Os novos herois do Olimpo

Você não parece ter entendido a gravidade da situação.


O salão ficou silencioso novamente. Mormo estava diante dos jovens heróis, quando estavam muito próximos de conseguir o Pergaminho Áureo. Nada mais se movia na câmara: até mesmo a respiração das pessoas ficou suspensa por uns segundos. A tensão era visível no ar e parecia o cessar de ventos que prenunciava de uma tempestade devastadora. Jade estava a um passo de Oliver, servindo-lhe de escudo; Nathalia alisava o bracelete de Ares, pronta para vestir sua poderosa armadura; Eric já tinha trazido às mãos um par de adagas de bronze. Do lado de Marmo os lestrigões surfistas respiravam pesadamente pela boca aberta. Um deles, que trazia cabelos eternamente molhados sobre o dorso tatuado sorriu nervosamente deixando a mostra uma centena de dentes afiados de tubarão.

Mas foi Isabel que agiu primeiro. Ela bateu palmas e um instante estava na base da escada e não mais no seu topo. Ela girou os braços em movimentos amplos e circulares e depois parou numa pose que lembrava o kung fu acrobático. Ela fitava Mormo com os olhos semicerrados de puro ódio. Um dos lestrigões deixou que seu machado escorregasse entre os dedos, fazendo um som metálico alto e dissonante no chão de pedra. Foi o bastante para que Isabel agisse: ela socou para frente e uma torrente de fogo surgiu de sua mão, movendo-se mais rápido que uma flecha. O lestrigão foi reduzido à cinzas antes que ele pudesse gritar.

A capa de Mormo levantou-se para protegê-la do terrível ataque. Os outros dois lestrigões correram na direção da menina, um deles portando uma espada longa e outro uma enorme marreta de batalha. Isabel ouviu uma explosão de ar atrás dela e logo depois viu Eric lançando-se para frente como um projétil mortal. O lestrigão da marreta parou e ficou em posição como um rebatedor de baseball. Ele girou a marreta como uma bola de demolição, mas as asas dos pés de Eric promoveram outra explosão de ar, jogando-o para cima e evitando o golpe, certamente fatal. O gigante olhou para cima, acompanhando a trajetória do menino e finalmente percebeu a tolice que tinha cometido: ele havia deixando sua guarda aberta para o ataque de Oliver. O jovem espadachim golpeou com a ponta da espada, quase arrancando a cabeça do lestrigão, abrindo uma segunda boca escancarada e sem dentes em seu pescoço. O sague rubro escuro jorrou no chão, fazendo com que Marmo salivasse de antecipação.

O terceiro lestrigão era o mais experiente e ágil deles. Esquivou com facilidade do ataque de Nathalia e golpeou Jade com o lado cego de sua espada longa, fazendo a menina cair sobre os antigos combatentes há muito caídos no salão, espatifando-se ruidosamente. Ele passou por Isabel, dado um simples “chega pra lá” na menina. Só então ficou claro. Ele estava em busca do pergaminho e não dos jovens heróis. A sua espada girou no ar e espatifou a urna de vidro que protegia o pergaminho. Em movimento contínuo ele guardou a espada e jogou a sua prancha de surf para cima. Ela pairou em pleno ar e ele montou nela, deslizando como Marty McFly sobre seu hoverboard no filme “De volta para o futuro”.

– Detenham esse bicho! – Berrou Isabel, levantando-se depois de bater a cabeça na quina da escada de mármore clarinho. – ele está fugindo com o pergaminho!

Para alguma coisa tão grande como um lestrigão numa prancha de surfe, o cabelos molhados se movia com extrema graça e fluidez. Ele esquivou com facilidade das rajadas de Oliver, deixou para trás um Eric atordoado pelo incrível drible, e passou por Jade como se ela não existisse. Ele se movia veloz para a saída do salão, ignorando inclusive Marmo e alguns de seus diabretes vestidos como mordomos e empregadas inglesas da era vitoriana.

Foi quando um chicote, feito de vinhas agarrou o pergaminho, arrancando-o das mãos monstruosas do lestrigão. O monstro espantou-se e perdeu um pouco a direção da prancha. Nathalia arrancou um machado de duas mãos do chão e o arremessou com velocidade e precisões intensos. O golpe de Nathalia partiu a prancha em duas metades, interrompendo sua habilidade de surfar as ondas invisíveis no ar. A fera gigante caiu sobre um pelotão de ossos romanos e se viu ameaçado por Jade, que o cutucava com uma longa lança de ponta dourada. O lestrigão sorriu e desmanchou-se numa poça de água salgada e algas marinhas antes da estocada fatal. Jade levou alguns instantes se decidindo se o inimigo fugira ou se ele tinha sido evaporado pela ponta da lança.

Restava Marmo. Ela esta sentada num banquinho de madeira, com um cálice de vinho tinto nas mãos. Ao lado dela um diabrete segurava uma garrafa de vinho de aparência antiga. Ela olhou para os meninos com um ar de enfado, como se estivesse terrivelmente entediada.

– Terminaram? – perguntou ela num bocejo, incapaz de esconder o tédio absoluto que parecia consumi-la. – Temos assuntos sérios a tratar...

– Maldita! – berrou Isabel, repetindo o movimento que torrou o primeiro lestrigão segundos antes, só que desta vez com as duas mãos. A torrente de fogo dobrou de tamanho, tomando a forma de uma poderosa onda azul, um verdadeiro tsunami de chamas azuladas, muito mais quentes e mortais que a rajada anterior. Marmo olhou para a torrente e apontou o dedo mínimo para ela. As chamas se separaram em duas correntes mortais que seguramente destruiriam qualquer coisa em seu caminho. Isabel bufou tanto de raiva quanto de cansaço. Manter uma magia daquele nível era bem mais complicado do que devolver lobos monstruosos à mais tenra infância. Marmo, por sua vez, não desarrumou nem mesmo o penteado.

– Ah, se é assim que vocês querem jogar? Eu achei que vocês tinham evoluído como eu evoluí, desde o nosso último encontro. Mas é isso mesmo com os mortais, não é mesmo: sempre do modo mais difícil... Dessa forma, vamos gastar um pouco dessa energia, não é mesmo? – ela falava como um mestre experiente repreendendo um aluno talentoso, porém rebelde. Ela falava como se fosse ensinar uma verdadeira lição aos jovens heróis. – Levantem-se, levantem-se!

– Qual é o problema da bruaca? Já estamos todos de pé... – questionou Eric para Oliver. Foi quando o primeiro esqueleto se levantou. Ele e todos os outros que tinham pernas atadas ao corpo capazes de se levantarem. Um verdadeiro exército de esqueletos semideuses, gregos e romanos, estava de pé. Armas em punho, prontos para ação.

– Cara, acho que ela não estava falando com a gente – Oliver respondeu, colocando a espada em guarda enquanto observava, horrorizado, os esqueletos se levantarem. Ver isso num jogo ou filme era uma coisa, mas ao vivo e a cores era bem pior. De todos Nathalia era a mais incomodada. Não por nojo ou medo dos inimigos, mas pelo que eles eram: semideuses reanimados por magia. Ela não sabia se atacava ou se rezava aos deuses por piedade para suas almas.

– Relaxa, podemos dar conta – disse Eric, confiante, girando as adagas nas mãos, num tipo mequetrefe de malabarismo.

– É verdade – disse Jade unindo-se a ele em confiança – estão tão magrinhos, coitados! São só armas e ossos. – Oliver achou estranho que Jade fizesse uma piada, ainda mais ela que sempre fora séria no campo de batalha. Mas não teve tempo de questionar muito. Os esqueletos atacavam. E como atacavam! O fato de estarem mortos e sem carne não os atrapalhava em nada. Estavam a uma proporção de cinco para um e combatiam tão bem quanto qualquer membro do Santuário.

Lucas esfarelou algumas das folhas que tinha trazido da Praça Roosevelt até que restasse apenas um pozinho verde e fino em suas mãos. Então ele cuspiu nas mãos, fazendo uma massinha grudenta de cor verde forte. Com algum esforço ele conseguiu moldar uma bolinha.

– Não é hora de fazer artesanato! – berrou Eric, perseguido por esqueletos quase tão rápidos como ele. Lucas não se importou e arremessou a bolinha de folhas moídas contra uma leva de esqueletos que subia as escadas à sua procura. A bolinha grudou no primeiro e o cobriu quase que instantaneamente. Então a folhagem começou a inflar e desinflar até que explodiu levando centenas de vinhas gosmentas em todas as direções. Estava formada uma verdadeira “cama de gato” de vinhas entre ele e os esqueletos. Logo, sem aviso, as vinhas retrocederam como molas que foram soltas, arrastando tudo em seu caminho. Os esqueletos que o perseguiam foram tomados pelo efeito mola e, de uma hora para outra, não passavam de um bolo de ossos moídos e misturados, cobertos por um limo verdinho.

– Eu vi isso num jogo! – disse ele triunfante, como se ao repetir o efeito do jogo na vida real ganhasse algum prêmio. Isabel sorriu para o amigo, enquanto Eric engolia as palavras de segundos antes.

Já Jade lutava bravamente. De fato as armas dos inimigos, mesmo feitas de bronze celestial não eram capazes de feri-la. Mas ela mesma não parecia ser capaz de derrotá-los. E aquele era um empate que nenhum dos dois lados queria. Ela divisou no chão a marreta do lestrigão destruído. Ela correu até ele e o levantou com dificuldade. Ela refletiu tardiamente que seus poderes de invulnerabilidade e não lhe conferiam também super força. Mesmo assim ela conseguiu brandir a arma, esmagando os esqueletos para além de que a magia de Mormo poderia reanimá-los.

Nathalia decidiu-se por louvar e pedir perdão aos corpos dos semideuses caídos depois. Usando a armadura como escudo ela abriu caminho até perto de Mormo. A rainha dos vampiros não pareceu se importar e continuou bebendo o seu vinho. Nathalia devastava os esqueletos tão rápido quanto a magia de Marmo podia reconstruí-los.

– Galera! – berrou Oliver a plenos pulmões – Eu tenho um plano. Todo mundo pra cá pra cima! Full back!

À contragosto Nathalia obedeceu. Conhecia Oliver o bastante para saber que o menino tinha um plano e seus planos mereciam ser ao menos testados. Ela recuou, dando brecha para que os outros se unissem a ele lá em cima. Os soldados restantes de Marmo – quase trinta deles – continuavam avançando.

Oliver guardou sua espada e se concentrou. Ele esperava que tivesse captado corretamente as palavras da sua mãe quando ela enfrentara Apolo. Ela havia dito, furiosa, para seu irmão: “Eu sou a escuridão perpétua dos buracos negros que não deixam escapar nem mesmo a luz. Eu sou a gravidade titânica que mantem o universo unido. Com um torcer de meus dedos eu posso ignorar todas as leis da física, do tempo e do espaço!”. Talvez fosse apenas a bravata de uma mãe furiosa, uma cartada genial para fazer com que Apolo recuasse, mas no fundo, Oliver sabia que havia verdade nas suas palavras. Ele se concentrou em tudo o que sabia sobre a gravidade e sentiu a cabeça doer, como não doía desde que entrou no aeroporto de São Paulo, fugindo dos agentes da Giges. Ele suou pelo esforço e finalmente pareceu entender. As gotas de suor rasgavam seu rosto, caindo pesadamente no chão como se pesassem uma tonelada.

O primeiro esqueleto subiu mais um degrau e sua arma colou-se ao chão. Ele tentou puxar o braço, mas o que conseguiu foi apenas deslocar o osso do antebraço. Oliver olhou em volta, sentindo-se tomar posse de uma energia conhecida e invisível. Ela formava-se em torno dele. Dava para sentir a pressão afetando seus músculos. Ele direcionou essa energia para o esqueleto. O esqueleto foi arrebatado ao chão como se tivesse sido pisado por um pé gigante. Não apenas ele, mas todos os outros atrás deles. As armas estavam fixamente coladas no chão, como se o peso de incontáveis toneladas estivesse sobre elas. Os esqueletos começaram a se partir e a se esfacelar, como se estivessem sendo pisoteados por elefantes. No fim restou apenas uma pilha de ossos moídos, armas retorcidas e armaduras amassadas como latas de alumínio.

Por fim o menino caiu de joelhos pelo esforço. Os diabretes também estavam no chão, mas Marmo estava incólume. Ela se levantou da cadeira e foi até a metade do salão.

– Então heróis? Já gastaram energia o bastante? Estão prontos para ouvir o que eu tenho a dizer? Podemos continuar com isso o quanto vocês quiserem ou até ser tarde demais! – ela pegou um pequeno fraco com água e o espatifou no chão. Um pequeno arco-íris surgiu, revelando a face aflita de Karina. Ela estava ferida, com uma bandagem sobre o olho.

– Nathalia, amiga, sei que você não é traidora. Não me importa o que Dezan e os outros dizem. O Santuário está sendo atacado. Sem sua ajuda e dos outros escolhidos vamos morrer... – a imagem mostrou o céu onde um enorme meteoro parecia voar em direção ao Santuário. A imagem tremeu quando Marmo passou sua mão por ela.

– Então, podemos conversar?