— Renda-se! – as palavras de Oliver saíram secas e inflexíveis.

O lado direito do rosto de Apolo se contraia incontrolavelmente, logo abaixo do seu lindo olho azul esbugalhado. Era certo que nunca em sua vida o deus sol tinha sido tão desafiado quanto naquele momento. Nem mesmo nas guerras titânicas. Ele experimentava um tipo de surpresa que os humanos conhecem muito bem: a surpresa de ser desafiado, de ter alguém que não apenas contesta aquilo que você quer ou acredita, como faz questão de fincar pé e lutar com você. Apolo estava experimentando essa sensação pela primeira vez e era certo de que ele não estava gostando nada disso. E lá estava ele cercado de semideuses que ele mesmo tentara eliminar várias vezes, muitos dos quais foram responsáveis pela frustração de todos os seus planos até ali. Como mortais podiam ser tão odiosos? A vontade de gargalhar de Apolo, quase tomado pela loucura, foi maior do que qualquer compostura. O seu riso ensandecido encheu a câmara.

— Brigada do Santuário! Vamos acabar com ele! – gritou Oliver disparando uma poderosa rajada de energia de sua espada.

— Brigada do Santuário? – inquiriu Jade, postando-se na frente do rapaz, fazendo a posição de escudo.

— Eu achei que ia ficar esquisito gritar “Avante Vingadores!”... – disse o rapaz tentando desviar o olhar da menina que estava à sua frente para se concentrar no combate que provavelmente seria o mais importante de sua vida.

— Eu acho que prefiro do seu jeito, Capitão...

Apolo não teve qualquer dificuldade em defletir o raio que abriu uma nova janela rústica na parede da sala do trono de Zeus. As duas irmãs filhas de Ares atravessaram o salão correndo na direção do deus do sol. Ele não teve qualquer dificuldade de repelir as duas com uma simples explosão de luz. Uma nova rajada de energia da espada de Oliver, alinhada com uma chuva de espinhos vinda das mãos de Lucas se abateu sobre Apolo. Ele apenas gesticulou e ambas desapareceram em pleno ar. Bárbara sacou sua espada e partiu em direção à Apolo. O poderoso golpe da espada de Dâmocles foi detido por um cetro que Apolo fizer surgir em suas mãos segundos antes. Ele apenas sorriu antes de jogar a menina contra a parede de gelo que Sav tinha feito. Então Apolo girou o cetro no ar e uma onde de energia dourada varreu tudo á sua frente, empurrando todos os heróis contra a parede de gelo.

Ele caminhou até Oliver, que lutava para se levantar depois de quicar na parede de gelo. Apolo pôs o pé sobre a espada de Oliver, apoiando-se sobre ela como um caçador se apoia sobre o corpo de uma presa abatida.

— “Renda-se”? Claramente você e seus amigos não tem a menor ideia de com quem estão falando, hein, mortal? – Apolo ergueu novamente o cetro, só que dessa vez o golpe veio rápido e certeiro, decepando a mão direita de Oliver. O menino gritou de pavor antes de ser chutado para o lado como um boneco de pano que não tinha mais serventia para uma criança mimada.

— Eu venho observando vocês, vermes malditos... Todo esse tempo... No fundo vocês não são diferentes de todos os outros mortais: assustados e sozinhos. Entre os pobres diabos da terra vocês podem pleitear um lugar na casta dos poderosos, mas aqui, entre os deuses vocês são menos que nada. Sem o poder dos outros deuses, quem vai salvar vocês?

O cetro iluminou-se crepitando com a energia dourada de Apolo. Logo depois Isabel começou a gritar quando as energias do sarcófago começaram a passar por ela, alimentando o cetro com o poder dos relâmpagos de Zeus. Apolo se preparava para desferir o golpe final. Foi quando o teto da sala do trono explodiu e uma rajada de vento, com a força de um tufão tropical atingiu Apolo, fazendo-o recuar alguns passos.

— Eu vou! – a voz de Eric ecoou pela sala. Ele estava vestindo uma toga branca impecável, juntamente com um elmo com asas e o cetro de Hermes: seu símbolo mais famoso, o Caduceu. Suas asas dos pés estavam à mostra e suas asas das costas também. – Vingadores Avante!

— Você ousa... Espere... Essa roupa, esse elmo?

— É... feita do mesmo material das suas roupas e do seu cetro. O metal dos deuses. Agora, sai de perto dos meus amigos antes que você se machuque de verdade.

— Esse é o meu garoto – comentou o avatar de Hermes, logo vendo-se enfrentando os olhares de todos os outros avatares. – O que? Ares, você deixou a sua filha usar a sua armadura!

— Não mude de assunto – comentou meio envergonhado o avatar de Ares. – Ela nem está usando agora!

— Você ousa me ameaçar, filho de Hermes? – a mão de Apolo iluminou-se com um misto de brilho e crepitar de relâmpagos. Sem aviso Apolo disparou um relâmpago feito de luz sobre o menino. Relâmpago esse que foi absorvido pelo Caduceu de Hermes. Od e Ob, as serpentes do Caduceu, começaram a se lamber como se estivessem saboreando a dose extra de energia.

— Libertem Isabel, eu cuido de Apolo. – Após as corajosas palavras as asas de Eric bateram mais uma vez e num piscar de olhos ele estava subindo aos céus, arrastando Apolo junto com ele.

Jade correu na direção de Oliver. O golpe de Apolo tinha decepado sua mão direita, pouco acima do pulso. O menino fez surgir a espada na sua mão esquerda, mas dessa vez no formado de uma grande adaga. Jade sentiu o calor emanando da lâmina muito antes de chegar ao menino. A mão de Oliver tremia quando ele tentava aproximar a lâmina do coto do braço, a fim de cauteriza-lo. Jade sabia que aquilo ia doer. Provavelmente mais do que perder a mão. Ela segurou com gentileza na mão do menino e o ajudou a cauterizar o ferimento. Num canto o avatar de Astréia tilintou as correntes com o seu esforço, tentando inutilmente se libertar. O esforço para estancar o sangue e pôr-se de volta ao combate fora demais para o menino e ele desmaiou. Com cuidado jade colocou a cabeça do companheiro no chão, voltando-se imediatamente para os colegas.

— Lucas, Bárbara e Sav vão atrás de Apolo. Nathalia vem comigo, vamos libertar Isabel! Temos que manter Apolo ocupado. – gritou Jade, sendo prontamente obedecida pelos amigos.

— Jade, tem ideia de como libertar Isabel? – perguntou a filha de Ares enquanto pensava uma forma de tocar a menina, embora todas as fibras do seu corpo lhe alertassem firmemente que não fizesse isso.

— Não sei ainda. – resmungou a menina esperando que a própria bruxinha pudesse dar alguma dica de como proceder.

Do outro lado da barreira de gelo Artêmis era uma das poucas pessoas da plateia que ainda restavam. Ela estava intrigada com a barreira de gelo que tinha resistido até mesmo a seus ataques. Como um simples dragão de bronze poderia criar uma barreira de gelo a partir de fogo que fosse assim tão indestrutível? Foi então que ela descobriu que estava atacando o problema de forma errada. A barreira era poderosa. Pensar sobre a sua origem agora seria tolices e ao que parece exigiria tempo demais para ser derrubada, mas o chão do palácio de Zeus parecia tão frágil aos poderes dos deuses como sempre fora. Com um gesto da poderosa mão o chão se abriu como uma passagem por baixo do gelo e sem demora ela o atravessou.

Nathalia e Verônica perceberam a passagem da deusa e sabia que teriam problemas demais com ela, caso ela se metesse na luta do lado de Apolo. Mesmo sabendo que era quase suicídio Verônica interceptou a deusa em seu caminho.

— Senhora, rogo que não dê mais nenhum passo. – disse era, coma voz tremida de medo.

— Você é uma das minhas caçadoras. Verônica, não é? – inquiriu curiosa a deusa da caça.

— Sim senhora. Sou sua caçadora e durante os últimos dez anos ou mais eu a tenho servido com afinco e determinação. Sempre ao seu lado e ao seu dispor. Mas hoje eu rogo, eu imploro que não dês mais nenhum passo, se vossa intenção for a de ajudar seu irmão, Apolo.

— E se eu fizer isso, o que você vai fazer? – os olhos da deusa pareciam fuzilar a alma de Verônica.

— Em nome do amor que tenho pela minha irmã eu terei de lutar com a senhora. – ao dizer isso Verônica tocou o bracelete de bronze que trazia no pulso. A armadura de Ares cresceu a partir dele, se desdobrando e cobrindo todo o seu corpo. Ao longe o avatar de Ares ignorou os olhares reprovativos dos outros avatares e permitiu-se um sorriso de satisfação.

— Você quebraria seus votos como caçadora e me atacaria, atraindo para si a minha ira e o desprezo de todas as outras por conta do seu amor pela sua irmã? – O peso das palavras de Artêmis calaram fundo na alma de Verônica. Ela baixou a cabeça e deu um passo para o lado. Artêmis deu mais um passo á frente, saboreando a vitória, e então sentiu o frio da lâmina que brotara do pulso da armadura de Ares tocar-lhe a garganta.

— Pela minha irmã eu sou capaz de ir ao Tártaro e voltar. Eu a amo senhora. Mas não me peça para escolher. Porque eu teria de escolher entre as duas pessoas que mais amo. Mas mesmo sendo uma deusa a senhora não venceria.

Artêmis sorriu e com um rápido movimento jogou Verônica para o outro lado da sala. Se ela não estivesse com a armadura de Ares teria morrido com o impacto, com certeza. Nathalia correu na direção da deusa, saltando no ar com sua espada romana em punho. Pacato ganiu confuso sobre quem deveria proteger. Embora Nathalia golpeasse com força e rapidez seus golpes mal chegavam perto de tocar Artêmis. A diferença entre as duas era mais que brutal. Afinal ela era uma deusa, acostumada há milênios com a dureza das batalhas. E o que era Nathalia? Uma fedelha de Ares. Por fim Artêmis se cansou daquele jogo e golpeou a filha de Ares cos as costas da mão esquerda, dando-lhe uma bofetada e derrubando-a no chão.

Lá em cima a batalha não ia nada bem. Depois do susto inicial Apolo não mais conteve seus ataques, forçando o filho de Hermes a se esquivar. O caduceu absorvia boa parte dos raios que Apolo mandava, mas era uma questão de tempo para que Eric fosse atingido. Mesmo ele não poderia se mover mais rápido que um relâmpago ou um raio. Por fim Eric se descuidou num piscar de olhos e logo depois sentiu o aperto férreo da mão de Apolo em seu pescoço.

— Mortais são todos iguais: quando não são cães bajuladores se julgam como leões e atacam àqueles que deveriam adorar. No fundo vocês não passam de vermes para serem esmagados.

Apolo apertou ainda mais o pescoço de Eric quando sentiu alguma coisa atingir seu braço, forçando-o a libertar o menino que caiu em queda livre, semi-desacordado. O deus sol olhou para cima e viu a figura do dragão de bronze dar a volta no ar para ataca-lo mais uma vez. Montado no dragão estava Lucas. Lá embaixo Bárbara saltava de um lado para o outro na tentativa de agarrar Eric antes que ele manchasse com o próprio sangue e os miolos o que restara da torre de Zeus.

— Vamos lá Sav! Vamos mostrar do que somos capazes!

Artêmis deu mais um passo em direção à Jade. A deusa da caça estava visivelmente irritada. Ela respirava pesadamente, como se quisesse manter a compostura, mas era nítido o seu descontentamento. Uma de suas filhas tinha levantado sua mão contra ela. e por que? Por causa de uma maldita ligação de sangue. Ah, mas ela faria as duas pagarem. Tanto a filha adotiva traidora quanto a irmã. Faria o sangue das duas evaporarem no fogo dos tormentos pro seus insultos. Uma flecha cravou-se aos pés da deusa, como um aviso, fazendo-a acordar de seus devaneios.

— Quem? – perguntou ela, olhando em volta. A Dra. Cassandra saiu de trás de uma das pilastras com um arco em punho.

— Esse foi o primeiro aviso, senhora. As próximas setas não serão tão generosas.

— O que houve com os mortais? – perguntou em voz alta a deusa das caçadoras, mudando seus trajes para as vestes de caça que tanto gostava e evocando junto com elas suas armas de confiança. – Teriam ficado todos loucos? Que chances vocês tem contra os deuses?

Novas flechas voaram pelo ar atingindo em cheio a deusa da caça, mas nenhuma delas foi capaz nem mesmo de desmanchar seu penteado. Artêmis sacou seu arco e ajustou sua flecha, mirando na filha de Apolo. Cassandra temeu pela sua vida pois sabia que ninguém, nem mesmo Apolo, usava o arco tão bem quanto Artêmis. A flecha disparada seguiu seu curso, mas desapareceu pouco antes de tocar o peito da filha de Apolo, justamente quando passou pela sombra de uma coluna.

— Que bruxaria é essa? – berrou Apolo ao sentir a força sumir de um de seus braços, justamente onde o dragão tinha atingido. Ao olhar o braço de perto ele percebeu que tinha pequenos veios brancos leitosos sobre sua pele. Lá do alto Lucas sorriu. O veneno concentrado da papoula tinha funcionado. Ou pelo menos funcionaria tempo o bastante para manter Apolo ocupado. Sav deu mais uma volta e disparou contra Apolo seu hálito de chamas. Num instante o deus sol viu-se brilhando como uma tocha humana e então as chamas se cristalizaram e Apolo caiu em direção à sala do trono como um lindo cristal congelado de duas toneladas.

O Apolo cristalizado caiu a poucos metros de Artêmis, mas ela não se importou, sabia que aquilo não poderia segurar o irmão mais do que alguns segundos e muito menos poderia feri-lo. Eram suas flechas, sumindo em pleno ar que a incomodavam. Nenhum poder do Olimpo deveria deter suas flechas. Foi quando ela sentiu alguma coisa agarrar a sua perna. Uma mão cadavérica erguia-se de uma fenda no chão, cercada por muitas outras. Parecia que ela estava no meio do ponto de encontro do zombie walk Olimpo. A montanha de mortos vivos a cobriu e mais e mais zumbis se juntavam à pilha que já tinha pelo menos dois metros de altura.

Da sombra da coluna o professor Roberto, mais conhecido como o segundo filho favorito de Hades, surgiu portando sua espada de ébano.

— Jade, vá libertar sua amiga. Eu e Cassandra cuidaremos do Oliver e deteremos Artêmis.

Jade assentiu, correndo desesperada em direção ao trono de Zeus. No caminho ela se pegou pensando em como libertar Isabel. Sabia que de alguma forma essa era a chave da sua vitória. Quando ela passou ao lado de Apolo o seu coração acelerou ainda mais. O cristal começou a rachar. Ela não tinha tempo. Correu o mais que pode, mas foi tolhida pela explosão dos fragmentos do cristal de gelo. Apolo estava furioso e fitou Jade.

— Você... – disse ele fazendo surgir em sua mão uma lança feita de madeira e com a ponta afiada como se tivesse sido apontada por um aluno dedicado. – Você morre primeiro!

A lança voou certeira no peito de Jade e a guerreira sentiu algo atingi-la com força antes de tudo ficar escuro.