Os novos herois do Olimpo

Unidos nós ficamos, divididos nós caímos.


Karina tentou ignorar a dor que o olho ferido proporcionava em todo lado esquerdo do seu rosto, enquanto se forçava através da floresta de pinheiros, carregando Bêpê apoiada em seu ombro. A filha de Atena que ela carregava era a mais valorosa e corajosa hacker de computadores que Karina conhecida. Não era apenas hacker dos computadores mortais, mas também dos mecanismos divinos. Não fosse por sua coragem e habilidade, a mensagem de íris jamais teria sido enviada.

Mas o plano teve seu custo. Dos cinco campistas que se oferecerem para ir até o mais afastado dos templos de Íris, apenas ela Karina voltavam. “Voluntários jovens e tolos correndo para boca da morte, na vã esperança de que um grupo de renegados possa atender seus pedidos de súplica”, tinha dito Dezan antes de deixar que passassem pelos portões que seus lanceiros guarneciam dia e noite.

A viagem até o templo foi repleta de combates, mortes e sacrifícios. Como esquecer a coragem de Igor, o filho de Ares conhecido por todos como o monge do estilo do macaco de pedra, que avançou sozinho contra um pelotão de Lobisomens? Como negar o valor de Debórah, a recém-chegada filha de Zeus, que se sacrificou para destruir aquele terrível touro mecânico, invocando sobre ele o poder dos relâmpagos de seu pai? Tantas mortes, tantas perdas, tanta dor... Mas mensagem tinha sido enviada. Embora BêPê não tivesse certeza se ela chegaria a seu destinatário.

– Sinto que forças terríveis tentam interceptar essa mensagem... – disse ela pouco antes do ataque do batalhão de minotauros.

A missão tinha sido cumprida. Quem sabe Moros, o deus da sorte, rolasse dados melhores para elas. Tinha sido um sucesso, mas as duas remanescentes do grupo não estavam incólumes. Estavam sim muito feridas. Karina mal podia andar com os ferimentos que recebera nas lutas. Já BêPê estava em condições bem piores: estava praticamente às portas da morte. Atrás delas, para além das sombras das árvores, os gritos de seus perseguidores as acossavam floresta à fora.

Uma hora, ao passar por um rochedo de granito, BêPê não suportou mais a corrida desenfreada e largou-se no chão. Sua blusa estava empapada de sangue.

– Vambora amiga! Falta pouco! Não me deixa na mão agora! – implorou Karina, tentando puxar de volta a colega, cujo corpo jazia molenga no chão. Ela respirava com dificuldade, mas seu rosto suado estava sereno. Com muito custo BêPê se apoiou na rocha e sorriu. Ela estava fria, um efeito secundário da perda de sangue provocada por suas feridas, mas falava com extrema sobriedade.

– Não vou conseguir Karina, você sabe disso – disse ela num sussurro suave. – Vá você. Me deixa aqui. Eu vou ganhar tempo para você. – A menina tossiu e sangue verteu de seu nariz. Karina rasgou um pedaço da manga puída de sua camiseta do Santuário e limpou o sangue.

– Qualé? Você mal dá conta de segurar o seu escudo, que dizer segurar esses caras. Vem menina, vamos embora! Eu não vou deixar você aqui para morrer sozinha. Vem que eu te carrego. – As palavras soaram verdadeiras, mas no fundo as duas amigas de infortúnio sabiam que não eram verdadeiras. Karina mal podia andar sozinha, que dizer carregar alguém por aí. Ela sentia a ferida queimar por baixo das ataduras, além das pontadas de dor que fariam gemer pessoas bem mais fortes do que ela. Ela mesma estava também exausta. Apenas seu orgulho de guerreira e seu senso de dever a empurravam pelo caminho.

– Não precisa se preocupar menina – a voz veio da sombra das árvores. Era uma voz gutural, inumana, cruel. – Logo vocês duas vão estar mortinhas da silva. E eu vou usar suas orelhas bonitas no meu colar, para mostrar que Synthlíveil é um minotauro matador de semideuses poderoso.

O minotauro saiu em direção da luz. Não era diferente dos outros que infestavam as terras do Santuário naquele momento, mas era o último do seu pelotão. Pelotão esse que tinha atacado o grupo perto do templo. Ele usava uma armadura acolchoada de couro e portava um grande machado de duas cabeças. Seu pelo era marrom e um dos seus chifres estava cerrado pela metade, furto de algum combate anterior. O seu pescoço era realmente adornado por um cordame de couro com seis orelhas espetadas nele. Ao lado dele uma dezena de katómeros surgiu. Karina largou a amiga e pegou o escudo com a efigie de Atenas. Sacou uma espada grega e se pôs em posição de luta. O minotauro riu.

– Ah, agora quer lutar? Depois de me fazer correr atrás de você esse tempo todo, como um lobo caça um coelho? Sabe menina, antes de matar vocês duas, acho que vou me divertir um pouco... Acho que vou esfolar vocês e vê-las correr um pouco mais pela floresta – o monstro pôs a língua para fora e lambeu a lâmina do machado, tomando cuidado para evitar seu fio. Karina sentiu cada fibra do corpo contorcer-se de nojo e ânsia. Pelos deuses, se fosse morrer ali, morreria como uma verdadeira filha de Ares, mas não daria a satisfação de ser esfolada viva ou usada como brinquedo por uma fera bestial como aquela. Ela cerrou os dentes e deu uma última olhada piedosa para BêPê. A menina segurava uma adaga de bronze perto do pescoço.

– Não vão me levar viva – tossiu ela.

O monstro deu mais um passo, resoluto, quando ouviu o som de uma explosão e depois sentiu uma brisa cruzar com ele. Antes de poder dizer de lado vinha o som, três katómeros caíram ao chão, cabeças separadas dos corpos. Outro foi erguido no ar por uma força invisível e depois foi esmagado, como um origami de papel nas mãos de um adulto. O seu corpo caiu sem vida no chão, triturado, enchendo de terror os remanescentes.

– Atacar! – o grito de Nathalia ecoou pela floresta de pinheiros. Ela corria em carga, brandindo sua espada romana e um escudo circular grande, com Oliver, espada em punho, guarnecendo o seu lado direto e Jade, portando uma lança, o seu lado esquerdo. Mais atrás Isabel terminava de recitar um encantamento: a rocha onde BêPê estava apoiada dobrou-se sobre ela e Karina, protegendo-as de qualquer investida dos inimigos. Os katómeros restantes deram combate aos meninos em carga, mas sua resistência foi tão eficaz quando usar uma folha de papel para deter o tiro de uma espingarda. Muitos deles morreram sem ao menos saber o que os atingiu. O minotauro amaldiçoou em grego e deu meia volta para fugir, quando um galho de pinheiro enrolou-se em seu pescoço como uma serpente constritora. O aperto férreo ergueu o monstro de pelo menos trezentos quilos no ar, enforcando-o ali mesmo. O som de seu pescoço quebrando vibrou pela pequena área de combate, e seu corpo parou de se debater poucos segundos depois.

Findo o combate Isabel abriu novamente a pedra. Os olhos de Karina encontraram os de Nathalia e lágrimas de agradecimento rolaram antes de serem limpas com o dorso da mão da guerreira.

– Amiga! – Os filhos de Ares não tem tempo para demonstrar suas emoções. Tinham de ser fortes como o ferro e inflexíveis como o aço. Mesmo assim Karina gritou de emoção, atirando-se nos braços de Nathalia – eu sabia que você viria! Eu sabia que vocês viriam! Agora temos uma chance! Ó deuses, obrigada!

– Acalme-se e me conte tudo do começo – pediu Nathalia com firmeza enquanto Jade e Isabel dedicavam-se a cuidar dos ferimentos de BêPê.

Não havia muito que contar, embora cada fragmento de informação fosse valioso. Desde que os escolhidos da profecia saíram em missão, o Santuário vinha sendo atacado com frequência. Os primeiros ataques não era nada, mas agora se sabia que os inimigos estavam apenas testando as defesas dos campistas. A derrota dos lanceiros, logo após os escolhidos da profecia terem sido taxados como traidores, só fez piorar a situação, diminuindo a moral do grupo. Mas foi há poucos dias que os ataques e intensificaram dessa forma. Grupos de minotauros, medusas, harpias, lobos gigantes, soldados da giges e até mesmo animais mecânicos atacavam dia e noite sem deixar trégua. Pelo menos 50% dos campistas estavam feridos ou fora de combate.

– Quando você diz fora de combate... – perguntou Jade, engolindo o resto da frase, por temer pelo pior. Como resposta Karina baixou os olhos. Era toda informação o que a guerreira precisava saber.

– Nossa resistência está cercada no prédio central. É lá que os líderes dos chalés estão. Um grupo de prisioneiros está sendo mantido no campo rochoso sul. À noite eles são levados para perto do prédio central e torturados. Os gritos... – BêPê mal pode continuar, mas reuniu forças o bastante e concluiu – vocês precisam salvá-los. As crianças menores estão sob a proteção de Eugênia, isoladas no fortim do oeste.

– Mas ainda tem o meteoro. – disse Karina como se comentasse uma sentença de morte. Bem alto no céu, tal como a imagem da transmissão de Íris a rocha flutuava, descendo cada vez mais perto. Era gigantesca, com quase duzentos metros de diâmetro e incontáveis toneladas.

– Meu pai... – deixou escapar Oliver pelos dentes cerrados. – você não perde por esperar, velho. – Jade pôs a mão acolhedora no ombro do menino.

– Temos trabalho a fazer – disse Nathalia. – Jade, você e Oliver vão até o prédio central. Ajudem como puderem. Acho que é lá que precisam de artilharia pesada. Conto com vocês! Eric, você e Isabel vão ao campo sul e libertam os prisioneiros. Lucas, quero que você dê a volta pelo rio. Veja se consegue a ajuda das ninfas do rio que moram na nascente norte. Elas têm tanto a perder quanto nós. Eu vou abrir caminho pela mata, matando qualquer coisa que encontrar no caminho e vou checar como Eugênia e os pequenos estão.

– Sounds like a plan to me – disse Eric abrindo suas majestosas asas. Ele se posicionou atrás de Isabel e a segurou pela cintura – Melhor segurar firme princesa. Vamos lá! – a voz do menino engrossou forçosamente e ele começou a falar – Eu não vou voltar atrás! Esse é o meu caminho ninja-semideus! Depois dessa batalha eu vou ser o primeiro hokage do Santuário! – dizendo isso ele lançou-se aos céus como um galante anjo vingador.

– Vai lá Jiraya! – berrou Oliver quando o amigo estava quase fora de alcance. Logo depois Oliver invocou seu cavalo de Mármore e montou. A sua espada já tinha formado a meia armadura que ele tinha usado na primeira luta com as caçadoras de Artêmis. Só que dessa vez era Oliver que estava no comando de tudo e a armadura não tinha feições cruéis. Ele parecia um cavaleiro vestindo uma armadura de diamante. Ele deu a mão e Jade subiu, mas na sua frente, forçando o menino para a garupa do corcel de mármore.

– Eu sou o seu escudo, lembra-se? – disse ela sorrindo e olhando por cima do ombro.

– Como eu poderia esquecer? – respondeu o menino sorrindo de volta. – Juntos até o fim!

– Até o fim dos nossos inimigos! – corrigiu ela com entusiasmo, dando uma rápida bitoca nos lábios do seu amado. Marmarino empinou e cavalgou na direção apontada. Seus cascos batiam na terra imitando o som ruidoso dos trovões que antecedem uma tormenta.

Lucas não disse nada. Apenas fez erguer uma gigantesca onda feita de grama e deslizou com ela rio acima em direção da aldeia das ninfas. Por onde passava as árvores afastavam-se de seu caminho e algumas que não tinham por que se afastarem se curvavam.

Karina e BêPê olharam o espetáculo com uma expressão de espanto, e depois fixaram os olhos em Nathalia, esperando que saída espetacular a guerreira teceria. Ao perceber os olhares curiosos das amigas Nathalia limitou-se a vestir o elmo da armadura de Ares e comentar, enquanto saía correndo com as próprias pernas:

– Hmpf! Exibidos de uma figa!

A batalha de verdade pela sobrevivência do Santuário ia começar. Observando tudo de seu zepelim, escondida entre as nuvens do céu, Bárbara olhava o seu relógio digital. Ele marcava uma contagem regressiva de 43 horas e 50 minutos. O tempo se esgotava.