pareceu entender seu pedido, se acalmando.

Ela sorriu ao sentir duas mãos envolve-la e um beijo pousar em sua nuca. Só isso faltava para seu dia ficar perfeito.

— Ele está agitado hoje? – Ouviu aquela voz que conhecia tão bem perguntar.

— Um pouco. Pressentiu que o seu daddy estava chegando. – Ela se virou para encará-lo passando os braços ao redor de seu pescoço. – Pouco trabalho hoje?

— Não podia deixar minha esposa grávida sozinha em casa por mais tempo. – Ele lhe deu um selinho e ela sorriu por sua preocupação.

— Você sabe muito bem que não estava sozinha, Davi. – Ela acariciou seu rosto. – Temos vários empregados nessa casa.

— A Marra não é a mesma sem você. – Ele deu por encerrada aquela discussão. Desvencilhou os braços dela e a guiou pela mão até a poltrona mais próxima. Sentou-se em um pufe a sua frente e a fez esticar a perna direita, começando a massagear seu pé. - Por que está aqui? Deveria estar descansando. – Sua voz soava preocupada. – O médico disse...

— Eu gosto de ficar aqui. – Ela não queria discutir aquilo novamente, se dependesse dele ela ficaria deitada o dia todo. – Queria ver os últimos detalhes. Quero ver a carinha dele logo.

Ambos sorriram, mas foram interrompidos por uma batida na porta. Megan puxou o pé do colo de Davi e tomou uma postura ereta na poltrona ao ver que Manuela estava ali. O que ela fazia ali no quarto de seu filho? Na sua casa? Tanto Megan quanto Davi se entreolharam, mas ao contrário de parecer confuso, Davi sorria.

— Vamos? Estamos atrasados. – A voz irritante da nerdestina disse. O que ela queria?

— O que você quer Manuela? – Megan não conseguiu se controlar ao ver Davi se levantar. – Onde você vai Davi? – O que ele estava fazendo? Não estava entendendo mais nada, eles estavam juntos e, no entanto, ele estava indo com ela, abraçando a bruaca na sua frente.

— Temos uma reunião importante agora. - Davi esclareceu enquanto deixava que Manuela se pendurasse em seu braço.

— O quê? – Megan sentiu as lágrimas transbordarem em seus olhos.

— Temos um voo para Curitiba. – Manuela esclareceu calmamente. Curitiba? Megan odiava aquela cidade. O que Davi ia fazer lá, de novo, com aquela nerdestina? – Era como Jonas dizia antes de morrer, tempo é dinheiro.

Jonas tinha morrido? Quando? Por que ela não estivera presente em seu velório? De repente, outra pessoa aparece na porta e ela assiste Ian indo embora com Davi e Manuela. O que ele estava fazendo ali? Também iria para Curitiba e a deixaria sozinha?

— Davi? – Sua voz saiu como um um lamento. Megan não conseguia acreditar naquilo, tinha prometido não perdoar Davi nunca e depois de um voto de confiança ele estava fazendo aquilo novamente, a traindo com Manuela enquanto eles teriam um filho.

Seu celular tocou e ela pode ver que era uma mensagem de Pâmela dizendo que não poderia estar presente no dia do parto porque seu novo irmãozinho estava doente. Era sempre assim, ela sempre era preterida por outras pessoas. Sempre estaria sozinha, perdendo todos aqueles que amava. De repente, sentiu sangue escorrer por suas pernas e se desesperou, precisava chegar em um hospital logo.

Megan acordou sobressaltada, olhou em sua barriga e ela permanecia lisa como sempre fora. Onde estava? Ela observou a comissária de bordo andar pelo corredor lhe desejando bom dia e perguntando se ela desejava algo de café da manhã, Megan conseguiu murmurar que queria um suco de morango e enquanto a sorridente comissária ia providencia-lo pode ver que Davi trabalhava concentrado em um tablet do outro lado do corredor, um pouco mais distante de onde estava. Um cobertor fino a cobria e ela pode sentir que algumas lágrimas lhe escaparam pelo rosto, tivera um pesadelo que parecia muito real, mas ela não queria pensar naquilo agora, fechou os olhos tentando esquecer.

A comissária lhe trouxe o copo de suco com gelo enquanto ela ajeitava os fios desordenados do cabelo, pode ver pela tela do celular que era madrugada ainda nos Estados Unidos enquanto o céu do Brasil já tinha seus primeiros raios de sol. Abriu a janela do jato particular da Marra que sempre utilizavam para os lançamentos e pode ver o sol nascendo ao longe. Dormira pouco mais de três horas e sentia dores pela posição desconfortável em que pegara no sono. Queria descansar para aquele final de semana árduo de trabalho, mas teria tempo para isso quando pisasse em solo brasileiro.

Era início de sexta-feira e seus dedos comichavam para saber o que estaria acontecendo com sua equipe, mas tinha se desligado do mundo por poucas horas até o fim daquele voo. A verdade é que já deveria estar no Brasil desde o dia anterior, mas tinha ficado para assegurar que Davi embarcaria naquele voo e não apresentaria uma desculpa de última hora, ela esperava que ele não fizesse isso depois do que prometera, mas é sempre melhor ter certeza de algo.

Por isso, toda sua equipe já estava no Brasil trabalhando e ela ainda estava ali apenas com Davi e a tripulação do voo. Bocejou. Ele estava muito estranho desde o início da semana quando tinha tirado uma tarde de folga. Isso não era típico dele, Davi era um workaholic pior do que Jonas e tinha desmarcado todos os compromissos para fazer sabe-se lá o que. Eles não tinham mais conversado naqueles dias, pouco o encontrara, apenas lhe apresentara o plano de ação para o lançamento brasileiro e o encontrara no aeroporto poucos minutos antes do voo. Ali, cada um tinha sentado em seu canto e não tinham conversado até então. Será que ele decidira manter silêncio para não a irritar com a promessa que, de certa forma, a obrigou a fazer ou porque estava irritado o suficiente com aquela viagem e não queria comentar nada para que não discutissem inutilmente? Suspeitava que talvez fossem as duas opções.

Nos últimos anos Davi tinha sido um enigma. O bom moço tinha se transformado em um empresário com um toque de ouro de quem todos queriam se aproximar, pouco lembrava o menino que ganhou o concurso Geração Brasil ou mesmo o rapaz inseguro que chegou no Vale do Silício há três anos.

— A Bloody Mary, please. (Um Bloody Mary, por favor) – Megan pediu antes que o garçom lhe entregasse o cardápio e desviou o olhar observando a decoração a decoração vintage do bar em que estavam enquanto Davi optava por uma cerveja qualquer. O garçom se retirou com os pedidos e seus olhos e os de Davi se encontraram.

— Achei que preferia vinho. – Ele comentou casualmente, enquanto desviava o olhar para o casal da mesa ao lado.

— Estou me sentindo a rainha sangrenta hoje. – Ela comentou ironicamente em referência ao drink que tinha pedido. A verdade é que não gostaria de estar ali naquele momento, não com ele, mas quando ele a convidou não conseguiu recusar devido a curiosidade que sentia por ele estar ali em São Francisco, assumindo o papel de CEO na Marra International, já que Davi sempre dizia que nunca se prestaria a esse papel.

— E a Brazuca? – Megan perguntou assim que as bebidas chegaram e o observou tomar um gole de cerveja. Tudo aquilo era muito estranho. Ele tinha uma vida no Brasil, um emprego, uma família e uma namorada e, de acordo com sua mãe, ele levou apenas três dias para dar uma resposta ao conselho, sem apresentar muitas exigências e empecilhos.

— Depois que você desistiu... – Megan cruzou os braços ao ouvir aquilo.

— Eu não desisti. – Aquilo era absolutamente verdade, as circunstâncias de um relacionamento fracassado com o nerd a sua frente a motivaram a sair do país, o que dificultou que cumprisse todos os prazos que a Brazuca exigia, então delegou a Ernesto muitas funções que eram suas, mas sempre o ajudava, a maioria dos investidores que a empresa tinha era por intermédio dela, então era muito injusto ouvir Davi dizer que ela tinha desistido, sendo que ele era o principal motivo para ela não estar totalmente presente.

— As coisas ficaram mais complicadas no último ano. – Ele continuou como se não tivesse ouvido o que ela tinha dito. – Desde que me mudei para Recife não posso estar muito presente também e só Ernesto não consegue assumir todo o serviço sozinho. – Pelo menos ele não se isentava da culpa também, Megan pensou ao beber um gole de seu drink.

— O que estamos fazendo aqui? – Ela não pode se segurar mais ao notar o olhar atento de Davi em sua direção, ela procurou evita-lo ao máximo nos últimos dois anos e como o destino gosta de brincar com a sua vida a pessoa que não queria ver era aquela que cuidaria de suas ações na Marra por algum tempo.

— Eu queria conversar com você. – Davi disse simplesmente, como se os dois fossem amigos que não se veem a algum tempo. – Senti sua falta.

Megan não sabia o que responder mediante aquela afirmação. Ela tinha sentido falta dele? Cada segundo do primeiro ano que voltou para os Estados Unidos. No entanto, ela tinha reprimido aquele sentimento e se ocupado de várias outras coisas, nos primeiros meses se matriculara em Stanford, tinha várias instituições de caridade para ajudar, vários investidores para abordar em nome da Brazuca e, claro, a relação que estabeleceu com Tuca, que a impedia de pensar muito no passado.

— Como está o trabalho na Marra? Muitas reuniões essa semana? – Ela desviou do assunto, não queria falar do passado, muito menos daquele em que os dois estavam juntos, ainda estava magoada com as atitudes dele.

— Sabia que não ia ser fácil e aqueles babacas do conselho não ajudam.

O silêncio constrangedor imperou na mesa por alguns minutos. Aquilo era esquisito, a conversa sempre fluía quando estavam juntos. Megan dava voltas com o canudinho pelo copo quase vazio, enquanto Davi terminava a cerveja que tinha pedido. Ele parecia querer dizer algo a mais, mas parecia estar criando coragem para isso.

— Desculpe. – Megan quase não acreditou que tinha ouvido aquilo e o observou atentamente, ele ainda segurava a long neck em suas mãos e a girava nervosamente com os olhos para baixo. – Eu deveria ter dito isso há muito tempo, mas eu nunca o fiz. Eu sei que eu fui péssimo com você, por isso, me desculpe.

Por essa ela não esperava. Tudo o que quis ouvir naqueles dias em que ela o manipulava com uma suposta cegueira para que ficassem juntos, ele dizia naquele momento, mas ela não sabia o porquê ele estava dizendo tudo aquilo.

— Você está um pouquinho atrasado. –Megan estava desconfiada do rumo daquela conversa.

— Eu sei. – Ele mexia as mãos ansioso e Megan o encarava com a sobrancelhas arqueadas. – Mas eu só percebi como fui obtuso depois que minha relação com Manuela se desgastou. Eu estava apaixonado, mas era tudo uma ilusão, eu achava que por sermos parecidos ela era a mulher da minha vida. – Megan sorriu minimamente. Ele estava dizendo que Manuela não era mais a mulher que queria, no entanto ele não estava dizendo que a queria naquele lugar, era inútil pensar que um dia ele gostaria dela novamente. Ela tinha que parar de se iludir.

— Eu também errei Davi. – Ela admitiu a contragosto, ponderando se estava pronta para expressar tudo o que nos últimos dois anos sua psicóloga ouvia incansavelmente. – I know. (Eu sei.)

— Eu sempre achei que eu era um capricho para você, acostumada a ter tudo. – Todos pensavam que era assim, ninguém nunca acreditou no que dizia ou sentia, ou ela era um meio para conseguirem chegar até Jonas, como foi com Joshua e Alex, ou eles a ignoravam, como Davi tinha feito.

— Podemos não falar sobre isso? – Megan pediu desviando olhar. Ela não queria falar sobre aquilo, não queria amá-lo novamente, aquilo doía.

Ele assentiu e só então ela percebeu quão perto ele estava. Seus olhares se encontraram novamente e ela pode sentir a respiração dele mais acelerada. Ela tentou se concentrar em algum ponto fixo na parede, mas não pode desviar o olhar de seus lábios tão próximos. Era inegável o fato de que ela sempre seria atraída por ele, não importa quanto tempo passasse ou quão magoada se sentisse ela sempre desejaria beijá-lo.

Foi inevitável então o que ocorreu em questão de segundos. Ele estava ali, ela também e ambos se aproximaram como um imã, seus lábios se encontraram em um beijo que misturava desejo, saudade e mágoa.

Ali, ela não conseguia pensar em nada. As mãos de Davi procuraram afogar-se noseu cabelo, enquanto ela tentava não perder o equilíbrio para diminuir a distância que existia entre eles. O beijo era sôfrego e entre uma mordida e outra só acabou quando ambos precisaram de ar para respirar. As testas se tocaram e Megan permaneceu com os olhos fechados acreditando que aquilo era um sonho como todos aqueles que tivera enquanto o queria para si, ponderando se queria descobrir se aquilo era realidade ou não ela abriu lentamente os olhos ao senti-o acariciar sua bochecha.

Eles se entreolharam mais uma vez naquela noite e Megan pode perceber que havia um brilho diferente no olhar dele, um brilho que nunca tinha visto ali. Davi lhe deu mais um beijo lento e ela teve que admitir que há muito tempo não tinha todas aquelas reações a um simples beijo, talvez desde que tivessem terminado aquele namoro que para ele não passou de um passatempo divertido.

— Let’s get out of here?(Vamos sair daqui?) – Megan disse assim que o beijo termina e ele não se afasta, ela não queria pensar muito no que estava propondo, só queria sentir tudo aquilo novamente.

Davi a olhou surpreso e murmurou um sim enquanto retirava algumas notas da carteira e deixava em cima da mesa para pagar as bebidas. Ela se virou para pegar o casaco no encosto da cadeira enquanto ele fazia o mesmo com o terno apressadamente, ele estendeu a mão para ela e ela as entrelaçou enquanto saiam daquele bar. Davi deu um sorriso e Megan se limitou a olhá-lo não conseguindo definir o que estava sentindo naquele momento, evitando pensar na loucura que faria.

Ela ainda não conseguia acreditar naquela noite, foi um lapso momentâneo de desejo que, felizmente, passou. Desde aquele dia ambos eram cordiais um com o outro, mas ela sempre evitava quando Davi tentava iniciar uma conversa como aquela, ela sabia onde aquilo chegaria e ela não estava disposta a arriscar novamente, ela tinha Ian agora e isso deveria ser suficiente.

Ela saiu do minúsculo banheiro do avião ainda bocejando pelas horas de sono perdias e ao invés de sentar no lugar em que estava ela se sentou na poltrona ao lado de Davi que ainda lia algo concentrado enquanto o café que tinha pedido esfriava na xícara.

— Você dormiu? – Megan tentou parecer desinteressada ao observar as olheiras ao redor dos olhos dele.

— Um pouco. – Davi a olhou meio surpreso. Qualquer um que o observasse sabia que não tinha sido assim, ele tinha passado a noite em claro novamente, trabalhando.

Ela suspirou e fechou os encostou a cabeça no encosto da poltrona como se quisesse voltar a dormir.

— Quando vamos chegar? – Megan perguntou desinteressadamente enquanto pegava metade do pão com pasta de amendoim que Davi tinha a sua disposição na mesa a sua frente.

— A comissária disse que em vinte minutos estaremos pousando. – Davi a olhou enquanto ela dava uma mordida no sanduiche. – Por que não pediu um para você?

— Senti vontade quando vi o seu. – Ela o olhou como se o desafiasse a contradize-la e ele apenas voltou os olhos para o tablet em suas mãos, ele já deveria estar acostumado com aquilo, ele sempre tinha que dividir algo com ela ou comer algo de que ela não gostava quando casualmente almoçavam ou jantavam juntos.

Dad sempre fazia sanduiches de pasta de amendoim para eu levar para a escola quando era criança. – Ela sabia que ele já conhecia aquela história, mas queria mostrar um lado de Jonas que poucos conheciam, queria que ele também gostasse do pai pelas qualidades que ele tinha e que não o repelisse pelos defeitos que ele enxergava. – Mom continuava dormindo, mas ele sempre acordava cedo quando eu estava no jardim de infância para preparar meu lanche, foi assim que ele me apelidou de Peanuts. – Davi ainda estava silêncio fingindo não prestar atenção.

— Não faça isso. – Ele a advertiu, sem olhá-la e ela suspirou com aquela resposta, ela nunca entenderia aquela atitude. – Não tente consertar algo que já se perdeu.

— O que eu não sei? O que aconteceu? – Nenhum dos dois dizia o que tinha acontecido quando descobriram ser pai e filho, mas Davi ainda o odiava, talvez até mais do que quando ele era apenas Jonas Marras, o gênio da tecnologia, e ela só queria entender e consertar aquela relação que já nasceu fadada ao fracasso. – Ele já está pagando pelos erros que cometeu, Davi. Não deveria pagar ainda mais.

— Prisão domiciliar não é exatamente um castigo. – Davi deu por encerrado aquele assunto e Megan sabia que não deveria insistir. Ele não sabia do câncer, e, se dependesse de Jonas, nunca saberia. Ela terminou de comer o sanduiche em silêncio ponderando o que poderia falar que não resultasse em uma discussão.

— Sinto falta do Rio as vezes. – Ela o olhou como se esperasse alguma manifestação da parte dele, mas Davi não se manifestou, permaneceu com o olhar voltado para o tablet em suas mãos. – Não sente falta da sua família?

— Todos os dias. – Ele a olhou suspirando. – Mas quando eu assumi o cargo eu sabia as consequências dele.

— Há quanto tempo não tira férias? – Megan desejava que não soasse tão preocupada, mas ele só trabalhava nos últimos anos, quase nunca o vira se divertir.

— Está preocupada comigo?

— Com a empresa. – Esse era o jogo deles há anos, permeado por indiretas, e eles seguiriam jogando até que aquela conversa acontecesse. – Obrigada pelo cobertor. – Megan agradeceu, ao acordar notou que alguém a cobrira durante a noite e só poderia ter sido ele, a comissária não faria aquele gesto de gentileza se ela não pedisse.

— Você estava com frio. – Ele se limitou a responder enquanto o aviso de atar os cintos aparecia no painel luminoso e a voz do comandante soava pelo avião avisando que eles iriam pousar dentro de instantes.

A comissária retirou todo o lixo do café da manhã enquanto Davi voltava o assento para a posição normal. Megan pode perceber que ele estava nervoso, ele sempre ficava assim nas aterrisagens.

— Você já deveria ter se acostumado com isso. – Ela sussurrou e ele a olhou debochado.

— É como o seu medo do escuro, ok? – Ela riu, pois ambos se conheciam bem demais para meros conhecidos.

O avião iniciou os procedimentos de aterrissagem e foi perdendo altitude, Megan notou que Davi ainda estava nervoso e de repente segurou sua mão como forma de acalmá-lo, ele a olhou como se perguntasse o que ela estava fazendo e ela apenas deu de ombros tentando ignorar aquela corrente elétrica que sentia toda vez que o tocava enquanto se perguntava os motivos pelos quais eles nunca tinham dado certo juntos já que seus dedos se entrelaçavam todas as vezes que davam as mãos e ela sempre acreditou que aquilo indicaria sua alma gêmea.

Megan mordia os lábios ainda sem acreditar que aquilo tinha acontecido. Tinha acabado de acordar e observava como o peito desnudo de Davi subia e descia com sua respiração. Ela estava deitada do lado esquerdo da cama, virada na direção dele, tentando ser a mais silenciosa possível, ela sabia que quando ele acordasse eles teriam que conversar, mas adiaria aquele momento por quanto tempo fosse possível.

A noite anterior tinha sido insana. Em um instante eles eram meros conhecidos em um bar, depois estavam se beijando, em seguida quase se despindo no táxi em direção a Mansão Marra e, por fim, transando alucinadamente em seu quarto. Ela não podia nem colocar a culpa na bebida para aquela atitude, aquilo tinha acontecido porque ela quis, ambos quiseram.

Davi suspirou e virou o rosto em sua direção, Megan prendeu a respiração com medo que ele acordasse, mas ele apenas mudou de posição e colocou uma das mãos embaixo do rosto, ficando na mesma posição em que ela estava deitada, com o rosto em sua direção, eles estavam frente a frente e caso ele acordasse naquele momento ela seria a primeira coisa que aqueles olhos castanhos veriam pela manhã.

Ele exibia um rosto sereno, livre de preocupações. Os fios do cabelo despontavam para todos os lados e ela teve vontade de passar a mão por ali, mas se conteve. O rosto era quase o mesmo daquele bom moço que um dia conhecera, as sobrancelhas eram grossas, os cílios longos, o nariz grande e arredondado, a barba por fazer que ela sempre achou um charme, os lábios finos e alguns vincos na testa que não estavam ali dois anos atrás. Ela já passara a noite em claro o admirando no passado, em expectativa pelo que viria, mas agora ela temia a conversa que teriam.

De repente ela ouviu um toque de celular por perto e com medo do barulho acorda-lo ela rapidamente o procurou no meio dos lençóis bagunçados. No entanto, não era seu celular que estava tocando, mas o de Davi, ela ignorou a ligação rapidamente para aquele barulho incessante não acordá-lo, mas assim que foi colocar o celular na mesinha de cabeceira pode ver o nome de Manuela na tela.

Eles não tinham terminado? Ela encarou aquele nome por alguns segundos confusa. Sem fazer barulho ela deixou o celular na mesa de cabeceira do lado dele, passando por cima de seu corpo adormecido, esperando não acordá-lo. Sem nenhum movimento brusco ela se deitou calmamente voltando a posição em que estava e encarou o rosto dele ainda de olhos fechados. Queria tanto que as coisas tivessem sido diferentes, que tivesse o conhecido primeiro.

Suspirou. A quem queria enganar? Mesmo que assim fosse ele ainda se encantaria por Manuela, a guerreira Maya perfeita para o herói Golias. Megan ainda seria apenas alguém que um dia ele conheceu e se afeiçoou. Uma lágrima que ela não conseguiu conter rolou em seu rosto, mas ela a secou rapidamente vendo que ele abria os olhos.

Davi piscou alguns segundos e sorriu abertamente para ela.

— Bom dia. – Ele murmurou e ela apenas o olhou. Megan sabia que precisavam conversar, esclarecer tudo, mas não era uma conversa que ela estava disposta a ter depois daquela ligação. – O que foi? – Ele indagou preocupado, estendendo uma das mãos para acariciar seu rosto. – Por que está triste? – Davi percebeu resquícios de lágrimas ali e outras que ela não pode conter ao olhá-lo.

—Você não gosta de mim. – Megan constatou algo que anos atrás ele já tinha deixado claro. Aquela noite fora apenas uma atração mútua.

— Quem disse isso? – Davi se surpreendeu com aquela afirmação, mas ela não tentou definir o que aquele brilho no olhar que ela pensou ter visto na noite anterior e que ainda estava ali queria dizer, ela estava cansada de ser iludida.

— Eu estou dizendo. – Megan encerrou a conversa se desvencilhando do toque dele e se cobrindo com um penhoar que repousava na poltrona ao lado da cama. Ela não podia permitir que seu amor fosse unilateral novamente. – Eu vou tomar banho, quando sair feche a porta, please. – Davi ainda a encarava confuso, sentado na cama, mas ela se refugiou no banheiro e só se permitiu sair minutos depois quando ouviu os passos dele e o barulho da porta batendo.

Desde então a relação deles era na medida do possível profissional, com uma indireta aqui e outra ali, mas nada que deixasse aquela noite acontecer novamente. No entanto, ela teria que abrir seu coração novamente e permitir que aquela conversa acontecesse como ele sempre quis, ela tinha prometido e se a presença dele no Brasil deixaria Jonas feliz, Megan esperava que esse sacrifício da parte dela valesse a pena, já que não era nada fácil retomar uma narrativa que sempre a magoou.

Perdida em pensamentos, ela não viu quando Davi recusou a ajuda do motorista para colocar a sua mala no carro e só percebeu quando o motorista da empresa já segurava a porta para ela entrar, mas ele ainda estava com sua mala na mão.

— Onde vai? – Ela perguntou com uma das mãos na cintura. – Tem uma suíte reservada para você. – Megan suspeitou que Davi tinha traçado seus próprios planos e não estava nada contente com isso.

— Sei que você odeia que seus planos sejam desfeitos. – E mesmo assim ele continuava alterando tudo. – Quero passar esses poucos dias com a minha família.

— Não foi isso que combinamos, Davi. – Sem ele no hotel seria mais difícil fazer com que ele fosse visitar Jonas.

— Acho que você consegue entender. – Ele sorriu como se pedisse permissão para ela e Megan apenas o olhou como se dissesse que não importava sua opinião, ele já tinha decidido mesmo. – Eu vou estar no lançamento amanhã como eu prometi. – Ele já andava para trás em busca de um táxi. - Você tem meu número. – Megan o ouviu gritar enquanto o motorista já fechava a porta para ela e suspirou checando seu celular pela primeira vez desde que pisara no aeroporto.

Tudo parecia correr bem com os preparativos da festa de lançamento do dia seguinte e ela suspirou aliviada, Jonas perguntava se eles já tinham chegado e quando iam visita-lo, Megan respondeu que estava em solo brasileiro há poucos minutos e que esperava conseguir almoçar com o pai e a família no domingo, depois do lançamento, só esperava que Davi cooperasse com aquilo também.

A última mensagem era de Ian, ele reclamava porque somente antes de embarcar ela avisara que ia passar mais tempo que o previsto no Brasil e pedia para que ele a encontrasse ali para o natal. Ele disse que tinha seus planos, os dois já tinham planos, e ela não poderia alterar tudo quando quisesse. Megan deixou o celular de lado, pensando em ligar para ele mais tarde, sua cabeça já começava a doer e o dia mal tinha começado, ela tinha milhares de coisas para resolver naquele dia ainda.

Ela observou o anel de noivado em seu dedo e se lembrou do arrepio que sentiu ao segurar a mão de Davi, por mais que quisesse evitar ele era uma constante em sua vida, trabalhavam juntos e eles se conheciam bem demais pelos anos de convivência. Lembrou-se do pesadelo que tivera naquela noite e tocou em sua barriga como se pudesse proteger algum bebê inexistente. Por que seu inconsciente desejara um filho de Davi? Era melhor não pensar nisso e não fazer com que aquela noite voltasse a se repetir. Ela abriu sua agenda eletrônica e pensou que o trabalho era a melhor forma para não fazer nada que se arrependesse depois, estava cansada de ser machucada pelos homens e finalmente tinha um noivo que a amava de verdade.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.