Depois de ter colocado duas meias, que encontrei no armário, na boca de Harry, o garoto já sabia o que esperar por vir e não estava nada satisfeito. Ainda não podíamos tirá-lo do chão e leva-lo para casa de Zack, então tivemos que concerta-lo ali mesmo no chão do quarto.

Justin algemou no chão o garoto do clã dos olhos de fogo. O algemou com gelo. Duas rodelas de gelo grosso pressas ao ladrilho. Nos pés e nas pernas também havia gelo prendendo Harry ao chão.

– Você está bem? – Pergunto ao Harry e tento me conectar com ele novamente, mas não sei se vai funcionar até ouvi-lo bem alto.

Eu te odeio. – Gritou Harry em meus pensamentos.

Seus olhos negros pareciam buracos sem fundo. Eu sabia que Harry não estava mentindo, ele realmente estava irritado. Talvez até queira me matar.

Após lavar as mãos, Nature estava pronta para começar. A cada toque, ela tentava suavisar a dor, e quando tocou no osso, Harry quebrou uma das algemas de gelo e tentou se mexer. Segurei sua mão e apesar de achar que ele ia quebrar tudo em volta, Harry ficou imóvel.

Mordendo a meia com força e segurando minha mão com ainda mais força, o garoto tentava resistir. Eu segurava-o com uma mão e a outra alisava calmamente sua testa e seu rosto. Alternando entre fechar os olhos fortes e me encarar, o tempo foi passando. Nature disse que a costela não estava completamente fraturada e que então eu não precisava me preocupar tanto. Mesmo após ouvir isso, Harry não estava tranquilo, ele ainda estava com o corte da barriga aberto. Seu sangue ainda saía e seu corpo tremia de dor.

E então, após finalmente parar de tocar no osso, Nature usou seu dom para fechar completamente o corte. Ainda teria que usar tala e de tempos em tempos mudar as ataduras. Teria que tomar as ervas medicinais e ainda por cima, Harry precisava ser supervisionado. Contudo, a operação inadequada teve sucesso.

Até acontecer os espasmos.

Harry se contorcia e tremia loucamente. Houve um surto força e conseguiu soltar as pernas também. Ficou apenas preso pelo gelo na cintura e em uma das mãos. Rapidamente gritei para que os meninos o segurassem no chão. Gritei com Sofia para trazer mais pano com água gelada. Gritei com Logam para segurar Harry com mais força. Gritei com Justin para parar de ter medo e congelar de novo as travas de gelo. Gritei com Nature falando que ela tinha que dar um jeito. Gritei com Bernardo por que ele me dizia para ficar calma.

Segurei mais forte a mão de Harry, tanto para ele não escapar, como também para ele se acalmar.

– Por favor, fique quieto. – Eu finalmente abaixei a voz, pelo menos com ele. – Não se mexa, se não pode ser pior. – Contudo, Harry não me ouvia. A dor é maior que minha voz. – Escute, você tem que parar! – Gritei e ainda assim, o garoto não me ouvia.

Gritei com Nature de novo, para que o ajudasse. Gritei com todos de novo. E encarei o garoto dos olhos de fogo. Me escute! Harry me olhou e eu não tinha certeza se havia funcionado por que ele voltou a tentar se soltar logo em seguinda.

Escute o que estou falando, Harry! Ao ouvir seu nome, parou imediatamente e me deu atenção. Harry. Repeti. Harry. Disse de novo depois de um tempo. Harry, preciso que se acalme. Não é necessário um surto de espasmos. Agora você está bem. Tente ficar mais tranquilo. O garoto parou de apertar tanto minha mão e de morder tão forte a meia. Harry, escute minha voz, ok?

Após um longo silêncio entre todos em volta eu me concentrei em ficar conectada com os pensamentos do garoto. Harry. Eu vou continuar aqui segurando sua mão, está bem? Não se preocupe.

Dói. Foi o que ele me respondeu.

Eu sei que dói, não duvido disso. Vou te contar uma coisa sobre o que aconteceu comigo. E não me importo de você não dar a mínima. Eu já senti dor parecida. Meu amigo fez um favor para mim e teve que ficar o tempo inteiro me vendo sofrer, até que o feitiço estivesse terminado. Até eu que estivesse livre. Até que eu estivesse bem de novo. A dor foi horrível. A pior até hoje, mas eu estou aqui. Estou viva. Então viva, Harry. Essa dor não foi nada comparada a outras que você possa vir a sentir. Harry?

Silêncio.

Harry? Perguntei de novo.

– Harry? – Falei em voz alta. Seus olhos fechados estavam tranquilos, mas eu não sabia dizer se era uma boa coisa. – Harry?! – Gritei e nada.

Olhei para Nature, para Log, Sofia, Bernardo e Justin e todos estavam quietos. A morena de olhos verdes ficou em pé e se alongou. Os outros levantaram devagar sem dar um suspiro sequer.

– Vamos colocá-lo no carro logo, antes que ele acorde. – Disse Nature passando pela porta e me fazendo correr atrás dela.

– Espera! Mas ele está bem? O Harry está vivo? O que você fez?

– O tranquilizei para você. – Murmurou a mulher. – É só colocá-lo no carro. Na casa de Zackary nós daremos a ele cuidados medicinais e outros. Suzanna? – Chamou Nature ainda de costas. – Parabéns, conseguiu salvar o inimigo. Seu assassino ficará bem.

Vi Logan levando Harry para o carro. Na realidade, quem o levava eram os ladrilhos e a terra por debaixo. Resolveram que era melhor usar o chão como maca para transportar Harry.

– E quando penso que você havia feito muita confusão Logan me liga e quase me obriga a voltar para casa. Quando chego sou supreendido por Logan e um garoto estranho chegando aqui trazendo armas do clã dos olhos de fogo e agora isso? – Resmunga o ancião antes mesmo de tirar os olhos dos livros em suas mãos.

Zackary era um adulto, não um senhor idoso... um velhinho como eu sempre acusei. Para um cara de sua idade Zack era até bonito. Talvez para minha tia. Estava vestido com uma blusa polo branca e calsa jeans e usava um óculos enquanto lia. Após terminar seja lá o que estava fazendo, o homem se levanta da poltrona com tom de vermelho escuro e finalmente encara meus olhos.

– Você tem muita cara de pau de me fazer voltar para casa para cuidar de um assassino. – Reclamou, com um tom frio e grosseiro. Mantendo a postura olhou para Harry desacordado no ladrilho, sendo levado escadas acima. – Você terá que cuidar dele, se quiser que ele fique aqui, pois isso... – Ele aponta para cima, se referindo ao garoto. – não é da minha conta.

– Não posso ficar aqui cuidando dele! – Falo sem acreditar que Zack não ajudaria alguém que precisasse. – E minha mãe? Tenho que encontrar a menininha!

Com uma cara de quem não entendeu, Zack dá de ombro e repete: - Não é da minha conta.

Apartir do momento que entrar no tunel, seus dons não irão funcionar.

Acabo lembrando do que o Ancião do céu me disse e, para mim não faz sentido. Não sabia que existiria algum lugar em que nossos dons não funcionassem. O homem da livraria também havia dito que as armas dos olhos de fogo funcionariam.

– Existe algum lugar em que o dom dos Olhos não funcione?