Os olhos violetas

Capítulo 42 - Inútil


Dou um último gole no vinho e me levanto. O ancião havia dito em que quarto cada um estaria e que dessa vez não dividiríamos todos o mesmo quarto. Logan e Bernardo iriam dividir o quarto, eu e Sofia também e Justin ia dormir sozinho.

– Apesar de não querer dormir com ele. – Logan aponta com a cabeça para Bernardo. – Dormir com o ronco do Justin é pior.

Após todos concordarem e rirem as custas do garoto de gelo, Sofi diz que vai ficar mais um pouco por ali, com Justin. Concordo, não vejo motivo para ir por quarto. Logan sobe e vai direto para o dele. Bernardo apesar de não dever, pelo fato da ligação estar surmindo, da um beijo na minha cabeça e sobe atrás. Ainda um pouco atordoada subo lentamente as escadas.

Quando chego no corredor do segundo andar, vou para o lado oposto do quarto. Volto para onde deixei Harry dormindo. Abro a porta devagar, sem saber muito bem por que fui até ali. A luz está apagada e eu sigo até o banheiro, sempre tendo cuidado para não o acordar com o barulho. Acendo a luz do banheiro, pego a toalha de mão e molho um pouco com água gelada da pia.

Ando até Harry e me ajoelho ao seu lado. Toco gentilmente em sua testa e confirmo que está fervendo. Colo o pano molhado e me apoio um pouco na cama. Sinto quando ele suspira e resmunga algo. Levanto-me e puxo a cadeira, que há dentro do quarto, até a varanda.

Sento na cadeira e olho para o céu. Não sei quanto tempo passei ali sentada mas quando eu escutei uns gemidos e um gritos me levantei. Olho para dentro do quarto com calma e paro a meio metro da cama de Harry. Ele ainda está gritando e tentando se mexer. Quando tenta, geme de dor e repete o ciclo.

Ele está tendo um pesadelo.

– Eu já disse que não sei! – Gritou. – Não! Não! – Após seu grito desesperado suas mãos vão parar na barriga e ele geme de dor de novo.

Ele está sonhando com quando foi atacado.

Sem demorar mais tentando entender, vou até o banheiro e pego outra toalha molhada. Volto a cama de Harry e ele continua se contorcendo e gemendo. Tiro a toalha já quente de sua testa e troco pela aquela que estou segurando.

– Sssh... – Sussurro enquanto afago seu cabelo curto, mas não so suficiente para meus dedos não se enrolarem nos fios. – Está tudo bem, você não está mais lá. Está aqui. – Continuo repetindo, como se fosse um mantra, as vezes em voz alta e outras dentro de sua mente até a respiração se tranquilizar e aos poucos Harry abrir os olhos.

Reparando que estou muito perto, afasto meu rosto do seu, contudo Harry segura meu pulso para que eu não saia completamente de perto.

– Fica aqui. - Pede quase em um sussuro. Talvez não fosse bem um pedido, mas eu continuei ali até vê-lo fechando os olhos.

Quando enfim voltou a dormir, tirei minha mão de seu cabelo e me levantei. Fui até a varanda, busquei a cadeira e levei até o lado da cama. Sentei e continuei a mexer em seu cabelo até que dormi na cadeira, de novo.

A luz da manhã me cegou quando tentei abrir os olhos de imediato. Bocejando levanto e vou até perto do prato de comida frio. Nele havia um macarrão estantaneo com molho branco e alguns pedaços de presunto e queijo. Olhei com certo nojo por não gostar de molho branco e levei até perto do Harry que ainda dormia. Coloquei o prato em cima da cadeira e voltei até a mesa.

Tinha papéis e caneta então escrevi em um pedaço pequeno. Use seu dom antes de comer. Coloquei perto do prato e sentei na outra cama que tinha no quarto. O clima estava fresco mas não frio. Segurei uma dos vasos pequenos de planta e o coloquei na cama.

Deitei e fiquei tocando suas folhas. A energia da pequena planta seguia meu dedo. Ao tocar nas pétalas da flor percebi que meu anél retribuia a energia, como se houvesse uma troca de força que antes eu não percebia. Continuei brincando com a planta até que então dormi direito finalmente.

– Apenas mais um Romeu e mais uma Julieta. – Ele disse – Prefiro sua história da pequena sereia, mas porque você não fez ela se casar?

– Ela não estava pronta para se comprometer com algo tão grande. E tinha medo do pai matasse o príncipe, é simples – Dei de ombros – O que faremos quando virmos o Harry?

– Me chamaram? – Sua voz grossa era inconfundível. Este se sentou na cadeira de couro ao lado da minha. Senti o musculo do braço de Bernardo tensos.

– Ela estava apenas me dizendo que eu não te apresentei direito – Senti a raiva na voz dele. Ira. – E eu falei para ela que você não é boa companhia

– Será mesmo? - Harry pegou minha mão – Consigo ser exatamente o que uma garota vai querer. Principalmente essa linda Suzanna, certo? – Concordei com um aceno de cabeça. Senti Bernardo me puxando pelo ombro, e tirando minha mão da de Harry. – Relaxa Martes, eu sou como você esqueceu? Só que sou mais divertido, pode crer princesa.

Escutei Harry gemendo de dor de novo e abri os olhos. O sonho não tinha passado de um acontecimento real. Isso aconteceu quando Harry visitou a JEML, ele me dava muito mais medo danquela época. Segurei o vasinho de planta e o coloquei de novo na minha frente quando me virei para ver se o garoto estava bem. Harry estava encostado na parede e segurava um pouco tremulo o prato de comida.

– Que foi? – Murmurou quando percebeu que eu acordei. De uma maneira bem grosseira continuou a falar. – Afinal, porque você está aqui? Foi você quem colou aquela toalha na minha testa? – Resmungou apontando para a cadeira.

Concordei com um aceno de cabeça e voltei a brincar com a planta. – Você estava queimando de febre.

– Água gelada não tira a febre. – Resmungou Harry colocando o prato no colo e gemendo um pouco de dor. Isso é carma. – O que estou fazendo aqui afinal?

– Você estava morrendo no seu quarto. – Dou de ombros, fingindo que eu não estive aqui o tempo inteiro, cuidando dele. Preocupando-me. – Até onde você se lembra?

– Uma mulher de cabelos ruivos estava tocando em minha costela. A mão dela fazia com que eu sentisse tudo e nada ao mesmo tempo. – Ele toca em sua barriga e suspira. – Estava doendo muito e você estava lá.

– É, estava.

– Então acertei quando falei que você era inutil, já que precisou de ajuda. – Sorriu Harry com o canto da boca. O sorriso combinava com ele, arrogante.

Levanto da cama incomodada e vou até ele. Seus cabelos eram um tanto curtos e negros, estavam desgrenhados e mal lavados. Havia suor em seu rosto, e estava um pouco mais pálido do que quando o conheci no penhasco. O sorriso continua no seu rosto mas não mostro nada no meu. Pego seu prato e me encaminho até a porta.

– Onde você vai? – Harry murmura e depois tenta se levantar sem sucesso.

Olho para trás, por cima do ombro e digo.

– Diferente de você, não tenho que ficar no quarto. Nem de cama. Não preciso me recuperar de quase morte. Não tive ninguém invadindo minha casa para me matar. Não tive meus próprios amigos tentando me matar. Não quebrei minha costela e quase perfurei um orgão. Não tive nenhum surto de espasmos. Não precisei ouvir palavras tranquilizadoras em minha cabeça para me acalmar. Não fiquei gritando toda hora que dormia mais pesado. Não tive pesadelo. Não precisei de ninguém mexendo em minha cabeça para eu voltar a dormir. Não estou doente. – Abri a porta e voltei a encarar aqueles olhos. – Não precisei agradecer nada a ninguém.

– E também não sonhou com ninguém de calçinha e sutiã na sua frente saindo do banheiro... – Murmurou Harry passando a mão no cabelo e olhando para baixo.

Congelo por alguns minutos até entender o que ouvi e volto a fechar a porta atrás de mim. Continuo no quarto e vou até perto dele. Harry se assusta com minha repentina aproximidade. É a primeira vez que fico perto dele assim com ele cem por cento consciente.

Toco em sua testa e Harry tira minha mão antes de eu prosseguir com meu dom. Sinto uma leve irritação e volto a tocar em sua testa, e dessa vez ele não tira meus dedos. Volto a me concentrar – Você não vai se lembrar de...

– Vai de novo falar isso? Afinal por que está falando isso? – Resmungou Harry me olhando nos olhos. – E de quem é essa roupa?

Olho para baixo e precebo que ainda estou com a roupa do Pergaminho.

– Alguem sujou de sangue minha única muda de roupa por aqui. – Digo e respondo sua outra pergunta. – Não quero que você se lembre do que aconteceu. – Volto a me concentrar.

Dessa vez Harry tirou a minha mão de sua testa e voltou a se deitar. – Pode sair do quarto, como eu disse antes, não preciso de você. Você é inutil, Suzanna.

Trinco os dentes e me levanto. Antes de me virar percebo que seu sorriso arrogante voltou ao rosto. E mesmo depois de ouvir um gemido de dor continuo a andar.

– Então teremos um problema, por que enquanto você estiver nessa casa, eu terei que cuidar de você. Mesmo eu não gostando nada disso. – Resmungo e enfim saio do quarto.