Muitas garotas da minha idade não acreditam mais em contos de fadas e príncipes encantados, muitas delas apenas estão concentradas em seus estudos e no seu próprio futuro. Na verdade, comigo não era muito diferente. Também estava preocupada — e muito — sobre o que fazer da minha vida, contudo, encontrei algo que gosto bastante de fazer, e é ensinar, foi por isso que escolhi cursar História e ser uma sensei.

E hoje eu estava finalizando minha mudança do interior para a capital. Levando comigo o resto de minhas roupas em uma mala de viagem de madeira antiga — é porque são as malas de minha avó — e mais alguns outros pertences na maleta também de madeira de mão. Meu vestido rosa chá estava tendo sua saia levantada pela breve brisa de verão, assim como meus cabelos castanhos claros. Tudo estava perfeito e do jeito que deveria ser — bem do jeitinho que eu queria —, porém, quando fui pegar o trem do metro — eu estava completamente distraída nessa hora lendo um light novel —, acabei entrando em qualquer um nem tinha reparado quantas pessoas entraram comigo, também só comecei a reparar nas coisas ao meu redor quando percebi que o trem estava demorando em parar, então, foi assim que tudo começou.

Foi assim que voltei a acreditar em todos os contos de fadas que tanto pareciam impossíveis de acontecer, já que ao eu olhar para a janela a fora, vi que estava debaixo da água — literalmente. Questionei-me várias vezes se não era um sonho, todavia, fiquei roxa de tantos beliscões que dei em mim mesma e o desespero me abateu como uma avalanche, meu coração estava pesado e tudo ficava pior quando notava que havia apenas eu dentro daquele lugar e já estava me aproximando do vagão do maquinista, mas também não havia ninguém conduzindo.

Isto é realmente possível? Perguntei-me muitas vezes e em todas elas ficava cada vez mais desesperada para encontrar a resposta, até que ao me agachar no chão, ficando totalmente encolhida é que parou. O trem parara e para minha felicidade não estava mais debaixo da água — tenho trauma do mar; quase morri afogada uma vez — e ao ver as portas abertas corri para fora, então, me lembrei das minhas coisas, contudo, ao virar-me novamente o trem já tinha partido, ou melhor, havia sumido.

— Como? — meus olhos verdes escuros estavam arregalados.

Ao meu redor havia um campo vazio, apenas com a grama linda e verde, e quando virei novamente lá estava uma mulher de cabelo rosa e olhos azuis, vestida como uma fada e de pé nos trilhos do trem segurando sua varinha de condão e, sorria de forma estranha para mim. Suei frio e meu coração batia rapidamente.

— Chiba Ai–chan. — ela me chamou; como ela poderia saber meu nome? — Bem vinda a Villa Du Kiss! — disse animada.

— Aonde? — falei alto demais e num piscar de olhos ela sumiu.

E quando notei era noite. Sim, noite e o lugar não estava mais vazio, não era apenas o campo e seu gramado verde com o trilho do trem no meio, agora era uma noite fresca com pessoas andando na rua da cidadela com suas yukatas e máscaras de algum festival que estava acontecendo. Todas as casas pareciam de uma época antiga da história japonesa, parecia Edo, aliás, algumas pessoas estavam vestidas como tal.

— Ainda acho que devo estar sonhando. — pensei alto.

Mas caminhei para frente juntamente com a multidão. Sei que tudo está confuso e louco, não há nenhum sentido nisso e eu precisava sair daqui, precisava recuperar as minhas coisas e voltar para Tóquio. Porém, como eu faço isso?

— Hei vocês ficaram sabendo que o oujisama escapou novamente? — começaram a conversar dois casais que estavam na minha frente.

Eu estava de cabeça abaixada e muito perto deles, já que andavam devagar, e sem querer escutei a conversa sobre o tal príncipe. Aparentemente ele fugira do hotel onde estava hospedado e agora seus guardas estavam atrás dele. Com certeza, o príncipe desse lugar deve ser uma criança ainda e bem levada. Senti um aperto no coração só de lembrar que meu irmão me espera para sua festa de aniversário, que estava próxima, e eu talvez não consiga sair daqui.

Comecei a chorar, porque estava com medo e perdida. E para que ninguém ficasse me encarando, pois já faziam isso por causa da roupa que eu estava usando, fui para um beco qualquer e praticamente comecei a correr, ficando mais perdida do que já estava. Eu realmente sou uma idiota. Não deveria estar me desesperando tanto. Parei apenas quando fui puxada pelo punho por uma mão grande e quente.

あなたは大丈夫ですか?(Anata wa daijōbudesuka?) [Você está bem?] — disse a voz masculina que me puxou para um abraço.

Ele estava me abraçando. Um desconhecido estava me abraçando. Não sei se eu corro ou se eu grito, infelizmente, permaneci calada por causa de sua voz que de alguma forma, estranhamente, me dava conforto. Era calma e rouca, bem monótona. Parei de chorar no mesmo instante quando levantei a cabeça para olhá-lo. E lá estavam os dois olhos diferentes — heterocromáticos —, um dourado outro verde, cabelos brancos com as pontas pretas, um sorriso doce nos lábios e a pele branca na sua yukata azul turquesa com detalhes roxos.

あなたの なまえわ なん いいます ? (Anata no namae wa nan to iimasu ka?) [Como você se chama?] — falou outra vez de forma polida.

Seja ele quem fosse, falava o meu idioma e de forma formal.

千葉 です. (Watashi Chiba Ai desu) [Eu me chamo Ai Chiba] — disse, pude sentir minhas bochechas arderem, eu deveria estar muito vermelha agora, afinal, nós continuávamos abraçados.

はじめまして (Hajimemashite) [Prazer em conhecê-la]. — disse sorrindo, então, me soltou lentamente após ouvir algumas vozes masculinas que diziam “por aqui” em tons altos e alertas. — Segure minha mão. — ele pegara na minha mão com força. — Me siga. — sussurrou e senti um arrepio percorrer minha espinha, mas acabei deixando ser levada por ele para sabe Kami-sama onde.

Não demorou muito para que chegássemos perto da entrada do que parecia ser de um restaurante vazio; escondemos-nos na moita que havia ali e ele pedia silêncio apesar de eu não dizer nada e achar estranho o fato dele tanto fitar dentro do restaurante vazio. Na verdade, eu não fazia ideia do por que me deixei levar por ele, mas de alguma forma eu sentia que poderia confiar nele.

Fiquei incomodada, minha aflição foi-se e a curiosidade bateu em meu peito, queria saber tudo sobre ele e o porquê de estar olhando aquele lugar vazio, se bem que por onde nós passamos a maioria dos lugares estavam vazios, me pergunto se é por causa do festival, é bem provável que sim.

— Hei. — chamei baixinho e pousando minha mão direita que estava livre em seu ombro (já que a outra se encontrava entrelaçada na mão direita dele), ele me olhou. — O que está olhando? — falei já me referindo ao restaurante vazio e escuro.

— Não consegue vê-los? — ele perguntou calmo me olhando.

— Eles quem? — fiquei mais curiosa.

— Os deuses e deusas, youkais e fadas. — ele disse como se aquilo fosse à coisa mais natural de se ver.

— Essas coisas não existem. — falei simplesmente incrédula.

Eu queria acreditar, porém, era impossível. Tenho certeza que estou sonhando e mesmo com os vários beliscões não pude acordar.

— Mulher de pouca fé. — ele riu. — Gostaria de vê-los? — perguntou virando-se para mim, ambos levantamo-nos e ele pousou a mão esquerda na minha bochecha direita.

— Sim. — disse.

E ele me beijou. Fiquei surpresa, contudo, aos poucos fechei os olhos; cedendo. Foi apenas um roçar de lábios a princípio, mas depois aos poucos ele foi pedindo passagem da língua e acabei cedendo com há minha pouca experiência em beijos. Em todos os meus dezoito anos de vida, tive apenas um único namorado e mesmo assim não fora um relacionamento de verdade. Simplesmente deixei que ele me conduzisse na dança em que nossas línguas faziam e coloquei minha mão livre em sua nuca. Meu corpo inteiro tremeu, achei que iria desabar ali mesmo em seus braços e paramos apenas quando o ar foi necessário, mesmo um fio de saliva nos ligava; ele limpou e ficou ao meu lado, deixando-me ver o restaurante que antes estava vazio, agora completamente cheio, igual para os outros lugares, antes também escuros e vazios, agora iluminados e cheios de seres que antes permaneciam em lendas e contos de fadas.

— O quê? — soltei.

Vi uma fumaça cinza e minha visão começara a ficar embaçada, então, só pude ver o breu e sentir os braços quentes dele me segurando.

~*~

Abri meus olhos devagar para que pudessem se acostumar com a claridade do local. Reparei com os dedos a textura sob que eu estava; era uma cama confortável com uma colcha sedosa e gostosa. Virei devagar minha cabeça para o lado e vi um rapaz de yukata laranja com detalhes em dourado anotando alguma coisa em sua prancheta, tinha belos cabelos e olhos dourados.

— Ah, vejo que despertou Chiba–dono. — ele me falou olhando-me ao lado da cama redonda e também dizia meu idioma de forma polida. Espera, ele usou “dono”? — Sinto muitíssimo pelo que teve que passar e também peço que perdoe meu Oujisama. — falou curvando-se levemente.

Oujisama?! — questionei franzindo a testa e me sentando devagar.

Observei o recinto, era um quarto enorme com duas janelas, uma atrás de mim e outra do meu lado direito, mas apenas a do meu lado direito tinha uma varanda; as cortinas roxas combinavam com a cama que era cheia de almofadas de formatos diferentes e alguns travesseiros. O tapete onde a cama redonda estava em cima era roxo também, e decorada com dourado no desenho de dragão e nas franjas. Então, fitei a porta gigante branca e de mão dupla, nela estava encostado um rapaz igualmente bonito ao de cabelo dourado, que não estava mais curvado e sim me olhando, e tinha cabelos vermelhos fogo e olhos cinza. Este estava com cara de poucos amigos me encarando de braços cruzados, usando sua yukata preta com detalhes em vermelho. Ainda olhei a outra parede e tinha uma cômoda de madeira escura com um espelho redondo, e o banquinho com estofado roxo; também tinha um trocador.

— Sei que deve estar confusa e perdida. — o rapaz de cabelos dourados quebrou o silêncio e chamou minha atenção, acabei olhando-o aflita. — Nós também estamos tentando entender à situação.

— Que situação? — será que ele estava se referindo a mim? Minha cabeça dói.

— Esta em que a senhorita se encontra. — ele falava com uma expressão séria e isso me deixava mais nervosa ainda.

Então, é verdade...

— Eu não estou sonhando, estou?

— Isto não é um sonho, Chiba-dono.

Eu sabia...

— Onde eu estou?

— Num pequeno país chamado Sweet, cuja capital é Sweet Amoris. A senhorita está mais precisamente na pequena cidadela chamada Villa Du Kiss, ou popularmente conhecida como Vila dos Beijos Encantados, porque é necessário que alguém lhe beije aqui para que possa ver os outros habitantes, os não humanos, como eu e ele. — disse apontando para si e para o de yukata preta.

Eles não são humanos?

— Chiba–dono, seja bem vinda ao Hotel Ragnarok e espero que sua estadia não seja longa. — disse me olhando de forma enjoada, como se quisesse que eu fosse embora imediatamente.

O que houve com o aparente gentil rapaz de alguns minutos atrás? Será que ele é algum tipo de yandere? Meus pensamentos foram interrompidos com a entrada dele, que abriu a porta de mão dupla bruscamente fazendo o rapaz de cabelos vermelhos dar de cara com a porta, ficando a trás da mesma com uma expressão irritadíssima.

— Ai–chan, você finalmente acordou. — ele falou andando rapidamente em minha direção e me abraçando. Ai-chan...?

— Quem é você? — perguntei irritada e me soltando dele.

— Oe, como ousa usar este tom com o nosso Oujisama?! — soltou de repente o ruivo, me assustei com o seu tom de voz e seu olhar assassino, quando foi que ele chegara tão perto? Ele parecia proteger o albino.

Oujisama...?

— Não me diga... Não pode ser...

— Sim, Chiba–dono, é exatamente o que você está pensando. — disse o de cabelos dourados. — Este é o príncipe do país.

— Lysandre Sinclair Ainsworth III. Prazer em conhecê-la, Ai–chan. — ele disse sorrindo e abraçando o de cabelos vermelhos por trás, já que este parecia pronto para levar um tiro pelo seu príncipe. — Esse tsundere é Castiel–kun e o outro é Nathaniel–sensei. Eles também estão felizes em conhecê-la. — falou de forma animadora, apesar de os dois não parecerem tão contentes, na verdade, parecia que queriam me matar, especialmente o loiro... Nathaniel–san.

— É um prazer conhecê-los também. — falei hesitante e tentando sorrir, assim como eles (Castiel–san e Nathaniel–san) tentavam.

— Agora seremos todos amigos, certo? — o Oujisama parecia bastante contente e animado com a ideia, eu não estou entendendo mais nada.

Oujisama, creio que esteja cansado por ter carregado sua convidada especial até aqui, então, sugiro que vá para os seus aposentos, amanhã conversaremos sobre sua punição por ter fugido. — disse Nathaniel–san pousando a mão no ombro do Oujisama e este o olhou tristonho, porém, o acompanhou para fora.

— Bom descanso, Ai-chan. — ele me disse antes de ser puxado pela mão por Nathaniel-san, eu apenas assenti.

Acabou ficando eu e Castiel–san. Ele me encarou e resolveu quebrar o silêncio.

— Só irei dizer uma única vez, fique longe do Lysandre. — me ameaçou.

Nenhum honorífico? Interessante. Creio que perto dele, eles devem chamá-lo de Oujisama por respeito, mas longe devem chamá-lo de qualquer coisa.

— Caso faça-o sofrer qualquer coisa, eu irei matá-la e depois devorá-la. — ele sorriu de forma sádica, isto realmente me assustou e me encolhi um pouco na cama. Somente assenti com a cabeça e logo Nathaniel–san entrara no quarto novamente com uma careta séria, e me olhou.

— Estou crente de que já fora ameaçada. — ele apenas olhou Castiel–san de soslaio. — Mas devo avisá-la que não pode ficar aqui de graça e muito menos pode sair daqui.

— Como? — questionei-o, enquanto ele se aproximava de mim com sua prancheta nas mãos.

— Eu lhe explicarei tudo nos mínimos detalhes, Chiba–dono. — ele sorriu sarcasticamente. — A partir de agora a senhorita será funcionária do Hotel até que achemos um jeito de fazê-la voltar ao seu mundo. Também não poderá sair pela cidade sem minha autorização e supervisão de Castiel. Não poderá ver o Lysandre-sama e nem dizer que o vira a ninguém, senão será decapitada e a cozinharei para o Castiel, acredito que ele goste de virgens, não é mesmo? — ele sorriu para Castiel–san, que apenas estalou a língua em um “Tch”. Novamente fui ameaçada. — E outra coisa que lhe peço é que jamais aceite os planos do Lysandre–sama. Ele tem um desejo incontrolável de fugir dos seus compromissos e preciso colocá-lo na linha, se você for um estorvo, eu mesmo a matarei com as minhas próprias mãos e acredite não tenho as mesmas preliminares que Castiel. — ele me encarou seriamente. — Fui claro?

Resumindo: ele é pior que o ruivo, eu suponho. Novamente ameaçada.

— Sim, senhor. — falei rapidamente.

— Ótimo. Tenha doces sonhos, Chiba–dono. Amanhã Castiel lhe mostrará o Hotel. — falou saindo e me deixando novamente com o ruivo, que parecia bem irritado.

— Maldita raposa! — esbravejou para o loiro e me lançou um último olhar ameaçador antes de seguir o mesmo caminho que o outro.

Eu não sabia ao certo o que fazer ou o que sentir. Pelas ameaças pude sentir que eles não são do tipo que apenas ladrem estes com certeza mordem. Isso não é nada bom, já que aparentemente estou presa em outro mundo e vou precisar da ajuda deles. O que eu faço? Bom... Só me resta obedecer... Acabei adormecendo e tendo um pesadelo.

Oujisama... Certo?