Os novos herois do Olimpo

O balcão de reclamações do Hotel Syros


Se alguém tivesse dito a Eric que dentro de 72 horas ele estaria montando um cavalo infernal, acompanhado por um professor de filosofia semi-deus, ele não acreditaria e provavelmente mandaria o cara parar de fumar fita adesiva vencida. Mas lá estava ele, cavalgando à toda velocidade pelas ruas do Gama. Apesar de o cavalo ser enorme ele costurava pelo transito com agilidade, evitando carros e ônibus mais lentos. Só reduzia mesmo quando chegava perto de algum sensor de velocidade.

– Sabe como é… é complicado explicar multas de transito com um cavalo infernal. – explicou Roberto.

– Como é que ninguém vê esse cavalo dos infernos? As pessoas deveriam estar mortas de medo. – Eric parecia ainda desconcertado.

– Tem a ver com a névoa – o professor começou a explicar pausadamente – desde que os seres humanos desenvolveram a racionalidade eles não conseguem suportar a ideia de deuses e coisas como cavalos infernas. Então a mente deles “prega uma peça” neles mesmos, fazendo-os acreditar que se trata de uma “moto irada” ou qualquer outra coisa. Avistamentos de ONVIS e coisas como o Pé-grande ou o Chupa-cabras são a mesma coisa. A névoa é obra dos deuses para proteger seus filhos dos atos dos mortais. Com o tempo você aprenderá a controlar a sua visão da névoa e verá as cosias e o mundo como ele realmente é. É como a caverna de Platão.

Eric lembrou-se vagamente das aulas de filosofia sobre a tal caverna. Ele achou que o professor estava piradinho naquele tempo. Se tivesse prestado mais atenção, quem sabe agora o amigo não estivesse em perigo. Ele apertou o cabo das facas até sentir as mãos formigando.

A silhueta do hotel surgiu no horizonte. O cavalo parou numa vaga para motos, bufando. Algumas pessoas ficaram assustadas num momento, mas depois relaxaram. Roberto desmontou com agilidade, mas Eric teve alguns problemas para descer. Passado o susto inicial ele percebera que o cavalo não ia com a sua cara.

– Parece que kólasis não gosta muito de você. – explicou de novo o professor. Logo depois o cavalo relinchou em protesto. – não diga isso menina! Ele é meu convidado. Não importa! Olha a boca suja…

– Você fala com ela? Entende o que ela diz? Como Han Solo e Chewbacca? O que ela disse? – perguntou Eric, já um pouco arrependido: agora não sabia se queria mesmo saber o que uma égua infernal estava dizendo a seu respeito.

– Não se preocupe. Kólasis não gosta de semi-deuses. Quer dizer, gosta… de mastigá-los. Tem a ver com a educação que eu dei. Ela se socializou pouco. Mas vamos falar disso depois, seu amigo precisa de ajuda. Fique atrás de mim e haja o que acontecer não deixe ninguém correr. Outra coisa: não olhe diretamente para o meu rosto sem que eu dê autorização para isso. Fique sempre alguns passos atrás de mim, entendeu?

– Oque vai acontecer? Você vai me faze virar uma estátua de pedra?

– Não. Mas não acho que você queira molhar as calças.

Roberto tomou a dianteira, entrando pela porta do hotel. Ele parecia maior, como se o terno tivesse encolhido, ou como se ele estivesse inflando. Ele foi diretamente à recepção, com a caneta em punho.

– Olá Nausícaa. Onde está aquele maldito criador de porcos que atende pelo nome de seu patrão?

Nausícaa levantou os olhos e abriu a boca, paralisada de pavor. O seu grito congelou na garganta e tudo que se ouviu foi um fio de lamento. Ela tremeu e disparou a correr. Eric teve problemas para segurá-la. A mulher estava realmente numa crise de pânico. Tremia incontrolavelmente e balbuciava coisas que pareciam grego. Roberto aproximou-se. Eric desviou o olhar e viu o reflexo de Robert num dos espelhos. Foi apenas por um segundo, mas era algo horrendo. A mascote do Iron Maiden não conseguiria ser tão feio e assustador como ele. Era algo primal, aterrador, o medo da morte em pessoa.

– Eu vou perguntar uma vez mais: onde ele está?

Nausícaa não conseguiu responder. Apenas olhou para o elevador e apontou na direção dele. Quando Roberto virou na direção do mesmo ela desmaiou.

– Dádiva de Fobos. É o que dá ter como padrinho de casamento o deus do medo. – a voz e o rosto de Roberto estavam de volta ao normal.

Entraram pelo elevador e Eric viu o painel. Haviam mais botões que ele se lembrava. Roberto apertou um botão que dizia privativo. O elevador sacudiu. Eric não sabia dizer se estavam subindo ou descendo. Mais de um minuto se passou antes das portas se abrirem. Eric mal podia acreditar. Estava no fim da tarde agora e numa cidade á beira-mar!

Roberto observou o ambiente. Era o deck de piscina de uma casa de praia. Ao lado uma casa de praia ao estilo havaiano, mas numa visão mais moderna, daquelas que custam milhões de dólares. Roberto foi entrando pela porta sem cerimônias. Na sala, quase vazia, num estilo minimalista havia um senhor negro sentando ao lado de um sofá. No sofá, deitado e enrolado em mantas de couro de cabra, tal como fosse um bebê recém-nascido estava Oliver. O homem ergueu os olhos e viu Roberto e Eric. Sua expressão passou de preocupado, para assustado, e de assustado para furioso numa questão de segundos. Ele agarrou sua bengala e dela sacou uma espada – igualzinha àquelas dos filmes de James Bond – e ficou de pé, em posição de guarda. Roberto acenou com a cabeça, em silêncio. Retirou do bolso do casaco uma garrafinha de ambrosia caseira e entregou a Eric. – Faça seu amigo beber isso, ele disse antes da sua caneta virar a espada que Eric vira mais cedo.

Eumeu urrou de fúria e investiu contra Roberto. O impacto arremeteu os dois para o lado de fora da casa, arrebentando as portas de vime e vidro como se fossem de papel. Eric parou à porta. Era um combate titânico, sem reservas. Os dois usavam seus melhores truques. Faíscas voavam quando as espadas se tocavam com força, num balé mortal, sem qualquer coreografia. Eric foçou-se a entrar. Como ele queria filmar aquilo. Aquilo teria mais de um milhão de visualizações no youtube antes do dia nascer. Mas o dever com o amigo falava mais alto. Ele parou junto da mesa. Oliver estava falando em grego ou algo que parecia grego. Na mesa havia um gravador ligado, um bloco de notas e dezenas de anotações. Tudo para dentro da mochila. Eric deu a Oliver a ambrosia e ele tossiu. Aos poucos foi abrindo os olhos.

– Bem vindo de volta ao mundo dos vivos, cara! – Eric tentou soar convidativo e calmo.

– Onde é que eu estou? – Oliver firmou-se, tomando mais um gole de ambrosia – A última coisa que eu me lembro foi de estar jantando com o dono do hotel. Um velhinho simpático.

Uma explosão encheu a sala de luz e poeira. Num dos cantos Roberto jazia no chão. Seu braço estava ferido, e haviam cortes por todo o seu corpo. Ele ofegava com dificuldade. Além da explosão, do lado de fora Eumeu limpava o suor do rosto. Usava uma luva dourada, como se fosse feita de tecido de ouro. Na mão a espada-bengala saída do filme de James Bond.

– Esse velhinho simpático aí? Estamos aqui para te resgatar e aquele meio morto do outro lado é o contato do seu tio. – Eric sacou as adagas e falou com firmeza – Vou segurar esse “mão de ouro”. Dá ao Roberto o que sobrou da sua ambrosia.

Oliver assentiu, mesmo sem entender muita coisa. Eric correu na direção de Eumeu, parando no que sobrou da porta. O que ele poderia dizer? O que poderia ganhar tempo? Eumeu parecia bem menos ameaçador agora, mas Eric sabia que Roberto era casaca-grossa. Não poderia baixar a guarda.

– Cara, eu não sabia que o seu hotel tinha cobertura na praia. Tem que pagar alguma taxa extra ou é só para semi-deuses sequestrados? – Eric sentu-se estranhou se referir ao amigo como semi-deus, mas pareceu bastante cool.

Eumeu baixou o rosto e sorriu. Apontou a mão da luva na direção de Eric e de repete um clarão se seguiu. Eric mal teve tempo de esquivar. Um jato de energia luminosa e brilhante praticamente pulverizou o outro lado da parede. Eeumeu não estava de brincadeira. Luvas de raio que disparam a velocidades impressionantes não ajudam nada quando você não as tem.

– Você esquivou? Mas como? O punho luminoso se move como a flecha de Apolo e é a arma mais rápida do Olimpo! Só pode ter sido sorte! Não vai acontecer de novo!

Eumeu apontou novamente e disparou uma segunda vez. Eric se concentrou e pode ver o contorno do disparo se formando. Ele era bem mais fino que o flash luminoso da luva. Eric só pensou em se esquivar e quando viu estava correndo com as adagas na mão, desviando das seguidas rajadas de Eumeu. “Não pense, apenas aja” dizia para si mesmo enquanto se aproximava de Eumeu. Ele não sabia que estava correndo rápido: na verdade para ele estava correndo em câmera lenta, como um sonho, dando dezenas de passos entre uma batida e outra do seu coração. Instintivamente ele atacou com as adagas. Foi como tentar beijar um trem expresso.

Quando abriu os olhos Eric estava todo estrupiado. Como pé em cima dele estava Eumeu, espada em punho. A luva fumegava no chão e sua mão estava queimada, sapecada de marcas de queimado por todo lado. Aquilo deveria doer pra burro.

– Vocês semi-deuses são todos iguais. Cheios de empáfia. Eu estou no mundo desde os tempos da Odisséia. Acham que podem mesmo me vencer? Normalmente eu roubo e vendo informações, mas dessa vez eu vou entregar três semi-deuses aos tártaros.

Eumeu ergueu a espada e Eric ficou cego por um instante com o brilho de luz. Era o fim.