Os olhos violetas

Capítulo 3 - A revelação


Olhei para cima e observei a noite estrelada e chuvosa, como a da última noite na minha própria casa. Por causa de um susto, me levantei e me obriguei a acordar. Eu estava em plena época antiga. Sei disso, pois era assim que imaginei enquanto desenhava. O clima era mais sereno e até frio, por aqui. Onde eu me encontrava, e com tão pouca iluminação, só dava para ver árvores e o céu. Passeei por entre elas, contornei-as e tentei procurar uma trilha, sentindo os respectivos cheiros de cada árvore. Consegui ver a vida dessas plantas. Era uma mistura de verde e amarelo. Quase magnético.

Ao longe eu consigo ver uma jovem um pouco morena, eu acho, usando um vestido escuro, visivelmente sem armação e molhado pela chuva. Dava para perceber que ela procurava algo. Porém, nessa escuridão, nada mais dava para ver. Tudo que eu havia descoberto só de olha-la foi o que a pouca luz me permitiu. Não tinha uma visão perfeita, mas foi o suficiente para acha-la linda.

— Garota! - Eu gritei o mais alto que eu consegui. Pouco depois, ela olhou em minha direção e voltou a procurar em volta. Corri até ela. - Pode-me dizer onde estou? - Disse sem folego, sendo atrapalhada pela chuva, a qual caía forte com pancadas.

Ela não olhou em minha direção de novo, estava olhando para frente. A vista era linda, mesmo a noite. Pelos muros e escrombos, percebi que havia um reino por perto. Morrendo de vontade de entrar, olhei para a garota. Mais alta do que eu, bem bonita, como tinha imaginado. Mas estava tão... Calma, para tudo. REINO? Isso não fazia sentido. Pelo tempo em que andei atrás dela percebi mais uma coisa: a jovem foi repetindo um nome enquanto caminhava. Mike.

Abri meus olhos, piscando devagar e hesitante. Tia Rosa estava batendo na porta e me chamando para o café da manhã e para conhecer a nova inquilina. Como sempre, o susto de um barulho me fez levantar da cama.

Mike.

Esse era o nome que se repetia em minha mente. Parecia um disco arranhado, incontrolável, contudo ritmado. Foram incontáveis quantas vezes ouvi seu nome, apenas pensando. Olhei a lista longa dos nomes que Logan escreveu. Nada de Mike. Nenhum tipo de Mike. Não tinha Michelangelo, como um personagem de tartarugas ninjas. Nem Michelle, uma garota com quem estudei quando pequena. Nem qualquer outro nome que reduzido seria esse. Certo foi apenas um sonho. Um sonho bem vívido, mas se a garota não me viu, não tinha como eu estar lá. Não tem motivo para eu me perturbar por causa de um nome.

Arrumei-me, mais rápido, ao perceber que já havia dormido muito. Coloquei uma calça justa vermelha e uma camiseta colorida, e desci. Tentei não parecer muito com uma banda colorida, Restart, porém a me ver no espelho do corredor percebi que era a primeira coisa que passou na minha cabeça.

Depois das apresentações a nova hospedeira da casa já sabia o meu nome e algumas informações da minha vida. Portanto, não vi nenhum problema ao olha-la e avaliar quem moraria nessa casa.

Sofia era magra, não o suficiente para ser anoréxica, nem para ser visivel se faz bulemia. Ela era só um pouco mais baixa que eu e realmente não aparentava ter quatro anos a menos que nós. O que mais me surpreendeu foi o seu cabelo: era loiro e tinha as pontas pintadas de azul. Em alguns lugares é até comum, porém nunca vi nada parecido.

Normalmente pintam o cabelo de loiro, não de uma cor escura. Não sabia se era assim mesmo que eram seus fios, ou se nem loira ela era, porém adorei seu estilo. Afinal, ela não usa roupas desleixadas como Logan. Seus olhos eram vermelhos, quando olhei pela primeira vez, iria supor ser da cor de uma maçã. Foi ai que Sofia me olhou como se avaliasse a mim, e aquela doce cor ficou tão vermelha, que a Iris parecia sangue fresco.

Mais uma com olhos diferentes por aqui. Isso está começando a ficar estranho.

— Você não vai deixa-la ir com os olhos assim para a escola vai? – Murmurei, olhando para tia Rosa. Sofia estava, agora, sentada graciosamente em cima do sofá. Parecia inerte em seus próprios pensamentos para pensar no que eu estava falando. – Se até com os meus. – Que não são tão assustadores, quis acrescentar. - Você questionou ficar a mostra...

— Não. - Rosa disse. - Como falei para você fazer, ela usará lente de contato. Azul, como as suas, e até irá combinar com o cabelo. – Como se sorrir fosse a coisa mais importante do mundo, minha tia abriu um sorriso imenso para a nova garota.

No primeiro dia em que mostrei para minha turma os meus olhos lilás, eles não paravam de me irritar por causa da cor e eu acabei dizendo que na verdade eram lentes. Que eu estava tentando ver se combinava comigo, as quais muitos disseram que combinam. Agora usando essas lentes azuis eles pararam de me aborrecer, menos Kevin, que provavelmente sabe que estas são falsas. Azul pode não ser uma cor comum, já que menos de 25% da população os tem na Iris, contudo tia Rosa falou que era a melhor escolha.

— Certo. - Eu disse e me encaminhei para o carro.

Minutos depois, Sofia já estava sentada comigo no banco de trás da Picape de Logan. Contei para ela como era essa escola, para qual iriamos, e que teríamos que mentir sua idade, já que seria tão estranho se uma menina de treze anos estivesse no nosso ano. Sofia quase gritou que me adorou e eu achei sincera, quando falou isso. Pessoas assim como ela, não dão em árvores. Tive sorte ao pensar que mesmo existindo tão poucas pessoas assim, Sofia é minha nova companheira na vida. Passou-se pouco tempo até chegarmos à escola.

Nós duas combinamos uma coisa, somos primas, mesmo que distantes, e que nada mais de nenhum passado iria ser dito, assim como a tia Rosa disse para ser. Apesar de eu não entender qual o problema que Rosários tinha com isso. E, como sempre, minha mãe frequentemente me lembrava sobre não a desobedecer.

Os primeiros tempos de aula foram os mais cansativos do que todos de hoje: História Geral. Quem me dera ser boa em história, pois, mesmo gostando tanto, parece que alguma coisa não se encaixa! O professor dividiu a turma em dez grupos. Em uma turma de apenas sessenta, dividir em grupos de dez, não são muitas pessoas.

Estamos estudando sobre Shakespeare, e temos que fazer uma peça, com apenas seis pessoas. Bem a princípio, achei que apenas eu pensava nisso como um tremendo exagero. Principalmente por que valia muito ponto em História saber interpretar! Depois que um garoto pensou o mesmo que eu, disse ao professor que era quase impossível fazer uma peça com apenas seis pessoas em tão pouco tempo.

O professor, pelo menos, deixou que nós mesmos decidíssemos quais seriam os nossos grupos. Por sermos novatas, eu e Sofia preferíamos ficar juntas. Mas Grace convenceu ao professor que era um erro, já que precisávamos fazer novos amigos. E por obra do Diabo, o professor gostou da ideia, e nos dividiu. Como odeio essa garota ridícula!

— É Shakespeare. – Murmurou Sofia, como se eu não houvesse ouvido quando o professor repetiu umas vinte vezes sobre isso. Estávamos no refeitório. E no meu prato havia apenas uma maçã. – Por que em uma aula de História estaríamos aprendendo Literatura?

— Notei e também não entendi isso. – Eu disse, rabiscando no meu caderno.

— Você sabe tudo sobre ele, vai ser fácil para você. – Ela disse. – Já eu... Não sei nem o que Shakespeare era. Mas bastará apenas eu ler que... – Sofia parou de falar de repente, como se estivesse falando algo errado.

— Escritor. – Eu resumi, mesmo sabendo dos seus variados dons. – Sua anta, ele escreveu a peça famosíssima “Romeu e Julieta”, entre outros romances.

— Eu estava brincando. – Ela disse, sem muita convicção.

— OK, Sofi. Eu sei quem é Shakespeare, você sabe o resto inteiro sobre história, grande coisa. - Vi a Isa e a Cam vindo em nossa direção. – Oi, meninas. – Eu acenei para elas se sentarem conosco.

O dia havia passado rápido demais, logo era noite e estávamos, eu e Sofi, em meu quarto conversando sobre a roupa do dia seguinte. Fazia tempo em que eu não era tão feminina e me importava com a opinião dos outros. Apesar de gostar das variadas roupas que tinha no armário, eu quase nunca chegava a perguntar se outra pessoa havia gostado. É normal minha opinião bastar, mas ela parecia gostar de fazer coisas de menininhas.

— Acho que não devemos ir ambas de azul. – Afirmei, após notar que as roupas da cama estavam combinando.

— Mas fica tão bonitinho. - Ela fez beiço, tentando me convencer. Porém, eu sei que ficaria tão estranho, principalmente, por que não somos como as lideres de torcidas. Nem como Camilla e Isabella que ficam de rosa quase todos os dias.

— Eu já havia me esquecido que você tem apenas treze anos. Mas é o seguinte: Não é legal usarmos roupas iguais. Que tal, vamos com nossas cores de verdade. - Eu me aproximei do armário - Eu de lilás, você de vermelho. Odeio termos que usar essas lentes de contato. Além de incomodar meus olhos, acredito que elas andam afetando a minha visão.

— Para mim está bom, mas ainda prefiro a minha ideia. - Sussurrou Sofia, muito baixinho.

Ouvimos a batida na porta e em um piscar de olhos Logan apareceu com o mesmo sorriso da primeira noite. Galanteador e até um pouco sexy.

— Oi, Inquilinas. - Ele disse abrindo ainda mais a porta, mas não entrou no quarto. - A Sra. Rosa quer falar com todos nós na biblioteca. – Quase abri a boca para comentar, mas ele foi mais rápido. – Não, Suzanna. Não sou um pombo correio para passar suas mensagens.

Concordamos e descemos todos para a biblioteca, seguindo Logan. Apesar de já ter um tempo em que vivo aqui, já me perdi pelos corredores e estou cansada o suficiente para saber que a qualquer momento se eu soltar a blusa do Logan, não irei os encontrar hoje.

Sentada em uma cadeira, apoiada na longa mesa de madeira e marfim, a tia Rosa estava lendo um livro, meio gordo demais, quando chegamos. E junto dela havia mais alguns com diversas capas diferentes e chamativas.

— Crianças. - Ela pronunciou cautelosamente. - Chamei-lhes hoje, pois temos que conversar sobre um assunto muito sério. E talvez alguns de vocês se surpreendam com que falaremos.

— Ai vem bomba. - Disse Sofi rindo baixinho.

— Quero que pensem bem sobre o que eu vou perguntar antes que respondam. - Ela olhou para Sofi, depois para mim e por último para Logan. - O que todos vocês tem em comum? - Nos olhamos e ficamos um tempo sem dizer absolutamente nada.

Na minha mente o que tínhamos haver um com o outro era o que tia Rosa nos proporcionava. Casa, comida, escola. E também o fato que já que estávamos ali, quem deveria nos querer perto, não nos quer ou não nos pode ter.

— Me deixa melhorar a pergunta, o que nós quatro, temos em comum?

— Acho que... Muitas coisas! – Sorri minha amiga. – Porém, creio que a resposta que você que é: Temos olhos diferentes. - Comentou Sofi, se ajeitando na cadeira e com isso o momento de silêncio foi cortado, e o falatório começou.

— Exemplar como sempre Sofia. - A tia Rosários parecia contente com o sucesso da nova inquilina. – Contudo, pode tentar se explicar melhor?

— É! – Concordo. – Como o que temos de semelhante é que temos olhos diferentes? Isso não seria um paradoxo?

— Não, é apenas um fato. Tenho olhos vermelhos, Sra. Rosários tem olhos transparentes, você, Suzanna olhos violetas e Logan olhos dourados - Sofia disse sem nem parar para refletir, como o sugerido nesse momento. - Nossos olhos são diferentes dos normais: castanhos, pretos e azuis. Na realidade, não vejo explicação cientifica para as nossas cores, já que se há uma dominância completa, como há nos olhos não tem como ter mais variante. Só pode ser AA ou aa ou Aa. Para vocês leigos... – Sofia indicou quem estava na sala. – Isso quer dizer que só existe de fato, cienficiamente, as cores Normais, pelo menos nas íris. Pois se o alelo...

Não entendi a principio, mesmo quando a menina explicou de um jeito que só vi professores fazendo. Todos nós estávamos com os olhos azuis. Percebi então que todos eram idênticos, como se fossem feito de encomenda para esconder o óbvio. Sim, meus olhos eram violetas. Já havia visto os olhos da Sofia, quando se mudou. E até vi o da tia Rosa, no meu primeiro dia aqui. Porém, nunca ia adivinhar que Logan tem olhos dourados.

Olhei para ele, que continuava a olhar para a tia Rosa, intrigado. Algo me dizia que apenas eu, estava realmente chocada com o assunto. Realmente apavorada com tudo aquilo.

— Como você notou a cor dos meus olhos? - Ele perguntou sem alterar a voz, com certa indiferença, e a menina repondeu apenas balançando os ombros. E cortando o assunto Logan proceguiu: - Certo, onde quer chegar com isso, Sra. Rosa?

— Vocês são especiais. - Ela soltou a tão esperada bomba, que já estava ficando óbvia até demais. Afinal, eu percebi isso. - Nós todos nessa sala somos especiais.

Quando ouvi sua voz dizendo “especiais”, lembrei-me que era apenas isso que eu queria ser no começo da adolescência, uma garota especial. Uma jovem que se envolvesse com aventuras e com o desconhecido. Que minha vida não fosse tão chata e monótona. Desejei que saísse logo da rotina, com minha mãe. Para mim aquilo era um sonho utópico. E então vim para essa casa, e agora meu mundo está de ponta cabeça.

— Disso eu já notei. - Afirmei com a cabeça.

— Somos diferentes, mas bem parecidos, certo? - Disse Sofi de novo, de uma forma um pouco mais infantil. – Pois, há poucos como nós.

— A Senhora Rosa está querendo nos dizer que temos características diferentes dos nossos colegas de escola. - Agora foi a vez de Logan se pronunciar, como se estivessem explicando para uma analfabeta. Ele está querendo explicar para qual de nós?

— Exato. - Tia Rosa disse animada, por todos mostrarem interesse pelos Olhos. - Diga para Su como você sabe disso, Logan.

— Há vezes que vejo o que está pra acontecer – Soltou a frase no ar, como se isso a respondesse, sem tirar os olhos da tia Rosa nem por um segundo. - Mas isso acontece de repente. Sinceramente, não sei controlar... As previsões acontecem desde quando eu era mais novo.

— E porque você disse que somos parecidos? - Perguntei a Sofia ao meu lado. - Eu não sou vidente como a sua avó. - Olhei para minha tia. - Nem "vejo o que está para acontecer" como o profeta ali - Apontei com a cabeça para Logan.

— Não, realmente não faz essas coisas. - Disse Sofi, e olhou para mim incrédula, pela primeira vez. Como se o mistério da vez fosse a Suzanna Hestings. - Eu não sei o que você faz. Não consigo entender como, mas você parece meio camuflada. Não vejo o seu dom. Não o entendo.

— Isso é porque eu não sei fazer nada assim, e acho que tudo o que estão falando é besteira. Uma babozeira total. Já tenho dezesseis anos e sei ver quando uma história é uma piada e quando é sério. – Levantei-me e encaminhei-me para a porta, para finalmente sair daquele mundo de fantasias o qual eu não estava nem ai, e não queria me envolver.

— Porque você acha que poderia saber? - Perguntou minha tia para Sofia, provavelmente já sabendo a resposta.

— Porque sei tudo. - Senti seus olhos em mim. - Ou quase. Sei muitas coisas, sem precisar ler ou ouvir algo. Mas é claro que se eu ouvir, e principalmente ler, eu não vou esquecer. Nunca. O que você sabe fazer? - Perguntou para Sra. Rosa.

Parei antes de tocar na maçaneta, petrificada, e tentei ouvir o que tia Rosa falava para eles. Admito que minha curiosidade antigamente era mais controlada.

— Não posso dar todas as respostas agora mas...

— “Mas” não. - Eu a interrompi e olhei para Logan - Você está aqui há quanto tempo?

— Faz um bom tempo. - Ele finalmente olhou para mim, mesmo dando uma resposta tão ampla.

— Já sabia dessa loucura toda? - Perguntei cruzando os braços. Lembrando-me de algo que eu havia lido, num papel rasurado. – Já sabia que morava com isso? – Apontei para minha tia com um pouco de raiva. Espera, aquela lista. Os outros nomes são pessoas iguais a nós? Ou algo assim?

— Algo assim. - Logan disse. Encaramo-nos por um longo tempo. - Não sei quem são. Nem porque escrevi os nomes. Apenas os escrevi. Isso as vezes acontece. E respondendo a sua pergunta, não. Para mim eu era sim diferente, mas achei que era apenas eu. Nunca contei para ninguém o que faço. – Mas eu não tinha chegado a perguntar sobre a lista.

— Certo. - Olhei para minha tia, realmente tentando aceitar a situação, ou pelo menos fingir o suficiente. - O que eu faço de especial?

— Eu não sei. - Deu de ombros, ao responder. - Eles dois sempre usaram seus dons a favor deles. Sempre utilizaram, mesmo quando não notavam, e até não sabiam que tinham esses artifícios. É algo que sei que eles sempre buscaram uma explicação. - Ela se levantou e veio em minha direção. - Não sei o seu dom por que você não me deixa ver. Aí dentro. - Ela tocou na minha cabeça. - Assim como seu pai, você tem uns olhos mais que exóticos, e ainda mais que únicos. Eles são algo que não vejo faz muitos anos, e você despertou em mim a curiosidade que eu achei que já havia sumido. Se você quer tanto saber, eu irei descobrir.

Com aquela última frase eu já sabia que nada que ela disse fazia um verdadeiro sentido, mas não notei nenhuma mentira em suas palavras. Até afirmaria que sei quando mentem, porém não sei de fato. Apenas tenho sensações e as uso como se fosse a verdade mais pura.

— Então, como descubro? - Perguntei e Rosa sorriu para mim.

— A principio não sei. - Sorriu agora sem graça. - Mas quero descobrir. - Olhou para Sofi e Logan. - E ajudar a vocês a se sentirem bem com esses dons e controla-los, é o que está em meus planos.

Após essa última frase, seguimos um ao lado do outro à caminho dos nossos quartos. Nenhum de nós disse mais nenhuma palavra. Cada um provavelmente pensando nos seus dons, e eu pensando em minha mãe. Em que lugar me colocou? Será que ela sabia que tia Rosa era esquisita até esse ponto? Se eu continuar assim, terei que ir para um hospício logo.

E como toda noite, fechei os olhos. E senti aquele mesmo cheiro de outra noite. As árvores.

Abri rapidamente os meus olhos.

Não.

De novo não, repeti essas palavras em minha cabeça.

Agora eu estava do lado da garota de antes, que procurava por Mike, na chuva. Ela bateu numa enorme porta e um homem idoso, vestido formalmente de roupas pretas abriu. Apresentou-se como Sheng. Ela pediu para falar com o Senhor dele, e ao dizer isso notei que o homem só poderia ser um serviçal da época. Provavelmente, de um senhor bem rico. O mordomo deixou a porta aberta, e subiu rapidamente atrás do desejo da moça.

Passei pela porta e segui Sheng. Senti como se eu estivesse andado milhas e milhas até enfim alcançar o meu objetivo final.

— Tenho certeza, Sheng, não há mulher alguma nesse palácio, ou nesse reino, que eu não conheça. - Ouvi uma voz grossa e rouca, segui até me deparar com um jovem alto e bem bonito sentado em uma poltrona. Seu cabelo estava desarrumado, como se estivesse acabado de sair de um ringue de luta.

— Eu sei disso, meu senhor, mas esta é diferente.

— Diferente como Sheng? Todas as mulheres aqui são diferentes. – Percebi que a ronquidão em sua voz na verdade era um pouco de sotaque.

— Nathan. - A voz de Sheng era mais próxima de autoridade do que a do jovem, não como um pai, mas como um adulto disposto a dar bronca. - Eu sei do que estou falando. A jovem não é daqui, tenho certeza! - O mordomo serviu ao seu senhor uma xícara de chá, antes de prosseguir com seus argumentos. - Ela não é como as centenas de mulheres que você aprecia em seu quarto, ela é diferente. E também, veio na chuva e é possível que fique enferma.

— Traga-a aqui. - Disse o Jovem rico.

— Sim, Majestade. - O grisalho mordomo deu a volta nos calcanhares. Pensei que ele bateria em mim, porém Sheng passou por dentro de mim e parou, como se sentisse algo errado.

ELE PASSOU POR MIM! É claro que deveria sentir algo errado. Eu repeti isso em minha mente, enquanto o seguia. A garota estava molhada pela chuva, mas sem ser por isso ela estava linda, como eu havia suposto e afirmado na outra vez que havia a visto. Seus cabelos molhados a fazia parecer ainda mais jovem.

— Senhorita? - Sheng chegou por atrás da moça, a qual contemplava uma das enormes pinturas, bem coloridas e detalhadas que estava no Hall principal.

— Sim, Sheng? - E quando ela sorriu fez o mordomo sorrir também. E o homem era tão sério que eu cheguei a ficar surpresa. - Poderei me acomodar neste reino?

O idoso não respondeu, talvez não fosse para ignora-la, mas a levou para o cômodo em que seu senhor a esperava, sem dar um suspiro. O castelo por dentro era tão luxuoso que eu mesma já sabia o que a garota pensava que tipo seria seu “senhor”.

Parei a alguns metros da moça seus olhos me refletiram, como se eu realmente estivesse lá. E até como se a jovem estivesse me vendo. Mas o que captou minha atenção é que seus olhos não era como o da “majestade real”, nem como o dos mordomo. Seus olhos eram parecidos com um tipo que eu já havia visto antes.

Eles eram brancos.

As minhas pálpebras se mexeram devagar, até se adequarem com a luz do ambiente.

Certo. Preciso falar com a tia Rosa, urgentemente.

Desci com passos desesperados até a minha tia. Passei pela cozinha onde os outros dois moradores estavam comendo e parei quando cheguei à sala.

— Você já viu um príncipe? - Quase gritei a última palavra.

Tia Rosa sorriu e eu ouvi uns passos vindo pelo corredor.

— Acho melhor conversarmos quando você chegar. - Ela riu - Nos vemos depois do treino de Logan.

Olhei para trás de mim e o vi sorrindo para mim. Sabendo ou não, o que ia acontecer eu o puxei com força. Arrastei-o até Sofi e falei apreçada sobre irmos logo para a escola. Sofia riu e foi para o carro. Logan foi atrás.

Conversei loucamente com Sofia sobre o sonho. Disse desde o primeiro sonho que sonhei com a "Olhos brancos". Em um momento o motorista parou e olhou para nós e disse para eu parar de pensar em dizer muitas coisas que está começando a doer a cabeça dele. Ri e Sofi me acompanhou.

As aulas pareciam não ter fim. Chamei a minha idiota águia e ela chegou minutos depois no corredor e eu a mostrei para a Sofia e o Logan. Os dois disseram que já haviam a visto antes, comigo. Prendi meu cabelo em com rabo de cavalo e Logan chegou muito perto e disse para eu me virar.

Levantou meu cabelo e depois soltou. Quando me virei, os dois me encaravam.

— Você é ligada a ela - Ele apontou para a águia que agora estava em cima do armário.

— Preciso contar algo. - Eu disse. - Ninguém consegue vê-la. Pelo menos ninguém daqui do colégio.

— Mas o Bernardo vê. - Disse Logan. Olhamos para ele que continuou a falar. - Eu o ouvi dizer para o técnico que um corvo o atacou depois dele ver uma garota exemplar.

— Ele não disse exemplar - Sofi falou. – Nem deve saber o que é ser exemplar.

— OK, ele disse gostosa. – Meu amigo sorriu. - Prefere qual das duas?

— Exemplar. - Eu e Sofia afirmamos.

— Mas como ele a vê? - Pergunta Logan.

— Ele meio que foi realmente atacado por ela. - Falei baixo me encaminhando para o almoço com eles. - Eu acho que a fiz rasgar o braço dele. - Dei de ombros.

A conversa se limitou a isso. Sentamos juntos com os lutadores em uma mesa do refeitório. Eles não paravam de falar em arrebentar, quebrar, destroçar os garotos do grupo do Bernardo.

Depois de meu último tempo, Logan veio buscar a mim e a Sofia na aula de Física. Encaramo-nos por um breve momento depois nos juntamos e fomos para o ginásio.

Tanto o meu quanto o coração de Sofia se apertava, sempre que Logan entrava no ringe. Mas em nenhum momento do treino ele levou um soco ou um ataque digno de nos preocuparmos. Até chegar a vez dele com Bernardo.

Depois de um soco na cara, Bernardo estava cheio de raiva. Dava para perceber que o Logan, o Ser Intocável, estava preste a mudar.

— Venha, Remendo. - Eu disse num tom de voz que apenas Sofia ouviu e me olhou. Em segundos ela estava em meu ombro e eu não sabia exatamente o que fazer.

— Sobrevoe o ringue e tire a atenção de Bernardo da luta. - Disse Sofia fazendo carinho na águia. Remendo olhou para mim e eu confirmei com a cabeça.

A águia sobrevoou por alguns momentos. Faça ele te olhar, dei uma ordem. Ela deu um grito, fazendo Bernardo levantar os olhos e fixar seus olhos nela. Seu rosto ficou livre da raiva, e em seu lugar estava o terror. Nada muito visível, apenas algo como “de novo não”.

Com isso Logan deu uma chave de braço em Bernardo, alguns socos e finalmente o garoto desistiu e pediu para sair. Assim que ele saiu do ringe, pedi para Remendo sair pela janela e me encontrar assim que eu a chamar de novo.

Logan chegou perto de nós e perguntou por que o garoto fugiu. Por algum motivo ele deduziu que a culpa era nossa e Sofia acabou contando tudo. Apesar de chateado no começo por termos feito isso e por não acreditar que ele era melhor que o adversário, Logan ficou impressionado.

Chegamos à casa, todos animados para falar com a tia Rosa. Sofia abriu a porta da sala e Ima estava lá sentada no sofá.

— Cadê a Sra. Rosa? - Perguntou Logan.

— Não está aqui. - Disse Sofi baixo apenas para que eu e o lutador escutássemos.

— Isso. - Disse Ima. - Rosa saiu, e voltara daqui a dois dias em média, pediu apenas para que eu viesse aqui avisa-los. - Ela sorriu. - E ela pediu para que vocês adolescentes não pensem em dar uma festa em sua ausência.

Ima se levantou, passou por nós e senti um vento frio. Um calafrio percorreu meu corpo e o pensamento que aquilo tudo era uma furada apareceu em minha mente.

— Poxa, que coincidência, todos vocês terem olhos azuis da cor dos da Rosa. - Ela sorriu.

Seguimo-la até a porta principal da casa e fechamos a porta. Em 10 trincos diferentes. Olhamos um para o outro e fomos todos para o quarto de Logan. O quarto era revestido com o cheiro de canela e margarida, mas era azul e bem masculino em tudo. Sentei na cama com Sofi, Logan na nossa frente, em pé.

— Depois de ontem, tive a necessidade de pesquisar o máximo que pude. Mas, não havia nada sobre isso na internet. - Ele disse pegando alguns livros. - Então peguei, em nossa biblioteca, esses livros. Era obvio que a Sra. Rosa teria esse conteúdo por perto.

— Principalmente se ela for uma de nós. - Disse Sofi pegando um todos livros. - Preciso que não se impressionem com o que vão ver. - Ela sorriu.

Em um piscar de olhos todos os livros que ela segurava estavam abertos na cama. Primeiro um, depois os oito livros passaram as paginas. Quando havíamos pensado que era apenas isso, todos os livros começaram a ficar vermelhos e até levitaram. Passaram, desde a primeira página, a última. Rapidamente.

Ouvimos uma batida na porta principal.

— Robert Kojoma. - Disse o "profeta" após sairmos do transe.

— Quem é esse? – Perguntei e por ter silêncio como resposta, fui andando para chegar até a porta de 10 fechaduras. - Esquece, vamos descobrir. - Sai do quarto de Logan apressadamente e desci as escadas até cair perto da porta principal.

Levantei apresada, esperei ouvir alguns passos antes de abrir. Ouvi meus amigos descendo as escadas. Combinamos que não diríamos nossos nomes reais, não sabíamos quem estaria realmente atrás da porta. O apelido de Logan seria Lutador, obviamente. O de Sofia, depois de um tempo em debate, seria Arqueira, pois era o esporte em que ela praticava antes de vir para está casa. O meu seria Moderadora.

Abri a porta.

Havia duas pessoas ali. Um menino e homem, já adulto.

Olhei para o homem. E meus amigos seguiram meu olhar.

— Quem é você? - Perguntou o homem. - Cadê a Rosários?

— Saiu, o que quer com ela? - Lutador ficou ao meu lado, na frente do homem. - Quem é você?

— Sou apenas o acompanhante desse pivete que ela adotou, ou sei lá o que ela fez pra que eu o trouxesse aqui.

— Seu nome é Robert? – Perguntou Arqueira. Descendo até a altura dele. Ele assentiu. E olhou para mim.

— Quem é a mais rápida? - Perguntou-me. Sorrindo.

— Depende, para que? - Sorriu o Lutador para o baixinho.

— Depois conversamos, né? - Eu disse olhando para as crianças que me rodeavam. - Só vinha traze-lo aqui? - O homem afirmou com a cabeça. - Então já pode se retirar.

O homem olhou por uns minutos, viu o garotinho entrando conversando com Sofia.

— Quem é você? - Ele me perguntou.

— Sou quem está comandando esse lugar hoje. Pode ir.

— Mas qual o seu nome? - Ele insistiu. - Não posso deixar o garoto com vocês sem ao menos saber quem você é.

— Você não se importa. - Eu disse e sorri - Mas eu sou a Moderadora.

Dentro dessa casa, eu me senti mais segura. Minha mãe não me liga à quatro dias. Porém, não vou me preocupar com isso agora.

— Me diga, Rob - Eu me sentei na frente dele no sofá. - Qual é a cor dos seus olhos? Eu sei que não são esses. - Apontei para os olhos pretos que ele me mostrava.

Robert fechou os olhos por uns segundos, depois abriu.

Lilás.

Fechou e abriu de novo.

Dourado.

Pressionou os olhos por mais um segundo.

Vermelho.

— Estou falando da cor dos seus olhos, não quais são todas as cores que existem. - Eu sorri com delicadeza e ele fechou os olhos. Abriu. E sorriu.

Laranja.

— Uou. - Disse Logan, e pegou o garoto no ar, ao seu lado. - Ele não parece eu quando era pequeno? – Mesmo sabendo que nunca havíamos nos visto quando ele era pequeno, nós concordamos. Apesar do menor ter cabelos ruivos e olhos laranjas e o maior te cabelos castanhos e olhos dourados.

Em um segundo Rob desapareceu. E reapareceu ao meu lado. Com os braços cruzados olhando para o Lutador.

— Não gosto que me levantem! - Ele fez bico. - Onde é meu quarto? Quero desfazer minha mala.

— Segundo andar na esquerda, é a sexta porta. - Disse Sofi, que me olhou dando de ombros.

— Nossa, foi por isso que ele nos perguntou quem era mais rápido, ele deve gostar muito de correr. - Eu disse assim que ele saiu de visão. - Se Robert consegue fazer mais de uma coisa, se tem mais de um dom, também temos?

— Sim. - Murmurou Sofia, pensativa. - Eu não apenas leio os livros daquele jeito. - Apontou para cima, aonde era o quarto de Logan. - Também sei fazer isso. - Ela apontou para o vaso de planta, e fez com que á água que estava nele sumisse. Depois falou para eu abrir a mão. Não sei como, mas a água estava em minhas mãos.