Em alguns dias dói. A tristeza puxa os cabelos, arranha a cara, machuca lá dentro. E a gente não tem mais nada pra fazer a não ser falar “está tudo bem”. Porque vai passar, e passa. Só que antes dessa tristeza sair, ela maltrata. E, entenda, a pior dor é aquela que ninguém vê. Só ela, a tristeza.

E é o que estou sentindo pela minha mãe. Sei que estar aqui no acampamento tem tudo para ser a melhor opção. Mas eu me vejo parada. Como se eu não pudesse fazer nada para ajuda-la. O pessoal daqui estam falando para eu treinar, e eu estou fazendo meu máximo.

“Não estou nem ai para relacionamentos”, eu disse tanto ao Bernardo quanto ao Mike. “O que me importa agora é salvar minha mãe. E é o que eu vou fazer”. Bernardo me mostrou a cicatriz da nossa marca. Ainda era visivel. Seu laço virando outro desenho. Assim como o meu. Virando o mesmo simbolo, e eu me perguntava se o feitiço de Mike realmente funcionou. “Mike se preocupa comigo o suficiente para fazer com que meu laço fosse mais forte”, penso.

“Você é forte” Eu disse a minha mãe no dia em que meu pai saiu de casa sem me explicar. A nove anos atrás. Ela negou involuntariamente e sorriu “Porque acha isso, meu amor?” Me perguntou e eu sorri satisfeita com a pergunta. “Você está triste, mas está sorrindo.”. Ela tentou corresponder as minhas espectativas mas no momento falhou o sorriso “Eu estar sorrindo é uma mágica sua”. Rachel tocou meu nariz e beijou minha testa.

“Você fala como se soubesse tudo o que eu quero. Você acha que sabe, não acha? Só que, no momento, aposto que nem se deu conta, tudo que eu quero é você viva”. A voz da minha mãe não saia dos meus pensamentos. Eu me lembrava que havia sido um sonho, mas parecia que eu realmente estava lá com ela.

No entanto, parecia que ela me via, que sabia de nós. Parecia que sabia que eu quero ir atrás dela. Rachel sabia me convencer. Aparentemente, para mante-la viva, eu tinha que estar viva. Mas, de repente, me dei conta, no meio daquela pequena cena de loucura, que ter alguém que nos entenda, que nos deseje bem, saudavel, que nos veja como uma versão melhorada de nós mesmos é o presente mais incrível que poderíamos querer. Mesmo que não estejamos juntas, saber que, para minha mãe, eu sou esta pessoa, um resto de esperança... Era uma fonte de vida para mim. Morrer não era uma opção para mim, nem para Rachel.

Caí para trás. Tentando olhar para o que me atingiu, mas meus olhos doíam muito.

Eu estava em plena caça a bandeira, que no caso do meu time a bandeira era a Sofi e eu tinha que a proteger. Senti minha cabeça latejar, principalmente o meu olho direito. Tentei ver com o outro olho, vi um nublado bem reconhecivel.

Já é a quinta vez nessa semana que essa garota me acerta na cara, e o hoje ainda é terça. A raiva não conseguiu se acalmar.

– Sofia, congela essa garota, se não, eu vou congela-la, e eu não saberei descongelar. – Gritei e vi lampejos de medo nos olhos das duas.

Coloquei Sofi em um ponto estratégico. No meio do lago que tem no acampamento. Com a ajuda dela, fico sobre a água, e para me acertar teria que vir longe. Mas, Valentina não precisava de tanto. Esta mandou um dos seus fantasmas me acertar com um pedaço longo de madeira.

O qual já estava muito longe, pois joguei-o com raiva na direção contraria a margem.

A água circulava Vale e aos poucos foi congelando seu corpo. Ela gritava em desespero, mas com meu comando Sofia não parou, até a meio-loira tingida estivesse até o pescoço congelado.

– Ela pode morrer coberta de gelo assim? – Perguntei a garotinha atrás de mim.

– Sim, pode. – Sofia tentava não demostrar o pânico que eu trazia a ela.

– Ótimo – Eu olhei na direção da namorada do Logan e sorri. Ela estava com medo, e seus fantasmas tentavam quebrar o gelo, sem muito efeito. Me virei para minha amiga, Sofia não olhava para cena. – Não precisa ter medo disso, Sofi, logo a gente solta ela.

– Certo... – Ela ainda não me olhava.

– E a gente vai se olhar e rir de todo esse dramalhão, vou te chamar de boba, você vai me chamar de besta e amanhã de manhã um outro sol, não mais tão quente e nem tão brilhoso quanto antes, vai nos mostrar outra “guerrinha”. Em que vamos ganhar. E as pessoas vão perguntar se eu voltei ao normal. E você vai dizer que nunca deixei der ser. – Sorri tentando ser convincente. Mas ela me tocou.

– Você não está normal – Sofi sabia. Eu só me dedicava, e não ligava para a quase morte dos adolescentes por que eu queria me manter forte. – Você pode ser melhor que isso. Sem deixar as pessoas naquele estado – Ela aponto para Valentina, que estava azul de frio.

– Pode solta-la... – Eu disse no mesmo instante que outra voz gritou.

Olhamos ao mesmo tempo para Logan parado ao lado da namorada congelada. Me deu vontade de sorrir, me senti má por isso. Posso não gostar dela, mas não tenho nada contra o par de olhos dourados ao lado de Valentina. Estes mesmos olhos me olhavam com repulsa. Ele não é mais o mesmo.

– Sofi, não é necessário a matar, por um jogo. – Ele disse sério.

– Você que disse para eu me dedicar mais ao meu treinamento – Eu gritei para Log me ouvir. Logan estava se esforçando para quebrar o gelo. – E não é contra as regras “quase” matar alguém, certo? Não tem regras. – Sorri.

– Mesmo assim, pare de ser tão fria, Suzanna. – Odiava quando ele me chamava pelo meu nome. Parecia que me culpava de algo. Foi ela quem me machucou primeiro!

– Pode derreter o gelo – Falei baixo para minha irmãzinha – Mas deixe os pés dos dois congelados e presos ao chão.

No mesmo instante que eu disse a frase ela os prendeu.

Sorri vitoriosa.

– Sabe que você só vence se pegar a bandeira, e não apenas proteger a sua. Certo? – Logan gritou do outro lado. – O que houve com você? Você era uma doce, mimada e quase uma lider de torcida!

– Odeio lideres de torcidas! – Gritei de volta

– Não importa. Você ligava mais para coisas futeis, era engraçado. Agora só quer ganhar. Não consegue ver o que está fazendo com as pessoas a sua volta? – Logan perguntou baixo, mas ouvi atentamente. – Eles não são mais seus amigos. Eles te temem. Por que você tem muito poder, e não sabe usa-los. É hipócrita, uma criança ainda, com fome de poder.

– Eu só quero soltar minha mãe – Gritei de volta – Isso são apenas desafios, que pretendo passar. E não fui eu que mudei.- Seus braços cruzados ficaram tensos. – Se sou uma criança, não teria a mentalidade que tenho aqui hoje. – Apontei em volta e sussurei a Sofia uma frase nossa, em hebraico. “נסו להימלט, תפס אותי.” Ela significa, “tente fugir, eu fui pega”

– Você não passou – Gritou Logan e vi a água do lago me engolir. Fui puxada pela areia. Eu já tinha noção que isso iria acontecer. Não fui pega, amore. Pensei. A voz de Logan veio na minha cabeça enquanto eu meditava. – Quanto tempo você acha que ela aguenta lá em baixo, Marvin?

Marvin era o garoto alto e forte da cabana de Log. Seus olhos eram verdes, seus cabelos eram curtos e claros. O dom que eu conhecia dele era a cura com ervas e o presentimento, assim como outros que tinham a mesma cor de olhos. Tentei olhar para cima e notei que eu estava bem no fundo do lago. Bem no fundo mesmo. Sendo assim só consegui identificar seus músculos muito nublados.

Mais um pouco e minha cabeça explodiria com a pressão. O lado bom era que Safira, a garota do meu time estava em baixo d’água o tempo todo. Com uma bolha de ar fazendo-a sobreviver. E ela usou seu dom comigo. O dom do ar. Seu cachos dourados em baixo d`água estavam castanhos e seus olhos meigos estavam pegando fogo. Valentina não é a única a levar a sério esses exercícios.

– Sua amiga parece não estar respirando – A voz de Marvin era grossa. Mesmo não conseguindo ver muito bem, sabia que ele tocava a água. – Não, a respiração está fraca, e diminuindo a velocidade. Se não a tirar daí...

– Ei, idiotas – A voz estridente de Valentina zumbiu na minha cabeça – Cade a pirralha? – Nossa, demoraram para notar que a Sofia já tinha fugido. Senti a areia na minha cintura se soltar aos poucos.

Ainda bem que Logan está me soltando, eu não aguento mais, estou a quase cinco, ou seis minutos com essa bolha de ar em volta da minha cabeça. Olhei para a Safira, que estava escondida dentro de um buraco e disse obrigada com a mão, usando a linguagem dos surdos-mudos. Outra técnica que aprendemos no acampamento.

A areia já estava completamente macia nas minhas mãos. Faltava bem pouco para eu subir. Olhei para o lado da jovem, Sofi estava ali com ela, em segurança. “Me faz subir, como se eu tivesse poderes de água?”, tentei perguntar na linguagem surdo-mudo. “Porque?” Ela respondeu. “Quero afastar eles daqui, da bandeira, e também por que parece legal!” Apontei para ela e concordando com a cabeça, Sofi rapidamente me levantou.

Segundos depois eu estava saindo da água, como se eu fosse uma sereia. Ok, nem um pouco graciosa, mas eu não parecia humana também. Tinha uma enorme pedra na margem, a qual eu fiquei em pé. Não havia nos olhos de Logan o mesmo olhar afetuoso de antigamente. Agora ele não é do meu time. Se um dia ele foi.

Somos rivais.

Não lembro muito depois do momento que nos encaramos. Lutei com Log, Valentina e Marvin, em que eu me machuquei bastante, corri para a floresta e eles me seguiram. Com a ajuda do meu time, Sofia ficou segura, e recuperamos a bandeira. Então apoiada em uma árvore fiquei.

Já havíamos lutado três vezes desde que cheguei, e isso foi à alguns dias. Hoje é aniversário da Sofi e eu sabia exatemente o que dar a menina dos olhos vermelhos. Apesar do meu novo jeito frio de ser, nós continuamos nos dando muito bem. Eu sabia como irrita-la, e ela a mim. Somos como irmãs.

– O que está pensando em fazer para mim hoje? – Perguntou depois de nos sentarmos com o resto do pessoal da cabana, na mesa do refeitório. – Uma festa surpresa?

– Fala sério, Sofia! – Gritou Rob – Estávamos guardando segredo! – Ele se fingiu de chocado com a mão tampando a boca. Após nos olharmos, o menino riu.

– Já disse, vamos sentar no gramado perto do lago. Como um piquinique. Aí te daremos presentes, qual a dificuldade? – Perguntei ajeitando meu cabelo para atrás da orelha. Meus cachos estavam perfeitamente bagunçados, já que depois da guerrinha fui tomar banho.

– É que eu quero uma festa surpresa! – A menina bateu o pé na grama, bem animada. – Eu quero, eu quero, eu quero! – Seu ânimo fez com que o resto do refeitório nos notasse e com que eu abaixasse a cabeça de vergonha.

– Mas que pena! – Debochou Rob.

– Não fala nada sua criança! – Ela apontou o dedo na cara do garoto – Se eu não tiver a minha festa surpresa, você não terá!

– Ele terá sim – Disse Ash, protegendo seu aparentemente melhor amigo, de uma idade bem inferior. – Eu já combinei com o Mike.

– Asheley! – Gritou o irmão – FESTAS SURPRESAS, SÃO SURPRESAS!

– Er... Não vem ao caso – Disse Rob subindo em cima da mesa e chutando o lanche – Eu terei festa, você não. Lala lala lalaaa – Robert mexeu sua minima bundinha na frente da Sofia.

A qual não podia deixar de boa e tinha que fazer o garoto quase se afogar no refrigerante. E eu ainda me lembro, de quando eu era pequena... Eu brincava de pique-pega e não de quem é afogado e quem é queimado.

Rob não estava conseguindo controlar a respiração e fez um caminho de fogo em direção da aniversáriante. A brincadeira inocente estava começando a ficar maior.

– Não é engraçado? – Pensou Rob, depois de se sentar de novo – Nós dois fazermos aniversário na mesma semana?

– Qual é a hora...? – Perguntou Bê, olhando para o prato e provavelmente esperando que a comida respondesse. – Qual foi a hora que nasceram?

– Uma da manhã – Disseram as duas crianças felizes. E depois se encaram – Como sabe a hora que nasci? – Os dois ficaram quietos. – Eu que nasci essa hora!

– Certo, gente... Não sei como Sofi não sabe, mas todos nós nascemos uma hora da manhã. – Disse Michael pensativo. – Será que é isso que nos qualifica para uma pessoa com dom?

– Eu não nasci a essa hora... – Murmurei, e me levantei e fui até a garota com as pontas do cabelo azul. – Preciso treinar mais. Você sabe... Não posso fingir que está tudo bem.

– Certo, eu vou com você – Sofia saiu da cadeira, ao mesmo tempo que eu a empurrei para continuar sentada. “Vou sozinha...” Pensei e ela entendeu.

– Você com a mente aberta, é mais facil de enteder – Ela riu e se sentou.

O assunto da mesa foi para um negócio futil quando eu sai. “O tipo de moda do século vinte um”. Até o campo de treinamento eram quase quatro, cinco quilometros. O lado bom da ilha, é que mesmo parecendo não ter fim, ela tem.