Os seus, os meus e os nossos [HIATUS]

Can't stop this thing we've started


— Anda, me responda, Rachel!

A menina de quatorze anos nunca desejou tanto que um buraco a engolisse naquele exato momento. Shelby a encarava com uma sobrancelha erguida, o que era motivo suficiente para qualquer ser humano prudente sentir um arrepio na espinha, Santana a olhava desafiando a abrir a boca, Will estava confuso e intrigado, Sam e Brittany estavam pálidos, Quinn observava seus dois irmãos também com uma sobrancelha erguida e Blaine estava alheio à tudo brincando em seu videogame.

— E-eu.... hum... – Rachel gaguejou.

— Pelo que vejo seu remetente é Santana. – a mãe então ergueu os olhos para sua filha sentada do outro lado da mesa – Algo a dizer?

Santana arregalou os olhos e negou com a cabeça lentamente.

— Pois bem, alguém precisa começar a falar. – Will interveio, olhando agora entre as duas meninas.

— Sim, porque eu estou extremamente curiosa pra saber o que Rachel fez para Santana enviar esta mensagem. – Shelby soava ameaçadoramente calma.

Todos sabiam que isso era o pior.

— Fomosaumafestaontem! Pronto falei!

Três pares de olhares em choque caíram sobre Rachel. A menina se encolheu e desejou que aqueles olhares fossem laser, pelo menos ela escaparia daquela situação virando pó sobre a cadeira.

Will fechou os olhos lentamente e levou uma mão ao rosto. Quinn tinha o queixo caído, ela se lembrava bem de suas próprias escapadas no ensino médio, mas em toda sua adolescência ela fora prudente o bastante para manter a boca fechada. Shelby abriu um sorriso mínimo sem mostrar os dentes e apertou os olhos quase fechados.

— Pois bem. – ela assentiu e se voltou para seu prato.

Era isso? Sem gritos? Sem bronca? Sem vergonha no meio do restaurante? Os quatro causadores de problemas se encararam, surpresos.

— V-vocês não va-vão fazer na-nada? – Rachel sussurrou. Ela só poderia estar querendo sentenciar a própria morte, os outros pensaram.

Então veio o que toda criança e adolescente mais temia ouvir dos pais:

— Em casa a gente conversa.

E assim eles sabiam que aquele era o último dia de suas vidas.

...

— Uma FESTA?! No meio da noite?! O que no mundo vocês estavam pensando? – Will gritou para os quatro delinquentes sentados no sofá.

— Vocês erraram feio, crianças. – Shelby desaprovou, sentada na poltrona com os braços cruzados.

Will balançou a cabeça e andou de um lado a outro com as mãos no quadril, os quatro pares de olhos em frente a ele o seguiam como se estivessem assistindo a um jogo de pingue-pongue.

— É completamente inaceitável! Nós criamos vocês melhor do que isso, e vocês sabem que não toleramos mentiras nesta casa!

Rachel abriu a boca para falar e recebeu um olhar cortante de seu pai.

— Eu ainda não acabei! – ele gritou e Rachel se encolheu, assim como Brittany – Mentiram pra nós, foram a uma festa que sabem que não aprovamos, com bebidas alcoólicas e sabe lá Deus o que mais! Que eu saiba nenhum dos quatro tem 21 anos e, portanto, não está permitido ingerir álcool!

— Mas nem sabem se bebemos-

— Rachel Barbra!

— Desculpe.

— Beberam?

— Não. – Veio as quatro respostas, rápido demais.

— Crianças? – Shelby pressionou.

Santana rolou os olhos quando Rachel assentiu, seguida de Brittany e depois Sam. Ela sempre fora a mais forte deles mesmo.

— O tanto de coisa que podia ter dado errado. – Shelby acrescentou – Vocês sabem que a gente não permite por uma razão. E pior ainda quando mentem pra nós!

— Vocês deixariam a gente ir se soubessem? – Rachel se atreveu mais uma vez.

O que no INFERNO há de errado com essa menina? Veio na mente de Santana.

— Rachel, pelo amor de Deus! Cala a boca! – Sam brigou com a menina.

— Claro que não! – Shelby elevou a voz outra vez – Você não ouviu quando eu disse que a gente não aprova por uma razão?

— Sim, senhora.

— Sua mãe e eu estamos completamente decepcionados. – Will apontou um dedo na direção dos quatro.

Rachel dessa vez teve a decência de abaixar a cabeça, assim como Brittany. Sam e Santana, pelo contrário, sentados nas diferentes extremidades do sofá, olhavam em direções opostas, a raiva ainda borbulhando dentro de si.

— Tá, e qual é o castigo? – Santana disse entediada com aquele papo. Ela queria sair logo dali e se enfurnar no quarto, bem longe de sua irmã mais nova.

— Santana Maria Berry, mais respeito! Você já está metida em problemas demais. – Shelby ralhou com a filha.

— Vai ser 2 semanas de castigo por terem ido à festa, e acrescentem mais 2 pelo consumo de álcool. Sem qualquer tipo de eletrônico, sem sair com os amigos, da escola direto para casa e ir dormir 1 hora mais cedo. – Will sentenciou.

— Um mês?! – Santana questionou chocada.

— Mas- - Sam ia protestar quando Shelby o interrompeu com um dedo erguido.

— E no final da primeira semana do castigo quero que os quatro entreguem para nós por escrito os perigos de consumir bebida alcoólica na idade de vocês.

— Como vamos fazer isso sem o computador? – Rachel questionou, triste e já aceitando seu castigo.

— Todos vocês foram agraciados com 1 par de mãos cada, usem-no. – Shelby sorriu com deboche e viu os ombros de sua filha caírem.

— Estão dispensados. – Will declarou e olhou o relógio em seu pulso - Se preparem para dormir, o horário a partir de hoje e nas próximas semanas, para vocês, é às nove da noite.

— Nove?! Mas nem o Blaine dorme essa hora! – Santana reclamou. Shelby deu um olhar ameaçador à filha.

— Nove é muito ruim? Então será às oito, resolvido!

Os outros três lançaram farpas à Santana, que bufou e levantou para subir as escadas com raiva.

Quando restou apenas os dois na sala de estar, Shelby e Will se encararam e deixaram seus corpos cansados caírem no sofá, suspirando profundamente. Aquele seria o mais longo mês de suas vidas.

— Será que fomos muito duros? – Shelby perguntou ao marido já no refúgio do quarto deles, horas mais tarde naquela noite. – Um mês?

Os dois arrumavam a cama para dormirem. Um de cada lado, eles puxavam a colcha e ajeitavam os travesseiros.

— Eles precisam aprender, Shel, não podem ser tão irresponsáveis. Além de terem que cuidar do próprio bem estar, eles têm um irmão de dez anos que olha para eles como um espelho.

— É... Acho que tem razão. – Shelby assentiu e se deitou ao lado do marido.

— Eu não me arrependo do castigo, vai ser bom para que eles aprendam a lição. Além do mais, com eles em casa mais tempo você pode usufruir ao dobro da ajuda doméstica. Terá agora quatro pares de mãos em tempo semi integral.

— Isso pode ser bom

— Vai ser ótimo. – Will reafirmou – Agora o que me pegou de guarda baixa foi terem arrastado Rachel para isso. Ela é só uma garotinha!

— Parece que a “garotinha” não é tão inocente na história. Eu conheço Rachel muito bem, tenho certeza que ela foi por conta própria.

— Shel, ela só tem quatorze anos.

— E está no ensino médio, tem novas amizades. Isso acontece, nosso dever aqui é orientá-la junto com os irmãos. Tem que aceitar que ela cresceu, Will.

Will suspirou, ele não sabia se seu coração podia aguentar mais uma para por na linha, justo Rachel que sempre fora tão comportada.

— Mas ela não é mole mesmo, né? Você viu os olhares e as perguntas?

Shelby riu e concordou.

— Ela não tem filtro algum. Eu vi Santana pular em cima dela naquele sofá.

— Vai ser um mês e tanto. – ele apertou um braço em volta da esposa que se acomodou em seu ombro.

— Mal posso esperar. – Shelby retornou com sarcasmo.

...

Santana abriu seu armário e praticamente jogou sua mochila dentro, com raiva. Ainda era segunda-feira e seu humor estava péssimo. O castigo mal havia começado e ela não aguentava mais ficar sem celular, e ainda por cima ter que escrever aquela droga de texto sobre álcool. Sua mãe tinha uma criatividade insuportável para castigos, sim, aquilo só podia ter sido ideia dela. Seu cabelo não havia colaborado naquela manhã, o café da manhã não caíra bem em seu estômago e ainda por cima estava chovendo, o que causou o cancelamento do treino das Cheerios naquele dia.

Pra piorar sua situação, seu professor de álgebra havia aplicado um teste surpresa, o que triplicou o mau humor da garota. Ela só esperava que aquele fosse o auge de coisas ruins em um só dia.

Assim que pegou o material da aula seguinte e fechou o armário, o rosto de Finn surgiu ao seu lado, sustentando um sorriso irritante.

Ela estava errada, o teste não fora o auge das coisas ruins em um só dia.

— O que quer, Cara de Feto?

— Eita, alguém acordou do lado errado da cama hoje. – Finn ergueu as sobrancelhas.

— Vê se me erra! – ela deu as costas e já ia caminhar para longe.

— Ei, calma. – Finn segurou a mão dela e se aproximou – Só queria saber se está tudo bem. Você não falou mais comigo depois de sexta.

Santana rolou os olhos sem paciência.

— É que desde de sábado minha vida virou um inferno.

— O que aconteceu?

— Em quantas línguas você entende “não é da sua conta”?

— Tá bom, tá bom, não está mais aqui quem falou. – ele ergueu as mãos em defesa – Vamos esquecer isso e começar de novo.

Santana suspirou dessa vez e encarou o garoto alto a sua frente.

— Olha, Finn, você é um cara legal e eu me diverti com você.

— Ih lá vem. Já sei que tem um “mas”.

— Pois é, como eu disse foi só uma diversão. Foi legal, você não tem um beijo tão ruim assim, eu só não tô no clima mais, ok?

— Tá, então. – Finn coçou a nuca um pouco desapontado.

— É só o meu jeito, eu não sou de relacionamento sério.

— Tudo bem. Hmm... Nos vemos por aí então.

— Até. - Santana acenou e então foi para sua aula.

Durante o almoço, Rachel se sentou com Tina e Mercedes no auditório, longe do barulho do refeitório cheio naquela hora.

— Meninas, Artie Abrams me mandou mensagem ontem... Ele disse que quer sair comigo. – Tina disse, empolgada.

— Uau, sorte sua. – Mercedes acenou – Vai nessa, garota!

— Argh! Como vocês conseguiram manter seus celulares depois de sexta?

— Fácil, a gente não disse aos nossos pais. – Mercedes deu de ombros.

— Quanto tempo até recuperar sua liberdade? – Tina perguntou antes de morder seu sanduíche.

— Um mês. – Rachel suspirou.

— Uau, seus pais são mesmo linha dura.

— Eu tenho que aprender a ficar com a boca fechada. Mas a pressão foi tanta!

— Eu que o diga. – Tina concordou, rolando os olhos.

— Um dia você chega lá. – Mercedes deu um tapinha no ombro da amiga.

Rachel assentiu resignada e então se lembrou do assunto que ela queria comentar.

— Gente, mudando de assunto do meu atual calvário, eu to meio que desesperada. Como vocês sabem, eu meio que tenho um crush no Finn Hudson, mas eu não sei mais onde enfiar a cara depois do que aconteceu sexta.

— E você acha mesmo que tinha alguma chance? Acorda, garota, ele é um deles. – disse Mercedes.

— Um deles quem?

— Um valentão, um idiota. Como você preferir chamar.

— Mas ele nunca fez nada comigo. Ele me olha esquisito nos corredores, mas nada além disso. – Rachel explicou.

— Ainda. – Tina declarou – Ele e aquele time idiota vivem para infernizar o clube do coral.

— Sam está no time também, se ele nos fizer algo, conto para o meu pai.

— Fácil falar. Sam é carne nova, ele não vai fazer muita coisa. Já Finn? Azimio? Dave? Aqueles lá são um bando de brutamontes! – Tina disse e Mercedes concordou com a asiática.

Rachel suspirou com tristeza, mas logo seu rosto se iluminou novamente e um sorriso surgiu em seus lábios.

— Tive uma ideia!

— Diga.

— E se trouxermos o Finn para o clube do coral? Começando por ele, de repente o resto do time possa se familiarizar conosco e parem de nos atazanar. Sam gosta de cantar, podemos começar por ele também.

Tina e Mercedes encaravam Rachel como se houvesse crescido duas cabeças na menina.

— Sem chances!

— Hm Hm! – Tina negou com a cabeça.

— Na na ni na não!

— Por que? Não saberemos sem tentar. – Rachel tentou apaziguar as amigas.

— Rachel, nós estamos na base da cadeia alimentar do ensino médio. Nunca que o time de futebol vai querer entrar para o clube do coral. – Mercedes tentou fazer a menina enxergar.

— A gente pode chamar as Cheerios também. Minha irmã Santana e Brittany estão lá e podem ajudar. Estamos precisando de novos integrantes.

— Sue Sylvester nunca permitiria isso. – disse Tina.

— Ela não pode interferir nas escolhas de grade curricular dos alunos.

— Mas ela o faria, e acabaria mal para Santana e Brittany.

— É o que veremos.

Mercedes e Tina encararam Rachel com suas sobrancelhas erguidas, enquanto a menina mais baixa tinha um sorriso desafiador no rosto.

...

Shelby estava em seu estúdio de confecção montado no porão da casa. Ela amava o que fazia, roupas e acessórios, e esperava um dia fornecer para grandes marcas. Seus inúmeros tecidos estavam espalhados para todos os lados, uma fita métrica estava em seu pescoço, seus óculos de grau estavam apoiados na ponta de seu nariz e um lápis estava preso entre seus lábios, quando ela ouviu um barulho nas escadas.

— Shelby?

A voz de Quinn a fez levantar os olhos de seu trabalho e ela acenou para a menina descer. Quinn tentou com muito cuidado não pisar em nada e sentou em um banco perto da mesa que Shelby ocupava.

— Oi, querida. – a mulher respondeu depois de desocupar a boca do lápis – Pensei que já tivesse ido para New Haven.

— Eu não tenho aula hoje então resolvi ir mais tarde. Estou atrapalhando?

— De forma alguma. Só cuidado pra não pisar em nada nem misturar.

Quinn olhou em volta e riu.

— Como consegue se achar aqui?

— É meu jeito, querida. Você sabe.

Quinn assentiu e Shelby voltou a se concentrar em seus panos, mas sabia que Quinn não estava ali a toa e olhou para a jovem por cima dos óculos.

— Quer alguma coisa?

— Hum? – a encarou distraída.

— Perguntei se você quer alguma coisa.

— Ah, não, não. Só estava entediada lá em cima, você sabe, nada na TV, essas coisas.

— Sei...

Shelby a observou por alguns segundos enquanto Quinn olhava tudo em volta, as mãos sobre o colo, uma perna balançando levemente. Ela praticamente criara aquela menina e sabia quando algo estava incomodando.

— Despeja, Quinn.

— Oi?

— Eu sei que você não veio aqui só pra observar minha estranha maneira de me organizar. Anda, desembucha.

— Como você...?

— Eu te conheço desde os seus oito anos, Quinn, e você nunca foi muito sutil.

— Ok, eu... Tá, vou falar.

— E eu não estou sempre aqui para ouvir? – Shelby sorriu.

— Eu tenho me sentido estranha há algum tempo-

— Pelo amor de Deus não diga que está grávida! – Shelby arregalou os olhos com uma mão sobre o peito.

— O quê? Não! Deus, Shelby, claro que não! – Quinn assegurou.

— Graças a Deus. Eu não estou pronta pra isso ainda. Mas desculpe, prossiga.

— Eu tenho me sentido... Diferente. Pensado em algumas coisas, sei lá.

— Tem algum cara?

— Eu não sei.

— Então tem. – Shelby abriu um sorriso – Isso é ótimo, querida.

— Eu não sei, Shel. É só que... Eu não sei se eu to pronta, ou se é mesmo certo isso. Eu só to me sentindo estranha.

— Olha, ninguém além de você pode tomar essa decisão de estar pronta ou não, siga seu ritmo, apenas isso. Mas, por outro lado, se acha que não pode só por causa de alguma opinião alheia, esqueça isso. Você tem direito de se apaixonar e ninguém pode dizer o contrário.

— Se a-apaixonar? E-eu não disse isso... – Quinn gaguejou.

— Quinn, eu entendo...

— Não, eu não disse nada de se apaixonar. O-onde você tirou isso?

— Ok, ok, não está mais aqui quem falou. – Shelby ergueu as mãos – Ele é de Yale?

— Hmm é. – disse rapidamente.

— Entendo. Bem, pode ser difícil ignorar quando “o que você tá sentindo” estuda no mesmo local que você.

— Talvez... – Quinn desviou o olhar para o chão e chutou algo invisível no carpete.

— Querida, o que eu posso te dizer agora é que converse consigo mesma e veja o que quer de verdade, siga seus instintos, ninguém melhor do que você mesma para saber o que é melhor para si, não será eu, não será seu pai ou sua mãe, nem a Kendall. Mas não se martirize tanto por algo que nem aconteceu. Se dê a chance se for algo que seu coração deseja.

Quinn sorriu e assentiu. Ela amava conversar com Shelby, a mulher sempre soube o que dizer. Com Terri ela não tinha essa liberdade toda, Quinn amava sua mãe mas a mulher era ausente demais e pouco sabia da vida de seus filhos. Com Shelby ela sabia que podia contar.

— Obrigada, Shel. De verdade.

— De nada, querida. – Shelby sorriu e voltou para seus afazeres.

Quinn se levantou para subir as escadas e deixar Shelby trabalhar, e ela também precisava terminar de arrumar suas coisas para voltar para o dormitório.

— Ah, e Quinnie... – ela ouviu Shelby chamá-la quando já estava nas escadas e se virou – Eu estarei sempre aqui.

Quinn sorriu mais uma vez e assentiu antes de ir para o seu quarto.